Discurso durante a 114ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a importância da reunião da Comissão Parlamentar do Mercosul, presidida pelo senador Roberto Requião, com embaixadores brasileiros, sobre a participação brasileira na Área de Livre Comércio das Américas - Alca.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Comentários sobre a importância da reunião da Comissão Parlamentar do Mercosul, presidida pelo senador Roberto Requião, com embaixadores brasileiros, sobre a participação brasileira na Área de Livre Comércio das Américas - Alca.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2001 - Página 22192
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, REUNIÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PARTICIPAÇÃO, EMBAIXADOR, ANALISE, POSSIBILIDADE, BRASIL, INTEGRAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES, JOSE BOTAFOGO GONÇALVES, EMBAIXADOR, REUNIÃO, DIVERGENCIA, OPINIÃO, BRASIL, INTEGRAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), POSSIBILIDADE, ANALISE, INTERESSE NACIONAL.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, BRASIL, UNIÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AMERICA DO SUL, OBJETIVO, NEGOCIAÇÃO, INTEGRAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última semana, o Presidente da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, Senador Roberto Requião, fez a primeira reunião de trabalho da Comissão neste ano, porque se encontrava de licença o então Presidente, Deputado Júlio Redecker. Na medida em que o Senador Roberto Requião assumiu, a Comissão novamente entrou em atividade. Foram eleitos também o Deputado Feu Rosa e a Senadora Emilia Fernandes; nossa Senadora do Rio Grande do Sul foi eleita Secretária-Adjunta da Comissão.

            A Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul começou a trabalhar e, nessa reunião recente, ainda na semana passada, tivemos oportunidade de ouvir dois embaixadores dos mais importantes deste País. São dois grandes intelectuais e, sobretudo, dois grandes conhecedores do Mercosul: o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e o Embaixador José Botafogo Gonçalves. Foi interessante e muito inteligente a decisão do Senador Roberto Requião, porque colocou em confronto duas posições antagônicas. São dois homens que têm uma visão completamente distinta, eu diria até, uma visão confrontante do que seja o progresso da participação do Brasil nas conversações da Alca.

            Parece-me que este assunto se torna, cada vez mais, delicado e, ao mesmo tempo, proeminente, cada vez mais central para os problemas do nosso País. A globalização é um fenômeno que nos atinge, queiramos ou não; é um fenômeno que nos fere, queiramos ou não. Muitas vezes podemos criar escudos, mecanismos de defesa, e talvez isso seja necessário. Isso será necessário. Mas é impossível fugir desta realidade galopante, fulminante, avassaladora, que toma conta do mundo de hoje.

            A Alca é um tema inescapável. Foi interessante analisar as posições dos dois embaixadores. Ambas as posições patrióticas, ambas as posições absolutamente comprometidas com o interesse do País, ambos extremamente cuidadosos e criteriosos na análise da questão, apenas com resultantes distintas. Enquanto, com base nas críticas, o Embaixador José Botafogo Gonçalves recomenda que o Brasil participe das negociações, entre no processo e tenha, dentro do processo, uma posição crítica de autodefesa, a conclusão tirada pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães é bastante diversa. Ele entende que o processo é tão crítico, tão problemático, tão complexo, tão difícil para o Brasil, tão desinteressante para o Brasil, que o Brasil deve excluir-se desse processo de negociação chamado caminho para a Alca, a Associação de Livre Comércio das Américas.

            Então, um Embaixador respeitável, homem de grande categoria intelectual, figura proeminente do Itamaraty, que ocupou as posições mais importantes na hierarquia do Ministério das Relações Exteriores, é contrário a que o Brasil sequer entre nos processos de negociação da Alca e dá seus argumentos, expõe suas razões, que são distintas daquelas apresentadas pelo Embaixador José Botafogo.

            De uma maneira ou de outra, constatamos que alguns elementos de realidade não podem ser esquecidos. O primeiro deles é que o Brasil, para incluir-se ou para excluir-se nesse contexto de negociações, precisa estar forte, sentir-se fortalecido, assentado na sua base, poderoso e com boa capacidade de barganha e negociação. Para isso, precisa consolidar, construir alianças, e aparentemente essa possibilidade vem-se tornando cada vez mais rarefeita, cada vez mais diluída, cada vez mais difícil.

            Cito como exemplo o Uruguai, país integrante do Mercosul que tem todas as razões para ser partidário de uma associação de interesses com o Brasil, de quem é parceiro no comércio exterior, na vida cultural, na história e nos interesses geopolíticos. O Uruguai tem tudo para estar ao lado do Brasil nessa questão.

            Encontrei-me com o Presidente Jorge Battle, há algum tempo. Como todos sabem, o atual Presidente do Uruguai, ex-Senador Jorge Battle, é uma espécie de Fernando Henrique Cardoso, pois também foi Senador antes de ser Presidente da República. E o fato de ser Senador nos possibilitou a convivência, ao longo desses anos, em muitos fóruns internacionais, em muitos debates. Portanto, uma razoável proximidade, um razoável conhecimento pessoal travou-se entre nós. Posso dizer que o ex-Senador e ex-Colega Jorge Battle, hoje Presidente do Uruguai, não é um homem dado a usar as palavras para esconder o pensamento. Ao contrário de muitos políticos que usam as palavras para tentar escamotear as suas intenções, ele pertence àquele padrão de homens e mulheres dotados de uma profunda sinceridade.

            Estive no seu gabinete, em Montevidéu, juntamente com outros Deputados brasileiros, e ele nos disse claramente: “O Uruguai está interessado na Alca, e está interessado na Alca para ontem, para ayer”. Ou seja, aí há um recado claro para o Brasil de que o Uruguai tem pressa na constituição e na aceleração dos processos da Alca. Conseqüentemente, o Brasil fica fragilizado, na medida em que perde uma similaridade de interesses que poderia ter com o Uruguai e passa a não ter.

            As recentes declarações do Sr. Ministro Domingo Cavallo também são sintomáticas dessa tendência. Ele, aparentemente - essa é uma opinião minha e não, evidentemente, da Comissão do Mercosul -, despreza o Mercosul, não vê futuro no Mercosul. Portanto, é um homem que também está se voltando inteiramente para essas possibilidades de mercados maiores e mais promissores, ficando diretamente interessado no acesso ao mercado norte-americano. Desse modo, é favorável à Alca o mais imediatamente possível. O que resulta disso? Resulta que, embora tenhamos uma retórica da diplomacia de que os países do Mercosul serão sempre parceiros e sempre vão discutir, em conjunto, a Alca, o que já estamos vendo é que já há uma fragmentação de interesses concretos e, a partir dessa fragmentação de interesses, evidentemente, um enfraquecimento do poder de negociação do Brasil e do Mercosul como um todo.

            E aí, realmente, passamos a constatar um fato importante: a estratégia do Brasil de aguardar que a situação ande num ritmo lento e que, no andar lento dessa carruagem, o Brasil vá amealhando apoios, como fez com os 12 países da América do Sul. A reunião histórica realizada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso aqui, em Brasília, uniu, numa associação de interesses de visões globais, os Presidentes dos 12 países da América do Sul. Nessa reunião, ficou comprovado que havia uma forte liderança política do Brasil. Mas essa liderança política e diplomática do Brasil não está se traduzindo, no momento, no jogo econômico. No jogo econômico há diferentes ritmos e diferentes níveis de interesse.

            E o interesse claro e inequívoco de muitos países é o de apressar a Alca. Portanto, é uma hora em que é preciso que se faça realmente uma reavaliação. Nesse contexto, essas posições antagônicas crescem de importância. Aquela posição intermediária de ir “empurrando com a barriga”, de ir levando a coisa para ver o que dá, possivelmente seja, agora, a terceira e pior alternativa.

            As duas melhores são: ou a do Embaixador Samuel Pinto Guimarães, no sentido de o Brasil negar radicalmente a Alca, e portanto, ele não entra fragilizado no jogo, aliás, ele não entra no jogo e tenta fazer o seu próprio, dentro de um novo contexto, de uma nova ordem hemisférica; ou a que recomendam os integrantes da outra opção, contrária à do Embaixador Samuel Pinto Guimarães, que recomenda que o Brasil entre, que o Brasil se aprofunde e ganhe força nesse processo, dentro dos prazos estabelecidos, e que obtenha ganhos os maiores possíveis dentro desse contexto, porque a Alca não vai se estabelecer em 2005. Em 2005, terá início um longo processo gradual de dez anos para que as novas tarifas externas possam vigorar.

            Qual foi o comportamento do Chile? O Chile vinha se aproximando e demonstrando particular simpatia com o Mercosul, querendo acesso aos mercados brasileiro, argentino, uruguaio e paraguaio e, em contrapartida, também abrindo o seu mercado. Mas a verdade é que o Chile já é um mercado aberto, as suas tarifas de exportação são em torno de 6%, em média, enquanto as tarifas externas do Mercosul atingem uma média de 15% - são muito superiores. O Chile é um país de viés, de comércio exterior muito mais aberto que o Brasil, que os países do Mercosul e que o próprio Mercosul como um todo.

            O Chile, todavia, demonstrando esse interesse de aproximação, vinha num processo interessante. De repente, o Chile é cooptado ou, pelo menos, há uma tentativa de cooptação do Chile. Tenta-se pinçar o Chile de dentro do quatro mais um do Mercosul e oferece-se ao Chile uma negociação bilateral para que o Chile tenha acesso ao mercado americano, sozinho, por uma negociação direta com aquele país.

            Ora, esse isolamento dos interesses, esse insulamento dos interesses é, ao mesmo tempo, um enfraquecimento do poder de negociação e principalmente do Brasil, que é, na região, o País que tem a economia industrial mais complexa, mais sólida e que, portanto, mais teria a perder num processo competitivo de tarifas extremamente reduzidas, como poderá vir a ser uma área de livre comércio.

            Conseqüentemente, é importante dizer, então, sem preconceito algum, - ao contrário, temos grande admiração pelos chilenos - que, nesse caso, seria, sem dúvida alguma, uma rasteira no Brasil. Na medida em que um país se desgarra e faz um acordo separadamente, dá-se, em seguida, um fluxo enorme de investimentos para esse país, inclusive de capitais brasileiros, de indústrias localizadas no Brasil que poderão se deslocar para bases operacionais chilenas com o objetivo de ter acesso fácil ao mercado americano, coisa que o Brasil, então, não teria.

            Essa atitude do Chile, é claro, fragiliza-nos, fragiliza o poder de negociação no Mercosul. Mas, agora, recentemente, houve novamente um recuo da situação. As coisas mais ou menos voltaram a um estado quase semelhante ao de antes, e o jogo voltou, mais ou menos, à estaca zero. O que não significa dizer que o Brasil tenha reconquistado a associação, o vínculo e a capacidade de se integrar nas políticas de negociação dos novos espaços econômicos, que ele tenha recuperado essa capacidade de coesionar os países do Mercosul e de liderar esse bloco num processo de negociação. Isso não se refez, não é totalmente verdade.

            O Ministro Domingo Cavallo continua numa posição, diria, no mínimo preocupante para o Brasil. E as declarações sinceras do Presidente uruguaio, Jorge Battle, têm que ser preocupantes para nós, mas, do ponto de vista deles, são explicáveis. O Uruguai não é um país industrializado, é uma economia baseada no comércio, e o incremento do comércio é importante para um país como o Uruguai. Se houver a possibilidade de incrementar o comércio, ele o fará, à medida que as alternativas surgirem.

            Sr. Presidente, faço o registro e cumprimento o Senador Roberto Requião por ter sido eleito Presidente da Comissão do Mercosul e por já haver propiciado a visão interessante e clara do andamento das negociações, o que me permitiu, finalmente, tomar uma posição, ou, pelo menos, encaminhá-la melhor. Eu acreditava que a posição brasileira de ir “levando com a barriga” talvez fosse a melhor. Mas me parece que, dadas as novas condições, as novas posturas adotadas pelos países vizinhos da América do Sul, creio que é ou o tudo ou o nada; ou o avanço significativo, incisivo, participativo, competitivo do Brasil, ou a posição do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que é a de exclusão do Brasil, enfim, para criarmos uma nova esfera de relacionamento.

            Portanto, “empurrar com a barriga”, fazer que não vemos, parece-me que isso poderá acabar sendo a pior conseqüência para o Brasil.

            Obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/17/243:34



Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2001 - Página 22192