Discurso durante a 126ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

INTERPELAÇÃO AO MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, SR. CELSO LAFER.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • INTERPELAÇÃO AO MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, SR. CELSO LAFER.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2001 - Página 23963
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, BRASIL, LUTA, COMBATE, TERRORISMO.
  • QUESTIONAMENTO, CELSO LAFER, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), POSSIBILIDADE, UTILIZAÇÃO, BRASIL, OPERAÇÃO MILITAR, COMBATE, TERRORISMO.

            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, caro Ministro Celso Lafer, é uma satisfação tê-lo novamente dentro do Senado Federal debatendo tema de inquestionável importância para toda a humanidade.

            Gostaria, inicialmente, de fazer um comentário sobre o que disse o Senador Hugo Napoleão, indagando dúvidas sobre a pertinência do requerimento que eu, a Senadora Heloísa Helena e o Senador Eduardo Suplicy apresentamos, abordando o comportamento internacional sobre a questão do Talibã e a possível decisão de uma ação bélica que pudesse vir a ocorrer.

            Penso que o nobre Senador Hugo Napoleão não emprestou o devido tempo ao art. 49 da Constituição Federal, que dispõe:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar;

            Se o Congresso Nacional não estiver à vontade para hipotecar solidariedade ao povo americano, na hora de uma tragédia como aquela, ou emitir sobre ações injustificáveis do regime Talibã, perderia muito a razão de ser e o próprio conteúdo da Constituição Federal.

            Sr. Ministro, farei a leitura objetivamente para que possa aproveitar da melhor maneira a sua presença neste Senado Federal.

            V. Exª é, reconhecidamente, uma das maiores autoridades no estudo do pensamento de Hannah Arendt. No livro dessa festejada filósofa, intitulado “Sobre a Violência”, cuja edição brasileira foi prefaciada por V. Exª (Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1994), podemos pinçar a seguinte passagem: “o terror não é o mesmo que a violência; ele é, antes, a forma de governo que advém, quando a violência, tendo destruído todo o poder, ao invés de abdicar, permanece com o controle total. Tem sido observado que a eficiência do terror depende quase que totalmente do grau de atomização social”. Mais adiante, diz Hannah Arendt: “a diferença decisiva entre a dominação totalitária, baseada no terror, e as tiranias e ditaduras, estabelecidas pela violência, é que a primeira investe não apenas contra seus inimigos, mas também contra seus amigos e apoiadores, temendo todo o poder, mesmo o poder de seus amigos”.

            Sr. Ministro, V. Exª afirmou, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 16 de setembro próximo passado: “O mundo mudou”. Essa nova forma de terror coloca-nos diante dos seguintes problemas:

            a) diferentemente da postura arendtiana - comentada por V. Exª na obra citada - a contestação do medo da morte se apresenta “como categoria central da política”, afinal os atentados foram cometidos, ao que consta, por 19 terroristas-suicidas;

            b) considerada essa primeira assertiva, há que se observar que não estamos mais diante do “jogo de xadrez apocalíptico entre superpotências”, na expressão de Hannah Arendt, “jogado - prossegue a filósofa - de acordo com a regra de que se alguém vencer é o fim para ambos”. Pois bem: se Hannah Arendt já considerava “insana” essa posição de que “a dissuasão é a melhor garantia para a paz”, o que fazer quando a paz é ameaçada por um novo paradigma: a do terror que não teme a morte, a do terror que, como nos alerta a revista Carta Capital, edição n.º 157, já teria acesso a armas nucleares táticas?

            c) ao contrário do fenômeno da “atomização social”, esse novo terror aposta na “agregação religiosa” de pelo menos um quarto da humanidade, contingente em curva ascendente, para, ante a aceitação da provocação pelo Grande Satã, desencadear um conflito - hoje regional - para a dimensão global; e ainda;

            d) trata-se de uma forma de terror que não é, a rigor, um terror que se circunscreve aos horizontes do Estado-Nação, mas, um terrorismo “ameba”, na expressão de David Long, do Departamento de Estado dos EUA, de uma “rede de ONGs do terror” ou do “terror como franquia”, como disse Jean François Daguzon (Fundação de Pesquisas Estratégicas, França), de um terror que busca, a partir de um fundamentalismo religioso, representar e fazer valer “uma grande nação”, sem respeito às fronteiras tradicionais: a grande nação dos oprimidos, explorados, excluídos e humilhados pelo “Ocidente infiel”. Vestígios deste componente imaginário podem ser observados nos conflitos internacionais ou internos da Palestina, da Chechênia, do enclave de Nagorno-Karabakh (Azerbaijão vs. Armênia), no Kosovo, na Macedônia, na Bósnia-Herzegovina, na Argélia, no Sudão, no Egito, no Líbano, no Chipre, e até mesmo na Cashemira (Paquistão vs. Índia), e na Indonésia.

            Sr. Ministro, diante deste quadro, como nos advertiram os estudantes universitários da Universidade de Bolonha (Itália), em suas recentes jornadas de protesto contra as retaliações norte-americanas, é forçoso reconhecer que “olho por olho, todos nós ficaremos cegos”. V. Exª, repetindo Hannah Arendt, afirmou, corretamente, que “o terror destrói todo o poder”. E sem poder não há vida social. E poder - recorda-nos o Prof. André Duarte, outro estudioso da obra arendtiana - “só pode ser gerado e atualizado a partir de um diálogo recíproco, fundado na condição humana da pluralidade.

            Sr. Ministro, precisamos evitar a todo custo o sombrio prognóstico de Samuel Huntington do ‘choque das civilizações’ (clash of civilizations). Os princípios constitucionais regentes de nossas relações internacionais: a independência nacional, a prevalência dos direitos humanos, a autodeterminação dos povos, a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, colocam-nos como desafio atuar no sentido da busca da efetiva concórdia.

            O Brasil, ponto de encontro, convivência e confraternização de etnias as mais distintas, deve envidar esforços no sentido da construção de bases sólidas para esse diálogo recíproco. Solicitamos a reflexão de V. Exª sobre alguns elementos desse cenário que se pretende se torne uma realidade:

a) que punição dos responsáveis pelos ignominiosos atos terroristas se dê no âmbito da jurisdição penal das Nações Unidas, pois, como salientou V. Exª, “a tragédia de 11 de setembro não atingiu apenas os Estados Unidos da América”; (vale lembrar que isso deveria ser objeto de consideração do Tribunal Penal Internacional, cuja jurisdição os EUA rejeitam);

b) que os EUA sejam instados a retomar o seu papel de mediador no processo de reconhecimento do Estado Palestino por Israel (no dia de ontem o Presidente George W. Bush manifestou-se favoravelmente à criação do Estado Palestino), de estabelecimento das fronteiras seguras com o Líbano e a Síria (Colinas de Golã); a refletir sobre sua contribuição - interrompida com o abandono da Conferência da ONU em Durban - sobre as formas de racismo; a fazer uma autocrítica de seu apoio ao Talibã, no final da década de 70 e início dos anos 80 e das relações com a família Bin Laden, envolvendo, inclusive o ex-presidente George Bush;

c) que, sob a perspectiva do multicuturalismo, seja dada atenção, pelo G-7, pela OCDE, pelas organizações do sistema de Bretton Woods e pela ONU ao problema do abandono, miséria e exclusão política das populações em diversas áreas onde há predominância do islamismo.

            Eu gostaria ainda de fazer um parêntesis na leitura e citar a coragem que teve o Governo brasileiro, representado por V. Exª e o Ministro Serra, quando enfrentou a problemática dos genéricos e olhou de modo transversal. Não olhou apenas para cima, mas olhou para a Comunidade Européia e conseguiu um resultado extraordinário nas políticas públicas brasileiras e no direito à independência do povo brasileiro no assunto dos genéricos. E hoje nós devemos, talvez, nesse momento de crise, olhar ao lado, para a África, onde morrem 35 mil crianças de fome, todos os dias, e a política global ainda não entende que, com 0,7% do PIB, talvez a fome não existisse e talvez os indicadores de inclusão social fossem outros.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Senador Tião Viana, por gentileza, peço a V. Exª que conclua o mais rapidamente possível, porque V. Exª já ultrapassou em dois minutos o seu tempo.

            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Peço a V. Exª mais dois minutos, inclusive não utilizarei o tempo de réplica, pelo interesse em ouvir também o Senhor Ministro.

            d) que haja um esforço da comunidade internacional no sentido de viabilizar o regime democrático e o respeito às garantias fundamentais em Estados islâmicos, o que deve ser combinado com a postura de tolerância e reconhecimento das diferenças: é preciso, em outras palavras, revisitar a Paz de Westphália (1648), reconstruindo os conceitos de independência e soberania nacional, autodeterminação e não-intervenção, sob novos enfoques.

            Sr. Ministro, são essas as indagações que faço de maneira objetiva.

            As palavras do Presidente Fernando Henrique, no Equador: “todos os seus esforços na luta contra o terrorismo em todas as suas formas e manifestações”, ao mesmo tempo em que assinalou “nesse contexto, a importância das decisões tomadas sobre a matéria pela Reunião de Ministros de Relações Exteriores”, em que V. Exª estava presente, uma assertiva de defesa.

            Minha pergunta: A expressão “todos os esforços” incluiu alguma opção militar? Recordo da reunião dos líderes com o Senhor Presidente da República, quando ele indagou a situação da justificativa de guerra após o atentado de Pearl Harbour - V. Exª lembra muito bem desse momento. Fiquei, de fato, preocupado e tenho certeza que V. Exª trará a tranqüilidade necessária a este debate, neste momento.

            Interrompo minha fala, em função do tempo, em respeito ao Regimento Interno.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2001 - Página 23963