Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Repúdio à programação dos canais abertos. Críticas à intenção do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, em reativar o programa de escudos espaciais antimísseis.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Repúdio à programação dos canais abertos. Críticas à intenção do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, em reativar o programa de escudos espaciais antimísseis.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/2001 - Página 24755
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, BRASIL, MUNDO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, AUMENTO, VIOLENCIA, PROVOCAÇÃO, ALTERAÇÃO, ETICA.
  • ANALISE, ATENTADO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EFEITO, REVOGAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, ALEGAÇÕES, COMBATE, TERRORISMO.
  • ANALISE, AUTORITARISMO, EXECUTIVO, AMBITO, DEMOCRACIA, VINCULAÇÃO, CAPITALISMO, INDUSTRIA, ARMAMENTO, GUERRA, LIBERALISMO, ECONOMIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se eu cumprisse minha obrigação, como professor, de falar sobre este dia, eu me sentiria inferiorizado diante do pronunciamento que acaba de ser feito, um pronunciamento ímpar, de alguém que, indiscutivelmente, viveu, sofreu e compreendeu. Parece-me que, para compreender e para não esquecer o que aprendemos, é preciso que a cola da emoção, o fixador que é a emoção, esteja presente, atuando sobre as nossas vivências e experiências.

            Há 25 anos, eu, obviamente, não estaria aqui, mas, sim, como sempre estive, na rua, que é o meu lugar. Eu estaria na rua, nas praças, em um processo de luta, de tentativa, com os meios de que dispomos: a garganta que grita e as mãos que gesticulam e falam as nossas emoções, os nossos sentimentos. Sempre perseguido, sempre censurado, sempre marginalizado, mas nunca desanimado.

            Certa vez, tive que ir para a Inglaterra. Tive medo. Sofri ameaça de morte. Eu, que nunca saí de uma sala de aula, nunca tinha participado de uma agremiação política, estava ameaçado de morte por essa ditadura burra, por este País reacionário, por uma burguesia - diretores da Fiesp - que, há cinco dias, disse: “Vamos deixar o paletó e a gravata e dirigirmo-nos à Avenida Paulista para protestar contra este Governo!” Foi o que disseram diretores da Fiesp em uma de suas reuniões! Portanto, estamos vendo que o sofrimento não foi totalmente em vão. O egoísmo era tão grande que cegava a nossa burguesia, a nossa elite, diante daquilo que, inexoravelmente, estava em andamento: um empobrecimento fantástico, a agressividade social que vinham substituindo e vencendo as relações amorosas e afetivas, destruindo lares e famílias e colocando no lugar do pai a televisão agressiva.

            Como não gosto de censurar meus filhos ou meus netos, não desligo televisão. Mas causam-me perplexidade os programas infantis desta nossa televisão, que substitui os artistas caros pelo drama barato, vulgar. Policiais se transformam, muitas vezes, em bandidos, em algozes. Os marginalizados, que subiram os morros, desempregados, desajustados e desequipados, preparam o terreno em que a rebeldia, a rebelião e o protesto têm, necessariamente, de crescer. É natural que essas sociedades tão desiguais, injustas e iníquas possam chegar a esse estado.

            No Brasil, não enxergamos o nosso radicalismo. Tudo vai se tornando normal e muitos crimes vão sendo legalizados. Cheguei à conclusão de que não me satisfaz nem aquele princípio kantiano que diz: “age de tal maneira que a tua conduta possa se transformar em uma regra universal”. Esse imperativo kantiano me parece ser o resultado, a expressão de um egoísmo, de um individualismo que transforma o meu comportamento, o meu pobre e humano comportamento, em uma regra universal de conduta.

            Parece-me que o fundamento da ética não pode ser este, individualista, a que Kant emprestou a generalidade de seu gênio.

            Para mim, a ética é uma espécie de legítima defesa, que a humanidade, ao longo de sua caminhada, de milhões de anos, desde o totem e o tabu primitivos da Polinésia e de outras tribos pré-letradas - porque o tabu é o embrião do código de ética moderno, ali estão escritas as normas que devem ser impostas ao convívio das sociedades pré-letradas. As proibições e as vedações que ali se encontram - e como Freud detectou -, as censuras que se vão constituindo em um código de ética não escrito incidem e pretendem barrar, justamente, aquelas punções, aquelas tendências bárbaras, unilaterais, agressivas, que o homem possui. Mas não chegar ao ponto, por exemplo, em que os Estados Unidos se encontram hoje: utilizar-se de um momento em que o medo que a própria sociedade produz - produz na televisão, produz na falta de educação, produz em qualquer sinal... Será que seremos atacados agora? Assaltados agora?

            Nós que vivemos nesta sociedade que produz o medo, a fim de que a proteção despótica, autoritária seja aceita, seja requerida, seja pedida. Isso está em Thomas Hobbes, por exemplo, que diz que houve um contrato na sociedade e tivemos de delegar a nossa liberdade em troca de segurança.

            Agora, nos Estados Unidos, estão revogando todos os direitos humanos. O direito à privacidade, que é uma das conquistas que o inglês mais presa, já acabou nos Estados Unidos porque há direito agora de fiscalizar, policiar, invadir a privacidade de qualquer um, sem ordem judicial, sem nada, desde que se suspeite que o cidadão possa ser ligado ao terrorismo internacional. Os cidadãos podem ser presos sem ordem judicial, julgados e até a sua confissão sob tortura vale! E tantos outros direitos que foram agora revogados nos Estados Unidos e que constituíam uma aquisição multissecular de nossa sociedade. É o medo que o nosso sistema produz e permite que o despotismo, o autoritarismo, o totalitarismo - muitas vezes oculto, mas que algumas pessoas de coragem afirmaram existir.

            Num livro chamado Os Mil Primeiros Dias, de autoria de seu secretário, Roosevelt fez a seguinte afirmação: “O que estou fazendo aqui nos Estados Unidos é a mesma coisa que Hitler está fazendo na Alemanha e que Stalin está fazendo na Rússia”. Que democracia é essa que o maior democrata do mundo, Roosevelt, afirma agir da mesma forma como Hitler, o grande ditador da Alemanha? Não percebemos que a nossa democracia é totalitária, é autoritária, que a nossa distribuição de renda exige poder e prepotência, que a nossa moeda, tão bem utilizada na Alemanha de Hitler, é despótica!

            O Poder Executivo produz o dinheiro e sopra no papel a alma do dinheiro, assim como Deus soprou no pó a alma do homem - diz Karl Friedrich Knapp, da direita alemã hegeliana.

            Nossas instituições, nosso Legislativo é vítima de um despotismo contínuo por parte do Executivo, que envia para cá medidas provisórias, compra votos, oferece cargos em troca da democrática aquiescência das minorias majoritárias.

            Entre outras coisas, esses lamentáveis acontecimentos de 11 de setembro, em Nova Iorque, parecem ter servido também para dois aspectos importantes. O Presidente George W. Bush tinha ido à Rússia e à China e planejava encontrar um pretexto para realizar o seu projeto cujo gasto era de, no mínimo, US$250 bilhões, havendo cálculos que atestam que, no fim, custaria mais de US$1 trilhão! O que pretendia o referido Presidente ao organizar esse escudo antimíssil se não havia míssil no mundo e a guerra que está acontecendo é de miseráveis, de pessoas que precisaram usar facas para tomar aviões de passageiros, utilizando essas máquinas como bombas para destruir prédios e o Pentágono? Então não havia justificativa para esses gastos fantásticos que o Presidente Bush queria fazer na área militar. Durante a Guerra Fria gastaram US$15 trilhões em armas! Os países da Otan e os Estados Unidos gastam cerca de US$900 bilhões a US$1 trilhão em armas!

            O Presidente Bush, depois de uns dois meses de sua posse, afirmou o seguinte: “Não sabia que os Estados Unidos possuíam tantas armas! Para que tantas”? O próprio Presidente dos Estados Unidos não sabia que os Estados Unidos, durante 30 anos, tiveram como sua prioridade principal os gastos com armas! Os setores bélico e espacial foram superados - agora recentemente, de meses para cá - pelos gastos em propaganda. A publicidade superou os gastos em armas, mostrando a crise e o desespero dos comerciantes e dos industriais, que têm que gastar cada vez mais em propaganda para ver se salvam a pele, porque se não houvesse uma situação de crise, de perigo para esses que gastam em propaganda, em publicidade, eles não teriam feito essas despesas e elas não teriam ultrapassado as despesas bélicas - as maiores do mundo.

            De modo que a primeira prioridade do mundo, hoje, é propaganda e publicidade; a segunda são as despesas bélicas.

            O Presidente Fernando Henrique Cardoso, que não perde a capacidade de nos surpreender, concedeu uma entrevista, recentemente, à revista Carta Capital, em que afirma que o Brasil entra no jogo mundial. Sua Excelência se apressou em solidarizar-se com as posições que revelam imaturidade e despreparo do Presidente George W. Bush.

            No princípio, diante daquela surpresa, Geoge W. Bush declarou que representava o bem e que iria destruir o mal, acabar e liquidar o terror na face da terra. É natural que o Presidente dos Estados Unidos se considere o portador do bem, o porta-voz de Deus, pois isso também faz, do outro lado, o Osama Bin Laden. É a mesma expressão de exaltação, de radicalismo e, em certo sentido, de terrorismo. É terrorismo contra terrorismo. É um terror para a humanidade saber que os Estados Unidos têm uma capacidade armazenada de destruir vinte e cinco vezes, pelo menos, o globo terrestre, vinte e cinco terras. Eles têm a capacidade de destruir vinte e cinco planetas iguais à Terra.

            Não sei qual a finalidade de tanta arma. Talvez seja a indagação que mantive durante toda a minha vida universitária, de pesquisa mais fiel, a grande indagação a qual sempre procurei responder. Houve 366 guerras de acordo com o livro chamado O Desafio da Guerra: Dois Séculos de Guerra, publicado pela Editora do Exército Nacional, tradução de Gaston Bouthoul e René Carrère. Segundo Eric Hobsbawn, houve 87 guerras internacionais em um século, entre 1840 e 1940.

            Quem é o radical? Quem promoveu o maior volume de destruição da natureza e do homem em nossa era?

            Em 1956, eu estudava o maior economista do século passado, John Maynard Keynes, que escreveu:

      Duvido que tenhamos conhecido um auge capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a Segunda Guerra.

            Disse ainda o Lorde Keynes:

      Muitos observadores estavam ansiosos por repetirem em condições de paz a experiência da produção socializada, tal como a conhecemos durante a guerra. Embora a maior parte dos bens e serviços se destinassem à imediata e infrutífera destruição, assim mesmo constituíam riqueza.

            As contas nacionais misturam Eros e Tânatos à produção voltada para o homem e para o bem-estar da sociedade com a produção para a destruição. Foi essa produção destrutiva que retirou o capitalismo de sua crise, que durou de 1929 a 1943. Confessadamente, Keynes repete isso seis vezes. Há poucos dias, um pesquisador de São Paulo, positivista e desenvolvimentista, disse que quem afirma isso de Keynes é louco. Prefiro ser louco, mas ser fiel às fontes que cito. E mostro onde está.

            Agora, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que já foi tudo - fui Professor de História do Pensamento Econômico durante uns dez anos de minha vida e conheço um pouco das correntes, dos pensadores, etc -, disse que utiliza os métodos de Marx, a linguagem de Marx. Sua Excelência disse isso em seu livro Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, que foi tese de concurso - aliás, muito boa. Depois que foi marxista, escreveu vários livros, como marxista que foi. Nunca gostou de ser chamado de neoliberal. Mas adotou todas as políticas neoliberais. E parece que havia pulado a era keynesiana. Mas agora voltou. O Estado voltou a financiar, como pregou Keynes. Em entrevista à revista Carta Capital, o Presidente Fernando Henrique Cardoso propõe ser neokeynesiano.

            Quando passou por Portugal, uma vez, nessas suas andanças pela Europa, um professor de Portugal falou: “Mas Vossa Excelência está falando que é socialdemocrata, e a socialdemocracia já acabou há mais de 20 anos”. Então, Sua Excelência chegou ao Brasil e, ao descer do avião, disse que era neosolicialista. Agora, ele é neokeynesiano, ignorando que a crise em que o mundo se encontra hoje é a crise do keynesianismo e do neokeynesianismo, que já entrou em crise.

            Escrevi um livro e o publiquei em 1980, que se chama A crise da ideologia Keynesiana. E é surpreendente, incompreensível e indesculpável, em se tratando de um intelectual da grandeza de Sua Majestade o Presidente da República, a sua afirmação sobre ser neokeynesiano.

            O que Keynes propôs, em 1936? A crise iniciou-se em 1929. A produção de carros caiu de 5,3 milhões, em 1929, nos Estados Unidos, para 700 mil unidades, em 1943. O desemprego, na Alemanha, chegou a 44%, quando Hitler assumiu o poder. Nos Estados Unidos, o desemprego chegou a 25%. Então, não havia possibilidade de vender, de produzir mais, de empregar mais pessoas, de reempregar os desempregados, nem na produção de carro, nem de geladeira, nem de rádio, nem de meios de consumo, porque cinco mil bancos também faliram, as pessoas estavam desempregadas e empobrecidas. Não havia como!

            A produção era tão grande em relação à demanda, aos consumidores, que Roosevelt começou a pagar para não plantar, lá no TVA - Tenessee Valley Authority. Pagar para não plantar. A Suprema Corte julgou inconstitucional. Só votavam a favor de Roosevelt e de suas medidas três ministros. Então, ele reformou o Supremo, cinco foram aposentados, e passou a pagar para que plantassem cactos. Cactos! Para o resto, para trigo, para alimentos, não havia demanda, não havia consumidor. Então, ele passou a pagar para plantarem cactos, porque ninguém consome e o governo não precisa estocar.

            O SR. PRESIDENTE (Ramez Tebet) - Senador Lauro Campos, em que pese ao brilhantismo da fala de V. Exª e à atenção com que a Casa o está ouvindo, lembro a V. Exª que seu tempo está esgotado em dez minutos.

            O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PDT - DF) - Peço desculpas, porque realmente eu estava distraído. Vou apenas concluir meu discurso.

            Os capitalistas não compravam máquinas, porque 80% delas estavam ociosas. Comprar máquinas novas para deixá-las paradas é impossível. A produção de máquinas estava em crise completa, a de carros da mesma forma, de duráveis, de alimentos também, pois não havia consumidor.

            Então, o governo passa a consumir e a imprimir dinheiro para aumentar a demanda. Mas o governo compra o quê? Produtos bélicos, produtos espaciais; manda fazer estradas e estádios, como Hitler fez na Alemanha e Roosevelt, nos Estados Unidos. Assim foi reabsorvida a mão-de-obra, dando sobrevida ao capitalismo, nesta era keyneziana. Um novo Estado, uma nova forma monetária, um novo supremo tribunal, uma nova interpretação das leis, um novo sistema de crédito.

            Tudo isso se alterou para que o capitalismo pudesse sobreviver na UTI, cada vez mais cara, em que ele teve que entrar - e entrou. De modo que agora, neste fim, o Governo já não pode mais gastar, porque a dívida pública dos Estados Unidos não permite. São US$5,3 trilhões de dívida pública; nos 15 países que compõem a União Européia, de US$ 5,5 trilhões; e no Brasil, a nossa dívida pública, manipulada, é de US$606 bilhões, que ainda se soma à dívida externa.

            De maneira que o Presidente da República é refém desse endividamento que sustentou o processo até há pouco tempo, cerca de 20 anos.

            Não há como gastar. Não adianta dizer que começará agora a gastança, depois de tanto tempo de secura e de enxugamento, porque não há recursos para isso. Se começar a ser keynesiano e a fazer grandes gastos - o que demonstraria a tese de Keynes - reempregando pessoas e pagando-lhes mais, pagando as dívidas para com os funcionários, com os professores, com os trabalhadores, com as empreiteiras, o Governo reacenderia a inflação.

            É triste ver, nesta sociedade caótica, cujas elites e o Presidente da República estão completamente perdidos, que ainda se façam declarações como essa.

            Quiseram voltar ao neoliberalismo de 1873 e, agora, querem voltar ao keynesianismo, que, durante 50 anos, dinamizou a economia capitalista mundial, mas não podem mais fazê-lo. A crise atual é a crise do keynesianismo, da economia keynesiana, como escrevi e publiquei em 1980. Assim, parece-me que ou estou totalmente equivocado e nunca aprendi nada de economia em minha vida nem de outros estudos sobre a sociedade, ou o Presidente Fernando Henrique Cardoso mente mais uma vez.


            Modelo15/3/249:31



Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/2001 - Página 24755