Discurso durante a 115ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Cinquentenário da Lei Afonso Arinos. Expectativa quanto aos resultados da participação do Brasil. Conferência Mundial contra o Racismo, encerrada no último dia 7 de setembro, em Durban, na África do Sul.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Cinquentenário da Lei Afonso Arinos. Expectativa quanto aos resultados da participação do Brasil. Conferência Mundial contra o Racismo, encerrada no último dia 7 de setembro, em Durban, na África do Sul.
Publicação
Publicação no DSF de 19/09/2001 - Página 22235
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, COMEMORAÇÃO, CINQUENTENARIO, LEGISLAÇÃO, BRASIL, COINCIDENCIA, PREPARAÇÃO, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL, CONFERENCIA INTERNACIONAL, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, PATROCINIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL, COMPARAÇÃO, SUPERIORIDADE, EXCLUSÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • ELOGIO, INICIATIVA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), REALIZAÇÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, EXPECTATIVA, RESULTADO, PARTICIPAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, BRASIL, DEBATE, REDUÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, MUNDO.

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            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Lei Afonso Arinos, que tipificou como crime atos ofensivos motivados por preconceito de raça ou de cor, completou 50 anos em julho deste ano. A lei foi publicada em 31 de julho de 1951. A comemoração do cinqüentenário desse importante marco legal contra o racismo e a intolerância coincidiu com os preparativos nacionais para a Conferência Mundial contra o Racismo, patrocinada pela ONU, conferência que se realizou em Durban, África do Sul, de 31 de agosto último a 7 de setembro.

            Sem querer, de forma alguma, diminuir a relevância da Lei Afonso Arinos, que tem, no mínimo, significado simbólico, por demarcar o momento a partir do qual a posição que considera o racismo intolerável é acolhida pelo nosso ordenamento jurídico e, portanto, se erige em valor a ser defendido pelo Estado, é sintomático das relações sociais no Brasil que, primeiro, possam contar-se nos dedos das mãos quantas vezes a Lei foi efetivamente aplicada em 50 anos de existência; e, segundo, que a Lei se tenha originado a partir da indignação, causada em círculos liberais brasileiros, pela discriminação que sofreu, no Hotel Copacabana Palace, do Rio de Janeiro, artista negra americana, de renome internacional que, na época, visitava o País.

            Então, duas coisas. Uma: a Lei existe, mas praticamente não é aplicada. Duas: a Lei surgiu com preocupação de proteger um estrangeiro - no caso, uma artista negra famosa -, não tendo sido motivada, a princípio, pela proteção da população negra nacional.

            O fato é que hoje, em nosso País, decorridos 113 anos da abolição da escravatura, continua firme a barreira socioeconômica entre brancos e negros, incluindo-se, na classificação de negros, também os pardos, isto é, os mestiços.

            Apenas para citar alguns dados, recorro a recente reportagem publicada pela IstoÉ em julho deste ano. Segundo a reportagem, referindo-se à pesquisa do Ipea, um trabalhador branco, no Brasil, ganha, em média, 573 reais por mês, enquanto um trabalhador negro ganha apenas 262 reais. Ou seja, menos da metade. Outro dado: o branco passa 6,3 anos na escola, sempre em média; o negro passa 4,4 anos. Outro dado ainda, este demonstrando de forma mais clara o preconceito racial: a pesquisa do Ipea concluiu que, caso os negros tivessem a mesma escolaridade dos brancos, ainda assim ganhariam 30% menos do que os primeiros, isto é, diferença salarial advinda exclusivamente da discriminação no mercado de trabalho.

            Aliás, sobre o preconceito de cor no Brasil, eu ousaria desenvolver um brevíssimo arrazoado.

            Por um lado, considero a alegada democracia racial brasileira um mito e uma farsa. Pouca gente, hoje em dia, assume publicamente a opinião de que não há preconceito racial no País. Certamente há. Não é necessário coletar provas em favor dessa tese. Quem mora e vive no Brasil sabe que há preconceito racial, principalmente por parte das classes mais ricas. O mito da democracia racial serve apenas para mascarar o fato, evidente por vários ângulos pelos quais se veja o problema.

            Por outro lado, não posso concordar com a posição radical de algumas entidades de defesa dos direitos dos negros, entidades que não vêem qualquer diferença entre a situação brasileira e a de outros países com população negra significativa. Façamos comparação com os Estados Unidos, comparação que é sempre lembrada. Ora, apesar de que naquele país haja maior proteção institucional à minoria negra, seja por meio de políticas de ação afirmativa, seja por meio de programas de financiamento ao desenvolvimento sócioeconômico dessas minorias, o que é da máxima importância e deve servir de inspiração para nós em muitos aspectos, é certo que, no Brasil, há menos discriminação social e mais integração racial. Antes de tudo, porque somos uma população miscigenada. Já nos Estados Unidos, há enorme segregação racial. Negros, de um lado, e mais recentemente hispânicos. De outro lado, os brancos.

            Só para ilustrar a profundidade de preconceito de cor nos Estados Unidos, cito o conhecido exemplo dos blockbusters, termo que conhecemos, no Brasil, pelo fato de ser nome de conhecida rede de locadoras de vídeo. Que são os blockbusters? São corretores de imóveis inescrupulosos que fazem o seguinte: vão a um bairro de pessoas brancas e espalham o boato inverídico de que famílias negras estão se mudando para lá. Isso cria pânico nos proprietários de imóveis, pois sabem que, se confirmada a ida de negros para o bairro, seus imóveis serão inevitavelmente desvalorizados, pois os brancos não querem morar em locais habitados por negros. Vendem, então, seus imóveis apressadamente por um valor depreciado. Aí os corretores inescrupulosos, os blockbusters, compram esses imóveis a preços módicos e depois os revendem, passado o boato, por preços bem mais altos. Ora, com todo o preconceito que possa haver no Brasil, estamos muito distante de uma situação como essa.

            Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, achei por bem fazer esse comentário sobre o preconceito de cor no Brasil porque percebo que há, nesse debate, muito extremismo. Há os que tentam, por todas as formas, esconder o preconceito que efetivamente há em nosso País, e que é basicamente socioeconômico, o que afeta diariamente nossos concidadãos negros e pardos. E há os que tentam, também por todas as formas, exagerar o preconceito, alçando-o a níveis irrealistas.

            Quero terminar este breve pronunciamento celebrando a iniciativa da Organização das Nações Unidas por ter realizado a Conferência Mundial contra o Racismo, encerrada no último dia 7 de setembro, em Durban, na África do Sul.

            Durante sete dias corridos, a comunidade internacional, reunida, discutiu as fontes, as causas e as formas das manifestações contemporâneas do racismo, assim como da xenofobia e da intolerância relativas a tais atitudes; medidas de prevenção e de educação contra o racismo, bem como de proteção a suas vítimas, a serem tomadas em nível internacional, nacional e regional; e estratégias para se chegar à efetiva igualdade entre as pessoas, incluindo cooperação internacional e medidas implementadas pela ONU no concerto das nações.

            O Brasil, como país multirracial e, mais, miscigenado, teve muito a contribuir com esse debate. Elaboramos documento com as propostas brasileiras para a Conferência da ONU, propostas que foram retiradas da I Conferência Nacional contra o Racismo e a Intolerância, realizada nos dias 6, 7 e 8 de julho, no Rio de Janeiro.

            Enfim, Sr. Presidente, esperamos todos que temos, na igualdade entre os seres humanos, um valor supremo de civilização que a Conferência da ONU contra o Racismo e a Intolerância resulte em ações concretas que, por sua vez, venham a reduzir essa chaga persistente da história humana, que é a discriminação racial.

            O Brasil, infelizmente, está longe de ser a democracia racial que muitos querem nele ver, não digo por cálculo ou por malícia, mas, muitas vezes, por excesso de generosidade, que projeta para fora as aspirações mais belas. Porque seria bom que efetivamente o fosse. Todavia, se ainda não o é - e notem que disse ainda -, nada impede que venha a sê-lo em futuro não muito distante. Isso só depende de nós. Vamos usar o belíssimo mito da democracia racial não para mascarar a fealdade do que está diante de nossos olhos, mas sim para embalar nossas aspirações mais elevadas e mais caras na direção desse sonho, que está ao nosso alcance, desde que por ele arregacemos as mangas e muito trabalhemos.

            Muito obrigado.


            Modelo16/16/241:56



Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/09/2001 - Página 22235