Discurso durante a 125ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS QUINHENTOS ANOS DO RIO SÃO FRANCISCO, REGISTRADO POR OCASIÃO DA PASSAGEM PELO RIO DO NAVEGADOR AMERICO VESPUCIO, EM 04 DE OUTUBRO DE 1501.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • COMEMORAÇÃO DOS QUINHENTOS ANOS DO RIO SÃO FRANCISCO, REGISTRADO POR OCASIÃO DA PASSAGEM PELO RIO DO NAVEGADOR AMERICO VESPUCIO, EM 04 DE OUTUBRO DE 1501.
Aparteantes
Heloísa Helena, José Eduardo Dutra.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/2001 - Página 23681
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, DISCURSO, AUTORIA, ORADOR, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, REVIGORAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REVIGORAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, RIO SÃO FRANCISCO, CRIAÇÃO, FUNDO ESPECIAL.
  • LEITURA, HOMENAGEM, RIO SÃO FRANCISCO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, requeiro a transcrição, na íntegra, deste discurso que faço em homenagem aos 500 anos do rio São Francisco.

            Trata-se de um discurso que enfoca o problema da revitalização e as possibilidades econômicas da bacia do rio São Francisco com esse processo de revitalização que precisa ser executado com todo o esforço pelo Governo Federal e com o apoio dos Estados banhados pelo rio São Francisco.

            Prefiro encerrar o meu discurso homenageando o rio São Francisco. Peço, também, a transcrição de uma emenda constitucional que apresentamos e que acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a fim de instituir o Fundo para a Revitalização Hidroambiental e Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio São Francisco. Essa proposta de emenda, que recebeu o número 27, tem como Relatora a Senadora Maria do Carmo Alves, do Estado de Sergipe, e já se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

            Pretendo ler dois pequenos poemas em homenagem ao rio São Francisco.

            O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Permite-me V. Ex.ª um aparte?

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Ouço V. Ex.ª com prazer.

            O Sr. José Eduardo Dutra (Bloco/PT - SE) - Senador Antonio Carlos Valadares, peço permissão a V. Ex.ª para participar desta homenagem aparteando-o em razão do adiantado da hora. Inicialmente, parabenizo a Senadora Maria do Carmo Alves, que teve a iniciativa de propor esta sessão para homenagear o Velho Chico, o chamado rio da integração nacional, que leva o nome do patrono do meio ambiente e do amante dos pobres, sendo hoje, infelizmente, quase um sinônimo de degradação ambiental e de miséria social. Eu estava comentando com a Senadora Heloísa Helena que, no meu segundo ou terceiro ano primário, aprendi na escola que o rio São Francisco era navegável de Pirapora a Juazeiro. Hoje, vemos uma realidade absolutamente degradada do ponto de vista ambiental, em função do descaso das elites políticas do Brasil, que encaram o rio São Francisco apenas como mero provedor de energia elétrica, sem levar em consideração os riscos de uma série de ações do ser humano que tem levado o rio a esse estado de calamidade. Felizmente, já vemos diversos setores da sociedade civil, ONGs e políticos que estão levantando sua voz para garantir a revitalização do rio São Francisco. Tenho certeza de que esses atos não vão se resumir a esta sessão do Senado Federal. É necessário, cada vez mais, que a sociedade brasileira como um todo entenda a importância da revitalização do rio pelo seu papel no desenvolvimento social e econômico do nosso País, particularmente da Região Nordeste. Por isso, quero me somar ao pronunciamento de V. Ex.ª e às manifestações dos diversos Colegas alertando a Nação brasileira para a urgência de um projeto de revitalização do Velho Chico. Muito obrigado a V. Ex.ª.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Agradeço a V. Ex.ª, Senador José Eduardo Dutra, por essa contribuição ao pronunciamento que ora faço em homenagem ao Velho Chico.

            A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Concede-me V. Ex.ª um aparte?

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Concedo o aparte a V. Ex.ª.

            A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Antonio Carlos Valadares, primeiramente, quero parabenizar a Senadora Maria do Carmo Alves e todos os Parlamentares que subscreveram o requerimento para esta sessão. O dia 4 de outubro é o Dia de São Francisco e data em que, pela primeira vez, há 500 anos, a caravela de Américo Vespúcio avistou o rio São Francisco, que já existia e era chamado Opará, Rio-Mar, pelos povos indígenas. Desde aquele tempo o rio São Francisco gera debates e discursos demagógicos os mais diversos. E, do mesmo jeito que o rio São Francisco é visto como um abraço aconchegante de Deus, é também o Seu dedo em riste mostrando a decadência da elite política e econômica nordestina. É absolutamente impressionante como, mesmo com 2.700 quilômetros de extensão no território brasileiro, com uma bacia hidrográfica com mais de 640 mil quilômetros quadrados, percorrendo 503 Municípios, beneficiando 15 milhões de pessoas, mesmo assim o nosso rio São Francisco continua, mesmo sendo essa dádiva da natureza, sem cumprir sua missão perante o povo nordestino. Já devo ter falado nesta Casa umas quinhentas vezes, como V. Ex.ª e muitos de nós, sobre a discussão do uso múltiplo e conflitante das águas, sobre a necessidade de revitalização do rio São Francisco. Senador Antonio Carlos Valadares, estando tomada pela sessão ternura, vendo as avenidas de Brasília cheias de ipês amarelos, sempre nos lembramos das craibeiras que beiram o rio São Francisco. Quando eu era pivete, eu adorava ficar em baixo das craibeiras, deitada, vendo cair aquela chuvinha de flores amarelas, que abrilhantavam e coloriam nossas infâncias absolutamente miseráveis. Então, quero aproveitar o pronunciamento de V. Ex.ª, primeiro, para dizer que esta Casa, que representa a Federação, tem a responsabilidade política de discutir a questão da revitalização do São Francisco. Segundo, aproveitar para homenagear o povo nordestino, especialmente o povo sertanejo, meio índio, meio negro, às vezes, salpicado das cores do colonizador, mas, acima de tudo, sertanejos fortes e o rio São Francisco presenciou várias dessas histórias. Claro que parte dessas histórias aconteceu há nove mil anos; outras já foram soterradas pelos reservatórios das nossas hidrelétricas para gerarem um outro tipo de progresso. Há histórias, ainda, que são de terror, de confronto entre índios, missionários e desbravadores do sertão, os prepostos de Garcia D’ávila, com suas concessões e privilégios reais. Mas há muitas estórias particulares, construídas pelo luar do nosso rio São Francisco. Tive o privilégio de nascer na cidade de Pão de Açúcar, à beira do nosso São Francisco, cujo nome originário, antes de ceder à tentação de homenagear os pães de açúcar feitos pelos engenhos no Estado de Alagoas, era Jaciobá, que significa espelho da lua. Quero aproveitar para homenagear todas as cidades que são cortadas pelo rio São Francisco, no meu querido Estado das Alagoas também, e todas as histórias particulares do nosso Estado, que vão-se construindo tais quais aquelas colchinhas de retalho que aprendemos a fazer nas nossas infâncias. E também homenagear todo o povo sertanejo, esse povo maravilhoso, esse povo forte, esse povo ora representado por um código moral, particular de honra, às vezes bravo, às vezes manso, mas, acima de tudo, com suas almas dedicadas à causa da liberdade. E é por isso que adoro dizer: “Vim lá do sertão e aprendi a dizer não!”. Portanto, é a homenagem ao povo sertanejo e ao nosso rio São Francisco.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Agradeço à Senadora Heloísa Helena as palavras emocionantes que pronunciou, as quais incluirei, com a permissão de S. Ex.ª, em meu discurso. S. Ex.ª reviveu sua infância no Estado de Alagoas, às margens do rio São Francisco, rio que, num passado não muito distante, era instrumento de desenvolvimento certo para a região. E hoje, diante da falta de providência das autoridades constituídas, a certeza do desenvolvimento está ameaçada.

            Ao encerrar minha participação, gostaria de ler uma poesia que me foi enviada pela Internet, de um admirador do Velho Chico numa época em que o rio era caudaloso, suas águas serviam a pescadores, a projetos de irrigação e de energia elétrica, e que atualmente, apesar das propostas de revitalização e de transposição de suas águas, o que implicaria em maiores ameaças para o rio, ainda vislumbramos que um dia o rio São Francisco voltará a ser o que era antes.

Rio São Francisco

De gota em gota te formaste,

cristalino, manso, e logo caudaloso,

nas longínquas e alterosas nascentes

como uma imensa dádiva de Deus.

E dia a dia segues, inconfundível,

do gotejante berço até o mar,

desenvolto, belo e imperecível,

correndo sobre desfiladeiros e planícies.

Fecundas as tuas margens, teus vales, tuas ilhas,

e a luz do sol brinca, ágil, em tua superfície,

enquanto a vida explode em alegrias, quando passas,

criando em teu percurso eternas esperanças.

Ah!, Velho Chico da minha infância machucada,

quando eu sonhava tuas águas transportadas

para as longínquas solidões do meu sertão

onde há misérias e a vida é uma aflição.”

            O cancioneiro popular também procurou eternizar essas preocupações. Além de Epitácio Mendes Silva, Sá e Guarabira, na sua canção Sobradinho, diz:

E o homem chega, já desfaz a natureza

Tira a gente, põe represa, diz que tudo vai mudar

O São Francisco lá para cima da Bahia

Diz que dia menos dia vai subir bem devagar

E passo a passo vai cumprindo a profecia

Do beato que dizia que o sertão ia alagar.

O sertão vai virar mar, dá no coração

O medo que algum dia o mar também vire sertão

Vai virar mar, dá no coração

O medo que algum dia o mar também vire sertão.

            Quero parabenizar a Senadora Maria do Carmo por essa iniciativa louvável em promover essa homenagem justa e merecida, para que não apenas nos relembremos dos serviços prestados ao Velho Chico, mas do serviço que ele poderá prestar se o homem tomar cuidado de que revitalizá-lo é, acima de tudo, uma proposta para resolver a situação de milhares de milhares de nordestinos que precisam das águas do Velho Chico.

            Muito obrigado.

 

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            SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES.

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            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, estamos comemorando neste 4 de outubro o aniversário de 500 anos do Rio São Francisco. Localizado por Américo Vespúcio em 1501, o rio foi batizado com o santo do dia 4 de outubro, justamente uma figura identificada com o meio ambiente: São Francisco.

            Quinhentos anos depois, temos motivos para comemorar, mas também alertas sobre os quais refletir. Não basta celebrar o “milagre da vida” que ocorre ao longo do São Francisco. É necessário transformar este momento em oportunidade para colocar em prática o projeto de revitalização do nosso tão querido Velho Chico.

            Nesta oportunidade, quero evitar o turbilhão de números, aos quais se dá vazão como argumentos e contra-argumentos para o justificar a transposição das águas para os Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Entretanto, coerente com a posição responsável que tenho sustentado ao longo dos últimos anos, não me furtarei a reafirmar minha firme convicção: é inaceitável que se promova qualquer ação concreta visando à transposição de águas da Bacia do São Francisco, sem que previamente se realize a recuperação da saúde de seus rios.

            Quero deixar claro e transparente - como o fiz de outras vezes - que de modo algum me oponho a que seja levada a preciosa água para perenizar rios e reforçar o volume de açudes nos nossos Estados vizinhos.

            Rendo-me à evidência da necessidade de água desses três Estados. Como poderia ficar insensível a um projeto que levará água em abundância para cerca de 8 milhões de conterrâneos nordestinos? Como se contrapor ao fornecimento de água de boa qualidade que servirá para consumo humano, para tocar projetos industriais, para irrigar a agricultura e para dar de beber aos rebanhos? Como voltar as costas para uma ação que trará maiores oportunidades de trabalho e diminuirá a mortalidade infantil? Quem, em sã consciência, se oporia a um projeto que evitará a migração de dezenas de milhares de irmãos nordestinos? Não eu, Senhoras e Senhores. Não eu! Essas são informações constantes da página do Ministério da Integração Nacional, como argumentos supostamente “irrespondíveis e irrefutáveis”. Esses argumentos estão lá, como se nos dissessem para não fazer nada em contrário.

            Mas, felizmente ou infelizmente, a realidade é mais complexa que esse apelo que, bem sei, não é apenas numérico; é humano; é verossímel.

            Não poderia, portanto, me calar diante da outra parte da verdade, não exposta no documento que justifica a transposição. E essa verdade não é mais segredo para ninguém: o São Francisco está na UTI, como diagnosticou recentemente uma autoridade do setor de recursos hídricos (Dr. Raimundo Garrido, da Secretaria de Recursos Hídricos). E quem está na UTI está a um passo da morte. Então, o que propõem os defensores da transposição é que o pouco líquido vital de um corpo seja transferido para outro corpo, para salvar este segundo. Temo que, com tal terapêutica, venha a se extinguir a vida de ambos: nem perenização de outros rios, nem sobrevivência do Velho Chico.

            Por isso, para além das falsas disputas (creio que todos buscamos a mesma coisa: água boa e abundante para dar vida ao Nordeste), quero me concentrar, hoje, nesses 500 anos do São Francisco, na necessidade de recuperá-lo.

            Esses quinhentos anos assistiram justamente à expansão da atividade humana ao longo e ao largo do rio. Não é à toa que é chamado de “rio da integração nacional”. Ao banhar cinco Estados, com possibilidade de navegação na maior parte de seus trechos, o São Francisco foi um dos responsáveis pela interiorização do homem pelos sertões brasileiros.

            Rio fértil, rio-caminho, rio de mitos; rio de histórias, rio de carrancas, rio de pescadores destemidos; rio de mineiros, de baianos, de pernambucanos, de sergipanos, de alagoanos. Rio da vida, o São Francisco e seus afluentes respondem pelo abastecimento doméstico que dá de beber a 15 milhões de pessoas; que dessedenta rebanhos ao longo de seus 2.700 quilômetros; que provê peixe a milhares de pescadores; que torna fértil as terras irrigadas a suas margens. Rio da modernidade, responde por 90% da eletricidade da região Nordeste. Rio da unidade cultural, que aproxima as populações que junto a ele habitam, criam, fazem história.

            Mas a contrapartida de todos esses benefícios tem sido trágica, pois esse rio está morrendo. O uso indiscriminado dos solos, o desmatamento das margens, a intensificação das atividades agrícolas, a dragagem para mineração, enfim, a intervenção humana - tão benéfica ao desenvolvimento do País - tem levado a um resultado catastrófico: o assoreamento do rio. Em alguns pontos, chega a perder até 1,5m de altura, o que compromete a navegação dos barcos e diminui a água para irrigação nas áreas mais abaixo.

            Por isso, quando os defensores da transposição minimizam os efeitos da água desviada, sou obrigado a desconfiar. Alegam que “a transposição significará um uso mínimo de águas do São Francisco, o que não comprometerá seu equilíbrio ambiental, o nível do rio e nem a qualidade de vida das populações ribeirinhas”. Sustentam que o “conjunto de canais, adutoras, túneis, estações de bombeamento e reservatórios feito a partir de dois grandes eixos que saem do rio, entre as barragens de Sobradinho e Itaparica” não trará prejuízos para os projetos de irrigação ao longo do São Francisco, pois apenas 2% da água será desviada. Asseguram que o prazo dilatado de implantação do projeto (até 2025) permitirá um monitoramento adequado, de modo a evitar maiores problemas.

            No entanto, não podemos desconhecer que essa solução “simples” compromete muito mais recursos, a começar pelo volume de dinheiro a ser dispendido com o projeto. (US$1,2 bilhões? US$2 bilhões? Um pouco mais? Um pouco menos?). Mas tomemos só o caso da energia elétrica. A Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) avalia que “a efetiva retirada de 50m3 na sua primeira etapa [da transposição] corresponderá a uma redução de cerca de 1 milhão e 250 mil megawatts/hora (MWh) anuais, ou seja, cerca de US$32 milhões. Na etapa final (260 m3/s), a energia garantida não gerada atingiria 6 milhões e 400 mil/MWh anuais, equivalente à paralisação de uma usina do porte de Sobradinho”. Quando somarmos a isso a energia necessária para elevar as águas em vazão contínua de 280m³/s, que ficaria pouco abaixo da energia elétrica que se deixaria de gerar, teremos um quadro em que o equilíbrio do balanço energético do Nordeste fica significativamente alterado. Devo lembrar que tais avaliações foram feitas antes do atual “apagão”. Para verem como só esse dado comprometeria sobremaneira o projeto de transposição.

            Por isso, desde algum tempo atrás, ciente das necessidades de nossos irmãos nordestinos, tenho defendido a adoção da revitalização do São Francisco e a suplementação de seu volume com águas vindas da Bacia do Tocantins.

            Fico feliz que o Governo Federal tenha reconhecido a necessidade de revitalização, e que esse reconhecimento, finalmente, saia do papel e comece a se transformar em projetos concretos, com verbas liberadas, como anunciou o Ministério da Integração Nacional na última semana de setembro.

            Já tive a oportunidade, em inúmeros discursos da tribuna do Senado Federal, de defender, antes de tudo, a transposição de águas do Tocantins para o São Francisco. E para esse projeto, que conta com um apoio especial da natureza, seriam necessários apenas R$120 milhões. Bastaria aprofundar duas lagoas que abastecem o Rio Grande, um dos afluentes do São Francisco. No Município de Ponte Alta, no Tocantins, estão as lagoas de Jalapão e Varedão, responsáveis pela interligação das duas bacias. O pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, João Suassuna, considera que se houver um aprofundamento dessas lagoas, a descarga para o rio São Francisco poderia aumentar em cerca de 2.600 m³/s, sem afetar o sistema Tocantins.

            Se, paralelamente a essa providência, forem tocados os projetos de revitalização do São Francisco, aí, sim, teremos condições de fazer a transposição sem risco. Com a recuperação das áreas degradadas, recomposição da cobertura vegetal nas margens, saneamento básico das cidades ribeirinhas, enfim, com o gerenciamento ordenado da bacia, o São Francisco se sustenta e pode fazer o milagre da multiplicação das águas.

            Por isso, Senhoras e Senhores, neste 4 de outubro de 2001, são estes os meus apelos aos diversos interlocutores desta luta (governadores, senadores, deputados federais e estaduais, e, principalmente, Presidência da República): revitalizemos o São Francisco e ele nos dará mais quinhentos, mais mil, mais milhares de anos de prosperidade ao nosso povo.

            Mas creio que o Congresso Nacional não pode ficar apenas como espectador dessas ações, tampouco os habitantes desses cinco Estados podem ficar à mercê de humores do Executivo. Por isso, apresentei Proposta de Emenda à Constituição para criar o Fundo de Revitalização Hidroambiental e o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio São Francisco. Pela medida, por trinta anos o Fundo custearia programas e projetos governamentais de recuperação do Velho Chico e de seus afluentes, bem como das regiões banhadas por eles. E de onde viriam os recursos para tal fundo? Muito simples: o fundo será constituído por cinco décimos por cento do produto da arrecadação dos impostos de competência da União, deduzidas as vinculações ou participações constitucionais. Isso corresponde a cerca de R$ 210 milhões anuais, a preços de 2000.

            Empregado na maximização do uso racional da água, reflorestamento, recuperação de matas ciliares, saneamento básico, educação ambiental, irrigação, pesca, piscicultura, navegação, geração de energia elétrica e turismo, teríamos o desenvolvimento sustentado da região, sem risco algum.

            Claro, isso nos deixaria mais tranqüilos para aceitar a transposição. Mas, sem isso, não será possível retirar água de uma região para outra, a um custo que não compensa. E para evitar tal medida, estamos propondo a convocação de um plebiscito. Só haveria transposição se os habitantes de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas concordassem com esse projeto. Como potencialmente prejudicadas, essas populações não poderiam deixar de se manifestar nesse episódio.

            Por isso, nesse 4 de outubro, peçamos serenidade a São Francisco para melhor decidir sobre o que fazer para cumprir os objetivos, que são principalmente nacionais: desenvolvimento harmônico, sustentável e equilibrado do Brasil.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.

 

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            DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2001

Acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de instituir o Fundo para a Revitalização Hidroambiental da Bacia do Rio São Francisco.

            As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

            Art. 1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é acrescido do seguinte artigo:

“Art. 84 É instituído, por trinta anos, o Fundo para a Revitalização Hidroambiental da Bacia do Rio São Francisco, com o objetivo de custear programas e projetos governamentais de recuperação hidroambiental do rio e de seus afluentes.

§ 1º O Fundo será constituído por cinco décimos por cento do produto da arrecadação dos impostos de competência da União, deduzidas as vinculações ou participações constitucionais.

§ 2º O Poder Executivo publicará demonstrativo bimestral da execução orçamentária, discriminando as fontes e usos do Fundo.”

            Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

            JUSTIFICAÇÃO

            É consensual a percepção de que muitos dos graves problemas socioeconômicos do Nordeste resultam da questão estrutural representada pela falta de água. Ao mesmo tempo em que abriga cerca de 30% da população brasileira, a região possui apenas 3% da água doce do Brasil, sendo que 70% dela provém do Rio São Francisco.

            Já se encontram em estágio avançado os estudos referentes ao projeto de transposição do Rio São Francisco, pelo qual se pretende desviar uma parcela de suas águas para beneficiar o semi-árido do Nordeste Setentrional.

            Uma das questões suscitadas na discussão sobre o tema é o rebaixamento do nível do São Francisco, em decorrência de problemas ambientais, como o desmatamento e o assoreamento, que vêm ocorrendo, nas últimas décadas, ao longo do rio e de seus afluentes. Além disso, a poluição e a falta de saneamento básico têm ocasionado impactos extremamente negativos para a qualidade das águas desse rio e da vida das populações ribeirinhas.

            Ao longo do trajeto, de cerca de 2.700 km, há muitos trechos do Velho Chico que necessitam de profunda recuperação ambiental, em especial no tocante à reconstituição da cobertura vegetal nas áreas de nascentes e à correção dos problemas de assoreamento.

            Para tanto, é necessário assegurar uma oferta continuada de recursos financeiros a serem investidos no aumento e na melhoria da qualidade da oferta hídrica na região banhada pelo Rio São Francisco.

            É nesse sentido que se insere a presente proposta de emenda à Constituição, que cria o Fundo para a Revitalização Hidroambiental da Bacia do Rio São Francisco, com recursos advindos de 0,5% da receita de impostos da União, o que corresponde a cerca de R$ 210 milhões anuais, a preços de 2000, durante 30 anos. Os recursos deverão ser utilizados no financiamento de programas governamentais voltados para a revitalização do São Francisco e de seus afluentes, em projetos de maximização do uso racional da água, reflorestamento, recuperação das matas ciliares, saneamento básico, educação ambiental. Uma vez revitalizado, o rio oferecerá melhores condições para o desenvolvimento de atividades, tais como irrigação, pesca e piscicultura, navegação, geração de energia elétrica e turismo.

            Pela importância da proposição para o desenvolvimento econômico e social do Nordeste, peço apoio aos Nobres Pares para a aprovação do presente projeto.

            Sala das Sessões,

            Senador ANTÔNIO CARLOS VALADARES

 

            


            Modelo15/4/247:16



Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/2001 - Página 23681