Discurso durante a 114ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Leitura de nota da Sociedade Brasileira de Nefrologia, referente à grave situação dos pacientes renais crônicos do país, especialmente em São Paulo.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Leitura de nota da Sociedade Brasileira de Nefrologia, referente à grave situação dos pacientes renais crônicos do país, especialmente em São Paulo.
Aparteantes
Carlos Patrocínio.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2001 - Página 22189
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • LEITURA, CARTA, ENTIDADE, ANALISE, GRAVIDADE, CRISE, SITUAÇÃO, NEFROPATIA GRAVE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • ANUNCIO, ENCAMINHAMENTO, CARTA, ENTIDADE, TRATAMENTO, NEFROPATIA GRAVE, MINISTERIO DA SAUDE (MS), OBJETIVO, SOLUÇÃO, CRISE, GRAVIDADE, DOENÇA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago à reflexão do Plenário do Senado Federal uma manifestação que julgo da maior importância. Peço às autoridades públicas que dêem algum encaminhamento a esta questão que diz respeito aos renais crônicos do Brasil.

            Tenho aqui uma carta da Sociedade Brasileira de Nefrologia, abordando a situação dos renais crônicos no Estado de São Paulo. Ao me referir a um documento que retrata a situação atual de São Paulo, estou evidentemente entendendo que está se irradiando para todos os Estados do Brasil essa crise grave do setor dos doentes renais crônicos, que têm padecido pela dificuldade de sobrevivência das unidades de hemodiálise.

            Faço a leitura:

Prezado Senador, vimos a vossa presença na condição de representantes da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), após reunião com representantes da APREC (Associação Paulista de Renais Crônicos) e ABCDT (Associação Brasileira de Centros de Diálise e Transplante), para expor a grave situação de ameaça ao tratamento de pacientes renais em diálise no Estado de São Paulo.

Dos fatos:

O Estado de São Paulo possui cerca de 11 mil pacientes renais crônicos em programa de tratamento renal substitutivo (diálise). De maneira mais simples, isso significa dizer que estes pacientes não possuem função renal compatível com a preservação da vida e por isso precisam de tratamento com métodos que mantêm artificialmente essa função através de sistema dialíticos, hemodiálise e diálise peritoneal e mesmo o transplante renal.

A Secretaria de São Paulo dispõe para tal de uma rede de Unidades de Diálise entre públicas (15%) e conveniadas (85%) para atendê-los. Tais unidades em sua maioria trabalham sob financiamento estabelecido por Tabelas insuficientes definidas pelo Ministério da Saúde. Ocorre que os serviços prestados e pré-autorizados a partir do mês de maio passado e pagos agora no início do mês de julho apresentaram um corte médio de 7,5% (tanto na capital como no interior), realizado pela Secretaria Estadual de Saúde. As declarações da Secretaria de Saúde emitidas no Jornal O Estado de S. Paulo de 6 de julho de 2001 apontam na direção de que o corte vai persistir caso não se resolvam os problemas de caixa. Este número equivale a cerca de 825 pacientes ou 10.500 sessões de diálise, orçados em cerca de 925 mil reais pelas Tabelas já subvalorizadas do Ministério da Saúde.

Vale salientar que as Unidades de Diálise no Brasil encontram-se em situação financeira extremamente delicada, pois tiveram de contrair grandes dívidas decorrentes da compra de equipamentos determinados pela Portaria Ministerial (2044), sem que se cumprisse a promessa do Ministro de financiamento a juros compatíveis com a capacidade de endividamento do sistema.

Assim é que tal situação só tem facilitado a compra e apoderamento das Unidades Brasileiras pelas indústrias internacionais produtoras de equipamentos e insumos - em franca afronta à Constituição Brasileira - como já vem sendo denunciado por esta Sociedade há 6 anos. Mais especificamente estão envolvidas neste negócio as empresas Baxter através de sua subsidiária RTS (Renal Therapy Services), que funcionam nas mesmas instalações físicas no bairro de Interlagos e a empresa FMC (Frezenius Medical Care), também em São Paulo.

Tudo fica mais estranhável quando se sabe que o endividamento compulsório das Unidades de Diálise independentes se deu exatamente com as empresas citadas, que hoje abocanham o mercado de prestação de serviços em diálise e já detêm ilegalmente o controle direto de 35% dos pacientes sob diálise no Brasil.

            É um assunto da maior gravidade que, entendo, está registrado aqui.

            O Sr. Carlos Patrocínio (Sem Partido - TO) - Eminente Senador Tião Viana, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Com imenso prazer, nobre Senador Carlos Patrocínio. V. Exª tem externado, no plenário do Senado Federal, preocupação com essa matéria.

            O Sr. Carlos Patrocínio (Sem Partido - TO) - Sem sombra de dúvida, eminente Senador, quero louvá-lo por trazer esse assunto ao plenário do Senado Federal. Os serviços contratados, credenciados para a prestação de diálise peritoneal ou hemodiálise - serviços de diálise de maneira geral - recebem muito pouco, e essas tarifas nunca foram majoradas ao longo de todo esse tempo. O mais importante é que sempre, por ocasião dos meses de setembro, outubro e novembro de todos os anos, passamos um trimestre negro, já que começam a faltar recursos para o pagamento desses hospitais que V. Exª menciona. Tem sido V. Exª o porta-voz da Sociedade que lhe endereçou essa correspondência. Eminente Senador Tião Viana, o Congresso Nacional houve por bem elaborar e aprovar uma lei de transplantes. Aproveito essa oportunidade para dizer que o transplante de rim no País tem crescido de maneira muito tímida. É necessário que haja mais interesse das autoridades brasileiras, para que possamos incrementar cada vez mais o número de transplantes. Apenas em São Paulo existem onze mil doentes renais crônicos que dependem da hemodiálise, até que se faça um transplante renal. Portanto, quero cumprimentar V. Ex.ª por essa preocupação e dizer apenas mais uma coisa: deixar de pagar os parcos recursos - segundo uma tabela baixíssima - aos hospitais credenciados e às clínicas de diálise é o mesmo que querer fechá-los. E fechar clínica ou serviço de diálise em nosso País é o mesmo que instituir a pena de morte, pelo menos para os renais crônicos. Portanto, cumprimento V. Exª.

            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço e acolho com imensa honra o aparte de V. Exª. Senador Carlos Patrocínio, V. Exª analisa essa matéria como um seu profundo conhecedor. Considero também muito relevante a sua preocupação histórica com o assunto da saúde pública, envolvendo o povo brasileiro, e que representa, de maneira grandiosa, um Estado que seguramente passa por aflições quando se trata de doença renal crônica. V. Exª traz uma identificação nítida com o que pensa a Sociedade Brasileira de Nefrologia e a Associação Brasileira de Transplantados de Rins.

            Temos o dever de, enquanto Parlamento brasileiro, prestar solidariedade absoluta a esse tipo de situação. Como médicos, somos conhecedores de que, atrás de uma falha no sistema de diálise, diante de uma restrição de acesso ao sistema de diálise no Brasil, os renais crônicos só têm um resultado imediato, que seria o da morte. Não podemos aceitar isso. Um corte de 7,5%, seguramente, representa muito para as unidades que vivem no limite da sobrevivência.

            Tivemos, dentro da Amazônia brasileira, um cenário de ausência de produção em termos de hemodiálise nos últimos anos. Os Estados avançaram cumprindo meta. O Estado do Acre, que represento, implantou uma unidade de hemodiálise que nos orgulha muito pela qualidade como funciona. Tínhamos todos os renais crônicos do Estado morando em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Minas Gerais e Ceará em busca de um tratamento de substituição da função renal. Conseguimos implantar esse serviço e muitos desses doentes voltaram ao nosso Estado, mas é muito difícil manter um serviço dessa natureza. O Ministério custeia 30% e o Estado, 70%. Um doente renal crônico custa, nos primeiros quatro meses, em média, R$1.200,00/mês para a unidade. Isso é muito oneroso por causa das medicações inibidoras de reações ao transplantado, por medicações de apoio que têm que ser ministradas a esses pacientes e medicações imunossupressoras. Na verdade, é um quadro de alta complexidade. Temos o dever de prestar solidariedade a esse tipo de movimento, que busca a melhoria das condições de saúde do povo brasileiro.

            Acolho com imenso prazer e integralmente o aparte de V. Exª.

            Continuo a leitura do texto da Sociedade Brasileira de Nefrologia, Sr. Presidente:

O desmoronamento da indústria nacional de equipamentos no setor foi conseqüência natural das exigências das Portarias Ministeriais. Embora seja outro assunto, cabe a esta Sociedade lamentar desastres produzidos por tais procedimentos e especular suas reais causas.

A falta de pagamento atual tem duas dimensões a serem analisadas em detalhes e suas implicações diretas:

1. As Unidades de Diálise não têm condições de assumir o financiamento dos referidos pacientes renais. A Secretaria de Saúde não pode se eximir de suas obrigações e dívidas sem o risco de quebrar o atual sistema de prestação de serviços. Portanto, os pacientes em questão estão sofrendo risco de vida pela descontinuidade do tratamento por falta de recursos.

2. Ao tomar esta medida de corte, a Secretaria de Saúde, com ou sem dolo, facilita a compra das Unidades Independentes pelas megacorporações de diálise, cujas ações correm na bolsa de Nova York. Tais empresas hoje contam com privilegiada situação financeira em face da valorização do dólar, moeda sob a qual negociam seus insumos com as unidades independentes.

No ano passado, em situação idêntica, a Secretaria de Saúde cortou 20% do pagamento devido a estas mesmas unidades. Na ocasião, prometeu devolvê-los. Até hoje, nem sombra do mesmo.

Conseqüência: dívidas bancárias não repostas, sucateamento do sistema.

Agora, mais 7,5%.

Senhor Senador, consideramos esta prática inaceitável.

Onde será que está o pretendido Estado de Direito?

A nosso ver, tal atitude configura um desmando, um confisco.

Não é possível aceitar tais decisões tomadas unilateralmente sem que o País se encontre em estado de emergência. E qualquer solução para o estado de emergência precisa ser discutida com a sociedade, sem o que nada se conseguirá, a não ser o agravamento do problema.

Nosso pleito vai em duas direções:

1 - Que se garanta o financiamento e pagamento do tratamento dos pacientes necessitados de diálise no Estado de São Paulo, sem o que correm risco de morte, por absoluta inanição do sistema de prestação de serviços.

2 - Que se devolva o dinheiro confiscado pela Secretaria de Saúde às Unidades Hospitalares;

3 - Que se investigue a inconstitucionalidade da ação das indústrias de equipamentos e insumos, que através de nítido cartel avançam sua ação para o monopólio de serviços financiados com recursos públicos orçamentados para a Saúde.”

            O documento está assinado pelo Presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia, Dr. João Egídio Romão Júnior.

            Sr. Presidente, esse documento é de grande importância para as autoridades da área de saúde do Brasil, e eu o encaminharei ao Ministro da Saúde, José Serra. Acredito que S. Exª terá sensibilidade e diligenciará para fazê-lo chegar ao Secretário de Saúde do Estado de São Paulo e ao Governador Geraldo Alckimin que, por ser médico, seguramente estará atento e encontrará uma solução para esse problema.

            Espero, sinceramente, que a política dos doentes renais crônicos no Brasil, juntamente com outras patologias crônicas que envolvem tratamento de substituição de alta complexidade, como é a hemodiálise, passe por uma revisão do Governo brasileiro, juntamente com as Secretarias Estaduais de Saúde, e que sejam poupadas de aflições e momentos de grandes dificuldades famílias inteiras, que necessitam de atendimento.

            Muito obrigado.


            Modelo15/18/244:07



Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2001 - Página 22189