Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração, hoje, do Dia do Professor.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO. MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • Comemoração, hoje, do Dia do Professor.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/2001 - Página 24750
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO. MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, PROFESSOR, ELOGIO, LUTA, CATEGORIA PROFISSIONAL, ESFORÇO, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • ANALISE, DADOS, INDICE, DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO, BRASIL, COMPARAÇÃO, MUNDO, INDICAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO PUBLICO, REGISTRO, MOBILIZAÇÃO, ENTIDADE, AMBITO NACIONAL, DEFESA, ENSINO.
  • APOIO, MOVIMENTO TRABALHISTA, PROFESSOR, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO, AUMENTO, SALARIO, ANALISE, PRECARIEDADE, FUNCIONAMENTO, UNIVERSIDADE FEDERAL.
  • CRITICA, VETO PARCIAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DISPOSITIVOS, PLANO NACIONAL, EDUCAÇÃO, SOLICITAÇÃO, CONGRESSISTA, DERRUBADA, VETO (VET).
  • DEFESA, URGENCIA, AUMENTO, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, BRASIL, OBJETIVO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste 15 de outubro, Dia do Professor, quero falar aos professores de todo Brasil e em especial aos meus colegas do Rio Grande do Sul. Quero expressar alguns pensamentos e concepções sobre o fundamental papel que tem o docente na construção de uma sociedade melhor e mais feliz. Alegra-me parabenizar nossa lutadora categoria pela persistência na sua prática e pelo esforço em se superar de modo a oferecer sua contribuição indispensável ao desenvolvimento do País e de nosso povo.

            É importante realçar a iniciativa da Internacional de Educação, que, em cooperação com a Unesco, comemorou no dia 5 de outubro próximo passado o Dia Mundial do Docente, ocasião em que foi reforçada a importância dos educadores como principais responsáveis pela transformação das crianças e jovens em adultos produtivos e capazes de se inserirem plenamente em seu ambiente social, cultural e político. Para tanto, a Internacional, mais uma vez, recomenda que os Governos devem adotar medidas necessárias para se alcançar esse objetivo, tais como: investimento de pelo menos 6% do Produto Interno Bruto na educação; formação inicial e continuada dos trabalhadores em educação; condições de acesso ao material necessário para os alunos; tempo para permitir que os educadores se auto-avaliem e consigam construir avanços na qualidade e quantidade de conhecimento necessário ao seu bom desempenho profissional.

            Por outro lado, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe - Cepal - aponta que as taxas de retorno do investimento em educação são altíssimas, por isso recomenda o incremento de 4% do valor do PIB para a educação a partir do patamar em que o país se encontrar. Em nosso caso, a Cepal estima que, se o Brasil fizesse o investimento recomendado, teria um aumento potencial de 17% em seu PIB.

            Ainda é triste registrar que a Unesco, em pesquisa que envolveu 47 países, revelou que o Brasil está entre os que têm as piores proporções na relação aluno/professor na educação básica. Em especial, quanto ao ensino médio, nosso País se posiciona no último lugar, com 38,6 alunos por função docente, bem como tem a terceira pior média salarial anual para o professor em início de carreira, R$313,16 por mês em média.

            Lamentavelmente, nosso País não mantém a história de prestígio social e político emprestado à presença da docência no Brasil, a exemplo do que ocorreu nas primeiras décadas do século passado.

            Nesse sentido, é digno de registro o trabalho desenvolvido pelos sindicalistas italianos, formalizando a alfabetização de adultos na década de 20, e também os pioneiros da educação na década de 30, que, liderados pelo professor Anísio Teixeira, contribuíram para dar visibilidade aos problemas da educação -especialmente com a Carta dos Pioneiros e com a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), cujo objetivo específico é cuidar da formação do docente -, além da luta pela escola laica e pública, liderada por professores que deram contribuições indiscutíveis e inesquecíveis, como Florestan Fernandes.

            O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública reuniu mais de 40 entidades representativas da sociedade civil, desde a Assembléia Nacional Constituinte, na organização da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, e continua colaborando nos grandes momentos de debate da educação, como sucedeu durante a elaboração do Plano Nacional de Educação.

            Cabe lembrar também um evento que se realizará de 24 a 27 de outubro em Porto Alegre, o Fórum Mundial de Educação. Mais uma vez, educadores do mundo inteiro dirão que um novo mundo possível se constrói com espaços educativos, formais ou não, em que a formação humanística e cidadã promova o acesso ao conhecimento.

            São esses os personagens e protagonistas da nossa história que hoje precisam gritar em praça pública e acrescentar ao seu cotidiano de sala de aula ou junto a procedimentos de extensão e pesquisa, movimentos de greve, para que as autoridades brasileiras reconheçam a importância de sua contribuição.

            A luta dos professores não é somente por melhores salários porque envolve, sem dúvida, a preocupação com a qualidade do ensino ministrado. É o que deixa claro a pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), ao apontar dificuldades que prejudicam a relação ensino - aprendizagem:

            - alto índice de falta dos alunos;

            - carência de recursos pedagógicos;

            - carência de pessoal de apoio pedagógico;

            - acesso insuficiente à bibliografia produzida;

            - dificuldade dos professores de participarem de eventos em que se discutem os rumos da educação e o avanço do conhecimento, tanto em nível local, como nacional.

            Os indicadores citados pelos professores são reveladores de limites perversos na política vigente que, se superados, poderiam influir positivamente na aprendizagem dos alunos.

            A carência de pessoal de apoio, por exemplo, denuncia a falta de uma política de valorização profissional que atente para a realização periódica de concursos públicos e para a dimensão educativa das chamadas atividades de apoio pedagógico, em muitas redes públicas providas por regime de terceirização de serviços e por contratações temporárias de caráter precário.

            Finalmente, como está comentado no trabalho da CNTE, “não dá para deixar de explicitar que a política educacional vigente não contempla a participação da escola e dos professores como elemento de construção e de elaboração de propostas, programas e projetos. Dá-se prioridade ao caráter meramente executor da escola, sendo constantes as iniciativas centralizadas que limitam os professores a agentes operativos, desprezando-se sua capacidade crítica, reflexiva e criativa”.

            A mencionada pesquisa mostra que a qualificação dos professores, em qualquer etapa de ensino, não pode se limitar aos aspectos técnicos da profissão, mas à sua própria amplitude e complexidade.

            E o que faz o Governo brasileiro? O que faz o Ministro da Educação? O que faz o Presidente da República? Vetam o artigo do Plano Nacional da Educação que dispõe sobre a elevação do percentual dos investimentos públicos em educação. Previu-se no projeto aprovado nesta Casa e na Câmara, portanto, no Congreso Nacional, que esse percentual deveria chegar a 7% do PIB até o final da década. Para tanto, seria necessária uma ampliação anual da ordem de 0,5% do PIB, nos primeiros quatro anos, e de 0,6% no quinto ano.

            Hoje o Brasil investe 4,6% do PIB em educação. Elevar esse patamar para 7% significaria um incremento de R$24 bilhões.

            E o que alegam as nossas autoridades executivas para tal veto? Alegam que o Plano Nacional de Educação - cuja amplitude é de dez anos - contraria o Plano Plurianual, cuja abrangência é de apenas quatro anos. Aparentemente, querem brincar com nossa inteligência e inverter os princípios da lógica, segundo os quais o maior compreende o menor. Mas esse é um argumento pífio, pois não há incompatibilidade nenhuma entre um plano e outro. E, se houver, que se mude o PPA e não que se vete o PNE.

            Além dessa “brincadeira”, o Presidente da República vetou outros dispositivos do Plano Nacional de Educação, todos eles essenciais à elevação do Plano Educacional de nosso País. Eis alguns importantes dispositivos citados:

-     o que amplia o Programa de Garantia de Renda Mínima para atender as crianças em idade pré-escolar;

-     o que amplia a oferta de ensino público superior para o patamar de 40%;

-     o que assegura a aplicação de 75% dos recursos federais para o ensino superior público;

-      o que amplia o programa do crédito educativo e o associa à avaliação das instituições atendidas;

-     o que amplia o financiamento público à pesquisa científica e tecnológica;

-     o que determina a implantação de planos de carreira para os profissionais das áreas técnicas e administrativas das instituições superiores.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é necessário mais do que nunca fazer com que o País dê o salto de qualidade da educação, pois, apesar de todo o otimismo (sem razão) apregoado pelas entidades educacionais, ainda estamos muito longe dos padrões mínimos de educação de um país que se quer desenvolvido social e economicamente.

·     Ainda existem 17 milhões de brasileiros iletrados, ou seja, não lêem nem escrevem; e mais 30 milhões de iletrados funcionais, pessoas que, apesar de lerem e escreverem, não fazem uso dessas habilidades no seu dia-a-dia;

·     Mais da metade das crianças entre 4 e 6 anos não freqüentam a pré-escola;

·     Ainda estão fora da escola 8,5 milhões de pessoas entre 7 e 18 anos;

·     Menos de 7,5 % da população têm acesso ao nível superior. Entre negros e negras esse índice é de 2,5%, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, o Ipea;

·     Cerca de 97% da população estudantil negra estão em escolas públicas menos aparelhadas e desse total apenas 3% chegam ao nível superior.

            Como vêem, Srªs e Srs. Senadores, o quadro é sombrio. Mas o pior é que são poucas as chances de ser revertido, pois o investimento no ensino fundamental caiu de 5% para 2,2% do PIB, de 1998 para cá.

            E agora, estamos vendo o próprio Banco Interamericano do Desenvolvimento que, ontem, anunciou o Relatório Progresso Econômico-Social na América Latina 2001. Ele divulgou e afirmou: “A América Latina está um século atrás.” A região precisa de 100 anos para chegar em nível de renda dos países desenvolvidos. E afirma: “A redução de renda nos últimos dez anos e a acentuação do desequilíbrio na distribuição das riquezas é cada vez mais concentrada nas mãos de uma minoria.”

            Atualmente, 170 milhões de latino-americanos, um em cada três, vivem com menos de dois dólares diários. E o mais grave ainda, Srªs e Srs. Senadores, o Relatório mostra que os níveis de educação também estão crescendo num ritmo mais lento, inclusive em relação ao Oriente Médio, onde são mais baixos.

            Por isso, Sr. Presidente, acreditamos e afirmamos que a educação é, por excelência, um elemento catalisador no processo de desenvolvimento.

            Por essa razão, estamos aqui a clamar que a política educacional vigente secundariza, ainda, o aspecto da qualificação profissional, preferindo atuar na capacitação em serviço, voltada principalmente para os aspectos técnicos e metodológicos do trabalho.

            Não se discutem as políticas, sua concepção e formulação, apenas as melhores formas de sua implementação na escola. Tal postura limita aspectos necessários na qualificação do docente, ou seja, os espaços de formação continuada, reduzidos ao “aprender a fazer”.

            Tal postura é traduzida em todas as iniciativas no estabelecimento de políticas pública para o setor: uma visão mais pragmática, distanciada das necessidades e expectativas expressas pela sociedade, a exemplo do veto recente ao projeto aprovado no Congresso Nacional com relação ao ensino da Sociologia e da Filosofia.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste Dia do Professor, portanto, é muito pouco o que temos a comemorar. Infelizmente, ainda precisamos ficar clamando o óbvio para ver se ultrapassamos a barreira de surdez dos mandatários da educação.

            O professor, como agente da ação educativa, é quem mais sofre com essa insensibilidade. E não há como ter educação de qualidade sem professores qualificados, pois, lamentavelmente, somente um terço dos nossos mestres e mestras têm a titulação adequada para lecionarem. Apenas 32% dos professores têm o curso superior, enquanto 11,7% dos professores da Região Norte e 5,7% dos do Nordeste nem completaram o antigo Primeiro Grau.

            Com que ânimo podem trabalhar, se mais de 60% do conjunto está sob regime de contratação precária ou temporária? Como sustentar dignamente uma família, se os salários médios são insuficientes? A remuneração varia de R$136,00 no Nordeste a R$854,00, no Sudeste, consagrando a insuficiência e as desigualdades entre regiões e entre as esferas administrativas.

            O Brasil paga o quarto pior salário do mundo (média nacional de R$490,00), segundo pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação, Cultura e Tecnologia (Unesco) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

            Não é à toa que metade dos professores sofre de síndrome da desistência.

            Neste Dia do Professor, não poderíamos ignorar a situação calamitosa em que se encontra nossa educação superior. Com mais de dois meses de greve, os funcionários e professores das Universidades Federais se vêem diante de um impasse provocado pelo MEC, que se recusa a negociar e retém salários.

            A Universidade do meu Estado, o Rio Grande do Sul, por exemplo, uma das primeiras na avaliação do Provão, vê cada vez mais comprometida a qualidade de seu ensino, tendo em vista o verdadeiro sucateamento.

            De 1990 para cá, aumentou a oferta de cursos de graduação (de 43 para 62); de cursos de mestrado (de 42 para 62); de doutorado (de 17 para 47). Mas, o quadro de professores, apesar do aumento de cursos e de alunos atendidos, tem declinado, de 1995 para 2000: de 2.118 caiu para 2.097, um número significativamente menor que o de 1990, quando havia 2.483 docentes. Do quadro atual, 15% dos docentes são professores substitutos, cuja relação contratual é precária. Além disso, estes estão impedidos de atuar em pesquisa e extensão.

            E a situação das Universidades Federais em todo País não é diferente desse quadro. De 1995 para 2000, o orçamento da Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) foi reajustado em apenas 30%, contra uma inflação (IGP-DI) de 70%. Isso significa uma perda real de orçamento, que tem como conseqüência o comprometimento das atividades regulares.

            E os professores e técnicos administrativos das nossas universidades clamam, nas ruas, por justiça, por reconhecimento e por valorização. Continua o impasse, apesar dos meios de comunicação noticiarem que houve um encontro entre os servidores e o Governo. O Governo anuncia, na sua reivindicação, que vai incorporar, a partir do próximo ano, 100% da gratificação de atividade executiva aos vencimentos dos servidores das universidades públicas federais. A reivindicação é a mais antiga dos profissionais, que estão sem aumento de salários há sete anos, mas não é suficiente. Os professores e funcionários não podem esperar ainda o ano que vem para terem o reajuste nos seus salários. Não podem abandonar os seus colegas aposentados e pensionistas funcionários.

            Estamos, portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pedindo que haja sensibilidade do Governo, que haja a manutenção do diálogo e que, principalmente, olhe que a universidade pública federal, a grande responsável pela pesquisa neste País, seja respeitada e valorizada.

            Tudo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, causa-nos forte preocupação. Faltam recursos para investimentos, faltam recursos para a manutenção dos equipamentos de alta tecnologia, mas, principalmente, falta compromisso deste Governo com o professor, que se vê cada vez mais abandonado.

            Não se pode fazer educação sem educadores, sem professores, sem mestres, ao contrário do que crêem nossas autoridades educacionais, que relegam o magistério brasileiro a uma condição iníqua.

            Muito embora o Governo FHC tenha apregoado que a educação é uma de suas prioridades, ainda estamos longe de vê-la cumprida.

            Ao longo deste Governo, o discurso tem sido o do FMI e o do Banco Mundial: o da redução dos recursos para as universidades públicas federais, com a justificativa de que é necessário investir nos níveis de ensino fundamental e médio. Essa tem sido a resposta padrão do Ministro para o abandono das federais. Então, como ele justifica que houve uma queda na qualidade da educação nesses níveis? Pois é exatamente essa a constatação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

            Mas, ao contrário da avareza demonstrada para o ensino superior público, Suas Excelências têm sido bastante pródigos com o ensino superior privado, permitindo a abertura indiscriminada de cursos por instituições particulares. Nada contra o aumento de vagas no ensino superior; mas não se pode, com isso, reduzir a participação do setor público, pois estas respondem pelas atividades de pesquisa no País: 80% das atividades de pesquisas são realizadas com qualidade e com competência nas nossas universidades públicas.

            Por tudo isso, Sr. Presidente, Srs. Senadores, endossamos as denúncias apresentadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, na Segunda Marcha Nacional em Defesa e Promoção da Educação Pública, ocorrida no último dia 3 de outubro aqui em Brasília, sendo que a principal demanda é a derrubada dos vetos presidenciais ao Plano Nacional de Educação.

            Por isso, como homenagem às professoras e professores brasileiros, conclamo meus Pares para, juntamente com os Deputados Federais, derrubarmos esses vetos. Dessa forma, asseguraremos recursos para a educação, pois, do contrário, teremos um plano cheio de boas intenções, mas impossível de ser concretizado.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, essa é a homenagem que faço aos meus colegas trabalhadores em educação neste Dia do Professor, ressaltando o incansável trabalho de resistência, luta e patriotismo de nossa categoria profissional.

            O Sr. Lauro Campos (Bloco/PDT - DF) - Senadora Emilia Fernandes, concede-me V. Exª um aparte?

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Ouço o aparte de V. Exª, Senador Lauro Campos, com muito prazer.

            O Sr. Lauro Campos (Bloco/PDT - DF) - Nobre Senadora, agradeço muito a V. Exª pelo aparte. Estive aqui, durante o pronunciamento de V. Exª, com o microfone em riste, sem ousar usá-lo. Quero congratular-me com V. Exª por esse discurso magnífico, uma peça que mostra consciência, garra, inteligência e rebelião - as qualidades que um bom professor deve ter. V. Exª ministrou um discurso, e tivemos a satisfação de ouvi-la. Fui professor durante minha vida inteira. Pretendi seguir, sem jamais ter alcançado, o caminho do meu pai. O atraso de minha marcha em direção à do meu pai foi, inclusive, salientado, há tempos, pelo Senador Francelino Pereira, que foi aluno de meu pai. S. Exª teve a oportunidade - para o meu prazer - de dizer que meu pai era muito superior a mim. Continuo lutando, pelejando, e admirando cada vez mais esta categoria de sofredores. No tempo de meu pai, por exemplo, não havia dedicação exclusiva, mas ele ensinava de manhã e à tarde; à noite, escrevia e pensava. A vida inteira foi assim. Na página 89 do livro Migo, de Darcy Ribeiro, ele diz que meu pai foi o único sábio verdadeiro que ele conheceu, uma vida inteira dedicada à meditação e ao estudo. “Ao defrontar-me com aquela vida, fiquei perplexo. Gostaria de ser sábio e probo, mas não tanto”, disse Darcy Ribeiro a respeito de meu pai. O Senador Francelino Pereira tem razão: não pretendo tanto. Gostaria apenas de dizer que, tal como meu pai, que queria um balão de oxigênio pequeno para poder morrer dando aulas, eu também pretendia morrer em sala de aula, dedicar-me inteiramente. Um professor, como V. Exª demostra ser, é um doador universal de sangue. Estamos realmente nesta nossa profissão professando a nossa esperança, a nossa fé, a nossa confiança na mudança, no avanço da inteligência que transformará o mundo e que será novamente inseminada por essa transformação. V. Exª demonstrou, nessa peça que acaba de proferir, que é também uma possuidora dessa inquietação que a faz contemporânea do futuro. Depois, com esse fracasso que o neoliberalismo principalmente introduziu no nosso sistema educacional, fiquei pensando que a universidade deixou de ser um túmulo digno. Eu não quero mais morrer lá. Queria transformá-la e, não tendo conseguido, pelo contrário, tendo assistido à sua demolição, à sua desmoralização, ao seu descrendenciamento, prefiro morrer em outro lugar qualquer. Morrendo debaixo de uma árvore ou em uma estrada, sei que estarei em lugar mais digno do que aquele em que transformaram a universidade, em todos os sentidos, como V. Exª demonstrou e comprovou muito bem. Uma pessoa com pós-graduação, bacharel, mestre e doutor!... Na Universidade de Brasília, para ser titular, tem que ter pós-doutorado para ganhar R$2.000,00 por mês! Eles querem justamente destruir a universidade pública para criar outra clientela. Ouvi falar que, em Brasília, há 20 universidades particulares; em Uberlândia, onde fui dar uma palestra, outro dia, há 22 universidades particulares. Quer dizer, foi um serviço bem feito. Arranjaram clientela para as universidades particulares. Com nossos filhos e netos tendo que enfrentar universidades que custam R$700,00, de três, quatro salários mínimos por mês, tornamo-nos escravos do saber, dessa mercadoria em que se transformou o ensino. Este dia é realmente muito triste. Desculpe-me, pois não queria tomar o tempo de V. Exª, interrompendo seu pronunciamento monolítico - um pensamento em que a consciência, ação e vontade de mudança formam um amálgama -, que não deveria ser interrompido por nenhum pronunciamento. Muito obrigado.

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Senador Lauro Campos, o aparte de V. Exª, que incorporo ao meu pronunciamento, enriquece a nossa reflexão.

            Está falando ao Brasil, em aparte a uma simples professora de ensino público do Estado do Rio Grande do Sul, uma das maiores figuras da educação brasileira, que é o nosso sempre Professor e Senador Lauro Campos.

            Por isso, a reflexão que V. Exª faz aqui, o testemunho que dá de sua vida, de sua história, do que foi seu pai, do que foi V. Exª, é um sentimento que sai do seu coração. Quando diz que não quis permanecer na universidade, a sua presença, a sua figura não está lá, mas o seu coração continua lá, como um dos maiores defensores da educação nesta Casa, principalmente mostrando às novas gerações o que os desmandos da política globalizante têm feito em relação à educação.

            As palestras, os pronunciamentos de V. Exª nesta Casa têm sido verdadeiras aulas de saber. Meus cumprimentos. Tenho certeza de que a contribuição que V. Exª deu e continua dando às novas gerações, não apenas no que se refere à educação, mas à reflexão que todos devemos fazer em relação aos desmandos que têm sido feitos com a nossa gente, com as nossas crianças, com os nossos jovens, sempre será oportuna e bem-vinda.

            Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, este País está nesta situação, neste caos, do qual aqui esboçamos alguns pontos, poderíamos falar de outros tantos, porque realmente não temos um projeto de País que invista e que aposte no desenvolvimento econômico, social e do conhecimento. Somos um país que se submete a uma posição de subserviência e de entreguismo, em que a tecnologia, a ciência, a pesquisa e a reflexão não são importantes, pois farão dos cidadãos pessoas criativas, críticas, inteligentes, que saibam posicionar-se, que saibam dizer não ao entreguismo político que se está instalando no País.

            Por isso, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, iremos ao Fórum Mundial de Educação em Porto Alegre, cidade marcada pelo desenvolvimento e pela educação. Discutiremos a educação como direito, o papel estratégico da educação pública na construção da igualdade e da justiça social; refletiremos a educação, a tecnologia e o trabalho na perspectiva de uma sociedade sem excluídos; discutiremos a educação e as culturas, como a construção da solidariedade, a identidade com direito e respeito às diferenças; discutiremos a educação e a transformação, a construção de um mundo possível. Mostraremos que não é apenas necessário mudar os rumos deste País, mas, acima de tudo, que isso é possível.

            Professor Lauro Campos, essa professora, que exerceu o magistério, durante 23 anos, na longínqua região da fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai, muitas vezes sofrendo com seus alunos pela pobreza de suas famílias nas regiões de fronteira, ainda tem esperança. Este País há de ser o país das novas gerações, onde a educação seja possível, onde o saber não seja privilégio de alguns, mas esteja acessível para todos aqueles que mudarão e transformarão este País.

            Muito obrigada.


            Modelo15/19/249:50



Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/2001 - Página 24750