Discurso durante a 125ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS QUINHENTOS ANOS DO RIO SÃO FRANCISCO, REGISTRADO POR OCASIÃO DA PASSAGEM PELO RIO DO NAVEGADOR AMERICO VESPUCIO, EM 04 DE OUTUBRO DE 1501.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • COMEMORAÇÃO DOS QUINHENTOS ANOS DO RIO SÃO FRANCISCO, REGISTRADO POR OCASIÃO DA PASSAGEM PELO RIO DO NAVEGADOR AMERICO VESPUCIO, EM 04 DE OUTUBRO DE 1501.
Publicação
Publicação no DSF de 03/10/2001 - Página 23689
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DESCOBERTA, RIO SÃO FRANCISCO, REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, BRASIL.
  • ANALISE, PROBLEMA, DESTRUIÇÃO, ECOSSISTEMA, RIO SÃO FRANCISCO, PREJUIZO, PESCA, NAVEGAÇÃO, INVASÃO, MAR, NECESSIDADE, ATENÇÃO, RECUPERAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PSDB - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi num 4 de outubro, do longínquo ano de 1501, que o navegador Américo Vespúcio, singrando a costa brasileira numa frota de exploração das novas terras recém-descobertas, encontra o desaguadouro de um rio, caudaloso, pujante, a jogar com ímpeto suas abundantes águas no mar. Deve ter ficado impressionado com o vigor de um rio que, ao lançar-se ao mar, empurrava as águas marinhas para muito além da costa. O mar, ali, se transformava num verdadeiro oceano de águas doces.

            Verificou o dia da descoberta. Indagou a qual santo era o dia dedicado. Tomou da pena, marcou um X no mapa em que vinha anotando, desde o Norte, os acidentes geográficos litorâneos encontrados no percurso. E batizou o rio com o nome do santo do dia, São Francisco.

            Assim nasceu - ou melhor, foi descoberto - o Rio São Francisco. O rio da integração nacional. O amado rio que entrou em nossa cultura como um ente querido, como musa inspiradora de versos e prosa. O rio cantado na música, entoado nas baladas, reverenciado no ritmo. Já tem até um apelido carinhoso, Velho Chico, expressão afetuosa que extrapolou a intimidade cúmplice de seus ribeirinhos e invadiu a casa de todos nós, mesmo dos que moram longe do velho rio.

            O exímio navegador Américo Vespúcio cumpriu com maestria as ordens de Sua Alteza, o rei de Portugal. Do Rio Grande do Norte até a altura de Cananéia, em São Paulo, vasculhou tudo, fez mapas, escreveu anotações, deu nome aos acidentes geográficos encontrados; descobriu até que a terra descoberta não era uma ilha, e sim parte de um grande continente, o qual acabou recebendo o seu nome. Para azar de nosso pau-brasil, descobriu que a terra era abundante na madeira que servia para tingir tecidos, pintar telas e colorir desenhos no papel.

            Mas ele sequer suspeitou que estava diante de um grande rio. Um rio que se estende por 2.700 quilômetros, desde sua nascente, em Minas Gerais, atravessa o cerrado da Bahia, o semi-árido de Pernambuco, até Alagoas e Sergipe, e se lança no mar, com uma vazão média de 2.800 metros cúbicos. Esses números se referem apenas ao rio, Senhor Presidente, porque o vale todo compreende uma área equivalente à superfície da França e Portugal juntos. São mais de 645 mil quilômetros quadrados.

            Também acredito que Vespúcio não tivesse imaginado por quantas contendas iria passar o Velho Chico, disputas motivadas por diferenças políticas umas; por necessidade de poder outras; por ganância e inveja, outras ainda.

            Quando aporta em terras brasileiras o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, chega com expressa recomendação de Dom João III para providenciar a dominação das margens do rio São Francisco. Desbravadores aproveitam-se do rio para penetrar nas terras do interior. Buscam local mais apropriado para a pecuária, já que as margens se prestam melhor para uma agricultura de vazante. Com a formação dos currais, nascem os primeiros núcleos povoadores do vale e o São Francisco se torna conhecido como rio dos Currais.

            Em 1637, os holandeses perceberam a localização estratégica de um povoado que crescia às margens do rio, abrindo-se para as terras interiores, e trataram logo de erigir nele um forte. O sonho flamengo de domínio durou pouco, porém, pois foram dali expulsos em menos de 8 anos.

            No século XVIII, a vida do rio São Francisco é sacudida pela notícia do descobrimento de ouro na região de suas cabeceiras. O rio se firma, então, como importante estrada por onde passam exploradores, mineradores, homens de bateia, aventureiros. A estrada leva também alimento e carne para a região das minas. O rio faz a necessária união entre a gente do couro e a gente do ouro. Mais do que nunca, é o "rio da unidade nacional".

            Ao romper o século seguinte, o rio vai presenciar o sangrento conflito entre as famílias Militão e Guerreiro, na vila de Pilão Arcado. Na demorada contenda, desaparece a família inteira dos Guerreiros, e com ela a pequena vila. A outra morte de pessoa importante vai assistir o rio: a de Delmiro Gouveia, homem familiarizado com grandes realizações e imbuído de idéias progressistas. Ele foi o responsável pelo sopro de prosperidade que viveu Vila da Pedra, município alagoano de Água Branca, até que brutal assassinato ceifa sua vida e paralisa a usina de geração de energia e o parque de tecelagem ali construídos. O sucesso do empreendimento passou a incomodar a poderosa Machine Cottons, que em vão propôs a Delmiro comprar-lhe a fábrica. Numa noite de 1920, três tiros liquidam o sonho de progresso da região. Sua indústria jaz no fundo da cachoeira de Paulo Afonso, atirada ali pelo concorrente internacional que a arrematou em leilão, após a morte de Delmiro.

            Na outra extremidade, memórias do cangaço relembram que, por aquelas paragens, passou Lampião e seu bando. Há um Museu do Cangaço na cidade de Piranhas, que fica espremida pelas escarpas rochosas, com ruas sinuosas e casas debruçadas sobre o vale. Virgulino Ferreira, o Lampião, era originário da Bacia do São Francisco, tendo nascido às margens do rio Pajeú, afluente da margem esquerda, que corta o Estado de Pernambuco de norte a sul. Em várias ocasiões, Virgulino e seus cangaceiros andaram pela região, acedendo, talvez, ao pedido de suas mulheres, filhas da região, que queriam periodicamente retornar ao local para rever os parentes.

            São pequenas histórias, Senhor Presidente, que li aqui e acolá. E sabem os senhores que o São Francisco é tido como um rio sem história? Porque do povoamento e da penetração do Vale do São Francisco, restaram apenas depoimentos isolados, dados escassos, ou detalhes insignificantes. Não há uma história bem seqüenciada e cronologicamente organizada. Mas há pequenas histórias, como essas que colhi.

            Na homenagem que hoje faço aos 500 anos do descobrimento do rio São Francisco, escolhi, propositalmente, elencar entrechos históricos, para tornar o discurso mais leve, mais prazeroso de se ouvir, até mesmo - por que não dizer? - mais instrutivo aos nossos jovens, que costumam não penetrar no cotidiano da história do Brasil, quando a estudam na escola.

            Não pretendo com esse texto leve e ligeiro, contudo, Senhor Presidente, ocultar os graves problemas que assolam nosso velho rio. Conheço-os muito bem. Tem-se falado muito que o rio São Francisco está morrendo. Com cinco barragens represando suas águas, os peixes estão desaparecendo e a água vai perdendo força. As barragens impedem a piracema, comprometendo a reprodução. Muitos peixes morrem na tentativa de ultrapassá-las, o que atrai aves, como as garças, que vêm se alimentar deles. Ocorre que essas aves, por não pertenceram ao ecossistema do rio, causam grave desequilíbrio ecológico. Elas comem também insetos, vetores importantes da polinização. Sem esses insetos, não há como repor a mata ciliar, que já está à beira da extinção, porque sistematicamente destruída pelos plantadores e exploradores.

            Outro problema que assola o rio São Francisco é o assoreamento. Acreditam os Senhores que muitas famílias de pescadores deixaram de pescar e passaram a retirar a areia do rio para vendê-la? Se falta peixe e sobra areia, mudaram o ramo de negócio. Cada metro de areia chega a valer 5 reais no mercado regional. Acresce a isso o fato de o rio São Francisco estar sendo vítima da exploração irracional dos recursos e das riquezas do ecossistema de suas margens, sem falar do escoamento de agrotóxicos e de esgotos em suas águas.

            Então, vejam o resultado disso tudo. Por estar com a força das águas diminuída, o rio não está mais conseguindo enfrentar a força do Oceano, que lhe avança veio adentro, na foz, por mais de 18 quilômetros. Se continuar sendo agredido dessa maneira, sem proteção, o rio São Francisco vai poder desviar suas águas para mitigar a seca de outras regiões do sertão nordestino, como se cogita nos últimos anos? Vejam bem, num caso como no outro, é sobre o homem do São Francisco, sobre o homem do sertão, sobre os barqueiros e remeiros, sobre a gente ribeirinha que recairão os maiores danos e prejuízos.

            Temos de cuidar de nosso Velho Chico antes que ele se enfraqueça e sucumba aos maus tratos! A Américo Vespúcio repugnaria ver o rio que descobrira forte e caudaloso, estar, cinco séculos depois, em plena era de acelerada tecnologia e avançados estudos de hidrografia, ecologia, piscicultura e outros, contaminado, assoreado, poluído, desprovido de matas, peixes e água limpa!

            Muito obrigado a todos!

 

            


            Modelo15/3/2411:33



Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/10/2001 - Página 23689