Discurso durante a 129ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da comemoração da Semana Farroupilha, entre os dias 14 e 20 de setembro último, em Porto Alegre/RS.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. GOVERNO FEDERAL.:
  • Registro da comemoração da Semana Farroupilha, entre os dias 14 e 20 de setembro último, em Porto Alegre/RS.
Aparteantes
Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 06/10/2001 - Página 24137
Assunto
Outros > HOMENAGEM. GOVERNO FEDERAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, SEMANA, ANIVERSARIO, REVOLUÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), OPORTUNIDADE, RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, DEFESA, NACIONALISMO, JUSTIÇA SOCIAL, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, SUBORDINAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), INEFICACIA, ATUAÇÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ANITA GARIBALDI (SC), VULTO HISTORICO, REVOLUÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) -- Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o mundo e o Brasil vivem momentos de dificuldades econômicas, sociais e políticas.

            O desamor nunca foi tão visível, a ausência da solidariedade, da fraternidade e do espírito coletivo parecem estar cada vez mais longe da ação do dia-a-dia das pessoas e dos governantes. A violência, a fome, o desemprego, a corrupção e a impunidade invadem os lares e as instituições. A conivência, a omissão, as dificuldades de realmente se entender como se constrói um país livre, soberano e digno, no qual as pessoas tenham condições realmente de viver, de estudar, de construir e de produzir são constantes.

            Este mundo de falta de esperança, de busca de referências, faz com que, cada dia mais, os Parlamentos estejam muitas vezes vazios, parecendo frios e distantes do sentimento e do coração do povo.

            No entanto, temos uma esperança. Acreditamos que se possa fazer um país diferente, onde a liberdade, a dignidade e a soberania sejam palavras de ordem não apenas daqueles que clamam por justiça nas ruas e nas estradas, mas de todos aqueles que constróem, produzem, empregam, ensinam e aprendem. Acreditamos que a educação, a cultura e a consciência crítica das pessoas podem, realmente, fazer a diferença.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta manhã histórica para o País, não queremos fazer uma análise do documento encaminhado à Presidência da Mesa Diretora, o qual acabou de ser lido e do qual somos testemunhas vivas. Estamos aqui, diante desse mundo que parece desmoronar dia a dia, porque acreditamos poder construir alternativas concretas de mudança e de nova mentalidade, buscando fatos, exemplos, referências, combatividade e determinação no espírito da construção da paz e, principalmente, da dignidade.

            Sr. Presidente, venho à tribuna trazer, do Rio Grande do Sul, os ares de liberdade e de fraternidade que se espalharam durante todo o mês de setembro no nosso Estado de forma muito forte e muito viva. Por que falo no mês de setembro? Porque, como é do conhecimento de V. Exªs, setembro é um mês marcante para o meu Estado.

            Anualmente, o Rio Grande do Sul se engalana para relembrar uma das páginas mais belas e heróicas da História da nossa gente, do povo gaúcho, do povo brasileiro.

            Este ano, entre 14 e 20 de setembro, realizamos, mais uma vez, as comemorações da Revolução Farroupilha.

            “Inconformados com a insensibilidade do Governo Central do Império do Brasil, os bravos do Rio Grande sustentaram por dez anos a mais importante das guerras civis sul-americanas, de 20 de setembro de 1835 a 1845.”

            A revolução, que durou dez anos, envolveu mais de 20 mil homens e mulheres em armas, resultando, mais do que na morte de 3.500 bravos, na consolidação da chama patriótica que iluminou o espírito revolucionário de 1893, de 1923, de 1924 e de 1930, marcando significativas mudanças na política nacional.

            Longe de ser um movimento separatista, os revolucionários farroupilhas foram, sim, como afirmam as palavras do historiador maranhense General Augusto Tasso Fragoso, “propagadores de grandes idéias, notadamente da organização republicana e da emancipação dos escravos.”

            Também o historiador Pandiá Calógeras (1870/1934), Ministro de Estado por duas vezes (da Agricultura e do Exército), consignou que “os Farrapos, federalistas mais que separatistas, pelejaram pelas liberdades”.

            A celebração da Semana Farroupilha transformou-se, através dos tempos, em uma verdadeira catarse coletiva para os gaúchos dos mais longínquos rincões do nosso Rio Grande e, tenho certeza, do nosso Brasil.

            Em que pese a data de 20 de setembro ser um paradigma de nossas reflexões, por meio das quais relembramos quão sangrenta foi essa década de guerra (1835/1845), nos pampas do Rio Grande, também, concomitantemente ao tributo prestado aos heróis e heroínas da Revolução Farroupilha, buscamos resgatar e renovar anualmente o espírito atávico que está arraigado na alma e na consciência de todo o povo rio-grandense.

            O povo gaúcho não comemora a guerra, mas celebra seu destemor frente às injustiças, reverencia a fibra de nossos antepassados à medida que não se curvaram aos interesses espúrios do Império.

            Indubitavelmente, foram anos de muitos sacrifícios e de muita apreensão, mas o povo gaúcho, com sua higidez de caráter e com seu espírito patriótico, soube, batalha após batalha, fazer com que prevalecessem o bem comum e os interesses verdadeiramente coletivos, e não os de alguns poucos subservientes ao Império.

            A data de 20 de setembro tem servido como um elo simbiótico, que de forma perene transformou sempre em contemporâneo os ideais daquele então.

            O sangue derramado no campo de batalha foi determinante para que não fosse extirpado o nacionalismo das entranhas do povo gaúcho e brasileiro.

            Muito embora tivesse sido proclamada a Independência em 07 de setembro de 1822, há época o Governo do Brasil permanecia curvado aos interesses da chamada galegalidade, consoante define o brilhante historiador gaúcho, Coronel Cláudio Moreira Bento, “uma legalidade voltada para os interesses dos galegos ou portugueses residentes no Brasil.”

            A Revolução Farroupilha transcendeu os interesses gaúchos, pois o espírito nacionalista estava impregnado em suas bandeiras de luta, como foi a propagação em todas as latitudes de nossa Pátria da organização republicana e da emancipação.

            Esse espírito de brasilidade das causas gaúchas contou com o privilégio histórico de ser retratado pela alma de um poeta, quando, em 1916, o nosso Olavo Bilac cantou em versos: “Os farrapos, esses primeiros criadores de nossa liberdade política, não olhavam para si. Olhavam para a estepe infinita que os cercava e para o infinito céu que os cobria. E nesses dois infinitos viam dilatar-se, irradiar e vencer ao ar livre o seu grande ideal de justiça e fraternidade.”

            A Revolução Farroupilha, contrapondo-se à espoliação pelo Governo Central, traduzida pelos altos tributos e má aplicação dos recursos estatais, logrou manter a atividade econômica, reduzindo os impostos sobre a exportação, restabelecendo o imposto de importação de gado, criando fábricas de arreios e artefatos de couro, construindo barcos mercantes e de combate, libertando os escravos, promovendo o recenseamento da população.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao falar na bravura dos Farrapos, não podemos olvidar de reverenciar fibra da mulher gaúcha durante essa década de lutas, à medida que essas heroínas anônimas garantiram a educação dos filhos, a administração do lar, a produção de alimentos por meio do plantio de suas lavouras. Suas mãos cuidavam dos feridos sem nunca esmorecer frente às constantes ameaças e perdas de seus direitos pelo ardil dos legalistas.

            A capacidade de luta e a garra de Anita Garibaldi simbolizaram de forma cristalina o legado e os ensinamentos deixados pela mulher gaúcha a todos aqueles que não hesitam frente às injustiças e às desigualdades.

            A alma guerreira de Anita Garibaldi demonstrou a todos nós que somente com muito destemor e coragem construímos uma Nação calcada nos indeléveis valores como a fraternidade, a justiça, a solidariedade, a igualdade e, sobretudo, o amor às causas coletivas.

            Essa consciência cívica e cidadã que os gaúchos e as gaúchas possuem, com certeza, não foi construída circunstancialmente: a História nos retrata que essa lucidez nasceu com muito sangue, suor e lágrimas.

            Como já foi dito anteriormente, as causas e os ideais farroupilhas preservaram intacta sua essência desde quando foram deflagradas, no século XIX, passando por todo século XX. Hoje, na aurora do terceiro milênio, as bandeiras de luta continuam as mesmas, apenas mudaram as armas e as estratégias. Passados quase dois séculos daquela Revolução, continuamos a lutar contra a interferência externa, contra essa modelo econômico nefasto que privatiza os lucros ao capital internacional e socializa a fome dos nossos irmãos brasileiros.

            Os problemas que enfrentamos hoje estão longe de ser maiores ou diversos dos que enfrentaram os farroupilhas.

            O Governo da República, de joelhos ante a comunidade internacional, despoja o povo dos direitos da nacionalidade.

            A galegalidade de outrora se apresenta com outros nomes, sempre no sentido de sonegar aos que trabalham e produzem o direito de usufruir os frutos desse trabalho.

            Aumentamos a produção de minérios sólidos e líquidos, ampliamos a fronteira agrícola, e nada disso resulta na melhoria da qualidade de vida do povo.

            Entregaram-se os setores estratégicos e as empresas estatais lucrativas; investe-se dinheiro do povo para sanear bancos e empresas e depois entregá-los às multinacionais; investe-se dinheiro público na recuperação de estradas para entregá-las a particulares que cobrarão pedágios à população; cassam-se direitos dos trabalhadores, dificultando os mecanismos para a aposentadoria; aviltam-se as condições de trabalho dos servidores públicos, civis e militares, tudo isso a pretexto de promover ajustes na economia e atender o FMI.

            E qual é o resultado? A dívida externa e a interna aumentam. Cresce o desemprego. A dependência do capital externo é cada vez maior. A fome e a miséria são uma realidade.

            Queremos acreditar que essa não seja uma busca de paz sem fim, mas, com certeza, ela ainda será longa. O povo gaúcho, através dos tempos, tem feito a sua parte; ontem, nos embates armados; hoje, aperfeiçoando o Estado Democrático de Direito por meio da participação popular, o despertar de uma coletividade cidadã e, fundamentalmente, estimulando e construindo o desenvolvimento com inclusão social, que respeite as diferenças, que agregue as minorias e tenha como vetor principal a realização do bem comum.

            O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Permite-me V. Exª um aparte, Senadora Emilia Fernandes?

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Senador Lúdio Coelho, ouço o aparte de V. Exª.

            O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Senadora Emilia Fernandes, participo, com muita alegria, das homenagens prestadas por V. Exª ao povo gaúcho, principalmente às mulheres. Há séculos os gaúchos asseguraram as nossas divisas na região sul do País. Nos últimos tempos, as famílias gaúchas, em um número considerável, têm-se deslocado para o sul de Mato Grosso, para o Norte e para a Amazônia, levando consigo a experiência, a competência e a coragem de desbravar terras inóspitas. Há meio século, os gaúchos, principalmente os do Rio Grande, fugiam das revoluções. Em carretas, cruzavam o Uruguai e o Paraguai para se estabelecerem na região sul do nosso Estado. Hoje, os descendentes dos gaúchos prestam um relevante serviço ao País. Os grãos para as exportações, tão importantes para o desenvolvimento brasileiro, são produzidos principalmente pelos descendentes do seu glorioso Estado, o Rio Grande do Sul. Nobre Senadora, quem anda pela amazônia mato-grossense não acredita no que vê. Temos lá cidades muito bonitas e alegres. Quando chegamos a uma cidade com o nome de Sorriso - aliás, o próprio nome já indica -, sentimos uma esperança enorme. Um dia destes, conversando com um caboclo proveniente do Rio Grande do Sul - refiro-me ao assunto porque V. Exª, por diversas vezes, citou o mês de setembro -, eu disse que as pessoas são muito parecidas com as árvores. Em setembro, as árvores trocam suas folhagens e a natureza embeleza-se. E esse camarada disse: “E nós também. Em setembro começamos a nos sentir melhor.” Concordei com ele, porque nasci no dia em que se comemora a chegada da primavera e estou passando por um bom período, apesar do meu quase um século de vida. Felicito V. Exª pelo seu pronunciamento.

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Senador Lúdio Coelho, muito obrigada pelo aparte de V. Exª, que incorporo ao meu pronunciamento. A declaração de V. Exª, sem dúvida, é um exemplo vivo do espírito do povo gaúcho. Eu faria um único reparo - se assim se pode dizer - à fala de V. Exª, no trecho em que diz que os gaúchos, fugindo da guerra, foram para os diferentes rincões do Brasil. Não. Acredito que, fortalecidos pelo espírito guerreiro, mais buscaram fortalecer o espírito desafiador, o espírito integrador, desbravador. É nesse sentido que eu recolho o aparte de V. Exª, e tenho certeza de que foi com esse espírito que V. Exª falou.

            O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Permita-me um esclarecimento. Como V. Exª afirmou há pouco, tivemos muitas revoluções. E aqueles que as perdiam, por questões políticas, às vezes, eram forçados a se dirigir para outras regiões. Eu tenho diversos amigos em Mato Grosso do Sul que ali estão por causa das revoluções; eles não estavam fugindo, estavam se retirando.

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Muito bem. Muito obrigada, Senador. Cumprimento V. Exª pelo seu aniversário, transcorrido no mês de setembro, que ficou marcado nas páginas da História gaúcha e é relembrado e referenciado sempre. Onde estiver um gaúcho, onde existir uma roda de chimarrão, a Semana Farroupilha, a Revolução Farroupilha será sempre recordada e respeitada.

            Continuo, Sr. Presidente. Ontem, para preservar a nossa soberania, fez-se necessário empunharmos lanças e demarcarmos nossos territórios a pata de cavalo. Hoje, temos a missão de fortalecer os movimentos populares, de preservar os sindicatos, democratizar os recursos públicos e, sobretudo, suscitar o despertar de uma consciência cidadã que contemple um nacionalismo efetivamente verde-amarelo.

            Como tributo à memória farroupilha, não podemos, em qualquer hipótese, em nome de uma falácia que é a globalização que nos foi imposta, entregar ou “privatizar” aquilo que nos é mais caro, que é a capacidade de amar do nosso povo, e a nossa terra, pois somente os corajosos demonstram seu amor a sua pátria e a defendem; aos covardes lhes é reservado vendê-la por alguns vinténs.

            É em nome desse sentimento de brasilidade que convocamos todos os brasileiros e brasileiras a celebrarem com o povo do Rio Grande, com os Centros de Tradições Gaúchas espalhados por todos os rincões do território nacional e até em outros países, com o Governo democrático e popular do Rio Grande, essa data que é um preito de amor à Pátria, às liberdades do povo, ao direito à vida e à dignidade.

            Vamos manter acesa a chama da fé, da coragem, do patriotismo e da solidariedade pelo exemplo que nos transmitiram os bravos de nossa História.

            Firmes no exemplo dos abnegados farroupilhas, que nos legaram as tradições que sustentamos nas cidades e nos campos; firmes na fraternidade que se fortalece a cada roda de chimarrão; firmes na certeza de que só a unidade poderá vencer os desafios que se nos apresentam, ecoamos o grito do poeta Jaime Caetano Braun:

       “Não há Brasil sem Rio Grande

      E nem tirano que mande

      na alma de um farroupilha...”

            Este é o chamamento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que faço ao povo do Rio Grande e a todos os brasileiros para, juntos, lembrarmos como se faz e se constrói a História.

            Muito obrigada.


            Modelo111/24/242:26



Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/10/2001 - Página 24137