Discurso durante a 125ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS QUINHENTOS ANOS DO RIO SÃO FRANCISCO, REGISTRADO POR OCASIÃO DA PASSAGEM PELO RIO DO NAVEGADOR AMERICO VESPUCIO, EM 04 DE OUTUBRO DE 1501.

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • COMEMORAÇÃO DOS QUINHENTOS ANOS DO RIO SÃO FRANCISCO, REGISTRADO POR OCASIÃO DA PASSAGEM PELO RIO DO NAVEGADOR AMERICO VESPUCIO, EM 04 DE OUTUBRO DE 1501.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/2001 - Página 23674
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DESCOBERTA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • COMENTARIO, CONFLITO, DOMINIO, RECURSOS HIDRICOS, MUNDO, REGISTRO, RESPONSABILIDADE, BRASIL.
  • ANALISE, POLEMICA, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, BACIA DO SÃO FRANCISCO, DEFESA, ANTERIORIDADE, RECUPERAÇÃO, ECOSSISTEMA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, REDUÇÃO, VOLUME, INVASÃO, MAR, REGISTRO, VISITA, ORADOR, MUNICIPIOS, ESTADO DE ALAGOAS (AL), MARGEM, RIO SÃO FRANCISCO, AUMENTO, MISERIA.
  • ANALISE, OPÇÃO, RECUPERAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, INTEGRAÇÃO, BACIA DO TOCANTINS.
  • REPUDIO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), IMPORTANCIA, CONTROLE, ESTADO, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Sr. Presidente da Codevasf, Dr. Airson Bezerra Lócio, em nome de quem saúdo todos os senhores, convidados, nos últimos tempos, lamentavelmente, estamos nos habituando a converter as ocasiões de celebração em oportunidades para expressar nossas apreensões. Hoje não é diferente.

            Hoje não podemos, conscientemente, comemorar o tratamento que está sendo dispensado ao São Francisco. Podemos, sim, agradecer pela sua existência.

            A água será objeto de intrincados contenciosos no próximo século. São poucos os que discordam desse panorama e da quantidade de conflitos que ocorrerão pela disputa do controle dos recursos hídricos, conflitos que serão desencadeados a partir do domínio dessas reservas estratégicas. Mas não são poucos também os especialistas que afirmam que o índice de domínio dos recursos hídricos servirá de paradigma para a classificação da viabilidade das nações.

            Prenúncios dessa beligerância já podem ser detectados na atualidade: Egito e Etiópia se digladiam em torno das águas do Nilo; Jordânia e Síria repetem no Oriente Médio os embates pelo controle do rio Yarmuk, assim como o Iraque e a Síria disputam o rio Eufrates. São guerras antigas que tendem a se perpetuar em torno do controle das águas.

            Emblema mais conhecido se verifica no Estado de Israel. Não obstante sua excelência na exploração dos recursos aqüíferos, onde tudo é reciclado, inclusive esgotos, e nenhuma gota de água é desperdiçada, Israel vive um conflito permanente com os palestinos pelo território de onde são extraídos 30% da água consumida na região. Isso, Sr. Presidente, para não mencionar a tensão latente entre Espanha e Portugal. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial, cerca de duzentos bacias hidrográficas estão em regiões limítrofes, potencializando a progressão do problema. A Organização das Nações Americanas calcula que cinco milhões de pessoas morrem por ano pela falta ou má qualidade da água.

            O Brasil, neste particular, Sr. Presidente, apresenta todos os indicadores para se graduar nesta complicada hierarquia existente entre Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto Mundo. O País detém 12% dos recursos hídricos do globo, ainda que este potencial esteja concentrado na região Amazônica. É a maior reserva individual entre as nações, o que nos impõe uma maior responsabilidade sobre a gerência da água, que, ao contrário do que se supõe, é um recurso esgotável, finito. Acerca do tema, há previsões soturnas, Sr. Presidente, nas quais prefiro não crer, por acreditar que teremos bom senso para preservar nossas riquezas naturais, de que em 30 anos a água do Terceiro Mundo irá se esgotar. Há ainda projeções mais alarmistas, como a da Nasa, asseverando que “em se mantendo as condições atuais, o rio São Francisco em 2060 terá se transformado em um simples riacho”.

            Esta breve prospecção, à guisa de introdução, tem o intuito de pavimentar o tema que me trouxe à tribuna. O São Francisco, Sr. Presidente, que vem sendo noticiado sob uma abordagem superficial, politicamente carimbada e emotiva, sem dúvida, são categorias secundárias para debatermos o futuro dos recursos hídricos do Brasil e particularmente da Região Nordeste, onde estão 45 milhões de brasileiros e, ressalte-se, 10 milhões de indigentes, que alguns preferem chamar pelo eufemismo de “abaixo da linha da pobreza”. É com grande satisfação que verifico, portanto, o engajamento da sociedade em torno da sobrevivência do rio São Francisco.

            A controversa transposição do rio São Francisco quase criou uma linha de Tordesilhas entre os nordestinos. De um lado os que eram fervorosamente favoráveis e, de outro, aqueles radicalmente contrários à tese de mudar as águas de endereço.

            Eu gostaria, Sr. Presidente, de fazer um breve retrospecto sobre a idéia. O que ela tem de longevidade, tem de polêmica. Os primeiros estudos conhecidos, do engenheiro Henrique Halfeld, são de 1852, por ordem do Imperador D. Pedro II - há pouco, nos lembrava isso aqui o Senador Ney Suassuna. Após a mais vigorosa seca do Nordeste, em 1877, que matou meio milhão de nordestinos, foram feitos novos diagnósticos e a proposta ressuscitou.

            Em 1908, o escritor Euclides da Cunha defendeu a transposição. Já em 1913, o predecessor do DNOCS, o antigo IFOCS, decidiu priorizar o empreendimento e, após um período adormecida, a idéia ressurgiu e naufragou na campanha presidencial do Ministro Mário Andreazza e posteriormente na gestão do então Ministro Aluízio Alves.

            Recentemente, no Plano Plurianual do ano que passou, o Governo retomou como prioridade os estudos técnicos para levar adiante a transposição das águas do São Francisco.

            Ainda que a natureza humana, Sr. Presidente, incorpore um pendor espontâneo pelas dicotomias, penso ser prudente levantarmos e indicarmos caminhos além do antagonismo “sou contra” ou “sou favorável”. Mas antes de ingressarmos no cardápio de possibilidades, é obrigatório um mergulho profundo na situação de deterioração, na qual se encontra o rio São Francisco, que de rio de unidade nacional quase vira o rio da discórdia regional. Conflito gerado pela inabilidade de alguns segmentos que optaram por conferir traços apaixonados em torno de um debate que deveria se circunscrever ao aspecto técnico, científico e racional.

            O diagnóstico de todos que, direta ou indiretamente, estudam ou vivem da generosidade das águas do velho São Francisco é coincidente. Eu mesmo, Sr. Presidente, que recentemente fiz uma viagem e visitei, um a um, todos os municípios ribeirinhos do São Francisco, em Alagoas, pude constatar o estado de deterioração do rio. Colhi depoimentos dramáticos, verdadeiros. O São Francisco enfrenta o desmatamento de suas matas ciliares, erosão, assoreamentos, queda de vazão - especialmente após a hidrelétrica de Xingó - poluição, baixa piscosidade, inúmeros bancos de areia, alargamento da distância entre suas margens, redução da profundidade e o mais grave dos problemas que precisa ser corrigido imediatamente: a salinização progressiva de sua foz, na divisa entre Alagoas e Sergipe, especialmente após o desaparecimento das enchentes que, apesar dos transtornos conhecidos, eram vitais na ressurreição cíclica do rio, na agricultura, na navegação e na própria pesca.

            Nessa viagem, colhi depoimentos sofridos de muitos habitantes da região e até realidades injustificáveis. Alagoanos que moram há poucos metros do rio vivem abandonados, às escuras, sem sequer ter luz em casa, e o “Velho Chico”, Sr. Presidente, foi sempre priorizado para a geração de energia elétrica.

            Dos sete Estados que integram a Bacia do São Francisco, o de Alagoas é o que mais sofre com essa devastação. De Paulo Afonso a Piaçabuçu, outrora a zona mais piscosa de todo o rio, com grande produção de dourados, surubins e curimatãs, a degradação ambiental transformou mais de 10 mil famílias de pescadores em bóias-frias. Muitas delas foram obrigadas a migrar em busca da sobrevivência incerta em outros lugares.

            Na agricultura, Sr. Presidente, também Alagoas foi prejudicada. Tínhamos em torno de 800 áreas plantadas de arroz e mais de 50 indústrias de beneficiamento, que foram desaparecendo com a devastação do próprio rio.

            Outro aspecto que pode ser comprovado, em toda a sua dramaticidade, pelo ângulo de Alagoas, é o efeito da construção das barragens. Depois de Paulo Afonso, Sobradinho e Itaparica, o fenômeno da piracema vem sendo severamente restringido. Isso ameaça, Sr. Presidente, a reprodução de várias espécies, algumas já fadadas à própria extinção.

            A diminuição da vazão, após Sobradinho e Xingó, retirou do rio o vigor para arrastar milhões de toneladas de dejetos e areia jogados em seu leito, provenientes de mais de 400 cidades onde o esgoto absolutamente não é tratado. A salinização, Sr. Presidente - todos sabem -, é devastadora para a pesca e para a agricultura da região.

            A mesma desatenção com o problema foi registrada na foz do rio Colorado, no México. Esse foi um erro posteriormente reconhecido no Tennessee Valley, projeto norte-americano que recuperou o rio Colorado, maximizou o uso múltiplo da água e, hoje, irriga sete estados americanos e também o vizinho México. O rio Colorado, Sr. Presidente, foi recuperado após um minudente trabalho de planejamento e de execução. Sua vazão, sete vezes menor que a do Rio São Francisco, irriga 4 milhões de hectares, enquanto o nosso São Francisco, pelos equívocos pretéritos, tem potencial apenas para irrigar atualmente 800 mil hectares.

            Os pescadores de Penedo e de Piaçabuçu, em Alagoas, conhecem no dia a dia a salinização, e hoje, Sr. Presidente, observam mistura que já ocorre de peixes de água doce e salgada no leito do rio em até 40km de distância da sua foz. Todos esses problemas, é óbvio, acabam por provocar uma catástrofe social na região. Tudo isso coloca o rio em estado de morte iminente e nada pode ser feito antes da sua revitalização. A prioridade que se deu, após a criação da Chesf, a geração de energia elétrica, acabou por prejudicar o rio de maneira reversível, felizmente. É sob esse aspecto que a discussão deve ser colocada.

            O primeiro e imprescindível passo para que o São Francisco forneça água para o Nordeste Setentrional, cuja carência de água e rios perenes é reconhecida, é a volta de sua pujança e caudalosidade. A preliminar da qual não nos podemos afastar é a revitalização do Velho Chico. E, após concretizado este primeiro passo, devemos ter um projeto integrado para a Região Nordeste. Do contrário, Sr. Presidente, estaríamos entrando em soluções novamente redentoras, messiânicas e apressadas. Ponderação no trato com o responsável por 66% dos recursos hídricos do Nordeste é um conceito, portanto, inafastável.

            O que sempre defendi, de maneira irredutível, era a demonstração cabal, não perdurando nenhuma dúvida ou questionamento que seja, sobre a viabilidade do planejamento nas obras de engenharia, a sustentabilidade do projeto ao longo dos anos, os benefícios a serem gerados para a população e os relatórios prometidos de impacto ambiental.

            O Nordeste Setentrional possui um índice pluviométrico semelhante à Europa Central, porém as chuvas não são distribuídas ao longo do ano, sendo sua incidência em apenas três para nove meses de seca. A evaporação, Sr. Presidente, compromete a água acumulada nos açudes e o abastecimento da região se torna precário. O subsolo cristalino dificulta a extração de águas e várias cidades grandes, em virtude dessa insegurança de abastecimento de água, não conseguem sequer se expandir, como Campina Grande, por exemplo.

            Ninguém se recusa a encontrar uma solução para nossos irmãos nordestinos, mas temos que encontrar uma solução integrada para toda a região, e não paliativos localizados, que podem se desmoronar em alguns anos. Não podemos, Sr. Presidente, pautar a solução nem sob a ótica dos beneficiários circunstanciais e nem sob a perspectiva de um Nordeste fatiado. A solução tem, imperiosamente, de ser integrada e não implicar na certidão de óbito do rio. A desunião enterra a perspectiva de um Nordeste viável.

            Em boa hora o Governo Federal, portanto, ouvindo aos apelos da região, suspendeu a discussão do projeto de transposição do Rio São Francisco. Em seu lugar foi criada uma Comissão, da qual tenho orgulho de participar, para estudar as possibilidades de revitalização do rio e definir recursos iniciais para esta própria revitalização.

            E quais seriam, Sr. Presidente, as alternativas possíveis para revitalização do São Francisco antes de ele se tornar um doador para as bacias do Nordeste Setentrional? Os estudos existentes são vários e poderiam ser relevados antes de uma decisão final. É sempre louvável a humildade de se considerar outras propostas, a fim de escolhermos a melhor dentro da especificidade do Brasil.

            Inicialmente, eu gostaria de registrar que a Comissão do Senado para o desenvolvimento do Vale do São Francisco, a qual eu tive a honra de presidir, em 1995, trabalhou durante sete meses no intuito de colher sugestões para atenuar a situação de indigência que vitima os brasileiros atingidos pela devastação das secas. Providências elementares recomendadas na sua conclusão poderiam, sem dúvida, ser adotadas a fim de maximizar a utilização da água.

            Não temos, ainda, uma política permanente de armazenagem de recursos hídricos. Inexistem planos de preservação de afluentes, de manutenção, ou de recuperação da vegetação. E deveríamos trabalhar mais insistentemente com tecnologia de adutoras, explorarmos a captação de água subterrânea e mais poços, que, hoje, são apenas 25 mil. Estas seriam providências recomendáveis, antes de entrarmos no passo seguinte, que é a transposição de bacias para atendermos zonas carentes de recursos hídricos do Nordeste brasileiro.

            As propostas para a ressurreição do rio São Francisco - e tenho certeza de que os Senhores já tiveram a oportunidade de ouvir - passam pelo reforço da vazão do rio, hoje em 2.060 m³/s, o que irá regularizar a ecologia e a economia de toda a região. É igualmente necessário o reflorestamento das matas ciliares, o desassoreamento, o combate às causas da erosão, a remoção das ilhas de areia, a recuperação da navegabilidade, a recuperação de lagoas e também a construção da hidrelétrica Pão de Açúcar, no intuito de regularizar a vazão até a foz do rio, contendo o processo assustador de salinização.

            As opções para o reforço da vazão passam pela interligação das águas do rio Tocantins, que tem vazão abundante, cinco vezes superior ao São Francisco, e poderá ceder suas águas ao Velho Chico sem prejudicá-lo, tendo em vista os altíssimos índices pluviométricos da região.

            Aceitando a ponderação do elevado custo e os benefícios oriundos da interligação Tocantins/São Francisco, não seria demasiado ao Governo analisar a proposta originada na Codevasf, intitulada Plano de Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio São Francisco e do Semi-árido Nordestino, mais adequada à realidade socioeconômica brasileira, que prevê a revitalização do São Francisco a partir da utilização dos afluentes do próprio São Francisco, do rio Paraná e Tocantins. Por essa proposta, 13 afluentes concederiam suas águas, que significariam um aumento de 50% na vazão do Velho Chico.

            Pelos estudos desenvolvidos até aqui, os ganhos seriam expressivos. No setor energético, a proposta indica a possibilidade de ganhos de até 50% do que é gerado atualmente pela Chesf. Na irrigação seriam mais 1,6 milhão de hectares, 800 mil ribeirinhos e mais 800 mil no Nordeste setentrional, estimulando a fruticultura - hoje o maior gerador de postos de trabalho por real investido -,criando dessa forma cerca de 3 milhões de empregos. O projeto aponta para uma maior piscosidade, perenização de leitos, maior navegabilidade, incremento da agroindústria e aproveitamento do potencial turístico da região. O custo avaliado desse projeto não pode impedir sua análise, porque ele implica na recuperação do São Francisco.

            É praticamente impossível tratar da preservação do São Francisco, sobre modelos de transposição, sem mencionarmos uma questão conexa, intrinsecamente ligada ao problema. O Governo Federal anunciou, ainda para este ano, a privatização dos serviços do importante setor de geração de energia elétrica, onde se inclui a Companhia Hidrelétrica do São Francisco - Chesf.

            O processo de privatização vem trazendo questionamentos sobre o que já foi comercializado e calorosos debates sobre as futuras privatizações. Em alguns setores, a retirada do Estado não contribuiu em nada para melhorar serviços ou reduzir tarifas, como foi prometido pelo Governo Federal. As pesquisas sobre a queda da qualidade de vários serviços e a elevação dos custos demonstram cabalmente esse fato.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não pretendo discutir a execução desse conceito privatizante, mas, com as privatizações já realizadas, fica claro que o modelo adotado foi equivocado. Em alguns casos, o Estado financiou e vem financiando a compra do patrimônio que já lhe pertencia. Quanto aos benefícios esperados ao consumidor, todos conhecem a realidade. O fato é que as melhores jóias da coroa, restando apenas a geração de energia, já foram entregues e, lamentavelmente, o fato de o Estado ter economizado gastos e investimentos não representou melhorias na geração de empregos, incrementos salariais, desenvolvimento, distribuição de renda, combate à violência e não se traduziu em avanços de nossos enxovalhantes índices socioeconômicos, que persistem em nos envergonhar diante do mundo.

            Dentro do cardápio de generosidades que o Brasil vem propiciando a determinados setores empresariais e financeiros, pretende-se incluir a Chesf, que aos olhos e ouvidos privados de sensibilidade social dos tecnocratas, só significa uma receita de 6 bilhões de reais.

            A atipicidade desta empresa não pode, não deve - e o Senado há de resistir - permitir que ela engrosse apenas uma equação matemática, que ela se converta em mera venda de ativos, uma reles operação financeira. Ela, para milhões de nordestinos que tangenciam a indigência, significa vida, alimentação, água, sobrevivência. A Chesf é estratégia e sua permanência sob o controle público é indispensável. Sua atuação é interligada e interdependente. Todo o complexo do São Francisco é encadeado, não só a geração de energia e o acúmulo de recursos hídricos, mas o controle da vazão do rio, fator indispensável para navegação, abastecimento de água para consumo humano e animal, irrigação e a própria pesca. É impossível, Sr. Presidente, projetar o funcionamento orgânico se ela for transformada numa pizza de quatro fatias e cada grupo empresarial abocanhar um pedaço.

            Sem um comando unitário, com vários proprietários independentes, como seria possível sacrificar eventualmente a geração de energia para viabilizar o consumo humano e a irrigação em períodos de estiagem?

            A Chesf se difere em todos os aspectos de tudo que já foi discutido, envolvendo a venda das empresas públicas. Seu comando único, nas mãos do Estado - e lembrem-se que o projeto do Rio Colorado manteve sempre o controle público -, é vital para a sobrevivência do semi-árido. Ela não pertence a este Governo ou às convicções neoliberais ou estatizantes. Parece repetitivo, tendo em vista a exaustão do tema, mas ela pertence ao povo brasileiro e é sinônimo de vida para Região Nordeste. A venda da Chesf seria um exagero privatizante imperdoável, pelo qual teremos de responder a várias gerações. Vender a Chesf é privatizar o rio São Francisco, e este é inalienável, pois não pertence aos arroubos transitórios do poder, mas é um bem eterno do Nordeste, um bem eterno do próprio País.

            Para encerrar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de destacar o projeto aprovado nesta Casa, fruto de um trabalho coletivo que desenvolvi junto com a ilustre Senadora Maria do Carmo Alves. A proposta autoriza o Poder Executivo a criar a Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento e instituir o Programa Especial de Desenvolvimento da Foz do Velho Chico. Uma iniciativa que poderá contribuir decisivamente para o desenvolvimento da região por meio da fruticultura irrigada e a piscicultura, que têm viabilidade, baixo custo financeiro e um elevado retorno social.

            Muito obrigado a V. Ex.ª, Sr. Presidente, aos Srs. Senadores e a todos os convidados.


            Modelo112/23/244:26



Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/2001 - Página 23674