Discurso durante a 135ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do Dia Mundial da Alimentação.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comemoração do Dia Mundial da Alimentação.
Aparteantes
Osmar Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2001 - Página 24795
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, DISTRIBUIÇÃO, ALIMENTOS, GRAVIDADE, FOME, BRASIL.
  • LEITURA, TRECHO, LIVRO, AUTORIA, JOSE DE CASTRO, ESCRITOR, ANALISE, PROBLEMA, DESIGUALDADE SOCIAL, FOME, PAIS SUBDESENVOLVIDO.
  • LEITURA, DECLARAÇÃO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, PAIS INDUSTRIALIZADO, AMBITO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ERRADICAÇÃO, FOME, POBREZA.
  • CRITICA, SENADO, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, IMPORTANCIA, PROBLEMA, FOME, BRASIL, RESPEITO, DIREITOS, ALIMENTAÇÃO.
  • ANALISE, EFEITO, GLOBALIZAÇÃO, POBREZA, MUNDO, REGISTRO, DIFICULDADE, PAIS SUBDESENVOLVIDO, FOME, DESNUTRIÇÃO, POPULAÇÃO.
  • ANALISE, CRITICA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, BRASIL, PROVOCAÇÃO, FOME, OBSTACULO, DESENVOLVIMENTO, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o discurso do nobre Senador Osmar Dias, um estudioso da agricultura em nosso País e no mundo, revela, com argumentos irrefutáveis, a situação de injustiça relacionada com a fome no Brasil e no mundo, que é, como ele próprio falou, um grande desafio, um flagelo que desafia as nações no mundo inteiro.

            Apesar do desenvolvimento ocorrido na agricultura, com o avanço de novos métodos de práticas agrícolas e com o surgimento de tecnologias inovadoras que aumentaram substancialmente a produção agrícola, a fome ainda tem campeado. Como foi dito aqui, mais de 800 milhões de pessoas passam fome no mundo. E os dados dos estudiosos da matéria mostram uma situação incrível, ou seja, embora a produção de alimentos seja suficiente para alimentar o dobro da população mundial, ainda assim, diariamente, 100 mil pessoas morrem por falta de comida.

            O assunto “alimentação” não preocupa apenas os estudiosos de hoje. Preocupou também estudiosos de ontem, como Josué de Castro, grande brasileiro que causou admiração não só nos brasileiros, mas em todo o mundo civilizado, com os seus artigos, inclusive com o livro Geografia da Fome, que estampava a realidade mundial, o recrudescimento desse processo de inanição, de matança coletiva, que já se processava há mais de 30 anos.

            No seu livro Fome: Um Tema Proibido, ele disse:

      O subdesenvolvimento não é, como muitos pensam equivocadamente, insuficiência ou ausência de desenvolvimento. O subdesenvolvimento é um produto ou um subproduto do desenvolvimento, uma derivação inevitável da exploração econômica colonial ou neocolonial, que continua se exercendo sobre diversas regiões do planeta.

            E como em uma antevisão daquilo que estamos a assistir nos dias de hoje - ele falou isso há mais de 40 anos -, ele também disse:

      É urgente restabelecer o equilíbrio econômico do mundo aterrando o largo fosso que separa os países bem desenvolvidos dos países subdesenvolvidos, sem o que é bem difícil que se consiga a verdadeira paz e a tranqüilidade entre os homens. Nenhuma tarefa internacional se apresenta mais árdua, mas ao mesmo tempo mais promissora para o futuro do mundo, do que a do desenvolvimento econômico destas áreas mais atrasadas, onde os recursos naturais e os potenciais geográficos se conservam relativamente inexplorados.

            E adiante acrescenta:

      Esta tremenda desigualdade social entre os povos divide economicamente o mundo em dois mundos diferentes: o mundo dos ricos e o mundo dos pobres, o mundo dos países bem desenvolvidos e industrializados e o mundo dos países proletários e subdesenvolvidos. Este fosso econômico divide hoje a humanidade em dois grupos que se entendem com dificuldade: o grupo dos que não comem, constituído por dois terços da humanidade, e que habitam as áreas subdesenvolvidas do mundo, e o grupo dos que não dormem, que é o terço restante dos países ricos, e que não dormem, com receio da revolta dos que não comem.

            São palavras proféticas, ditas por um homem que dedicou toda a sua vida ao estudo das injustiças sociais decorrentes da fome.

            O Brasil ocupa uma posição humilhante no desenvolvimento humano, conforme consta do Relatório do Desenvolvimento Humano 2001, divulgado há pouco tempo. O IDH, como sabemos, mede as realizações de um país em termos de esperança de vida, nível educacional e rendimento real ajustado.

            O Brasil, em matéria de desenvolvimento humano, perde, por exemplo, para Colômbia, Venezuela, Panamá, México, Trinidad e Tobago, Costa Rica, Chile, Uruguai e Argentina, entre outros. É deficitária a oferta de bens no plano social no Brasil. Em primeiro lugar está a Noruega, país em situação de superioridade na oferta de bom desenvolvimento humano, além da Austrália, do Canadá, da Suécia e da Bélgica.

            Recentemente, em setembro do ano passado, as nações mais desenvolvidas do mundo, juntamente com as menos desenvolvidas que participam das Nações Unidas, assinaram documento denominado Declaração do Milênio, onde vários princípios foram aprovados, tais como o da liberdade, da igualdade, da solidariedade, da tolerância, da responsabilidade comum, da paz, da segurança, do desarmamento, do desenvolvimento e erradicação da pobreza.

            Sobre o desenvolvimento e a erradicação da pobreza, diz essa declaração o seguinte:

      Não pouparemos esforços para libertar os nossos semelhantes, homens, mulheres e crianças, das condições abjetas e desumanas da pobreza extrema, à qual estão submetidos atualmente mais de 1000 milhões de seres humanos. Estamos empenhados em fazer do direito ao desenvolvimento uma realidade para todos e em libertar toda a humanidade da carência.

      E, mais na frente, afirma:

      Decidimos ainda:

      Reduzir para metade, até ao ano 2015, a percentagem de habitantes do planeta com rendimentos inferiores a um dólar por dia e a das pessoas que passam fome; de igual modo, reduzir para metade a percentagem de pessoas que não têm acesso a água potável ou carecem de meios para o obter.

            Como se isso fosse uma simples operação aritmética. Há 800 milhões de pessoas morrendo de fome, e as Nações Unidas, um órgão do qual fazem parte as nações mais poderosas e mais industrializadas do mundo, afirmam que somente no ano de 2015 é que teremos condições de reduzir de 800 para 400 milhões o número das pessoas que estão morrendo de fome no mundo.

            Se nós contarmos, Sr. Presidente, o esbanjamento que se faz em todo o mundo, principalmente nas nações mais poderosas, os recursos que são gastos para a opulência dos mais ricos, para a obtenção de mais dinheiro no mercado financeiro internacional, para o aumento de seu arsenal de guerra, se contarmos tudo isso e eliminarmos esses gastos exorbitantes, desnecessários muitas vezes, logicamente não chegaremos a 2015 e muitas pessoas, quem sabe até as oitocentas milhões, não estariam passando fome. Mas a FAO já anuncia que, mesmo antes de 2015, a humanidade não vai ter possibilidade de reduzir o quantitativo alarmante dos que passam fome no mundo.

            Sr. Presidente, o Senado Federal tem debatido essa questão, a exemplo do autor do requerimento, o Senador Osmar Dias, pelo menos desde o momento em que assumi o meu mandato de Senador, ou seja, em 1995. Esse debate levou-me à conclusão de que a própria Constituição Federal não deu lá tanta importância ao problema da alimentação. Tanto que, no art. 6° da nossa Carta Magna, vários princípios são lembrados ou incluídos como direitos do cidadão, tais como educação, saúde, trabalho, moradia, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados e até lazer. Mas o fator alimentação, que é vital para o soerguimento de qualquer sociedade, para o desenvolvimento de uma sociedade, não está incluído na nossa Constituição como direito do cidadão. Por isso, nós apresentamos uma proposta de emenda à Constituição, que já se encontra em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que altera a redação do art. 6º da nossa Carta Magna, para que se inclua a alimentação entre os direitos fundamentais do cidadão brasileiro.

            O dia 16 de outubro, Sr. Presidente, data da fundação da Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO), em 1945, após o término da Segunda Guerra Mundial, foi simbolicamente escolhido, em 1979, para comemorar o Dia Mundial da Alimentação.

            Trata-se de uma data oportuna para proclamarmos que o direito à alimentação é um direito básico e fundamental de todos os seres humanos, pois é condição indispensável para a preservação da vida.

            Ao registrarmos o transcurso desse dia, comemorado internacionalmente desde 1981, gostaria de iniciar minha fala dizendo que a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece que não padecer de fome é um dos “direitos iguais de todos os membros da família humana”, pois a debilidade causada pela fome impede o exercício do direito à vida, à liberdade e à segurança.

            No mundo globalizado em que vivemos, nesta virada de século, o dia de hoje é realmente uma data propícia para fazermos uma profunda reflexão sobre a necessidade de serem tomadas medidas mais eficazes para a eliminação do flagelo da fome no mundo, e em nosso País, em particular.

            Os números são preocupantes: apesar de todos os esforços empreendidos nas últimas décadas, existe ainda cerca de um bilhão de seres humanos sofrendo de má nutrição crônica somente nos países em desenvolvimento. Desse total, mais de 200 milhões são crianças menores de cinco anos de idade, com deficiência de ingestão de proteínas e calorias. Outras centenas de milhão são vítimas de diversos transtornos, como atraso de crescimento, bócio, cegueira parcial ou total, dentre outros, porque na alimentação faltam vitaminas e minerais essenciais.

            É dramático sabermos que essas crianças que sobrevivem à fome e sofrem de carências nutricionais profundas terão altíssimas probabilidades de apresentar retardo do crescimento e desenvolvimento, baixo rendimento escolar e, posteriormente, limitado desempenho profissional.

            Sr. Presidente, as conseqüências da fome são a perda de potencial humano e o comprometimento da capacidade das novas gerações, que deverão conduzir os destinos da humanidade no novo milênio que se inicia.

            Segundo a FAO, existem populações vítimas de escassez de alimentos em 88 países do mundo, a maior parte deles localizada na África e na Ásia. Em nosso continente, nove países integram essa estatística e, lamentavelmente, o Brasil é um deles.

            As maiores causas da fome em nosso País, são, sem dúvida, a perversa concentração de renda e as desigualdades regionais. Sabemos que milhões de brasileiros, principalmente os das Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, vivem em péssimas condições, no mais completo estado de pobreza.

            Segundo dados revelados por D. Mauro Morelli, incansável batalhador na luta contra a fome em nosso País e em prol da segurança alimentar, cerca de 40% da população brasileira do meio rural, justamente onde os alimentos são produzidos, vivem abaixo da linha de pobreza, em condições subumanas.

            Estatísticas não faltam. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que cerca de 60 milhões de brasileiros já se enquadram abaixo da linha da pobreza. Sabemos que esses números estarrecedores são questionáveis. Outros estudos apontam a existência de 40 milhões de pessoas, ou seja, um quarto da nossa população, vivendo abaixo dos níveis mínimos de subsistência, o que, em qualquer das duas hipóteses, é lamentavelmente negativo.

            Embora existam divergências de dados, não podemos deixar de reconhecer, numa data significativa como esta, que a fome e a miséria em nosso País são absolutamente vergonhosas e exigem providências urgentes.

            A fome e a pobreza são entraves definitivos para a continuidade do desenvolvimento das sociedades. A chave para derrotar a fome está em concentrar esforços para se saber tanto o que pode ser feito como também onde devem ser removidas as barreiras e expandidas as oportunidades.

            A conscientização dos jovens - que representam cerca de 18% do total de 6 bilhões de habitantes do Planeta - quanto à gravidade do problema da fome e da subnutrição, e das suas conseqüências desastrosas para o futuro da humanidade, pode ser um dos vetores de ação.

            A FAO tem reafirmado que “qualquer estratégia destinada a erradicar a fome deve basear-se em dois objetivos principais: aumentar a produção de alimentos para dar de comer a uma população mundial cada vez maior; melhorar as condições de vida para que todos possam dispor do mínimo vital em matéria de alimentação”.

            Isso significa que os países em desenvolvimento, os mais afetados pelos problemas da fome e da subnutrição, devem dedicar uma atenção muito maior ao setor agrícola se quiserem reduzir a pobreza.

            Neste Dia Mundial da Alimentação...

            O Sr. Osmar Dias (Bloco/PDT - PR) - Concede-me V. Exª um aparte, Senador?

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Pois não, Senador Osmar Dias.

            O Sr. Osmar Dias (Bloco/PDT - PR) - Senador, gostaria de contribuir com o seu pronunciamento exatamente nesse ponto em que V. Exª faz menção ao que propõe a FAO. Fomos até surpreendidos, no dia de hoje, com a notícia de que a reunião de cúpula que estava programada para novembro, em Roma, poderá ser adiada por decisão do Conselho - composto pelos países integrantes daquela reunião de cúpula -, em função do terrorismo, que hoje assusta o mundo todo. Essa seria uma medida de cautela e de prudência. A FAO a está analisando e poderia até mesmo adotá-la, adiando a reunião de cúpula para o próximo ano. Nesse ponto do pronunciamento de V. Exª, está centrado um problema: se dividíssemos o alimento existente no mundo hoje por todos os habitantes, como eu disse no meu pronunciamento, haveria um superávit de calorias, ou seja 2.760 calorias por habitante. A cada ano, nascem aproximadamente 90 milhões de pessoas no mundo, o que seria um problema fácil de ser resolvido se elas nascessem próximas às regiões produtoras ou estivessem em condições de receber esses alimentos pela sua condição de vida. Mas 98% desses novos habitantes nascem em regiões pobres, representadas principalmente pelos países asiáticos e africanos, onde a fome é muito mais intensa. Não podemos nos esquecer de que, na América Latina, a fome também é um problema muito grave. E o Parlamento Latino-Americano apontou como causas desse problema a corrupção e o narcotráfico, que devem ser combatidos com rigor, principalmente nessa parte do mundo. Era essa a contribuição que gostaria de oferecer ao seu pronunciamento, no momento em que cumprimento V. Exª por estar abordando esse tema, como o faz todos os anos, no Dia Mundial da Alimentação, para apresentar sugestões, opiniões e contribuições. Parabéns!

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Isso se dá muito por inspiração de V. Exª, que realiza aqui um trabalho em favor dessa causa, que não é só nossa, mas é dos brasileiros, de todo o mundo civilizado e de todos aqueles que acreditam que um ser humano não pode viver nas condições em que oitocentos milhões se encontram hoje em muitos países, passando fome e morrendo.

            Para concluir, Sr. Presidente, neste Dia Mundial da Alimentação, quero reafirmar que a nossa geração tem de enfrentar com mais vigor o enorme desafio de reduzir a fome e a subnutrição em nosso País. Só assim nossas crianças e nossos jovens terão direito a um futuro melhor e o Brasil poderá, neste novo milênio, ser uma Nação socialmente mais justa.

            Esperamos que aquela declaração histórica das Nações Unidas, a declaração do milênio, possa ser cumprida à risca em nosso País, que crianças não passem fome, que homens e mulheres tenham direito a um prato de comida, a uma vida digna e decente, tenham direito a educar seus filhos e a disputar o mercado de trabalho em igualdade de condições com todos os brasileiros.

            Lamentavelmente, a política imprimida em nosso País nos últimos tempos concorre para que a fome e o desemprego aumentem e o desespero chegue às famílias brasileiras. É uma política econômica que evidencia a superioridade do mercado financeiro, esse mercado invisível, esse senhor todo-poderoso, esse imperador que domina todas as Nações fracas em nome de uma personalidade que não existe para as pessoas realmente humanas: o lucro. O lucro, a ambição e a ganância estão destruindo a paz universal e contribuindo para o recrudescimento da fome no Brasil e no mundo.

 

            


            Modelo14/29/247:16



Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/2001 - Página 24795