Pronunciamento de Geraldo Melo em 04/10/2001
Discurso durante a 128ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Surpresa com declaração atribuída ao Presidente de Honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, publicada no jornal O Globo, na qual é endossada a imposição, pela comunidade econômica européia, de barreiras alfandegárias ao Brasil. (como lider)
- Autor
- Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
- Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
IMPRENSA.
COMERCIO EXTERIOR.:
- Surpresa com declaração atribuída ao Presidente de Honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, publicada no jornal O Globo, na qual é endossada a imposição, pela comunidade econômica européia, de barreiras alfandegárias ao Brasil. (como lider)
- Aparteantes
- Eduardo Suplicy.
- Publicação
- Publicação no DSF de 05/10/2001 - Página 24075
- Assunto
- Outros > IMPRENSA. COMERCIO EXTERIOR.
- Indexação
-
- ANALISE, INEXATIDÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ERRO, INTERPRETAÇÃO, DECLARAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, LIDER, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DEFESA, UNIÃO EUROPEIA, RESTRIÇÃO, IMPORTAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA, BRASIL, DIVERGENCIA, INTERESSE NACIONAL.
- ANALISE, DECLARAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, LIDER, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DEFESA, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, INVESTIMENTO, TECNOLOGIA, MELHORIA, POLITICA AGRICOLA, UTILIZAÇÃO, PROTECIONISMO, OBJETIVO, AMPLIAÇÃO, ATUAÇÃO, BRASIL, MERCADO INTERNACIONAL.
- CRITICA, DECLARAÇÃO, MOTIVO, UTILIZAÇÃO, PROTECIONISMO, SUBSIDIOS, DIVERGENCIA, INTERESSE, BRASIL.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não pretendo utilizar os 20 minutos. Até peço desculpas a esta Casa por fazer uma intervenção que termina por retardar a oportunidade e o prazer que ela terá de ouvir, em seguida, tanto o Senador Moreira Mendes como a nossa querida Senadora Marina Silva.
Venho à tribuna estimulado por uma grande dúvida que tenho e que precisa ser esclarecida. É bom que as Senadoras Marina Silva e Emilia Fernandes estejam presentes e que haja Senadores do Partido dos Trabalhadores, como o nosso querido companheiro, Senador Geraldo Cândido.
Li no jornal O Globo de ontem uma matéria que atribui a Lula uma declaração que não acredito que ele tenha feito. Por maior que seja o respeito que tenho pelo jornal O Globo, a fonte que alimentou a informação provavelmente não terá interpretado corretamente as palavras de Lula. Vou ler o trecho, que é muito curto, para que possamos entendê-lo:
Depois de se encontrar ontem com o Primeiro Ministro da França, Lionel Jospin, em Paris, o Presidente de Honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, disse entender a posição européia de impor barreiras alfandegárias a produtos agrícolas brasileiros.
Em seguida, palavras de Lula:
Eles estão corretos. Precisamos, primeiro, cumprir a nossa parte para depois exigir alguma coisa. Temos que ter uma boa política agrícola e investimento em tecnologia. É isso que vai nos dar competitividade.
Podemos divergir de Lula, podemos ser seu adversário, mas ele tem, invariavelmente, procurado demonstrar a sua fidelidade aos interesses nacionais. Por isso não creio que, de uma hora para outra, ele tenha assumido uma posição que contraria os interesses brasileiros gravemente e contraria os de todas as nações que, como o Brasil, participam de um grande esforço de transformação nas relações de comércio no mundo inteiro.
Antes de voltar ao fio da meada nessa questão, quero estranhar que uma declaração de semelhante gravidade não tenha tido a repercussão que teve, por exemplo, uma declaração do Presidente Fernando Henrique sobre futebol, que justificou, ao que me consta - eu não estava nem presente, infelizmente -, um longo discurso do Senador Eduardo Suplicy, na sessão de hoje, comentando as manifestações do Presidente - vejo que o Senador Eduardo Suplicy está de volta.
Não me considero uma autoridade nessa matéria, Senador Eduardo Suplicy, mas, como se costuma dizer, o Brasil tem mais ou menos 170 milhões de economistas e 170 milhões de técnicos de futebol. E o Presidente Fernando Henrique Cardoso tem o direito de fazer as suas afirmações como cidadão, como um desses 170 milhões de entendidos, embora Sua Excelência tenha falado sobre as repercussões emocionais que haveria na sociedade brasileira se o Brasil não fosse à Copa do Mundo.
Esse assunto tem tido repercussão inclusive na imprensa. Já teve na tribuna do Senado, nos jornais de hoje, jogadores de futebol se pronunciaram a respeito, houve espaço na mídia para discutir isso.
E não vi qualquer repercussão para uma declaração desse tipo. Não quero dizer que Lula tenha sido levado a uma declaração dessas por puro deslumbramento causado pelo fascínio que o cenário da França sempre provoca. Essa é uma declaração que requer uma urgente retificação, complementação, um urgente esclarecimento. Estou falando como brasileiro, não é nem como político. Vejo, por exemplo, neste momento, nas pesquisas de intenção de voto, que Lula está em primeiro lugar entre os aspirantes à Presidência da República. Um assunto como esse será entregue ao seu comando se chegar à Presidência da República.
Tenho uma preocupação crescente com esse fato, porque a justificativa dada por Lula parece comum aos colonizados em relação aos colonizadores. Às vezes, os colonizados têm sentimento de revolta e de indignação em relação aos colonizadores, mas terminam dizendo que eles têm razão, porque sabem mais, são mais adiantados e melhores. Na verdade, não é bem assim. Lula afirma que precisamos de investimentos em tecnologia e de uma boa política agrícola. Todos estamos de acordo com essa afirmativa. Entretanto, isso não quer dizer que, no campo da agricultura, o Brasil seja mais atrasado do que a França.
Há um exemplo concreto que pode ser dado e que interessa de perto aos representantes de São Paulo nesta Casa. O Brasil é um grande produtor de açúcar e, ao que me consta, o açúcar brasileiro é o de menor custo de produção no mundo. Portanto, não se pode falar em atraso tecnológico nem em ineficiência dos produtores de açúcar. O Brasil produz açúcar de cana, um produto intrinsecamente mais barato, porque a energia que se utiliza para produzir esse açúcar é o bagaço da cana. Os europeus produzem açúcar de beterraba. Em vez de queimar bagaço de cana em suas caldeiras, eles queimam petróleo, obtendo um açúcar extremamente caro.
O argumento de Lula é o de que precisamos nos tornar competitivos. Dou apenas um exemplo tirado ao acaso, a fim de demonstrar que somos muito mais do que competitivos. No caso do açúcar brasileiro, que pode chegar, como tem ocorrido, aos mercados mundiais por preços inferiores a US$200, ele enfrenta uma barreira protecionista que obriga que seja entregue ao mercado europeu pelo mesmo preço do açúcar de beterraba, porque se não houvesse essas barreiras, a produção de açúcar de beterraba na Europa talvez já tivesse acabado. Hoje, o nosso produto estaria nas mesas dos consumidores europeus.
Portanto, caso realmente Lula, pelo voto do povo brasileiro, ganhe a eleição presidencial do próximo ano - tenho um grande respeito por Lula, embora torça evidentemente para que ele não ganhe -, é a ele que se entregará a decisão final em questões desse tipo.
Há um imenso esforço da diplomacia, dos negociadores, do empresariado, do Brasil e de países semelhantes exatamente contra esse protecionismo, o que constitui a mais importante bandeira de países como o nosso nas suas negociações internacionais em matéria de comércio exterior. Saber de repente que alguém que está em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais entende que o protecionismo dos países desenvolvidos é uma atitude correta me deixa, francamente, muito preocupado.
Por essa razão vim à tribuna. Penso que, realmente, o assunto é muito grave. Além disso, creio que é perfeitamente possível, apesar da modernidade e da velocidade das comunicações atuais, que haja um grande equívoco na tradução do pensamento de Lula tal como foi feita no jornal O Globo de ontem.
A minha palavra não reflete uma crítica a Lula. É muito mais um registro que faço perante o Partido dos Trabalhadores, na esperança sincera de que esse assunto seja discutido e a opinião pública seja esclarecida sobre o que me parece ser um engano monumental, a fim de que todos sejamos tranqüilizados.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN) - Ouço V. Exª com muita honra.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Geraldo Melo, primeiramente, agradeço a atenção de V. Exª por ter-nos avisado, antecipadamente, que faria um pronunciamento comentando as declarações de Lula logo após o encontro que teve, anteontem, com o Primeiro-Ministro da França, Sr. Lionel Jospin. Vamos observar exatamente o que está transcrito, uma vez que ainda não tive oportunidade de dialogar com Lula, que teria dito, após diálogo com Lionel Jospin, conforme publicado no jornal O Globo, o seguinte: “Eles estão corretos. Nós precisamos, primeiro, cumprir com a nossa parte para, depois, exigir alguma coisa. Temos que ter uma boa política agrícola e investimento em tecnologia. Isso é o que nos vai dar competitividade”. O que me parece ser a intenção das palavras de Lula é, primeiro, procurar compreender as razões pelas quais a França vem hoje adotando algumas políticas de proteção à sua agricultura, sobretudo a forma como o governo da França, assim como o de outros países da Europa, dá extraordinário apoio a sua própria agricultura. V. Ex.ª conhece muito bem esse assunto. Hoje, os governos europeus, e inclusive o dos Estados Unidos, destinam uma parcela muito significativa do seu orçamento a subsídios aos agricultores, avaliando que isso é importante para manter a agricultura, os homens e as famílias no campo e, de tal maneira, assegurar uma produção de bens alimentícios suficiente para garantir a auto-sustentação bem como prover uma certa qualidade de vida aos que estão no campo. Eles têm, também, uma política de proteção com respeito à competição que, de outra forma, ocorreria em relação a produtos tais como os produzidos pelo Brasil. Acredito que será muito importante que o Brasil venha a realizar uma negociação de interesse mútuo. Creio que as palavras de Lula são mais para dizer que, se vamos exigir que o governo da França abra suas fronteiras para os produtos brasileiros, precisamos também verificar que parte que caberia a nós na preparação para competirmos com mais condições. Mas, sob um ponto de vista mais amplo, isso não está inteiramente refletido nas palavras de Lula e teremos oportunidade, em poucos dias, de ver isso. Acredito que o ponto que V. Exª levanta é interessante para o debate e a reflexão. Ainda não tive oportunidade de conversar com o Lula eu próprio e posso assegurar a V. Exª que iremos tratar do assunto. Lula deve voltar de sua viagem no próximo dia 9. Ele ainda tem visitas à Itália e a Portugal. Assim, após o diálogo com o Primeiro-Ministro Antonio Guterres, sua viagem se encerrará.
O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN) - Senador Eduardo Suplicy, lembro a V. Exª que prometi à Casa que não gastaria meus vinte minutos.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Apenas gostaria de registrar, a respeito das declarações do Presidente sobre o que poderia decorrer de não vencermos a seleção do Chile no domingo, que os jogadores da Seleção estranharam um pouco. Rivaldo e Evair disseram que a opinião do Presidente resultou em pressão muito grande sobre a Seleção brasileira e o desempenho dos jogadores ontem, durante o treino.
O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN) - Eu vi, Senador Eduardo Suplicy.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Mas isso não invalida a observação que fiz de que o Presidente, por um lado, acertou ao dizer que, se não vencermos, isso representará uma extraordinária crise para a auto-estima dos brasileiros, mas que todos, inclusive ele, temos responsabilidade pela crise do futebol brasileiro, uma crise de valores, de procedimentos, e precisamos estar mais atentos a isso.
O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN) - Senador Eduardo Suplicy, agradeço o aparte de V. Exª - pediria inclusive que devolvesse o meu recorte, pois vou precisar dele para comentar a intervenção de V. Exª.
De fato, não me referi à declaração sobre o futebol sob o aspecto de que ela alcançou enorme repercussão sem ter a mesma importância para o futuro do Brasil que tem a possibilidade de termos um Presidente que pense assim.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Mas o futebol é muito importante também.
O SR. GERALDO MELO (Bloco/PSDB - RN) - Mas reconheço que V. Exª acaba de dar um belíssimo retoque nas declarações de Lula. Por exemplo, V. Exª falou no que ele quis dizer. Às vezes, quando queremos dizer, é melhor dizer do que apenas querer dizer. V. Exª disse que ele quis dizer que já que vamos exigir dos europeus isso e aquilo, é melhor que nos preparemos. Na verdade, ele disse o contrário: precisamos, primeiro, cumprir com a nossa parte para, depois, exigir alguma coisa. V. Exª leu, traduziu a declaração exatamente no sentido oposto: já que vamos exigir, precisamos aceitar.
Na verdade, esse é um assunto que envolve um amplo espectro de informações. Se quiséssemos tratar da questão dos subsídios, teríamos que considerar desde a compra de toneladas de carne para formar estoque, de toneladas de manteiga para formar estoque, até a venda por menos de um terço, e a venda de manteiga como lubrificante ou como óleo, já que não há o que fazer, apenas para manter mecanismos de proteção à agricultura.
A questão é que Lula declara ao jornal que nós precisamos nos tornar competitivos. E a grande verdade é que, sem os subsídios e sem o protecionismo, os europeus é que não são competitivos. Imagine, Senador Suplicy, quanto vale um hectare de terra, na Europa, destinado à criação de cabras para tirar leite e produzir queijo Camembert; quanto vale um hectare de terra onde é plantada uva para manter o mundo com a alegria de poder continuar bebendo os vinhos franceses.
Na realidade, a estrutura de custos da Europa não permite que esses produtos sejam competitivos em relação aos seus equivalentes de um país como o Brasil. O protecionismo é, na verdade, uma forma de arrebentar com os interesses de um país como o Brasil.
Sinceramente, não acredito que um homem público da responsabilidade e do patriotismo de Lula possa, nessas alturas, defender o protecionismo, que é desastroso e contrário ao interesse nacional. A defesa desse protecionismo é uma atitude de subserviência, de humilhação, de adesão a princípios que o mundo precisa abandonar.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
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