Discurso durante a 120ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração ao centenário de nascimento do ex-Senador Alberto Pasqualini.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração ao centenário de nascimento do ex-Senador Alberto Pasqualini.
Publicação
Publicação no DSF de 26/09/2001 - Página 22683
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, ALBERTO PASQUALINI, EX SENADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ELOGIO, VIDA PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero associar-me a todos os que, neste momento, saúdam e celebram a passagem do centenário de nascimento de Alberto Pasqualini. Nada poderia justificar meu silêncio em uma Sessão Especial do Senado da República convocada para reverenciar a memória desse descendente de italianos, nascido no Rio Grande do Sul, que soube, com impressionante perfeição, captar e compreender a alma deste nosso Brasil, tão múltiplo em sua unidade, tão universal em sua particularidade.

            Confesso que não estarei preocupado em traçar, ainda que de maneira breve, a biografia do homenageado. Não reconstituirei os passos de uma vida plena de significados pessoais e sociais. Tampouco voltarei minha atenção para o homem público que enfrentou memoráveis embates eleitorais, alternando expressivas vitórias - como a que o trouxe a esta Casa, tornando-o um dos personagens maiúsculos que fizeram a História do Senado Federal - e incompreensíveis derrotas - como nas duas ocasiões em que concorreu ao Governo de seu Estado.

            Não, não focalizarei, em suas minúcias esclarecedoras, a ação desse grande homem público, quer em funções executivas - tal como sua passagem pela Secretaria de Interior e Justiça gaúcha, quando se notabilizou pela defesa das liberdades em um ambiente hostil a elas, o Estado Novo de Vargas -, quer nas atividades parlamentares - de vereador em Porto Alegre a Senador, a quem o País ficou devendo a irretocável relatoria ao projeto de criação da Petrobrás e, fundamentalmente, à instituição do monopólio estatal da exploração do petróleo.

            Reconheço, no entanto, estar provavelmente pensando em tudo isso, em todos esses aspectos marcantes da trajetória de Alberto Pasqualini, ao escolher um único ponto para abordar essa figura de homem público que a todos nós encanta. Refiro-me ao fato de ter sido ele um dos raríssimos políticos brasileiros, dos quais foi contemporâneo em boa parte do século 20, a produzir idéias, a formular doutrinas. Nisso residia sua originalidade e, sob esse aspecto, não encontrou muitos outros com os quais pudesse se rivalizar.

            Com efeito, Sr. Presidente, para um brasileiro nascido em 1901, portanto, em um país essencialmente agrário, ainda longe de enveredar-se pelo caminho da modernização, capitaneada pela indústria e pela urbanização; para um brasileiro que concluiu o curso de Direito em 1929 e que somente em 1935 assumiu seu primeiro cargo eletivo, Pasqualini foge radicalmente dos padrões vigentes. Desde o início de sua trajetória, mostra-se visível sua avançada concepção de política, entendida como um primoroso instrumento de intervenção na realidade social, tendo por base idéias e conceitos a balizarem a ação.

            Eis, na minha visão, o cerne, o elemento definidor da presença de Alberto Pasqualini na cena política brasileira: a arraigada convicção de que “um partido político é a conjugação de dois elementos - da ideologia, que é a alma, e da organização, que é o corpo”. Coerentemente, não fez outra coisa em sua breve existência senão ensinar a todos, pelo exemplo, que política se faz - e se engrandece - por meio de idéias, de teses, de princípios. Sua operacionalização requer partidos solidamente constituídos, bem estruturados, nacionalmente organizados.

            Coerência, aliás, foi o que sempre demonstrou ter Alberto Pasqualini. Ao filiar-se ao Partido Trabalhista Brasileiro, em seu nascedouro, ele assumiu como tarefa primordial a construção da doutrina que sustentaria o velho PTB, conferindo-lhe densidade ideológica. Ao mesmo tempo, jamais se descuidou da necessidade premente de organizá-lo, esforçando-se por vê-lo presente em todo o território nacional.

            Idealista que nunca perdeu a dimensão do real, Pasqualini é, por todas as razões e com todos os méritos, o pai do trabalhismo brasileiro, sob o ponto de vista ideológico e doutrinário. De suas Diretrizes fundamentais do trabalhismo brasileiro, publicadas em 1948, derivam os ideais que nortearão toda sua vida pública e a de quantos o acompanharam dentro do PTB, integrantes da chamada “linha Pasqualini”.

            A rigor, nenhum outro político brasileiro de sua época poderia ter exercido esse papel. Intelectual refinado, mergulhou nas leituras de Marx e Engels, citando-os com desenvoltura, apreendendo-lhes o essencial, utilizando-se em larga medida de seu instrumental teórico para a análise da realidade econômica e social, sem, contudo, adotar-lhes a práxis política.

            Estudioso diligente da evolução histórica do mundo em que vivia, foi buscar auxílio e inspiração em alguns dos mais importantes autores que o século 20 consagrou. Assim, conhecia - e bem - o pensamento de Joseph Harold Laski, economista e teórico do trabalhismo inglês, militante da Sociedade Fabiana e do Partido Trabalhista; aprofundou-se na leitura de Joseph Schumpeter, respeitado estudioso das reformas do capitalismo; envolveu-se profundamente com o estudo das obras, que se tornaram clássicos, de John Maynard Keynes, provavelmente o principal teórico moderno do sistema capitalista.

            Esse, o escopo intelectual de Alberto Pasqualini, que acabou por singularizar sua atuação política. Como convém a alguém que domina os temas sobre os quais se pronuncia, abominava os chavões e as generalizações que, quase sempre, mascaram ou dificultam a resolução de problemas. Ei-lo, a propósito, falando da reforma agrária: “Com relação ao problema da terra, é preciso considerar que não há, no Brasil, um problema, mas vários problemas agrários, conforme as características de cada região. Em certos casos será aconselhável, senão necessária, a subdivisão da propriedade, noutros não. Tudo dependerá da forma mais útil de sua exploração (...)”.

            E o que dizer daqueles que vêem no processo eleitoral mera oportunidade de galgar o poder? Responde Pasqualini: “Nosso problema não é apenas vencer uma eleição e controlar o governo; nosso problema é criar uma mentalidade social que facilite o uso dos meios que o poder oferece para realizar o programa que defendemos (...)”.

            E sobre a crucial questão da distribuição de renda, em um país tão refratário à equanimidade como o nosso? Dizia, em 1946, o trabalhista Pasqualini: “Criar riqueza não basta. É necessário também que ela se possa distribuir com eqüidade. Sobre isso, porém, silenciam prudentemente os nossos antagonistas, e tratam logo de tranqüilizar aos que poderiam propiciar os meios, mas negar os votos, jurando-lhes que nada pedirão. Boa tática, sem dúvida, para quem pretende votos, e não soluções”.

            Lembro, por fim, a precisa conceituação de “usura social’, elaborada por Alberto Pasqualini, para identificar os tradicionais mecanismos de exploração do homem pelo homem, exatamente “quando as relações econômicas entre os membros de uma sociedade não estão baseadas nos princípios de justiça social”. A luta contra esse tipo perverso de usura acompanhou-lhe até o fim.

            Ao encerrar, reitero minha esperança de que muitos possam trilhar os caminhos apontados por Pasqualini. É a senha para a construção de um país melhor, mais justo e solidário. E, no mundo conturbado em que vivemos, numa época de tantas e tão terríveis incertezas, vale meditar sobre uma das lições do grande homem público que o Rio Grande deu ao Brasil: “A organização social e econômica será sempre o reflexo de uma mentalidade e, enquanto essa mentalidade não evoluir e se aperfeiçoar, enquanto o homem não aprender a moderar os seus instintos egoístas e incluir, como condição de sua felicidade, a felicidade alheia, não poderemos ter esperança de que haja, no mundo, paz, segurança e bem-estar”.

            Muito obrigado!


            Modelo16/16/244:26



Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/09/2001 - Página 22683