Discurso durante a 126ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a filiação de S.Exa. ao PMDB.

Autor
Sérgio Machado (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/CE)
Nome completo: José Sérgio de Oliveira Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • Considerações sobre a filiação de S.Exa. ao PMDB.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2001 - Página 23938
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • REGISTRO, FILIAÇÃO, ORADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), CONFIRMAÇÃO, COMPROMISSO, DEMOCRACIA, DIREITOS HUMANOS, SOCIEDADE, BRASIL.
  • ANALISE, NECESSIDADE, FIDELIDADE PARTIDARIA, ETICA, ATIVIDADE POLITICA, REGISTRO, ATUAÇÃO, ORADOR, DEFESA, DEMOCRACIA, COMBATE, AUTORITARISMO, PERIODO, REGIME MILITAR.
  • DEFESA, MELHORIA, SITUAÇÃO, BRASIL, NECESSIDADE, COMBATE, ANALFABETISMO, DESIGUALDADE SOCIAL, POBREZA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            FILIAÇÃO AO PMDB

            O SR. SERGIO MACHADO (PMDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, quero agradecer a presença de todos que aqui estão para compartilhar comigo este momento especial de minha vida política. Ao tempo em que ingresso no PMDB, reafirmo minhas convicções democráticas e, acima de tudo, meu compromisso com o povo da minha terra.

            Aprendi, ao longo de minha carreira pública, que o patrimônio maior de um político é a sua coerência, a fidelidade a princípios e valores. As idéias podem mudar ¾ e, freqüentemente, é até salutar que mudem, evoluam, acompanhem o progresso e as transformações da vida. Mas os princípios éticos e morais, não.

            Estes são permanentes e não podem ser profanados.

            No curso de minha carreira política, que me trouxe ao Senado Federal, tenho sido fiel a alguns fundamentos básicos: à democracia, em primeiro lugar ¾ e, dentro dela, aos direitos humanos e sociais, que lhe dão conteúdo e significado.

            Para mim, política é, antes de tudo, paixão. Não é possível enxergá-la de outra forma. Política trata das pessoas, da eterna busca da boa convivência, ainda que com idéias e convicções diferentes. Política é a arte de promover a paz e a concórdia na sociedade. E não há como fazê-lo senão de coração e braços abertos como prova de amor à humanidade.

            Aprendi isso muito cedo, ainda de calça curta, na minha casa, ouvindo, atentamente, até altas horas da noite, as conversas do meu pai com os políticos da minha terra. Convivi, desde sempre, com pessoas que tinham interesse público. Eram, de fato, partidários, solidários e amigos. Amigos não dos cargos, mas das pessoas. Não das pessoas jurídicas, mas das pessoas físicas. Tinham um projeto coletivo, um sonho, uma utopia e lutavam sem tréguas por isso.

            Foi esse o meu jardim da infância da política, na casa do meu pai.

            Depois, como disse o poeta Filgueiras Lima, “veio o mau destino” e me fez conhecer o sofrimento. Ou melhor: me fez aprender ainda mais. Foram duras, mas sábias as lições que recebi sobre a vida e os homens, no exílio com o meu pai e com diversos outros brasileiros, idealistas e patriotas, vítimas do autoritarismo e da intolerância. Ásperos tempos aqueles. Não se sabia se o dinheiro ia dar até o final do mês. Pior: não se tinha sequer idéia de quando se poderia voltar para casa.

            Mas foi lá, também, que conheci uma figura extraordinária, que tem marcado e pautado minha trajetória política. Dele recebi, nas longas tardes do exílio, as aulas mais profundas, mais comoventes e mais cheias de amor às pessoas e ao Brasil.

            A mais inesquecível ocorreu no dia 18 de dezembro de 1964. Nela, ele não disse nenhuma palavra; apenas chorou. E, naquele choro, resumiu todo o sentimento de um povo diante dos desencontros da história. Estava ao lado dele, no aeroporto de Orly, em Paris, no embarque de suas filhas para o Brasil, a nossa pátria querida, cujo solo lhe fora proibido pisar. Era Juscelino Kubitscheck de Oliveira.

            Cumpri, portanto, mais uma etapa do meu aprendizado político.

            Voltei ao Brasil, restabeleci contato mais direto com uma nova realidade brasileira. !E vi e senti quanto afastaram ainda mais o País dos valores democráticos!  Mas havia a resistência! E nela logo me engajei. Fiz parte do movimento estudantil, em 1968. !Participei da passeata dos 100 mil! Desse tempo, nunca me esqueci da cena em que os grandes líderes do então MDB - a trincheira democrática do País - eram perseguidos no campus da UnB pelos cães da ditadura.

            E, aqui, permitam-me breve pausa para homenagear dois grandes brasileiros, duas legendas políticas do PMDB: o cearense José Martins Rodrigues, pelo seu centenário, comemorado quinta-feira última, e Ulysses Guimarães, o estrategista e comandante da redemocratização.

            Aos dois, devemos muito da liberdade que hoje desfrutamos na política brasileira.

            Retomo o relato aos idos de 68. Voltei para o Ceará. Vivi um momento em que as pessoas eram dominadas pelo medo. As reuniões só aconteciam depois da meia-noite, quando as luzes se apagavam e a cidade dormia.

            Continuei firme na luta pela democracia. Lembro-me bem, nas Diretas-Já, que esteve aqui conosco - comigo e com os companheiros do Centro Industrial do Ceará, o CIC - Tancredo Neves, que foi a primeira pessoa que me sugeriu algo que ainda não me passara pela cabeça: entrar na política partidária.

            As Diretas-Já e, logo depois, o movimento pró-Tancredo foram meu batismo oficial na política. Veio, então, 1986 e me entreguei de corpo e alma ao projeto de mudar o Ceará. De fazer política com “P” maiúsculo. Sem fisiologismo. Sem clientelismo. Para tornar o Ceará melhor, fomos obrigados a desagradar interesses e, pela abnegação ao projeto, fui não raras vezes incompreendido. Mas nada como o tempo para mostrar a verdade.

            Depois, vieram as divergências, os desencontros, porque não podíamos paralisar o sonho. Mas em momento algum permiti que as divergências interferissem no desempenho do meu mandato. Continuei trabalhando com o mesmo empenho como coordenador da bancada cearense e como líder do partido no Senado Federal, na luta por recursos para o Estado, porque o povo não pode pagar pelos eventuais antagonismos entre seus representantes.

            De tudo, posso dizer com tranqüilidade: ao longo de minha vida, nunca fugi dos principais acontecimentos do meu Estado e do meu País. De todos, participei; em todos, tomei partido e atitude. Em momentos decisivos, fiz sempre opção pelo que me pareceu mais em consonância com a ética e a justiça social, muitas vezes em detrimento de interesses políticos imediatos.

            Por isso, por uma questão de coerência, nas eleições presidenciais de 1989, apoiei o paulista Mário Covas, numa campanha difícil, em detrimento do nordestino Fernando Collor, quase vitoriosa. Por isso, continuo lutando até hoje, na mesma trincheira, pensando no meu país e no Ceará.

            Não posso deixar de registrar o quanto amadureci no exercício dos meus mandatos nas duas Casas Legislativas do Congresso Nacional. Foi nelas que consolidei as lições da pluralidade, de divergir sem hostilizar, de estar consciente, enfim, como nos ensina Adolfo Perez Esquivel, de que “não se pode semear de punhos cerrados”.

            Companheiros do PMDB:

            Todo o esforço que empreendi ao longo da minha vida política não foi em vão. Como diria Machado de Assis, “alguma cousa escapa do naufrágio das ilusões”. Estou de novo na mesma luta por um Ceará mais justo. Por um Ceará em que o jovem tenha perspectivas, o idoso viva a velhice com dignidade e em que haja segurança e bem-estar geral.

            A propósito, calou-me profundamente o depoimento, dias atrás, de uma jovem cearense. Disse-me ela: “Senador, hoje, como estudante, sou o futuro do País; amanhã, já formada, vou deixar de ser o futuro para virar um problema social”.

            Da mesma forma, ouvi de um aposentado, em Morada Nova: “Doutor, recebo meu aposento, mas é mesmo que nada. Todo mês tenho de repartir o dinheiro com os filhos e netos, que vivem sem trabalho. Acabo ficando até sem os meus remédios”.

            E, como se não bastasse, um rico empresário certa vez me confessou: “Senador, como o senhor sabe, sou bem sucedido nos negócios, pago regularmente os impostos, tenho o respeito da sociedade. Mas, de que vale tudo isso, se não estou seguro, nem em casa nem na empresa? Se, a qualquer momento, pode acontecer o pior comigo e com a minha família?

            E por que não há futuro para o jovem, mesmo que tenha a felicidade de terminar uma faculdade? Imaginem quem nunca aprendeu a ler -- e são tantos ainda no Ceará -- o 4º lugar no Brasil em analfabetismo de 15 anos e mais? E por que, depois de tanto penar, a pessoa idosa não pode ter alguma recompensa em vida? E por que há tanta insegurança, não importa se rico ou pobre? Quando o estado, neste campo, não cumpre seu papel, o rico se protege comprando segurança e o pobre paga com a vida.

            Isso tem, pelo menos, dois nomes: pobreza e falta de perspectivas. Combater esses males, eis aí o bom combate, eis aí o meu compromisso de fé que solenemente faço aqui e agora, diante de todos. Vamos derrotar esses dois males onde quer que estejam. A pobreza está em todo o Estado, mas principalmente na zona rural e nos pequenos municípios. Está no Interior. E isso acontece porque a agropecuária foi desmantelada, porque o Interior foi abandonado.

            Que fazer? Temos de enfrentar a precariedade de uma política fundiária improdutiva. ?O que esperar de uma agropecuária em que quase 70% dos estabelecimentos têm menos de 10 hectares e área média de 2,6 hectares, num Estado onde 73% do seu território situam-se no semi-árido, às voltas com as secas periódicas?

            Temos de dar um basta no desperdício! Nada pode ficar parado. O dinheiro público tem de render para a sociedade. Por exemplo: a água do açude é para o consumo humano e para a produção. É fonte de saúde e riqueza. ?A que tem servido o Orós, concluído há 40 anos e que seria a redenção do Ceará?

            O acesso pleno à saúde, um dos direitos de cidadania básicos do mundo moderno, tem de ser garantido. O investimento em saneamento, prevenção e atendimento deve ser encarado como prioridade.

            As tecnologias que, hoje, estão nas prateleiras das Universidades e dos institutos de pesquisa são as armas mais poderosas nesse combate pelo desenvolvimento. É com elas, em boa medida, que vamos transformar em emprego, renda e qualidade de vida o potencial que o Estado possui na irrigação, na fruticultura, na floricultura, na cajucultura, na cotonicultura, na mamona, no sorgo; no peixe e no camarão; na avicultura, na bovinocultura de leite, na ovinocaprinocultura. De igual modo, no turismo rural, ecológico, arqueológico e, enfim, nas atividades não agrícolas que podem trazer prosperidade ao meio rural.

            Não podemos, obviamente, esquecer o meio urbano onde residem 72% da população do estado. Assim, devemos continuar incentivando a indústria. Mas não somente ela. É inconcebível excluir justamente os maiores geradores de emprego e renda, que são o comércio, a prestação de serviços e o turismo.

            Precisamos priorizar as micro e pequenas empresas, inclusive com a adesão do estado ao Simples. O Ceará deve ser transformado num grande pólo de atração de empresas produtoras de conhecimento. Para isto, o investimento em educação, ciência e tecnologia é fundamental.

            Tudo isso deve compor um projeto. E esse projeto não pode ser feito de cima para baixo, sem ouvir o seu principal interessado, que é o povo. Para fazer grandes coisas, já nos ensinava o célebre autor de “O espírito das leis”, não se deve estar acima dos homens, mas -- isto sim -- junto com eles.

            Hoje, estou mudando de partido, mas não estou mudando de objetivos ou ideais. Quem mudou, na verdade, não fui eu, mas as pessoas que continuam no PSDB no Ceará, que pregam a democracia, mas não a praticam internamente. O PSDB nacional cultiva a democracia interna, mas o cearense não: vê na divergência um problema e não um estímulo ao debate e ao aprimoramento das idéias.

            Ao entrar para o PMDB, registro minha ligação umbilical com esse partido, do qual meu pai é há anos filiado. Mas não é esse o único elo. O espírito de luta, a história de resistência e bravura são referenciais permanentes. !Não se pode esquecer o papel do PMDB na legendária campanha das diretas já, que empolgou multidões, Brasil afora!

            É hora de mudar. Mudo de partido, mas não de compromissos ou de ideais. No PMDB, estou certo, poderei contribuir para escrever um novo capítulo da história do Ceará - mais justa e em consonância com suas mais altas tradições. O Ceará mudou muito. Mas ainda há muito por fazer - e não há tempo a perder.

            Muito obrigado !


            Modelo15/4/243:18



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