Discurso durante a 123ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre o combate ao terrorismo.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Reflexão sobre o combate ao terrorismo.
Aparteantes
Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 29/09/2001 - Página 23176
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, POLITICA INTERNACIONAL, POSTERIORIDADE, ATENTADO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), APREENSÃO, DECISÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, AMEAÇA, BOMBARDEIO, COMBATE, TERRORISMO.
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, INSTALAÇÃO, BRASIL, ESCRITORIO, CENTRO DE INTELIGENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), POSSIBILIDADE, ABERTURA, INQUERITO, REU, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRIME DE RESPONSABILIDADE, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL.
  • CRITICA, SILVIO BERLUSCONI, PRIMEIRO-MINISTRO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DECLARAÇÃO, ANALISE, TERRORISMO.
  • REGISTRO, POSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO POPULAR SOCIALISTA (PPS), OPOSIÇÃO, TERRORISMO, ANALISE, POLITICA EXTERNA, BRASIL.
  • DEFESA, MOBILIZAÇÃO, MUNDO, CONFERENCIA, PAZ, SUGESTÃO, ATUAÇÃO, PAPA, COMBATE, TERRORISMO, DEBATE, ORDEM ECONOMICA E SOCIAL, PREVENÇÃO, GUERRA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Pedro Simon; Srs. Senadores Roberto Requião e Lindberg Cury, estou aqui com um discurso que estava programado para ser lido no dia 21 de setembro, antes da perspectiva de bombardeio ao Afeganistão ou outro país que os Estados Unidos entendessem estivesse abrigando terroristas. Se isso viesse a ocorrer, o pronunciamento que estaria fazendo perderia muito o sentido. Por isso, adiei-o. E é também esse o adiamento que o mundo todo vem fazendo. Não só os discursos vêm sendo adiados, como também as expectativas.

            Nesse meio tempo, algumas preocupações acrescentaram-se. De um lado, houve alívio ao se perceber que talvez o bom senso comece a presidir as ações da Nação norte-americana, que, de forma justificada, encontra-se traumatizada e pensa em retaliação e revanche - o que é normal, como reação humana. Por outro lado, algumas reações inadequadas continuaram, senão a insanidade bestial do ataque terrorista, a insanidade de algumas atitudes e políticas que não ajudam em nada a desanuviar esse clima.

            Em seu discurso, V. Exª levantou uma dessas posições: a volta aos Estados Unidos de uma lei que permite toda e qualquer ação das autoridades policiais, da CIA, dos organismos internacionais. Aliás, falando sobre a CIA, parece-me que sexta-feira é um dia bom para trocarmos algumas idéias. Então, veio-me à mente agora que há uma discussão sobre um escritório da CIA no Brasil.

            O SR. PRESIDENTE (Pedro Simon) - Que seria sediado em São Paulo.

            O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS - PE) - Exatamente, Sr. Presidente. Penso que é necessário dizer que esta Casa, o Parlamento, os dois Presidentes deveriam saber, de imediato, do Presidente Fernando Henrique Cardoso a veracidade desse fato. Se for verdade, penso que se deve instaurar aqui a abertura de um crime de responsabilidade, porque isso é entrega da soberania brasileira a uma agência nitidamente terrorista nas suas ações. Até mesmo no Brasil, a CIA patrocinou, junto com outras ditaduras do Cone Sul, a “Operação Condor”, cuja prática, revogada pelo Presidente Gerald Ford, consistia em se obterem informações mediante tortura, assassinato ou outros métodos. Todos os meios ilícitos poderiam ser utilizados para se colherem informações. Parece que essa lei foi restaurada agora pelo Governo norte-americano.

            Vemos outras insanidades também: a Itália voltou a dar um péssimo exemplo, ao ter escolhido para Presidente um despreparado, um preconceituoso, o Sr. Berlusconi. Ao fazer comparações só admitidas na Idade Média, ao agir como mentes turvadas que pretendem fazer distinções com valores entre as civilizações ocidental e oriental, Berlusconi cria a intolerância e contribui para sua instalação no mundo. Isso causou tanto mal ao mundo, que é incrível que um primeiro-ministro italiano venha ressuscitar teses de supremacia de civilização. Fica meio difícil ele, como italiano, ficar imaginando que vai ser ariano. Isso já passou na história. A ciência demonstra que não há nada disso. Mas, se não tomarmos cuidado com a visão de civilização, daqui a pouco será a visão de raça. E é necessário dar um paradeiro também a essa insanidade, tal como se tem que dar ao terrorismo.

            Faço este intróito porque estou tendo dificuldade, medo até de ler o discurso que tinha feito, e de amanhã estarmos completamente desatualizados em algumas das propostas ou visões. De qualquer forma, vou dá-lo como lido, porque é um pensamento nosso - sendo que nosso implica o pensamento do Partido Popular Socialista em relação ao terrorismo.

            Se eu dissesse que a nossa posição é de condenação muito clara e de solidariedade ao povo e ao Governo norte-americano, nada haveria de estranho para um partido que vem de uma vertente comunista - até porque o Partido condenou, de forma muito radical, o uso de práticas terroristas, mesmo nos piores momentos, quando enfrentávamos ditadura no Brasil e éramos vítimas de todo o terror instalado. Sempre combatemos a prática desses mesmos métodos, não- referendados por lei, praticados pelos agentes policiais e agentes militares da ditadura que se instalava no Brasil, da tortura para colheita de informações e o uso de toda arbitrariedade possível.

            Lembro um pequeno episódio interessante, ocorrido por ocasião do seqüestro do embaixador norte-americano, no Brasil, no final da década de 60, no combate à ditadura. A solicitação da soltura de presos políticos em troca da liberdade e da vida do embaixador norte-americano envolvia militantes de várias organizações militares que estavam proscritas. Um deles pertencia ao Partido Comunista Brasileiro e foi o nosso ilustre e honrado companheiro Gregório Bezerra. Ele estava preso no Recife e era listado como um dos prisioneiros que deveriam ser libertados para a soltura do embaixador norte-americano. Gregório Bezerra saiu, mas escreveu uma carta e pediu que fosse publicada, para que constasse nos anais da história brasileira. Ele escreveu que saía para que se pudesse libertar o embaixador norte-americano, mas que ele e o Partido discordavam daqueles métodos de luta contra a ditadura.

            Mencionei esse episódio para que se saiba que o Partido tem essa postura já há algum tempo e que, portanto, nada há de estranho na nossa condenação aos atentados terroristas ocorridos no Estados Unidos. Lembramos que não pode haver apenas a condenação, mas o combate efetivo ao terrorismo. Não se trata de um atentado aos Estados Unidos, a um grande satã que se queira aqui discutir, como alguns setores da esquerda ficam imaginando, de forma equivocada. Os Estados Unidos têm políticas que merecem total condenação - muitas delas, pela arrogância e prepotência da única potência mundial que restou.

            Entretanto, de forma alguma isso pode justificar os atentados que a cidadania e o povo norte-americano sofreram. E sofremos todos nós, porque aquele foi um atentado contra a humanidade, para o qual não há justificativa, que precisa ser combatido com toda dureza.

            É importante que tenhamos essa clareza. Se a temos, não é porque sejamos tolerantes, já que a sociedade brasileira não o é. Contudo, é menos intolerante que a maioria das sociedades que conhecemos, pelos menos as sociedades emergentes ou grandes sociedades como a nossa. Penso que isso se deve ao nosso processo de miscigenação, a nossa política internacional não-belicosa e de apoio à autodeterminação dos povos, praticamente sem nenhuma interrupção, independentemente de Governos democráticos ou ditatoriais.

            Em função da nossa política externa e de certa tolerância, pela nossa formação, podemos dizer que nosso território é um refúgio contra atentados terroristas, pelo menos desses que estamos vendo no contexto internacional. Nossa sociedade está aqui representada neste pequeno número de Senadores. Há um representante do sul do País, que deve descender de europeus, e outro que também deve ter ascendência estrangeira. Aliás, a nacionalidade brasileira é fruto disso, por isso temos o princípio fundamental de que brasileiro é quem nasce em território brasileiro, diferentemente de outras sociedades que baseiam esse direito no jus sanguinis. No nosso caso, isso seria impossível, pois não haveria brasileiros.

            A intolerância religiosa entre nós não é muito evidente, embora precisemos ter sempre cuidado, porque é, de imediato, algo que pode nos ajudar. A intolerância religiosa não é apenas dos talibãs, dos fundamentalistas, dos xiitas do Islã, mas também dos cristãos. Ocorre na Irlanda, quando atentam, com pedras, em nome de Deus, contra crianças que vão à escola; ocorre nos Países Bascos. São cristãos contra cristãos, o que é pior ainda, porque é uma briga em família. A intolerância religiosa do IRA é um pouco mais ampla, não se limitando apenas à disputa entre católicos e protestantes. São súditos britânicos brigando entre si. Nesse caso, uma parte não quer submeter-se à Inglaterra, mas ser vinculada à República da Irlanda independente.

            Digo isso apenas para ilustrar que esse processo por que passa o mundo agora é um pouco “caldo de cultura”. É caldo de cultura um processo de integração com profundas desigualdades, assim como, talvez, toda a perspectiva de uma sociedade em que se incentivam processos de exclusão ou de discriminação, seja por que ordem for. Temos o exemplo do Sr. Silvio Berlusconi, que vem dando sua contribuição nefasta a esse processo.

            O Brasil tem passado por este momento como um certo refúgio. Aqui convivem de forma harmônica judeus e árabes, longe do absurdo de não poderem conviver pacificamente o Estado de Israel e a Autoridade Palestina. Isso é inadmissível e é fruto de uma política de intolerância que se vem instalando entre potências no mundo, a qual, muito provavelmente e sem nenhum saudosismo, não aconteceria na Guerra Fria, período no qual não aconteceram atentados terroristas como esse.

            Não devemos voltar ao equilíbrio do terror. Mas, como superamos o equilíbrio do terror da guerra fria, temos que superar também essa fase, combatendo o terrorismo, parta de onde partir. O Brasil pode dar alguns exemplos.

            Sempre podemos ser surpreendidos por um fato novo. Gostaria de dizer que seria fundamental, talvez, no mundo, convocar de imediato uma conferência de paz. O Papa, independentemente do meu alinhamento em relação à religião católica, que está presente em minha própria família, minha mulher e meus filhos, não era a grande liderança espiritual que eu imaginava que fosse, apesar de ter demonstrado alguma capacidade para isso. Eu ficava olhando para o Papa João XXIII, do aggiornamento da Igreja, que ajudou muito durante um período difícil da guerra fria e foi um grande homem. Mas o atual Papa, surpreendendo-me de forma muito agradável, teve o gesto mais digno de todas as lideranças do mundo: alertou os Estados Unidos - foi um alerta de um líder espiritual - dizendo que aquele não era um momento de vingança e que a dor que todo o povo norte-americano sentia teria que ser por todos entendida. Que a solidariedade tinha que ser total, plena, mas que ele pedia que naquele momento não houvesse vingança. Ele foi para o Cazaquistão, muito próximo da zona que os Estados Unidos imaginam ter que sofrer processo de retaliação, e os Estados Unidos tiveram que parar porque enquanto o Papa lá estivesse não fariam nada. Veio-me a idéia de dizer: por que não o Papa transferir agora o Papado, tirá-lo de Roma e levá-lo para a região? No momento esse seria talvez um gesto que poderia marcar para a humanidade efetivamente uma nova era de civilização, e não o atentado a Nova Iorque. O Papado, com sede no mundo muçulmano, próximo à região que os Estados Unidos pretendem bombardear, não para impedir o combate ao terrorismo, mas para impedir uma retaliação que não vai ajudar em nada o combate ao terrorismo.

            Uma discussão que envolvesse uma Conferência de Paz talvez ajudasse. Primeiro, combate efetivo ao terrorismo como compromisso de todos os países, de todos os estados, de toda a cidadania, de toda a humanidade; segundo, uma nova ordem internacional, em que fossem criados mecanismos internacionais para julgamento inclusive dos terroristas, tribunais internacionais, grandes tratados internacionais do mundo do desenvolvimento sustentado, a partir do Protocolo de Kyoto. A discussão de uma nova ordem mundial também no campo econômico, no campo financeiro; uma nova ordem mundial também no fluxo das pessoas, regulamentando o capital, liberando as pessoas. Toda uma discussão que envolveria, por exemplo, na Europa, o fim da xenofobia nacionalista, da luta das etnias, das restrições às imigrações, justificando-se que o mundo começa a superar fronteiras e também o conceito de estrangeiro. Conferência de paz nesse sentido, de discussão, por exemplo, como Gorbachev propôs, da criação de um fundo de desenvolvimento, a partir desse fluxo de capital, para que se supere o desolador problema que existe nos países africanos, que estão voltando às situações mais indignas devido a uma ordem econômica que os exclui.

            Um tema que pudesse ser aberto à discussão, que voltasse os olhos não para a guerra, mas para a paz. Talvez tivéssemos aí um retorno àquilo que foi muito acalentado por todos nós, comunistas, mesmo durante todo o período da Guerra Fria: sempre tínhamos, na abertura de qualquer dos nossos encontros, na abertura de qualquer dos nossos documentos, a visão primeira da questão da paz. Todos nós conhecemos o símbolo da paz, a pomba, sabemos o que significa, conhecemos aquela criação de Picasso, um comunista, para a campanha pelo fim às armas nucleares.

            Um dos temas dessa conferência de paz - por que não? - seria o desarmamento geral. Desarmamento que, aqui, em nível menor, está-se pretendendo e esta Casa discute: o desarmamento brasileiro, o desarmamento da cidadania, a proibição da venda de armas. A visão de que se queremos a paz temos que lutar por ela; se queremos combater o terrorismo, temos que combatê-lo, e com as armas da paz e não da guerra, que alimenta a continuidade da intolerância, da indignidade, da insanidade, que precisa acabar.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) - Excelência, eu havia solicitado um aparte simbólico, levantando o microfone.

            O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS - PE) - E eu vi. Desculpe-me, realmente.

            Sr. Presidente, eu gostaria de conceder a S. Exª o aparte, senão estaria cometendo uma deselegância, algo que não gosto de fazer, que não costumo fazer, principalmente em se tratando do Senador Roberto Requião, cujo mandato preciso resguardar nesta Casa. É um mandato que está sendo atingido por um pedido absurdo do Supremo Tribunal Federal, que está querendo impedir aquilo que é inviolável em um Parlamento - não para um Parlamentar: o direito de opinião, o direito de voto. S. Exª, com muita coragem, deu sua opinião sobre o que acontece no Paraná. Se não garantirmos isso, amanhã poderá vir um novo pedido de licença para processar um Parlamentar por sua opinião.

            Antes de conceder o aparte a S. Exª, quero dizer que acredito que não tenha que haver imunidade processual quando se tratar de crime comum, ou seja, os tribunais têm que ter plena liberdade para processar. Se tivermos julgamento diverso porque há perseguição política, que tranquemos o processo. Mas não podemos impedir o seu início. Na questão da inviolabilidade, é evidente que não pode nem mesmo existir processo.

            Concedo, portanto, o aparte ao Senador Roberto Requião.

            O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) - Senador Roberto Freire, a minha preocupação na questão do atentado aos Estados Unidos é cibernética. Não estou brincando, Senador, relaciono isso à entropia do sistema. Os grandes acidentes, bombardeios, destruições têm sido tão explorados pela mídia cinematográfica que, de repente, o atentado aos Estados Unidos perde o seu conteúdo de tragédia humana e transforma-se na queda de um símbolo para a grande maioria de pessoas no mundo. A cobertura da televisão teve esse sentido, com as imagens dos aviões batendo no World Trade Center, logo depois as imagens sendo cortadas para serem mostradas outras, da bolsa de valores. “A bolsa caiu, os capitais estão desesperados.” Como se não houvesse vidas, famílias, homens e mulheres vivendo a tragédia terrível da eliminação de mais de 10 mil pessoas, simultaneamente, por um atentado enlouquecido. Não consigo entender como esse novo deus do Ocidente, o fundamentalismo do mercado, se sobrepõe à humanidade. No mercado não somos cidadãos, somos consumidores. E o mercado, afinal de contas, é uma palavra apenas, atrás da qual se escondem os interesses dos grandes grupos de especuladores financeiros do mundo. Esse processo que acabou desencadeando esse atentado de fundamentalistas islamitas - porque só eles acreditam que a morte na Jihad, no esforço pelo Islã, por Maomé, os leva ao paraíso -, esse processo que levou a isso tem outras origens, na opressão que o mundo vive, na prepotência do capital, e só pode ser resolvido, como eu disse agora há pouco, com tolerância, com amor e com fraternidade. Mas o terrível é que estamos lidando apenas com símbolos. Com a mesma tranqüilidade com que o mundo assistiu àquele filme de propaganda norte-americana, Independence Day, assistiu também os dois aviões batendo no World Trade Center, o desabamento das duas torres e o acidente no Pentágono. Atrás disso, vem a minha estupefação. No ensino de filosofia e sociologia que freqüentei no Paraná - agora vetado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso -, aprendíamos alguma coisa sobre a visão marxista da luta de classes. E a luta de classes, repentinamente, no mundo, é substituída pela intolerância religiosa. Os talibãs, os sunitas, os xiitas, a crise na Irlanda...

            O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS - PE) - Os xiitas. Os sunitas, não.

            O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) - Os sunitas são os que aceitam a sucessão ocorrida em relação a Maomé, o Ali e tal.

            O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS - PE) - Os sunitas estão um pouco à parte de todo esse processo de radicalização do fundamentalismo.

            O Sr. Roberto Requião (PMDB - PR) - Os xiitas são minoria absoluta do 1,3 bilhão de muçulmanos que existem no mundo. A luta de classes, de repente, é substituída pela intolerância religiosa, o que é um absurdo. O mundo se conflagra, as pessoas morrem, em função da intolerância religiosa, que acaba sendo o pano de fundo ou o motor ideológico de todo um processo de resistência de povos escravizados. Surpreendo-me com esses acontecimentos. Surpreendo-me, por exemplo, com o fato de que 55% dos norte-americanos, segundo Noam Chomsky - em uma entrevista publicada em forma de livro no Brasil -, acreditam que o diabo influencia as suas vidas cotidianamente. Trata-se também de uma forma primitiva de entender o processo religioso. E os afegãos estão 500 anos atrasados em relação ao Ocidente. Ora, nós não podemos esquecer que, há algum tempo - e não faz muito tempo -, as religiões ocidentais praticavam a Santa Inquisição, queimando na fogueira personagens como Joana D’Arc e tantos outros. É um retrocesso religioso? Não. É uma falta de possibilidade de avanço que somente se irá interromper quando o mundo tomar consciência de que não podem existir áreas extraordinariamente desenvolvidas convivendo com a miséria e a opressão. O Brasil tem que entender - e os senhores Everardo Maciel e Fernando Henrique Cardoso também - que não adianta a ação violenta que a fiscalização está fazendo em Foz do Iguaçu, fronteira com o Paraguai, com Ciudad del Este, porque enquanto a miséria existir do outro lado - e aqui não estamos tão bem assim - e conviver com uma situação um pouco melhor, com trabalhadores brasileiros, não haverá nenhuma possibilidade de pacificação. E a intransigência do Brasil na fronteira é igual à intransigência dos Estados Unidos, do capital americano, em relação a países menos desenvolvidos. É um momento de reflexão, Senador Roberto Freire. Apenas a tolerância, a solidariedade e o amor resolvem esse problema. Os Estados Unidos mobilizaram uma quantia fantástica para o esforço de guerra. Por que não uma quantia semelhante, ou até mesmo essa quantia, em um projeto de desenvolvimento econômico e social do Afeganistão? Estamos no caminho errado. A agradável surpresa que tenho, neste momento, é a da contenção do Presidente George W. Bush depois dos destemperos iniciais. Parece que os Estados Unidos, ferido no seu orgulho e com a solidariedade indiscutível do mundo inteiro, tomaram juízo e, em vez da violência prenunciada, terão atitudes mais conseqüentes. Combate ao terrorismo, sim, que é rigorosamente injustificável, mas com ações mais profundas que dêem ao planeta a possibilidade de conviver em paz. Os grandes mercados se fecham, mas ligamos a televisão e vemos os poloneses invadindo a Espanha, a Itália invadida pelos albaneses, no desespero da possibilidade de sobreviver pelo próprio trabalho. Mundo fechado e mercados herméticos não levam a lugar algum. Não haverá uma sociedade fluente e confortável para ninguém enquanto as sociedades conviverem com a miséria, que ultrapassará, de qualquer forma, as suas fronteiras.

            O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS - PE) - Agradeço, Senador Roberto Requião. Talvez devêssemos aprofundar melhor alguns temas, porque, apesar de toda miséria e de toda desigualdade, não são elas que atentam com práticas de terrorismo. Aí talvez até a luta de classe se apresente na forma clássica. É difícil até justificar o porquê, por exemplo, da invasão de albaneses, de poloneses ou dos que vêm do leste europeu para alguns países ocidentais. Eu, inclusive, não usaria nem o termo invasão. Eles não trazem o terrorismo. O terrorismo está com os bascos há muito tempo, na Espanha. Na Itália, não serão os albaneses que o vão fazer. Quem fez terrorismo, infelizmente, foi a Brigada Vermelha, em épocas passadas.

            Esse é um problema, portanto, mais amplo e profundo do que aquele necessariamente vinculado à questão da desigualdade, embora isso seja também um dos caldos de cultura, é evidente. Mas não é por aí. E seria um reducionismo muito grande imaginarmos isso. Iríamos cair no preconceito se disséssemos que são os pobres que fazem. Não, não são.

            Quando V. Exª estava falando, eu me lembrei: na conferência de paz poderia haver uma postura muito mais agressiva do que a que teve, hoje, Bush, ao querer fiscalizar, quebrar o sigilo de algumas contas suspeita. O que se tem que discutir é o fim dos paraísos fiscais, porque é exatamente por aí que há o financiamento não só do terrorismo, mas de todo o crime organizado e tudo o mais. Então, na conferência de paz também deveria haver a discussão do controle efetivo dos chamados paraísos fiscais, com a sua extinção, possibilitando, assim, que os governos possam controlar determinados movimentos, inclusive o movimento terrorista, que deve ter utilizado somas fabulosas para poder organizar os atentados. Mas também nós, ao mudar as leis de guerra - e isso é um dado fundamental -, poderemos estar vivendo o terrorismo individual. Por exemplo, a energia nuclear, antes usada apenas para fins militares, daqui a pouco poderá estar sendo utilizada individualmente. E também alguns gases letais, toda a guerra química agora podendo ser apropriados por pequenos grupos. Não mais políticas de guerra de grandes corpos de exércitos e grandes Estados. É necessário, portanto, enfrentarmos toda essa mudança.

            O Brasil pode falar, pois, como disse, tem um espaço que se não é imune à intolerância, é menos intolerante do que outros espaços. O Governo brasileiro é menos belicoso, mais pacifista, historicamente, mesmo quando internamente sofríamos uma terceira guerra mundial interna no combate aos comunistas, com o uso indiscriminado de práticas terroristas por parte do Governo na obtenção de informação e confissão, com desaparecimentos.

            Estou lendo um livro, O Ditador, que é a história de Jorge Videla, da Argentina. É impressionante vermos o que aquela ditadura fez: lançava jovens, homens e mulheres no mar, tendo antes lhes dado um sonífero para que não vissem a ignomínia que estavam sofrendo de serem jogados em alto mar. Isso foi feito não com poucas pessoas e era praticado por pessoas que, provavelmente, chegavam em casa e acariciavam seus filhos. Aquilo é de uma ignomínia tal, e sabemos que aconteceu. No Brasil, quem sabe. Pelo menos, na Argentina, saem livros sobre os Videlas; aqui, não saem livros sobre os Médicis. E deveriam sair. E não para revanche. Da mesma forma que Pinochet pagou em vida por todos os crimes praticados, e está pagando, sendo denegrido, e as suas ações e os seus asseclas, também na Argentina está ocorrendo isso, e aqui, no Brasil, precisa-se fazer isso. Não com nenhum sentido de revanche, mas para, talvez, não se perder a memória e não serem cometidos tais atos novamente, até porque ajudaria a pensar uma humanidade melhor. É isso que nos move aqui.

            Muito obrigado.


            Modelo15/17/2412:33



Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/09/2001 - Página 23176