Discurso durante a 135ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do Dia Mundial da Alimentação.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comemoração do Dia Mundial da Alimentação.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2001 - Página 24798
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, ALIMENTAÇÃO, ANALISE, PROBLEMA, FOME, MUNDO.
  • CRITICA, OCORRENCIA, TERRORISMO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ADIAMENTO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, AMBITO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), REFERENCIA, FOME, MUNDO.
  • ANALISE, GRAVIDADE, FOME, DESNUTRIÇÃO, POPULAÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ESTADO DA PARAIBA (PB), CARENCIA, AGUA, IMPOSSIBILIDADE, IRRIGAÇÃO, AGRICULTURA, FALTA, ALIMENTOS, POPULAÇÃO.
  • ANALISE, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, ELABORAÇÃO, POLITICA, ERRADICAÇÃO, POBREZA, DISPARIDADE, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, FOME, BRASIL.
  • ANALISE, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, ASSISTENCIA, POPULAÇÃO CARENTE, DEFESA, IGUALDADE, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PAIS, POSSIBILIDADE, SOCIEDADE, ACESSO, ALIMENTOS, RECURSOS.

  SENADO FEDERAL SF -

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            | O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Dia Mundial da Alimentação, comemorado hoje, dia 16 de outubro de 2001, encontra o mundo mergulhado em um caos quase absoluto, onde o divisor de águas foram os episódios de 11 de setembro último. Depois daquele dia, o mundo jamais será igual ao que era, exceto pela permanência e pelo agravamento de alguns problemas que, historicamente, têm afrontado a dignidade humana. Entre esses, destaca-se a fome crônica, pela face de horror que apresenta e que parece assumir proporções cada vez mais gigantescas, desfigurando o rosto inocente da infância, ceifando vidas cada vez mais jovens e atormentando, com seu fantasma, aqueles que deveriam ser os dias serenos da velhice.

            Os atentados terroristas ocorridos nos Estados Unidos e os seus desdobramentos no plano internacional foram decisivos para determinar o adiamento do Encontro Mundial sobre a Fome no Mundo, programado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, a FAO, para o mês de novembro próximo, em Roma. Em nota à imprensa, a FAO comunica que o evento só deverá ocorrer em junho de 2002, de acordo com decisão dos quarenta e nove países membros que integram o Conselho da Instituição.

            Todavia, não poderíamos permitir que o Dia Nacional da Alimentação, dia 16 de outubro, transcorresse sem que o Senado brasileiro abrisse espaço em sua agenda para uma profunda reflexão a respeito do tema, senão pela importância da fome no mundo, pelas suas proporções assustadoras que ela assume no Brasil, especialmente nas Regiões Nordeste e Norte e nas periferias inchadas das grandes cidades.

            É interessante lembrar que, inicialmente, o conceito de segurança alimentar foi desenvolvido em termos militares, considerando a auto-suficiência de um país na produção de alimentos. Entretanto, o conceito de que a produção física de alimentos, aliada ao armazenamento estratégico, seria capaz de garantir o abastecimento interno, em breve, foi superado.

            A análise dos últimos anos demonstrou que a produção agrícola cresceu de forma a garantir, pelo menos teoricamente, a alimentação de toda a população mundial. Vão longe as previsões sombrias de que não teríamos condição de alimentar a população humana por causa de seu crescimento. Mas a realidade evidenciou que o aumento na capacidade de produção mundial de alimentos era insuficiente para resolver o problema da fome. Assim, o conceito de segurança alimentar foi refinado, incorporando a necessidade de acesso a esses alimentos pela população mais carente.

            Muitos aqui podem não imaginar como a fome é tétrica, é negra, é revoltante. Lembro-me, em meu tempo de estudante, que comia em restaurantes universitários. Mas, aos sábados e domingos, esses restaurantes estavam fechados, e eu, às vezes, não tinha o dinheiro para ter uma alimentação condizente. Lembro-me da revolta que me dava de passar em frente a um restaurante e ver as pessoas se alimentando bem, enquanto eu passava dificuldades no Rio de Janeiro. Eu era um pouco orgulhoso e não queria pedir dinheiro à minha família. Portanto, por essa tênue passagem de perto pela fome, sei o que isso significa. Fico imaginando, então, o que causa àqueles que não têm alimentos por muitos e muitos dias!

            Curiosamente, no Brasil, a tendência de maior pobreza e, conseqüentemente, de maior carência nutricional ocorre no meio rural, justamente entre aquele segmento da população ligada à agricultura. Entre as regiões, o Norte e o Nordeste apresentam os maiores problemas relacionados ao acesso à alimentação, e, nessas regiões, o meio rural é o mais seriamente comprometido.

            O Mapa da Fome mostrou, em 1993, que o Nordeste continua apresentando índices extremamente elevados de indigência, com todas as suas conseqüências, entre as quais a fome e a desnutrição da população atingida. Índices menos elevados, mas também presentes em outras regiões, mostram que o País conserva bolsões de miséria em todo o seu território. Nas zonas mais populosas, como as das áreas metropolitanas no Sudeste, o número de famílias em condição de pobreza extrema é significativo.

            Contudo, é na área rural que, proporcionalmente, a indigência mostra-se mais severa. Os índices de mortalidade infantil e os indicadores de peso e altura de crianças até cinco anos confirmam o que foi demonstrado no Mapa da Fome, colocando o Nordeste brasileiro em uma situação inaceitável, principalmente sua área rural.

            Há poucos dias, o Senado da República fez um documentário sobre a seca no Nordeste. O meu Estado da Paraíba é o que em pior situação se encontra em relação à face hídrica. Não temos nenhum rio permanente. Há cidades em que, há dois anos e meio, não há água, a não ser a transportada por carros-pipas.

            Se não temos água sequer para beber -- água potável, sem microorganismos, água translúcida, que não tenha quantidade excessiva de sais minerais --, como poderemos ter agricultura e, conseqüentemente, alimento para as pessoas? Os cidadãos sobrevivem graças a uma cesta básica - quando lembramos que ela supre as necessidades de apenas um mês, sentimos vergonha de ser brasileiros -, que nem sempre é regular. Além do mais, essa cesta básica cria distorções. Isso porque o pobre do bodegueiro, que ainda a está comercializando, mesmo naquela região de miséria, pode falir se não houver quem a compre. Ou seja, inibe o comércio local.

            Considerei muito sábia a idéia de se pagar em dinheiro, porque isso incentiva o comércio local. Além do mais, o cidadão só compra o que lhe falta. Não resta dúvida de que também o Bolsa-Escola e vários outros programas do Governo vão criar um grande alívio com esse auxílio. Parece pouco R$15, mas quem não tem essa quantia sabe o que ela significa.

            Sei que o Governo tem feito tudo o que pode, mas ainda é muito pouco, considerando o País em que vivemos; considerando que temos 20% das terras aráveis do mundo. É inadmissível, num País como o nosso, haver pessoas que não têm o que comer ou que não têm comida para dar aos seus filhos.

            Vi, em algumas casas, pessoas comendo as folhas mais novas da palma. O animal já reluta em comê-las, mas há brasileiros que estão comendo palma ou raízes -- e há alguns que nem isso!

            É triste, é muito triste, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estarmos passando por uma situação dessa no século XXI, no País da promissão.

            Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é doloroso constatar a atualidade desse famigerado Mapa da Fome, que foi elaborado em 1993 e, quase uma década depois, continua atual, o que testemunha a ineficácia e, na maioria das vezes, a quase ausência de políticas públicas consistentes para a erradicação da pobreza e da excessiva concentração de renda.

            Conforme pesquisa apresentada pela Fundação IBGE, “o País termina o século marcado pela permanência da desigualdade: na década de 90, o rendimento dos 10% mais ricos e dos 40% mais pobres cresceu 38% (passando de 13,30 salários mínimos para 18,40) e 40% (da fração de 0,70 salário mínimo para 0,98) -- menos que um salário mínimo --, respectivamente, mantendo inalterada a elevada concentração da renda na sociedade brasileira”.

            Essa concentração de renda peculiar da sociedade brasileira constitui-se em um dos principais causadores da manutenção de um quadro de desnutrição crônica nas populações pobres.

            É importante observar que muitas das epidemias de fome são causadas por guerras ou grandes desastres naturais, geralmente apresentando caráter esporádico. Entretanto, existe um outro tipo de fome, crônica, que é tão ou mais devastadora do que a primeira. Essa fome, na ausência de guerras ou de calamidades naturais, é a que persiste no Brasil ainda hoje. Estudos realizados nos últimos anos não indicam falta absoluta de alimentos no País, mas dificuldades de acesso, causadas principalmente pela má distribuição da renda e da falta de políticas sociais voltadas para a segurança alimentar.

            Segundo o Panorama Atual da Segurança Alimentar no Brasil, publicado pelo Ibase, existe uma causa fundamental para a insegurança alimentar no Brasil: a incapacidade de acesso. Isso se dá especialmente pela falta de poder aquisitivo de uma parcela não desprezível da população para adquirir os alimentos de que necessita. Mas existem outras faces desse mesmo problema. É também a falta de acesso aos bens de produção, na área rural, principalmente para aqueles que não têm terra. E, em uma outra dimensão, a falta de acesso aos serviços públicos (água, esgoto, educação e saúde), que têm impacto sobre a segurança alimentar, e a falta de acesso à informação, instrumento básico para aqueles mais vulneráveis à fome e à desnutrição.

            Outros problemas também ameaçam a segurança alimentar e nutricional no Brasil. De um lado, o crescimento das importações de alimentos, deixando a cidadania alimentar do País ameaçada. De outro, a falta de sustentabilidade do sistema alimentar. Por último, a imposição de um padrão alimentar inadequado e que ameaça valores culturais de grande riqueza na nossa alimentação.

            O Brasil é signatário dos principais acordos internacionais sobre alimentação, os quais identificam o acesso ao alimento como um direito básico do ser humano e matéria concreta de justiça social. 

            Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos determine como direito humano o acesso a uma boa alimentação, os instrumentos legais para o cumprimento dessa determinação ainda são precários.

            A maioria dos peritos considera que existem alimentos em quantidade adequada para atender à população existente e que a desnutrição e a fome não são imperativos da natureza, mas conseqüências de conflitos políticos e descaso dos governantes.

            Assim como os crimes de exploração de menores, destruição do meio ambiente, escravagismo, a fome necessita ser combatida com instrumentos legais fortes, adequados à magnitude do problema.

            Dessa forma, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso internalizar, trazer para as diferentes regiões brasileiras as conquistas e os avanços preconizados pelos tratados internacionais endossados pelo Brasil. Garantir o acesso de cada brasileiro a alimentos de qualidade passa inclusive pela efetivação de políticas especiais para as populações de renda zero e os grupos biologicamente vulneráveis.

            Nesse contexto, se considerarmos a persistente exclusão social e as dificuldades orçamentárias indispensáveis à garantia dos programas de cestas básicas, carros-pipas, frentes de trabalho, renda mínima, bolsa-escola e merenda escolar, os brasileiros continuam tendo pouco a comemorar.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo111/24/248:53



Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/2001 - Página 24798