Discurso durante a 120ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração ao centenário de nascimento do ex-Senador Alberto Pasqualini.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração ao centenário de nascimento do ex-Senador Alberto Pasqualini.
Publicação
Publicação no DSF de 26/09/2001 - Página 22672
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, ALBERTO PASQUALINI, EX SENADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, JUSTIÇA SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, Srs. Deputados, Srs. Ministros, Srs. Diplomatas, senhores convidados e convidadas, homenagear a memória de Alberto Pasqualini, por ocasião das comemorações de seu centenário de nascimento, mais do que um dever, é motivo de júbilo para mim, pois compartilho seus ideais de brasilidade e de justiça social. Falo em meu nome e em nome da Bancada do Partido dos Trabalhadores desta Casa.

            Como gaúcha, sinto orgulho de ser conterrânea de um dos mais ilustres homens públicos brasileiros do século XX. Nascido no alvorecer do século passado, em 23 de setembro de 1901, Pasqualini marcou, de modo decisivo, a evolução política, social e econômica do Brasil moderno, mas infelizmente sua vida extinguiu-se antes que completasse 59 anos de idade.

            É comum, num País de poucas letras, que os que se destacam por sua cultura e saber sejam rotulados de intelectuais teóricos. Impinge-se-lhes a pejorativa qualificação de pessoas que pensam belas idéias, mas não sabem lidar com a realidade objetiva e as complexas demandas sociais. Pasqualini, que foi injustamente alvo desse tipo de rotulagem por parte dos seus adversários, ao longo de sua atuação como político e advogado, deixou gravada sua personalidade guiada por ideais; defendeu causas nobres e por elas firmou posições e lutou por vitória; mobilizou pessoas em torno de um projeto de sociedade com a força dos idealistas convictos. Assim foi nosso homenageado.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a trajetória de Alberto Pasqualini é o exemplo do poder que as convicções têm de levar adiante os que delas se imbuem. Grande inovador de idéias políticas, Pasqualini antecipou soluções e propostas de mudança.

            Nascido em família humilde, no interior do Rio Grande do Sul, Alberto Pasqualini teve o seu desejo de ser médico abortado pela necessidade de trabalhar para se sustentar. Acabou optando pelo curso que lhe propiciou conciliar estudo e trabalho.

            Pasqualini reservava à educação um papel de especial relevância no processo de construção dessa nova sociedade:

A organização social e econômica será sempre reflexo de uma mentalidade e, enquanto essa mentalidade não evoluir e se aperfeiçoar, enquanto o homem não aprender a moderar os seus instintos egoístas e incluir, como condição de sua felicidade, a felicidade alheia, não poderemos ter esperanças de que haja paz, segurança e bem-estar. Não haverá transformações sociais estáveis e duradouras se não se reformar, ao mesmo tempo, o caráter do homem. O que é necessário, por isso, é educá-lo, cultivar-lhe o lado bom e nobre da personalidade.

O professor deve, principalmente, educar a juventude no sentido de desenvolver nela as idéias e os sentimentos de solidariedade social e de fraternidade humana. Só assim poderemos preparar gerações em que os problemas e as desigualdades sociais não atinjam as asperezas da hora presente.

            Ele sempre esteve convicto de que nenhuma obra coletiva duradoura é possível sem que o professorado atue necessariamente para formar a vanguarda do progresso da sociedade.

            Pasqualini diplomou-se Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Porto Alegre, aos 27 anos de idade.

            Com o causídico, surgia o tribuno, o intelectual, o político, o lutador pelas causas dos trabalhadores, como já se revelava ao ser eleito orador de sua turma.

            Intelectual conseqüente, Pasqualini buscou, em todas as funções que desempenhou, traduzir, em atitudes, os princípios que nortearam sua vida.

            Desse modo, em 1945, lançou a USB - União Social Brasileira, projeto que espelhava suas idéias sobre o desenvolvimento econômico e as reformas sociais, que já se tornavam ingentes àquela época.

            O ideário constitutivo da USB serviria de base para a criação do Partido Trabalhista, sob a égide da Constituição de 1946, pelo que é considerado um dos pais do trabalhismo brasileiro.

            Não fora sua frágil saúde - um dos fatores responsáveis pela perda das eleições ao Governo do Rio Grande do Sul em 1947 e em 1954 -, o Brasil teria podido contar, por longo tempo, com um de seus filhos mais preocupados com as questões sociais e a concretização de projetos econômicos nacionais.

            Falando a respeito do desenvolvimento, em 1955, Pasqualini proferiu as seguintes palavras:

            A inflação significa, pura e simplesmente, a espoliação das classes proletárias e, portanto, dos humildes, economicamente indefesos, para enriquecimento dos mais ricos, isto é, dos que não vivem dos salários e vencimentos.

            É necessário que a contemplação das necessidades, das privações e dos sofrimentos do povo despertem reações e sentimentos mais fortes que os erros políticos e que todos os brasileiros, imbuídos de profundo espírito patriótico, unam seus esforços, para que se possa proporcionar ao povo um mais elevado nível de vida e para que se possa executar a urgente tarefa do soerguimento nacional.

            Esse objetivo somente poderá ser alcançado, unindo e harmonizando os fatores da produção e assentando as bases da economia no plano de cooperação, de solidariedade e de justiça social.

            O lucro, por outro lado, não pode ser desvinculado de suas origens e fontes sociais, sendo, portanto, um imperativo de justiça que parte dele reverta em benefício dos que contribuíram com o seu trabalho para produzi-lo.

            Combatendo a injustiça social, apontava meios para saná-la:

            A inteligência armou a mão e os sentidos do homem de instrumentos poderosos para agir sobre a natureza, mas, se extraordinários foram e são os processos da ciência e da técnica relativamente ao processo de produção dos bens, talvez o mesmo não se possa afirmar quanto ao critério social de sua repartição.

            O capitalismo, quando na sua forma individualista e egoísta, é a origem e a causa de todos os males que atormentam o mundo.

            É esse egoísmo, na sua avidez ilimitada de lucros, que cria os monopólios, que explora o homem, que maquina guerras, que gera a miséria, que oprime os povos. É ele a negação da solidariedade humana e o repúdio das leis divinas.

            Não há nenhuma razão natural, nem jurídica, nem moral que possa excluir uma parte da humanidade do uso e gozo dos bens da terra, dos frutos e benefícios da cultura e da civilização. O mundo deverá propender para uma organização social em que todos possam usufruir esses benefícios na justa proporção de seu trabalho. É a isso e apenas isso que denominamos socialismo.

            Srªs e Srs. Senadores, preocupado que era com as políticas públicas, fator preponderante para o desenvolvimento nacional, Pasqualini foi ferrenho defensor da criação do sistema federal de bancos de Estado, para o que propôs o Projeto de Lei do Senado nº 21, de 1954, pelo qual se criou o Banco Central do Brasil e a estrutura que desembocaria no atual sistema de financiamento de projetos estratégicos de desenvolvimento.

            Lutou, com seu inquestionável poder de análise da realidade e exímia argumentação, pelo monopólio estatal na exploração de petróleo, que resultou na criação da Petrobras.

            Com a convicção dos que sabem ver ao longe na estrada da vida, defendia que determinados setores estratégicos de exploração de riquezas nacionais não deveriam sequer ficar com o capital privado nacional, sendo reservado ao Estado o dever de fazê-lo.

            A atuação de Pasqualini nesta Casa, o Senado Federal, foi marcada pelas reformas de base, a criação da Petrobras, a mudança do sistema de crédito, os efeitos da inflação sobre os assalariados.

            São palavras suas:

A política, no elevado sentido do termo, é a ciência da pesquisa e a arte da realização do bem-estar social. Exige desinteresse, renúncia, abnegação. Pressupõe um ideal.

É preciso, pois, distinguir entre agrupamentos em torno de interesses e partidos que se constituem para a realização de objetivos éticos e sociais.

            Homem de saúde débil, teve na força de seu caráter a capacidade de marcar indelevelmente nosso tempo e os tempos que hão de vir. Seja no campo da atividade econômica, no campo da organização do Estado, da organização social ou em qualquer outro domínio da cidadania, Alberto Pasqualini nos deixou lições a serem aprendidas e diligentemente aplicadas no Brasil.

            Ainda vacilamos na busca de solução para quase todas as questões que Pasqualini já abordava nos anos de sua vida pública, iniciada com o célebre discurso de formatura e continuada ao longo de profícuos anos de militância política, partidária e advocatícia.

            Todo ganho que não derive de uma modalidade de trabalho, que não seja a contrapartida de uma atividade socialmente útil caracteriza uma forma de exploração e de parasitismo.

            Frases deste jaez são freqüentes nos textos de Alberto Pasqualini, todas elas plenas de sabedoria dos que não transigem com as exigências da retidão e da correção no comportamento social, sem descuidar a debilidade da natureza humana.

            Ao falar sobre os partidos políticos, registrou:

Não nos esqueçamos de que uma agremiação partidária não deve ter uma finalidade eleitoral e muito menos constituir-se para disputar uma eleição. Cumpre que o partido seja um instrumento de mobilização social, de difusão de idéias e de educação do povo. Não é apenas no número que deve residir a sua força, mas, sobretudo, na grandeza de seus ideais, na sinceridade e na eficiência de sua ação.

Um partido deve ser um programa, uma orientação, uma ética. Para um partido o governo deve ser um ônus e não um instrumento de vantagens e, portanto, deve exercê-lo não em proveito próprio, mas em benefício da coletividade.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupante de cargos eletivos e de direção no Rio Grande do Sul ou na Capital da República, Pasqualini forjou brilhante carreira, revelando-se sempre um democrata e demonstrando uma permanente preocupação com a ética no exercício do Poder.

            Homem de convicção, jamais abriu mão desses princípios e de sua independência ou se apegou a cargos políticos ou administrativos, destacando sempre a necessidade de uma sociedade mais justa e mais igualitária.

            Para ele, o setor primário e a terra tinham função no desenvolvimento social.

            A terra deve ser acessível a todos os que desejam torná-la produtiva com o seu trabalho e que têm necessidade de fazê-lo para sustentar a si e a suas famílias. Em certos casos, será necessário subdividir a propriedade territorial, noutros casos, não.

            A terra não pode ser objeto de especulação.

[...]

Evidentemente, não se trata de suprimir a propriedade e a exploração privada da terra, mas apenas de alterar as condições em que essa propriedade é exercida, tendo em vista um interesse social.

            Por outro lado, Pasqualini ressaltou:

Não podemos e não devemos esquecer que os pequenos agricultores, com seu regime de policultura, são e serão sempre fatores de estabilidade econômica e social. Deve, portanto, o Estado promover e estimular o desenvolvimento do sistema colonial da agricultura, organizando-o em bases técnicas e dispensando toda assistência e proteção aos colonos.

[...]

Todos aqueles que possuem bens e desejam conservá-los deveriam compreender que, quando um faminto ronda a sua porta, é mais seguro dar-lhe meios de vida ou um prato de comida do que chamar a polícia.

            Srªs e Srs. Senadores, concluo o meu pronunciamento, registrando minha emoção e orgulho de ser gaúcha e brasileira, de ter tido o privilégio de viver num tempo que me permitiu conhecer de perto a vida e a obra de um brasileiro da estatura de Alberto Pasqualini.

            Houvéssemos tido em maior número pessoas de sua estatura cívica ao longo do século que findou, estou convicta de que viveríamos hoje em um Brasil muito melhor do que o que se nos apresenta.

            Que a vida e a obra de Pasqualini possam inspirar todos quantos se preocupam com o nosso destino coletivo, de modo que encontremos soluções para os angustiantes problemas que ainda afligem a Nação brasileira.

            Registro, ainda, suas inesquecíveis palavras:

Não tenho a menor dúvida de que as idéias e as soluções que propomos, por serem simples, práticas e humanas, serão, num dia não muito longínquo, plenamente vitoriosas.

Nesse dia:

quando pudermos apreciar os seus frutos;

quando se multiplicarem as escolas e os hospitais;

quando o pobre tiver um lugar onde nascer, onde morar e onde morrer;

quando os cortiços e os mocambos forem substituídos por cidades jardins;

quando o operário, em vez de afogar as mágoas no botequim,

puder cultivar e distrair o espírito nas bibliotecas ou no seu clube;

quando houver risos de alegria nos lares proletários e o

trabalho se sentir dignificado;

quando os que erram (vagam) pelos campos, sem destino,

como fantasmas na imensidão de um país em que até as feras têm pouso

e os que cismam vencidos e acocorados à beira dos ranchos e

à margem da vida puderem sentir a volúpia de aplicar a energia de um corpo

são em rasgar as entranhas da terra,

então poderemos considerar redimidas as culpas e reparadas as injustiças de uma organização social iníqua

e de uma política que tem cuidado mais dos políticos do que

do povo.

E, então, nesse dia, todos aqueles que tiverem sinceramente contribuído com sua fé, o seu trabalho e os seus recursos para essa obra de restauração social e de dignificação humana, hão de sentir-se mais contentes, mais felizes e também muito mais próximos do caminho que conduz a Deus.”

Alberto Pasqualini

            Sr. Presidente, esta é a homenagem que desejo render ao insigne brasileiro que foi Alberto Pasqualini.

            Muito obrigada. (Palmas)

 

            


            Modelo15/19/244:19



Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/09/2001 - Página 22672