Discurso durante a 131ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a violência e a criminalidade no País.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre a violência e a criminalidade no País.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2001 - Página 24299
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, AUMENTO, VIOLENCIA, CORRUPÇÃO, POLICIAL, INCLUSÃO, JUVENTUDE, CRIME, APRESENTAÇÃO, DADOS, INEFICACIA, JUSTIÇA, SISTEMA PENITENCIARIO, MOTIVO, POBREZA, CRISE, FAMILIA, RELIGIÃO, ESTADO, ETICA, AMPLIAÇÃO, PODER, IMPRENSA.
  • NECESSIDADE, INVESTIMENTO, QUALIFICAÇÃO, POLICIAL, URGENCIA, REFORMA JUDICIARIA, ALTERAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, COMBATE, IMPUNIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL, MELHORIA, POLITICA SOCIO ECONOMICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, O mundo ainda está sob a emoção da perplexidade em face dos terríveis atentados perpetrados por criminosos nos Estados Unidos. E é gratificante a constatação de que quase todas as Nações, refletindo povos das mais diferentes etnias, estão não somente solidárias com o governo norte-americano, mas também dispostas a oferecerem uma colaboração efetiva para o combate rigoroso, sem tréguas, a terroristas.

            O que ocorreu nos Estados Unidos foi, sem dúvida, um ato monstruoso de covardes, a merecer resposta proporcional à enorme audácia e gravidade dos atos criminosos praticados. É essa a expectativa da opinião pública mundial.

            Os tão lamentáveis fatos acontecidos, porém, não devem diluir, no Brasil, a preocupação pela crescente gravidade da ‘onda de violência’ que continua afligindo as famílias.

            Muito já se debateu a violência entre nós, registrando-se em vários foros a indignação contra os seus efeitos perversos contra a população.

            Medidas contra a violência foram várias vezes anunciadas, mas, porque delas não resultaram efeitos positivos, o insucesso não tem conseguido resgatar o sentimento de segurança da população.

            A sociedade brasileira, Sr. Presidente, continua vítima do medo e da intimidação que lhe infligem o cotidiano de balas perdidas entre o lar e o trabalho.

            O País, há mais de uma década, vem convivendo com níveis de violência e de criminalidade que nos colocam no mais baixo patamar no concerto das Nações.

            Já não se pode confiar sequer naqueles agentes públicos pagos para nos defenderem. Diariamente, divulgam-se na imprensa os incríveis episódios delituosos que têm como autores ou co-autores os que deviam combatê-los.

            Hoje, o cidadão brasileiro agredido em seu direito ou que, por infelicidade, for intimado, seja como indiciado, seja como testemunha, pelas nossas polícias civis, será submetido a ritual penoso e, não raro, de humilhação.

            Ninguém se sente seguro como testemunha de um fato criminoso, daí por que cresce o número daqueles que, embora presentes na ocorrência de episódios delituosos, dizem nada ter visto ou ouvido. Tal omissão compromete seriamente a averiguação de fatos, estimulando a impunidade, mas não se pode criticar aqueles que poriam sua vida em risco, acaso testemunhassem, porque o Estado não lhes pode garantir coisíssima alguma.

            O cidadão brasileiro que se proponha a defender o seu direito perante a Justiça terá de palmilhar um infindável rosário de sacrifícios e desesperanças

            A criança, o adolescente ou o adulto que, por infelicidade, venha a ser recolhido em nossas instituições penais ou de assistência a menores infratores, será submetido aos mais repugnantes procedimentos medievais de degradação pessoal e moral, não surpreendendo, portanto, o seu ódio irremediável contra a sociedade que o colocou lá. Inviabiliza-se, assim, qualquer possibilidade efetiva de reabilitação e de retorno a um ambiente de respeito às leis e às instituições.

            As estatísticas internacionais, Sr. Presidente, falam por elas mesmas, especialmente quando confrontados os dados de alguns países com os oferecidos pelo Brasil. Demonstram que alguma coisa anda errada entre nós; falta uma diretriz que nos conduza ao acerto de medidas ainda não diligenciadas. O certo é que são mantidas ineficazes as instituições que deviam preservar a segurança do povo brasileiro.

            No Japão, em relação ao número de homicídios cometidos por grupos de 100.000 habitantes por ano, registra-se o percentual de 0,60. Na França e na Inglaterra, esse índice cresce para um, isto é, um homicídio por ano para um grupo de 100 mil habitantes. Na Argentina, no Paraguai, Chile e em Costa Rica, o índice é de cinco homicídios/ano por 100 mil habitantes.

            No Brasil, a taxa atual desse índice é de absurdos 25 assassinatos por cada grupo de 100.000 habitantes! Atrás do Brasil, só a Colômbia, que vive uma guerra civil há mais de vinte anos, e as ex-colônias africanas, angustiadas pelas revoluções, guerrilhas e tumultos sociais.

            Mas não é só o índice de homicídios que comprova a ineficácia de nossas organizações oficiais. Dos crimes elucidados, por exemplo, pela polícia de São Paulo - uma das mais importantes da América Latina -, não mais de 2,5% dos processos levam os réus à condenação pelo Poder Judiciário. Percentual que parece refletir a elaboração de inquéritos mal conduzidos ou, quando menos, arbitrários.

            Longe estamos, portanto, de alcançar a eficiência de outras corporações policiais na elucidação de crimes: a japonesa obtém a elucidação de 58% dos crimes; a inglesa, 35%; a polícia americana, 22%.

            Tenho comigo dados atualizados que agravam ainda mais as preocupações brasileiras. Nossa atual população carcerária é de cerca de 230 mil pessoas. Fora das prisões, embora já condenados, passeiam por nossas ruas e praças cerca de 300 mil pessoas. Portanto, de um total aproximado de 530 mil indivíduos, que deviam estar presos por condenação passada em julgado, 57% deles encontram-se em irregular liberdade. Em resumo: há mais criminoso na rua do que na cadeia!

            Estatísticas norte-americanas deste ano, referentes ao final de 1999, informam que sua população carcerária, por 100 mil habitantes, é de 1.381.892 pessoas.

            Confrontando-se a população dos Estados Unidos (286.196.812 habitantes) com a brasileira (169.590.693 habitantes), temos 146,2 presos por 100 mil habitantes, enquanto os norte-americanos hospedam 482 presos por 100 mil habitantes.

            Isso significa que a nossa população carcerária representa menos de um terço da população carcerária norte-americana por 100 mil habitantes. Como não se cometerá a ingenuidade de se achar que há menos criminosos aqui do que lá, chega-se à fácil conclusão estatística de que o sistema policial, penitenciário e judiciário daquele País é consideravelmente mais eficiente do que o brasileiro.

            Mas a tragédia de erros não se esgota ao término do processo judicial e da sentença condenatória. O nosso sistema prisional, como é sabido, é um circo de horrores. A expectativa atual de reincidência, para os que cumprem penas, é de 65%.

            Após a primeira estada atrás das grades, essa expectativa salta para mais de 80%, o que nos leva a concluir que o Estado brasileiro conseguiu implementar em seu sistema carcerário uma “eficiente” linha de produção de criminosos em série. Nele ingressam, a cada ano, dezenas de milhares de jovens que cresceram ao largo do amparo de famílias estruturadas, de educação fundamental de qualidade e de formação profissional qualificada.

            É o caso de perguntar: por que acontece tal descalabro?... Por que chegamos a esse ponto de desestruturação social?...

            Não creio que se possa atribuir o aumento da violência e da criminalidade à carência de agentes públicos para preveni-lo e combatê-lo.

            A Polícia Civil brasileira tem uma proporção de 44,10 policiais por 100 mil habitantes. Na Polícia Militar, essa proporção é de 208,17 PMs. O Brasil, atualmente, conta com 668.342 vigilantes (agentes privados de segurança), o que dá a média de 394,09 desses profissionais por 100 mil habitantes. Juntando-se a esse número o efetivo das nossas Forças Armadas (327.796 militares na ativa - 193,29 por grupo de 100 mil habitantes), o Brasil teoricamente tem à sua disposição, para preservar a segurança da sociedade, o fabuloso contingente de 839,65 agentes públicos e privados para um grupo de 100 mil habitantes!

            Pressuponho, portanto, que não é por carência de pessoal o insucesso da luta oficial contra o incremento da violência. Prefiro acreditar, entre tantos outros motivos, que, se não faltam agentes, falta-lhes melhor qualificação, o preparo indispensável para a luta que deles esperamos contra a criminalidade.

            Nossos índices de violência e de criminalidade parecem proporcionais aos índices de desigualdade de renda que impera entre nós. A violência, pois, há de ser analisada dentro de um contexto econômico, social e cultural.

            Nesse contexto, Sr. Presidente, há de bem se avaliar sobre quais as medidas mais eficientes e eficazes a serem tomadas para resgatar o povo brasileiro dessa situação infame. Tanto se pode optar pelo custo do incremento da quantidade e da qualidade de policiais, de juizes e de guardas penitenciários, quanto se pode optar por ações de cunho socioeconômico, no sentido de prevenir a criação e a reprodução das condições onde prosperam o crime e a violência.

            Estudiosos de todos os matizes ideológicos, que representam todos os segmentos sociais diretamente relacionados com a questão da violência, já submeteram a matéria ao crivo de análises criteriosas, das quais resultou a constatação de que, no Brasil, as causas básicas do aumento da violência resumem-se a uns poucos fatores principais.

            Em primeiro lugar, estão os fatores socioeconômicos como a pobreza, o agravamento das desigualdades sociais, a herança do prolongado período de hiperinflação e o processo desordenado de urbanização.

            Em segundo, estão os fatores institucionais como o colapso do Estado, a crise dos modelos familiares tradicionais e o recuo do poder religioso.

            E em terceiro lugar, estão os fatores culturais como as dificuldades do processo de integração nacional, a decadência dos valores éticos da sociedade e o crescimento desmesurado do poder da mídia.

            Também incluída entre as causas perversas do aumento da criminalidade o fenômeno recente da globalização, com seus reflexos na contestação da autonomia dos Estados soberanos, na proliferação do narcotráfico e no comércio clandestino de armas de fogo.

            Eu daria ênfase também à impunidade. O criminoso, enquanto for bem-sucedido nas suas ações, lhe dará tranqüila continuidade. De outro lado, cria estímulos para os que se sentem atraídos pela atuação anti-social.

            É a partir desses fatores, Sr. Presidente, que se pode traçar a linha de desdobramentos que conduzem à degeneração da sociedade e à exclusão do indivíduo, através do desemprego, da miséria, da marginalização, do tráfico de drogas, dos assaltos, da violência no trânsito, da violência doméstica, da prostituição, etc.

            O sistema judiciário saturado, as delegacias policiais superlotadas e a morosidade de processos devem ser vistos como partes integrantes de um círculo vicioso de perda de funções do Estado.

            Nesse sentido, causa perplexidade saber que 40% dos presos brasileiros - o que, só em São Paulo, significam mais de 32 mil pessoas -, aguardam julgamento em delegacias ou cadeias públicas. Esse número mais do que dobrou na década que separa os dois últimos censos realizados no País.

            Entendemos que o correto entendimento do estado de degeneração da nossa estrutura social é absolutamente crucial nessa abordagem. As manifestações de violência que nos atordoam a todos são o resultado da exacerbação do estado permanente de violência, de miséria e de desesperança em que está mergulhado mais de um quarto de nossa população.

            Nesse contexto, a associação perversa do desemprego à falta de qualificação profissional e ao narcotráfico arrasta a nossa juventude para a marginalidade, em direção ao beco sem saída da criminalidade.

            No entanto, Sr. Presidente, a existência dessas condições sociais criminógenas em nossa sociedade não esgota a lista das causas de um estado hipertrofiado de violência que, como já apontamos, extrapola todos os índices civilizados dentro da realidade internacional.

            Urgem medidas urgentes.

            Hoje, são assassinados mais de 40.000 brasileiros por ano, mais de cem por dia, um a cada doze minutos.

            Essa é uma situação de emergência que exige medidas rápidas e eficazes que não eximem a necessidade de medidas de longo prazo, mas se fazem de absoluta prioridade para preservar a existência do tecido social brasileiro, sob risco de regredirmos à barbárie.

            Cogitações formais como a unificação das polícias, a criação de juizados especiais e a municipalização das polícias, em que pese a sua importância a médio e a longo prazo, devem ter continuidade. Contudo, sem prejuízo das providências de curtíssimo prazo como a fixação de salários dignos, o investimento na qualidade profissional e a aquisição de instrumental adequado à otimização da atividade policial.

            Faz-se necessária, como se sabe, a reforma do sistema judiciário. Enquanto não se a efetivar, porém, que se aperfeiçoem os procedimentos processuais vigentes; que se viabilize a tramitação mais rápida dos feitos, assim minimizando os reflexos perversos da impunidade.

            No âmbito das execuções penais, os planos que visam à construção intensiva de penitenciárias pelo País a fora devem ser levados adiante. No entanto, não devem preterir as ações mais eficientes a curto prazo, como a valorização do nível profissional dos agentes penitenciários, bem como o aperfeiçoamento das condições de cumprimento da pena de reclusão. Em ambos os casos, as medidas contribuiriam decisivamente para a ruptura da realimentação do crime pela via da reincidência prisional, aliviando as pressões sobre as instituições e dando-lhes maior eficácia; não necessariamente com maiores custos.

            Concluindo, Sr. Presidente, a violência é um fenômeno que vem se agravando no País, atribuindo-se as suas causas à omissão do Estado, tanto por negligenciar no combate aos fatores que fazem prosperar a desigualdade social a níveis execráveis, quanto pela sua omissão no gerenciamento dos órgãos e instituições responsáveis pela prevenção e repressão ao cometimento de infrações penais.

            A negligência oficial resulta, na atualidade, em sérios riscos para a preservação da integridade do tecido social. A atividade criminosa e o desrespeito às leis marcham para se tornarem a regra e não apenas a exceção dentro da sociedade.

            A situação atual pode ser caracterizada como sendo de emergência declarada, exigindo providências imediatas e efetivas.

            Era o que tinha a dizer. Obrigado.


            Modelo15/18/246:57



Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2001 - Página 24299