Discurso durante a 114ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repúdio ao atentado terrorista aos Estados Unidos.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Repúdio ao atentado terrorista aos Estados Unidos.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2001 - Página 22196
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • REPUDIO, OCORRENCIA, TERRORISMO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CRITICA, MORTE, DEFESA, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL.
  • ANALISE, TERRORISMO, REFORMULAÇÃO, RELAÇÕES INTERNACIONAIS, POSSIBILIDADE, REATIVAÇÃO, PADRÃO, SEGURANÇA NACIONAL, MUNDO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, SERGIO ABRANCHES, CIENTISTA POLITICO, ANALISE, SITUAÇÃO, TERRORISMO.
  • REPUDIO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, POPULAÇÃO, ORIENTE MEDIO, CRITICA, POSSIBILIDADE, GUERRA.
  • LEITURA, CARTA, AUTORIA, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, REFERENCIA, MEMBROS, GUERRILHA, SEQUESTRO, CONGRESSISTA, PAIS.
  • DEFESA, BRASIL, APOIO, DEMOCRACIA, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, a comoção causada pelo bárbaro crime cometido no último dia 11 de setembro contra os Estados Unidos deixa pouca margem para especulações ou dúvidas.

            É impróprio, neste momento, argüir se a política para o Oriente Médio praticada por George W. Bush reacendeu velhos ódios. É extemporâneo também especular se os atos colocaram em xeque a política de segurança do Governo norte-americano. Antes de mais nada, Sr. Presidente, foi praticada uma monstruosa ação criminosa. Não há conjuntura, raiz histórica, ódio ancestral, conflito ou agressão anterior que justifique, Sr. Presidente, o assassinato de tantos inocentes. Trata-se de um crime hediondo e, como tal, deverá ser combatido.

            Nesse sentido, acreditamos que todos os Estados nacionais, independentemente de conflitos atuais ou passados, devem solidarizar-se na busca e captura dos criminosos, não havendo qualquer motivo para tergiversações, uma vez identificados os responsáveis.

            Da mesma forma, Sr. Presidente, esperamos que os atentados sirvam de exemplo e exortação para contribuição de amplo movimento, que inclua governos, organizações internacionais, igrejas, religiosos, movimentos sociais, destinados a banir o terrorismo da cena política.

            A resposta firme e a colaboração internacional são os elementos que podem impedir que as maiores vítimas dos atentados sejam a paz mundial e também a democracia. Para lograr resultados eficazes e duradouros, é necessário evitar que as ações destinadas a punir os responsáveis contaminem o mundo de uma forma definitiva, com espírito de confrontação militar. A pressão da opinião pública norte-americana não deve servir de amparo para sentimentos de vingança que rompam os princípios de convivência pacífica. Nesse sentido, faço minhas as palavras do professor Domício Proença Júnior, da Coppe/URFJ, na edição de O Globo do dia 12 de setembro: “Se abrir mão do estado de direito, o terror terá vencido”.

            Infelizmente, Sr. Presidente, em grande parte justificada pela dor das perdas humanas, ganha força nos Estados Unidos e entre boa parte das Lideranças políticas dos países desenvolvidos uma posição mais extremada. Propaga-se a figura de que estamos em meio a um conflito entre o “mundo civilizado” e a “barbárie”. Pior, Sr. Presidente, afirma-se que esta é a “guerra do século XXI”.

            A declaração do Presidente George Bush, caracterizando os acontecimentos como ato de guerra, foi a primeira e mais grave expressão dessa tendência. A ela seguiram-se outras: a resolução da OTAN, que caracterizou os acontecimentos como agressão militar perpetrada por um país membro; e a declaração surpreendentemente dura do Primeiro Ministro Britânico Tony Blair, que reforça a tese de uma guerra entre o mundo ocidental e o resto da humanidade.

            O cientista político Sérgio Abranches, num importante artigo do dia 14 de setembro, aponta para o surgimento de uma nova ideologia da segurança nacional, com uma proposta mais dura de condução das relações internacionais e que se está tornando rapidamente um novo paradigma de um mundo em desenvolvimento. Em suas palavras:

É exatamente para caracterizar a dimensão extraordinária do terrorismo catastrófico e legitimar o uso de medidas extremas em larga escala contra indivíduos, grupos e países que o novo paradigma defende a conceituação desses ataques como ato de guerra e não como atos criminosos.

            como ato de guerra e não como atos criminosos.

            Prossegue esse excelente artigo do Prof. Sérgio Abranches, alertando para a complexidade da situação ao afirmar que:

O problema é que a guerra é a opção preferencial das duas partes, portanto, nenhum argumento pacifista convencerá quem teria que ser convencido. Talvez o único caminho para evitar uma “guerra permanente”, como foi a Guerra Fria, fosse os países que hoje abrigam os terroristas passarem a colaborar para sua erradicação ou contenção efetiva. Mas esse é um beco sem saída, porque esses governos não o fazem, por medo ou por conveniência. Além de o terrorismo atender a seus interesses, eles compartilham os valores e as crenças político-religiosas dos terroristas. Não se deixarão convencer nem por argumentos nem por sanções light. O mundo, nessa área, está sem alternativa.

            Mas contra quem seria a “nova guerra” tão anunciada? Contra criminosos que vivem entre os pobres da Terra e que usam a indigência destes últimos como um escudo para sua impunidade. Guerra sem fronteiras que fará de cada cidadão que não pertença ao “lado considerado civilizado” do Planeta um suspeito, um inimigo potencial.

            Junto com essa vertente de radicalização política, reforça-se uma visão cheia de preconceito e xenofobia. Os muçulmanos não podem ser confundidos com as minorias extremistas em todos os países que abraçam o terrorismo. A sua religião não pode ser interpretada no Ocidente como uma ameaça à civilização. Da mesma forma, os palestinos, os árabes em geral, os iranianos e o povo afegão não podem ser tachados de partidários incondicionais da violência e da guerra.

            No Brasil, o que vemos é justamente o contrário. A vida dos imigrantes oriundos desses povos e dos adeptos da religião muçulmana sempre foi um exemplo de trabalho, de amizade, de solidariedade e de justiça. É importante frisar isso desta tribuna.

            Há um risco adicional embutido no simplismo maniqueísta de dividir o mundo e a sociedade entre o bem e o mal. É o de legitimar uma guerra generalizada contra o outro, contra todos que sejam diferentes de nós mesmos. Em um País de contrastes como o Brasil, cujo conceito de cidadania ainda se constrói, onde ninguém pode considerar-se fora o alcance da violência criminosa, sabemos o que pode significar uma atitude como essa a que estou me reportando.

            Em um triste paralelo - volto a dizer, em um triste paralelo - seria como defender que, para combater o crime organizado presente em nossas cidades, bastasse chamar o Exército nacional para invadir de forma indiscriminada as comunidades carentes onde se ocultam e se organizam alguns grupos de marginais. Os custos, em termos de vidas humanas, seriam compensados pelos supostos e duvidosos resultados para a dita paz social. Ironias da globalização. O mundo ficou menor, as fronteiras nacionais parecem apagar-se, mas os problemas globais parecem-se cada vez mais com nossos dramas locais.

            Há alguns pensadores, como o Secretário de Planejamento da Cidade de São Paulo, Professor Jorge Willhein, excelente pensador, que representam o mundo globalizado por arquipélagos compostos por ilhas de prosperidade cercadas por mares de indigência. As ilhas são espaço de riqueza, idênticas em termos de valores, consumo e referências culturas, estejam elas localizadas em Milão, Nova Iorque ou São Paulo. É possível viver saltando entre uma e outra sem jamais estabelecer contato com a miséria dos mares circundantes. Assim, um nova-iorquino branco de classe média estaria mais próximo de casa num hotel da zona sul do Rio que num bairro negro de Washington. Para garantir a felicidade e a segurança dos “globalizados”, as fronteiras entre os dois mundos devem ser bem delimitadas. É necessário viver separado, isolar-se do contato, criar barreiras, portões, ruas privadas, freqüentar áreas de lazer pagas e exclusivas, enquanto o resto, a maioria da população, é relegada a sua própria sorte.

            Sãos metáforas que expressam as contradições de nossa época e que valem, principalmente, como indicações de que o mundo precisa buscar um caminho alternativo, de uma convergência pluralista, mais justa e com mais tolerância.

            Nosso País, apesar de todos os seus problemas - e não são poucos -, tem uma importante contribuição a dar ao atual quadro internacional. Nossa nacionalidade é marcada pela presença do imigrante e pela mescla de culturas. Apesar da mancha da escravidão e do racismo, que ainda persiste e requer um árduo combate, há no Brasil uma tradição de integração e convivência entre comunidades de distintas origens étnicas e geográficas, que pode sinalizar um caminho de paz. Poderemos ajudar na construção de uma alternativa ao falso “confronto de civilizações” e no fortalecimento de uma comunidade internacional unida e plural.

            Nossa diplomacia, com sua tradição de independência, pode adotar um papel decisivo no quadro atual. O esforço brasileiro deve concentrar-se em garantir que a resposta aos atos de terrorismo nos EUA seja simultaneamente eficaz, afastando o risco de uma generalização do conflito. É preciso haver uma resposta firme, o mais amplamente apoiada nas circunstâncias atuais, sem fechar espaço para uma nova política de paz e de cooperação internacional.

            Da sociedade brasileira não faltará apoio a uma posição desse tipo. É uma prova disso a acertada e pronta iniciativa do Presidente Fernando Henrique Cardoso ao convocar e dirigir uma reunião com a participação de lideranças de todos os partidos políticos representados no Congresso Nacional a fim de expressar uma posição compartilhada do País na condenação aos atos de terror.

            Estive presente nessa importante reunião como um dos representantes dos partidos de Oposição nesta Casa.

            Não há, entre nós, ao menos com representação significativa, nenhuma forma de radicalismo ou de posição extremada que propugne por outro caminho que não seja o de uma ampla cooperação internacional no combate ao terrorismo em todo o mundo e na defesa simultânea dos direitos humanos e da paz.

            Devemos todos lutar para que a punição aos responsáveis pelos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono não se transforme numa justificativa para a militarização, esta sem precedentes nas relações internacionais. Essa é uma luta que devemos travar.

            As alternativas que envolvem maiores negociações e de lenta implantação costumam ser as mais apropriadas para o enfrentamento de problemas complexos, e este é um caso. Trata-se de um problema de alta complexidade. Para quem acompanha o noticiário, no seu dia-a-dia, os diversos analistas, sejam europeus, sejam americanos, entendem essa complexidade que estou citando.

            Sr. Presidente, resta, diante desse quadro complexo, saber se as lideranças americanas terão sensatez e equilíbrio em um momento tão delicado e traumático. Conforme o Professor Timothy Garton Ash, em artigo publicado na Folha de S.Paulo deste domingo, “desde que George W. Bush foi eleito, temos especulado até que ponto ele está preparado para levar os Estados Unidos a agirem sozinhos. Pode parecer loucura sugerir que a maneira pela qual os Estados Unidos respondam a um único ataque terrorista, por mais horripilante que tenha sido, dará forma a todo o sistema internacional. Mas isso ainda pode ser verdade.”

            Sr. Presidente Srªs e Srs. Senadores, seria melhor que não fosse assim. Repito, seria muito melhor que não fosse assim e que um assunto tão grave como esse pudesse contar com a mais ampla participação mundial. As probabilidades parecem remotas, mas enquanto houver um pingo de esperança sequer, deveremos lutar para resgatar dos escombros uma chance e uma oportunidade para a paz.

            Era o que tinha a dizer.


            Modelo111/27/244:50



Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2001 - Página 22196