Discurso durante a 128ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração, hoje, dos 500 anos da descoberta do Rio São Francisco.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Comemoração, hoje, dos 500 anos da descoberta do Rio São Francisco.
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2001 - Página 24089
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, DESCOBERTA, RIO SÃO FRANCISCO, ANALISE, IMPORTANCIA, HISTORIA, COLONIZAÇÃO, BRASIL, INTEGRAÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, PARTICIPAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.
  • ANALISE, MISERIA, POPULAÇÃO, MARGEM, RIO SÃO FRANCISCO, ESTADO DE SERGIPE (SE).
  • SUGESTÃO, REEDIÇÃO, OBRA CIENTIFICA, AUTORIA, DONALD PIERSON, SOCIOLOGO, ASSUNTO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • APOIO, URGENCIA, REVIGORAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de qualquer coisa, gostaria de fazer uma saudação especial às Srªs e Srs. Senadores dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, pelo dia de hoje: 4 de outubro, 500 anos da descoberta do Rio São Francisco, que integrou, uniu e mantém até hoje coesa a região do alto, do médio e do baixo São Francisco.

            As civilizações tiveram, quase sempre, nos rios e mares as veias por onde circulam, estabelecendo novas fronteiras de vida e progresso humano. A Espanha incorporou grande parte do novo mundo, na façanha de Cristóvão Colombo, como Portugal achou o Brasil, no seu caminho para as Índias, sob o comando de Pedro Álvares Cabral. Mais do que dilatar a fronteira do mundo, redesenhar os mapas, descobrir novas e imensas riquezas, as descobertas marítimas revelaram a existência de uma humanidade nova, completamente desconhecida, sem paralelos na história dos povos.

            No Brasil, os rios permitiram que os descobridores ocupassem e colonizassem o território, na grande aventura das etnias reunidas, que permitiu transformar a experiência num grande laboratório racial, religioso e cultural inteiramente mestiço. É certo que os massacres dos conquistadores sobre as populações indígenas, o tráfico e a escravidão de povos negros, africanos, são marcas indeléveis, incorporadas ao corpo e a alma do Brasil, como mácula indesejada.

            Coube ao navegante Florentino Américo Vespúcio realizar a segunda viagem, sob bandeira portuguesa, ao Brasil recém descoberto, e que encantava o mundo pela discrição contida na carta do achamento, do punho do escrivão da Frota Cabralina, Pero Vaz de Caminha. Vespúcio era acatado como cosmógrafo e navegante, com várias viagens bem sucedidas e com experiência acumulada pela idade - 47 anos, contra 32 de Pedro Álvares Cabral, e foi especialmente escolhido para empreender uma missão de redescoberta, confirmando a extensão do feito Lusitano.

            No dia 4 de outubro de 1501, dia de São Francisco de Assis, Américo Vespúcio aportou na Foz do Rio, que os indígenas chamavam de Parapitinga. O descobridor deu nome do santo ao rio, colhendo provas de sua abordagem à terra brasileira, na região que dividira mais tarde Sergipe e Alagoas, respectivamente partes das Capitanias de Bahia e Pernambuco. Alguns historiadores informam que Vespúcio levou para mostrar na Europa, dois homens e duas mulheres indígenas, assim como levara plantas, pedras, pequenos animais e aves.

            O Rio São Francisco levou a civilização ao interior da terra, desde que foi ocupada pelos sesmeiros, na segunda metade do século XVI. O gado, mais que a cana-de-açúcar, marcou a economia ribeirinha, no curso da história. As margens do rio se encheram de currais de gado, criando-se também, cavalos, que em pouco tempo deram ao território sergipano a fama de possuir os melhores cavalos do Brasil, como anota Diogo de Campos Moreno, no seu livro que dá razão do estado do Brasil, provavelmente de 1611.

            Diversas nações indígenas povoavam as margens e as ilhas do Rio São Francisco, entre elas a dos Xocó, na Ilha de São Pedro, no Morgado de Porto da Folha, que tem sobrevivido, apesar de todas as dificuldades, até hoje, mantendo vivas as suas tradições. Diversas ordens religiosas se ocuparam dos aldeamentos e da assistência aos indígenas do São Francisco, no esforço de incorporá-los ao processo civilizador empreendido a partir de 1532, com o Sistema das Capitanias Hereditárias, e mais fortemente a partir de 1549, com o Governo Geral do Brasil.

            Para Sergipe, o Rio São Francisco é mais que uma fronteira, é uma fonte de vida, de inspiração, de luta, de consciência do futuro da terra e do povo. Apesar de uma população pobre, vitimada pela seca constante, o Vale Sanfranciscano tem dado respostas positivas, criando riquezas, deixando explorar seus produtos naturais, industrializando o algodão, o couro, cultivando e beneficiando o arroz, produzindo cana, nos últimos anos, para as dez destilarias e usinas de Sergipe e de Alagoas.

            Efetivamente há um contraste desafiador: o de um povo assentado em terras férteis, por quase 500 anos de história, que convive com a miséria e com a fome, gerando conflitos pelo uso e pela posse de terras. O vale fértil tem a mais pobre população entre os sergipanos. A situação agravou-se nas últimas décadas, porque as águas do rio estão magras, já não fertilizam a terra, não alimentam os peixes, não garantem a vida em suas margens. Toda a gordura, toda a força, todo o poder fertilizador das águas do São Francisco ficam nas barragens, nas usinas, nas represas, nos lagos artificiais criados para a geração de energia.

            Ao tempo em que são celebrados os 500 anos da descoberta do Rio São Francisco, com o júbilo merecido, o Brasil não pode ignorar o drama das populações ribeirinhas, deixadas no sofrimento sem terras, sem trabalho, sem alimentos, sem moradia, sem conforto, sem os serviços essenciais, sem educação, sem futuro. O quadro social do baixo São Francisco, notadamente o de Sergipe, a que refiro, é aviltante para o ser, humilhante para as famílias, indigno para os grupos sociais, injusto para as comunidades ribeirinhas.

            Donald Pierson, sociólogo e professor norte-americano, que viveu em São Paulo, empreendeu em 1950 uma viagem pelo Rio São Francisco, atravessando os cinco Estados e colhendo, nas entrevistas, nas fotografias, nos contatos, nos registros, um precioso documento, relatando a realidade de populações que ocupam cidades, vilas, povoados, fazendas, e que contrastam as suas existências com a de poucos donos de terras, senhores da riqueza, detentores do mando e do poder político. A viagem de Donald Pierson ensejou a publicação, pela antiga Suvale - Superintendência do Vale do São Francisco - de três volumes, sob o título geral de O Homem e o São Francisco. Nada seria mais oportuno, necessário e útil ao Brasil de hoje, ao São Francisco de 500 anos, do que a reedição da obra do sociólogo norte-americano, sugestão que faço, nesta hora, aos dirigentes da CODEVASF, na certeza de que a sensibilidade e a responsabilidade de tais autoridades promoverão a reedição pedida.

            A ocasião permite que em várias partes do Brasil, com especial interesse nos cinco Estados da Bacia Sanfranciscana, sejam realizados debates, seminários, ciclos de conferências, passando a limpo a história e a vida; a vida das populações ribeirinhas. Há muito o que estudar, o que aprender, para a compreensão do processo nacional de desenvolvimento, desde os primeiros esforços, até hoje, quando novas apostas são feitas em torno de fontes geradoras de riquezas.

            Os municípios do Baixo São Francisco, estão descobrindo o turismo, a irrigação, os consócios produtivos, visando produzirem riqueza. O turismo vendendo paisagem do rio, das terras em suas margens, o casario das cidades históricas e monumentais, a cultura, o calendário de festas, os costumes, as devoções a culinária variada. A irrigação, vitoriosa em projetos na Bahia e em Pernambuco, parece ser o meio eficaz de produzir frutas tropicais. A suinocultura, a piscicultura, os laticínios atraem investimentos, como alternativas para o desenvolvimento das regiões.

            No entanto, antes de tudo, acima de qualquer outra coisa, é preciso revitalizar o rio, devolver sua condições normais, para que ele possa voltar a ser, com sempre foi, um fator de riqueza, de vida, de progresso para as suas populações. Os nordestinos e os mineiros precisam voltar a sonhar com a prosperidade, tendo no Rio São Francisco o caminho redentor, como no passado, quando o ciclo do gado e a busca pela prata, pelo ouro e pelo diamante fizeram do São Francisco o leito seguro das atividades, dando ao Brasil e a Portugal a fortuna da terra brasileira.

            O Brasil de hoje não pode continuar fazendo vistas grossas para a agonia do Rio São Francisco, muito menos para a pobreza das suas populações. É preciso agir, rapidamente, eficazmente, em favor de obras e de serviços que protejam o curso do rio, compatibilizando os interesses de geração de energia, com os demais interesses ligados à sobrevivência humana.

            Neste Congresso, onde tem tramitado projetos, onde tem havido debates de excelência, há ainda muito por fazer. Cada parlamentar, imbuído de suas responsabilidades, tem projeto a defender, como o faço.

            Não se pode perder a perspectiva da história, nem jogar 500 anos na lata do esquecimento. As novas gerações precisam conhecer o Rio São Francisco e todo o contexto das relações culturais, das etnias, da economia, da formação social, da sobrevivência recorrente, dos problemas e desafios constantes, que parecem obstáculos intransponíveis e definitivos.

            Muito Obrigado.


            Modelo14/29/248:26



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2001 - Página 24089