Discurso durante a 124ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre as dificuldades dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito, que investiga a corrupção na administração do futebol brasileiro.

Autor
Alvaro Dias (PDT - Partido Democrático Trabalhista/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL.:
  • Reflexões sobre as dificuldades dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito, que investiga a corrupção na administração do futebol brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 02/10/2001 - Página 23432
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL.
Indexação
  • ANALISE, DIFICULDADE, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO, FUTEBOL, MOTIVO, CONCESSÃO, LIMINAR, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), IMPEDIMENTO, QUEBRA, SIGILO BANCARIO, SIGILO, TELEFONE, OBSTACULO, INVESTIGAÇÃO, MOVIMENTAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, EXTERIOR, INCAPACIDADE, UNIÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), MINISTERIO PUBLICO, POLICIA FEDERAL, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OBJETIVO, SOLUÇÃO, PROBLEMA.
  • NECESSIDADE, CAMARA DOS DEPUTADOS, VOTAÇÃO, PROPOSTA, APROVAÇÃO, SENADO, ALTERAÇÃO, IMUNIDADE PARLAMENTAR, MOTIVO, POSSIBILIDADE, CONGRESSISTA, ESPECIFICAÇÃO, EURICO MIRANDA, DEPUTADO FEDERAL, RECUSA, DEPOIMENTO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO, FUTEBOL.
  • ELOGIO, TRABALHO, GERALDO ALTHOFF, SENADOR, RELATOR, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CORRUPÇÃO, FUTEBOL, INVESTIGAÇÃO, ACUSAÇÃO, RESPONSAVEL, SONEGAÇÃO FISCAL, ENRIQUECIMENTO ILICITO.
  • ELOGIO, PROPOSTA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, ESPORTE, BENEFICIO, MELHORIA, ORGANIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, FUTEBOL, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ÁLVARO DIAS (Bloco/PDT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos prestes a comemorar um ano de trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga a corrupção na administração do futebol brasileiro. Aproveito a experiência vivida nesse período como Presidente da Comissão para fazer mais algumas reflexões sobre os obstáculos que as Comissões Parlamentares de Inquéritos encontram para alcançar seus objetivos.

            Uma das maiores dificuldades é a quebra dos sigilo bancário, fiscal e telefônico. Constantemente o Supremo Tribunal Federal concede liminares impedindo que essa prerrogativa da Comissão Parlamentar de Inquérito possa ser exercitada, não obstante fatos relevantes apontados, gravíssimos ilícitos praticados. Não importa a visibilidade dos delitos, o Supremo Tribunal Federal simplesmente acolhe o pedido e concede a liminar.

            Esse foi, sem dúvida, um dos grandes problemas enfrentados pela CPI do Futebol. Mesmo assim, as investigações se aprofundaram e a CPI promoveu a maior transparência na administração do desporto, revelando verdadeiras mazelas, lamentáveis escândalos, crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, contra a ordem tributária nacional, cujas conseqüências foram a evasão de divisas, a lavagem do dinheiro, o enriquecimento ilícito, a sonegação fiscal, a sonegação de cobertura cambial na venda de jogadores para o exterior, com prejuízos significativos para o nosso País.

            Outra grande dificuldade encontrada foi a investigação no exterior. Se o futebol brasileiro movimenta anualmente mais de 18 bilhões de reais, a movimentação de parte considerável desses recursos se dá no exterior, especialmente em paraísos fiscais, com a utilização de contas numeradas que escondem os nomes dos responsáveis.

            A CPI antecipou procedimentos encaminhando representação ao Ministério Público que permitiram a instauração de inquéritos criminais, na esperança de contar com a contribuição do Poder Executivo pela constituição de uma força-tarefa que possibilitaria a investigação no exterior.

            Essa força-tarefa compreenderia uma ação conjugada, envolvendo o Ministério Público, o Ministério da Justiça, a Advocacia-Geral da União e a Polícia Federal em cooperação com o Governo dos Estados Unidos por meio da Secretaria de Justiça para a necessária investigação que, certamente, contribuiria para a solução do enigma da corrupção que se instala na administração do futebol do nosso País.

            Apesar de não termos podido contar com a parceria do Supremo Tribunal Federal para nos permitir investigar contas bancárias e movimentação fiscal; apesar de não termos tido a cooperação do Poder Executivo pela constituição da força-tarefa, sem dúvida, os resultados são significativos.

            Eu acrescentaria uma outra dificuldade que diz respeito a uma providência que cabe agora à Câmara dos Deputados. O Senador ou Deputado, protegido pela imunidade parlamentar, depõe na CPI se quiser. Por isso, a CPI do Futebol não ouviu o Deputado Eurico Miranda, Presidente do Vasco da Gama, que se recusou a prestar depoimento, a meu ver, escusando-se de cumprir um dever de cidadão. Na verdade, é inadmissível esse privilégio. Por que essa distinção? Por que o Parlamentar pode ter esse tipo de proteção que dá a ele a prerrogativa de depor ou não?

            A Câmara dos Deputados tem o dever de tomar providências urgentemente, discutindo proposta aprovada no Senado Federal que reformula o instituto da imunidade parlamentar, recolocando-a nos seus devidos termos, para que não se constitua em um manto protetor de ilegalidades, de ilícitos e de crimes praticados por Parlamentares.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar de todas essas dificuldades, repito: os resultados são formidáveis. A CPI promoveu transparência, revelou as mazelas da administração do nosso futebol - uma verdadeira seleção de crimes praticados por pessoas que constituíam uma casta de privilegiados, distantes do risco da responsabilização civil e criminal, isentos da obrigatoriedade de cumprir a legislação vigente. Dirigentes esportivos, à sombra dos clubes, enriqueceram-se desonestamente ao tempo em que as agremiações que dirigiam passavam à insolvência absoluta.

            A CPI revelou mazelas da administração do futebol brasileiro; encaminhou ao Ministério Público representações para a responsabilização civil e criminal. Agora, obviamente, com a conclusão dos trabalhos, o relatório aprovado permitirá ao Ministério Público o aprofundamento das investigações, para que, cumprindo o seu dever, denuncie os responsáveis por falcatruas, a fim de que o Poder Judiciário tenha a oportunidade do julgamento, condenando ou absolvendo.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a outra vertente da CPI é propositiva. Um grupo de trabalho, integrado por especialistas e por técnicos desta Casa e do Poder Executivo, trabalha com o objetivo de oferecer uma ampla proposta de reformulação da legislação do desporto no Brasil. Convocou-se o Poder Executivo para um trabalho em parceria a fim de se agilizar a reformulação da legislação do desporto no Brasil, porque, sem dúvida, se a Reforma Política e a Reforma Tributária exigem debates que se prolongam interminavelmente, é óbvio que a reforma da administração desta paixão brasileira, que é o futebol, exigiria também acalorados e intermináveis debates nesta Casa. Daí a tentativa de se buscar consenso entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, a fim de que se possa, neste caso, por meio da edição de uma medida provisória, fazer vigorar, imediatamente, no início do próximo ano, uma nova legislação para o desporto nacional, promovendo os avanços necessários para que este esporte, o futebol, além de ser parte integrante do patrimônio cultural do povo brasileiro, possa ser uma atividade econômica com maior rentabilidade, oferecendo maior oportunidade de trabalho, de salário, de receita pública e de renda, contribuindo de forma mais eficiente no processo de desenvolvimento econômico, social e cultural do nosso País. Se explorarmos de forma mais eficiente, com competência e correção, essa atividade econômica certamente produzirá resultados de rentabilidade superior, oferecendo - repito - oportunidade de vida digna a milhares de brasileiros.

            Destaco neste pronunciamento improvisado os esforços, a dedicação do Relator Senador Geraldo Althoff, que, assessorado por uma equipe de técnicos competentes, vem procurando, não só no que diz respeito à investigação, mas também e, sobretudo, no que diz respeito a uma nova legislação, aproveitar a oportunidade desta CPI para promover um verdadeiro salto de qualidade na administração do desporto nacional.

            Os resultados já são visíveis. Não há dúvida de que a promoção da transparência exigiu a adoção de nova postura e nova mentalidade por parte dos dirigentes. Já não se vêem contratos faraônicos, transações absurdas, salários incríveis. Há uma contenção de despesas. Nem mesmo a pressão dos torcedores tem levado os dirigentes dos clubes brasileiros à prática da irresponsabilidade, como se via até o início dos trabalhos da CPI .Sem dúvida, esse é um resultado palpável, uma mudança fundamental.

            O Governo anunciou a edição de decreto que regulamenta o art. 20 da Lei n.º 9.615, dispondo sobre ligas profissionais e regionais. O Ministro dos Esportes encaminhou ao Presidente da República a proposta para essa regulamentação. As normas estabelecidas à orientação imposta refletem as conclusões da CPI do Futebol, que realizou inúmeras reuniões em Brasília, outras em Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, ouvindo especialistas debaterem a mudança necessária na estrutura do futebol do nosso País.

            Esse decreto é conseqüência deste debate, passando a estabelecer três pontos fundamentais para a Organização das Ligas, que representarão o enfraquecimento da CBF e das federações de futebol dos Estados brasileiros. O decreto limita ainda a duração do mandato do Presidente e do Vice-Presidente, estabelecendo exatamente o que propõe a CPI: mandatos de três anos com a possibilidade de apenas uma reeleição.

            Com isso, teremos a oxigenação dos quadros dirigentes no desporto nacional, permitindo uma rotatividade que afastará os abusos, conseqüência de favores políticos oferecidos para uma permanência prolongada à frente de clubes e de entidades. O maior exemplo é o da Federação de Minas Gerais, em que se estabeleceu um feudo familiar de 35 anos.

            Outra mudança é a exigência de transparência com a necessidade de publicação dos balanços e demonstrações contábeis, com auditorias independentes para evitar os hábitos viciados das administrações subterrâneas e contabilidades paralelas. Aliás, verificamos a existência de uma anarquia. Não há nenhum apreço à contabilidade, mas desorganização e anarquia, fato que estimula a corrupção.

            A impunidade é, sem sombra de dúvida, conseqüência dessa desorganização legislativa e administrativa. A estrutura da administração do futebol brasileiro constitui-se em verdadeira arquitetura da farsa. Os dirigentes colocam-se acima das normas e dos regulamentos e, na verdade, os balanços são farsa, assim como a contabilidade. Os conselhos, na prática, inexistem, sendo apenas instrumento de homologação de atos praticados muitas vezes ilicitamente por dirigentes de clubes e entidade em nosso País.

            Portanto, essa providência é fundamental para conferir transparência e permitir maior fiscalização por meio de auditorias que significarão conferir a licitude dos atos administrativos praticados. A outra norma impõe a adoção de critérios técnico-desportivos de acesso e descenso para renovar e motivar as competições desportivas em modalidades onde há mais de uma divisão, valorizando, portanto, o mérito profissional, em substituição à interferência política.

            Não podemos ignorar a existência da interferência política na listagem dos clubes que integram a primeira e a segunda divisões não só do campeonato brasileiro. As formas adotadas, que permitiram tal interferência, contrariam, de forma absoluta, o interesse profissional da qualidade técnica e desportiva. Portanto, essa norma vem exatamente para corrigir essa distorção que se verifica na administração do futebol brasileiro quando da realização das suas principais competições.

            Temos ainda, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, algum tempo. As investigações prosseguem. Esperamos que, de forma exemplar, o Poder Judiciário possa concluir esse processo, estabelecendo rigorosas punições àqueles que se tornaram responsáveis pela corrupção no futebol do Brasil, que é, sem dúvida, causa de enormes prejuízos fiscais, econômicos e sociais, e também de desemprego. Certamente, se o esporte, de um modo geral, oferece, no mundo, mais de 400 milhões de empregos, se mobiliza, anualmente, mais de US$200 bilhões, não pode ficar à mercê da irresponsabilidade e da incompetência administrativa no Brasil, pois, dessa forma, abre-se mão de um potencial extraordinário que pode contribuir de forma mais eficaz no projeto de desenvolvimento nacional.

            Concluiremos, Sr. Presidente, apontando responsáveis por falcatruas e indiciando, certamente, pessoas, mas também oferecendo ao País uma nova legislação que possa ser modernizadora, possa ser responsável por maior organização, competência e eficiência, produzindo não só um esporte de qualidade, mas também possibilitando a obtenção de resultados econômicos e sociais em benefício do povo brasileiro.


            Modelo112/2/242:21



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/10/2001 - Página 23432