Discurso durante a 129ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração, hoje, do Dia Mundial da Saúde Mental. Realização no próximo dia 6 de outubro, na cidade de Juazeiro do Norte, de Sessão em Homenagem ao Cearense do Século com o Título de Cidadão de Fortaleza "Post-Mortem", Padre Cícero Romão Batista.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. HOMENAGEM.:
  • Comemoração, hoje, do Dia Mundial da Saúde Mental. Realização no próximo dia 6 de outubro, na cidade de Juazeiro do Norte, de Sessão em Homenagem ao Cearense do Século com o Título de Cidadão de Fortaleza "Post-Mortem", Padre Cícero Romão Batista.
Publicação
Publicação no DSF de 06/10/2001 - Página 24141
Assunto
Outros > SAUDE. HOMENAGEM.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, SAUDE MENTAL, COMENTARIO, DEFINIÇÃO, LITERATURA, DOENÇA MENTAL.
  • CRITICA, ISOLAMENTO, DOENTE, NECESSIDADE, FECHAMENTO, SANATORIO, DEFESA, DIGNIDADE, MELHORIA, TRATAMENTO MEDICO.
  • ELOGIO, IDALMIR FEITOSA, VEREADOR, AUTORIA, REQUERIMENTO, REALIZAÇÃO, SESSÃO SOLENE, MUNICIPIO, JUAZEIRO DO NORTE (CE), ESTADO DO CEARA (CE), HOMENAGEM, CICERO ROMÃO BATISTA, SACERDOTE, DEFESA, REINTEGRAÇÃO, IGREJA CATOLICA.

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            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, comemoramos uma vez mais o Dia Mundial da Saúde Mental, conceito que já recebeu as mais variadas definições dos mais variados profissionais ligados ao assunto sem que até hoje exista uma classificação universal de moléstias mentais, aceita pela unanimidade dos países. De qualquer forma, a noção exata de doença mental é difícil de ser caracterizada, pois depende de uma vasta série de determinantes variáveis segundo o local e a época.

            Examinando o conceito sob o prisma literário, veremos que na Ilíada de Homero a representação dos estados mentais surgia na descrição de estados ou atividades corporais: Agamenon ouve vozes que o incitam a tirar a escrava Briseis de Aquiles e tenta desculpar-se atribuindo a responsabilidade a Zeus, o destino e as Erínias. Na Renascença, ocorrem mudanças radicais que despertam o interesse dos autores: Shakespeare se aprofunda nos sentimentos de Otelo, que se julga traído por Desdêmona, na última canção insana de Ofélia e na triste demência do Rei Lear. As loucuras de Shakespeare aproximam-se do assassinato e da morte. A Idade Moderna muda a maneira de encarar as doenças mentais, especialmente quando caminha em busca de uma literatura nacional. Em todas as épocas, porém, a simbologia da loucura, ou de estados anormais de consciência, esteve presente. Na maioria das vezes, a demência descrita na literatura foi exprimida em momentos de lucidez de seus autores.

            Assim foi escrito, em 1509, o famoso O Elogio da Loucura, do humanista Erasmo de Rotterdam, uma brincadeira feita para homenagear seu protetor inglês Thomas More, cujo sobrenome assemelhava-se à moria, loucura em grego. Em sete dias, com absoluta liberdade de concepção e total ausência de compromissos, Erasmo escreveu sua obra-prima, verdadeiro panfleto revolucionário, que consistia em críticas mordazes aos donos do poder e que foi importante na eclosão da Reforma Protestante.

            Até onde vai a loucura em Dom Quixote? Quis Cervantes, realmente, que os leitores considerassem seu personagem um louco que confunde ficção com realidade? Ou apenas tentou nos distrair com seu rico imaginário? De qualquer forma, é uma loucura sem regresso: o cavaleiro só se reconcilia com a razão nos últimos instantes de sua atribulada vida.

            Dostoievski é rico em exemplos de loucura que povoam sua obra: o príncipe Michkin, de O Idiota, considerado pelos que o cercam como um pobre débil mental, vive um profundo conflito pessoal. Outros personagens do mesmo autor demonstram desequilíbrios mentais, que talvez possam ser atribuídos à profunda preocupação do autor com a epilepsia, contra a qual lutou durante toda a sua vida.

            Essa tese poderia ser aplicada a Franz Kafka, autor de A Metamorfose, que passou parte de sua vida internado em sanatórios e clínicas. De que outra forma encontraríamos alguém capaz de descrever com tantas minúcias Gregor Samsa, que um dia acordou transformado em inseto?

            Roy Potter, pesquisador inglês nessa área, escreveu interessante obra, Uma história social da loucura, em que examina textos autobiográficos de personalidades consideradas portadoras de desequilíbrio mental. Entre eles, as Memórias de Daniel Schreber, juiz presidente do Tribunal de Recursos de Dresden, que, ao perceber seu próprio distúrbio, começou a fazer anotações sobre suas alucinações, acreditando que estava contribuindo para a ciência dos estados mentais anormais; as agruras vividas pelo compositor romântico Robert Schumann em seus momentos de depressão, que o levavam a ouvir vozes e a ter alucinações, tendo acabado em um hospício e morrido graças a uma greve de fome; o diário de outro gênio romântico, o mais importante bailarino russo de sua época, Vaslav Nijinsky, que viveu muitos anos internado em um hospício, entre outros. 

            Na literatura brasileira vamos encontramos vasta gama de exemplos de loucura descritos por nossos escritores. Machado de Assis, em O Alienista, retratou o médico Simão Bacamarte, que internou quase toda a população de Itaguaí em seu manicômio, a Casa Verde, à busca de uma solução para a cura da insanidade coletiva que, segundo acreditava, atingia a cidade. Vence todos os obstáculos, mas no final descobre que o alienado era ele - o único equilibrado - e tranca-se numa de suas celas na Casa Verde, como médico e paciente.

            Cornélio Pena, com A Menina Morta, nos mostra os mais variados tipos de loucura, numa família escravagista. A doença mental atinge não apenas os membros da família, como alguns escravos ligados à casa senhorial. Lúcio Cardoso, em sua obra, e especialmente em Crônicas da Casa Assassinada, desfila um sem número de pessoas com problemas mentais. Neste livro, a personagem principal, seus cunhados, o jardineiro, entre outros, são exemplo de como convivem personalidades desajustadas em uma mesma casa. Otto Lara Resende nos descreve desvios mentais em crianças em seu livro Boca do Inferno. Nelson Rodrigues, criticado pela Igreja por suas crônicas irreverentes e seus livros abusivos, tratou, com maestria, de casos de distorções mentais em vários segmentos de nossa sociedade. A exemplo de Balzac, Otávio de Faria, em sua obra Tragédia Burguesa, apresenta-nos a personagens desajustados, alguns profundamente modernos e audaciosos para a época em que viviam, outros demonstrando desvios sexuais, na ocasião impermissíveis. Assis Brasil, no seu livro Cães da Província, traz-nos a história de Corpo-Santo, considerado louco por sua audácia em lutar contra os costumes da época.

            Meditando sobre os textos literários que tratam da loucura, chegamos a uma conclusão simples: a postura antimanicomial é a mais correta. Todos os loucos vivem em sociedade. Quando afastados, o são temporariamente. Se a literatura traduz a realidade, é fácil verificar que as pessoas retratadas como doentes mentais podem conviver pacificamente no meio de pessoas consideradas normais, embora até hoje não exista uma definição correta de normalidade, como não existe de doença mental.

            Por outro lado, o isolamento em hospícios ou casas de tratamento é quase sempre acompanhado de maus tratos, de desinteresse, de excesso de medicamentos que levam à cronificação da doença. Em muitos casos, consiste em um abuso do poder por parte das famílias dos internados, que não querem se comprometer em levá-los para tratamento diário, em clínicas especializadas. A realidade é que não existe justificativa ética, social ou científica para o isolamento de pessoas com transtornos mentais que, desde que bem orientadas, são capazes de desenvolver suas funções quotidianas.

            A visão de futuro inclui atenção e tolerância para que os acometidos por doenças mentais possam participar ativamente da vida da Nação, sem sofrer qualquer tipo de exclusão. Doenças mentais são tratáveis e é necessária uma política nacional bem definida, com investimentos em pesquisas, abrangendo psiquiatria, neurociência e ciências sociais. Infelizmente, apenas pequena parcela dos que necessitam de intervenção em saúde mental são tratados, enquanto todos deveriam receber assistência. Esperamos que as autoridades meditem sobre o assunto e terminem, definitivamente, com os asilos e manicômios, permitindo a todos os brasileiros, doentes ou sãos, viver uma vida digna.

            Um outro assunto, Sr. Presidente, que me traz à tribuna, refere-se ao Padre Cícero Romão Batista.

            A Câmara Municipal de Fortaleza, no Estado do Ceará, realizará, nesse 06 de outubro de 2001, sábado próximo, na cidade de Juazeiro do Norte, Sessão Solene em Homenagem ao Cearense do Século com o Título de Cidadão de Fortaleza “Post - Mortem”, Padre Cícero Romão Batista.

            Não é fácil definir Padre Cícero Romão Batista. Filho de comerciante, nasceu a 24 de março de 1844, no Crato. Fortemente influenciado pela leitura que fez da vida de São Francisco de Sales, aos 12 anos proferiu voto de castidade. Em 1870, contra a vontade de parte da hierarquia católica de então, ordenou-se sacerdote.

            Começava ali, a partir de Juazeiro do Norte, cidade doravante marcada por sua forte presença e de onde jamais se afastará, uma trajetória invulgar, em que se misturam a exuberante fé, a crescente devoção dos fiéis mais humildes, o exercício da política, o permanente confronto da religiosidade popular e as normas ditadas por Roma.

            A própria Igreja Católica, neste momento, decide-se por reabrir o processo que culminou na suspensão dos votos sacerdotais de Padre Cícero, em 1898. Conforme matéria publicada pela revista Época, edição de 1º de outubro, se os teólogos da Congregação para a Doutrina da Fé entenderem que a sentença canônica do passado foi exagerada, e o reintegrarem ao clero, o líder espiritual cultuado por 40 milhões de devotos no país poderá ser conduzido à categoria de beato, tal como o jesuíta José de Anchieta e o religioso paulista Frei Galvão.

            O certo é, Sr. Presidente, que não se pode negar a força da vinculação de Padre Cícero com sua gente. Os relatos populares sobre seus feitos praticamente começam a aparecer quando do início de suas atividades sacerdotais. Assim, desde o século 19, corria de boca em boca a notícia de um jovem padre que chegava, em lombo de jegue, a lugares inóspitos para distribuir comida; que acenava com a Terra Prometida no sertão cearense; que acolhia andarilhos tangidos pela fome; que buscava assentar famílias expulsas da caatinga. Enfim, alguém que levava alento a uma região castigada por uma das piores secas de que se tinha conhecimento.

            Fica, de Padre Cícero, não apenas a imagem de um homem poderoso, que decifrou os códigos políticos de sua época e a partir deles obteve melhoras significativas para a população. Fica, também, sobretudo entre as massas com as quais sempre soube dialogar, o legado de quem construiu escolas, açudes e fábricas; a lembrança de alguém que, num país incapaz de abolir a escravidão de maneira adequada, preocupou-se em oferecer trabalho a ex-escravos desamparados.

            Venho, por meio deste registro, parabenizar o Vereador Idalmir Feitosa, autor do Requerimento que propõe esta justíssima homenagem.

            Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


            Modelo16/18/245:25



Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/10/2001 - Página 24141