Discurso durante a 135ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do Dia Mundial da Alimentação.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comemoração do Dia Mundial da Alimentação.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Republicação no DSF de 18/10/2001 - Página 25492
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, ALIMENTAÇÃO.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, ESTUDO, REALIZAÇÃO, ENTIDADE, CIDADANIA, FORMA, ERRADICAÇÃO, FOME, BRASIL, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROJETO, MELHORIA, RENDA, CRIAÇÃO, EMPREGO, REFORMA AGRARIA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, AUXILIO, ESTUDANTE, REDUÇÃO, PREÇO, ALIMENTOS.
  • SOLICITAÇÃO, REGISTRO, PROGRAMA, ERRADICAÇÃO, FOME.
  • DEFESA, IMPLEMENTAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, POLITICA, AUXILIO, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO, OBJETIVO, ERRADICAÇÃO, FOME.

  SENADO FEDERAL SF -

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SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) -- Sr. Presidente, Senador Ramez Tebet, Srªs e Srs. Senadores, é com satisfação que recebemos nesta Casa D. Mauro Morelli e demais membros da CNBB e o representante da FAO, Sr. José Tubino.

            Hoje, todos estiveram na cerimônia realizada no auditório Petrônio Portella, por iniciativa do Instituto de Cidadania, presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, na apresentação do Projeto Fome Zero.

            Neste Dia Mundial da Alimentação, é com grande satisfação também que participamos desta homenagem, requerida pelo Senador Osmar Dias, para que reflitamos a respeito de como erradicar a fome e a pobreza em nosso País e no Planeta Terra.

            Sr. Presidente, foi da maior importância o esforço notável empreendido pelo Instituto de Cidadania - mais de um ano de trabalho em equipe, conforme o Senador Pedro Simon já assinalou -, que chegou à conclusão de que são necessários inúmeros programas para atacar o problema da fome da população brasileira, que, hoje, atinge, pelo menos, 44 milhões, dos 170 milhões de brasileiros.

            Segundo o diagnóstico apresentado por aqueles que colaboraram no Instituto de Cidadania, o objetivo da segurança alimentar do Fome Zero poderá ser alcançado por um número de programas e ações específicas que envolvem desde a melhoria na renda, com políticas de emprego e renda, de reforma agrária, previdência social universal, programas de bolsa escola, renda mínima e microcrédito, a programas que envolvem o barateamento da alimentação, como as iniciativas de restaurantes populares, convênios com supermercados e sacolão, canais alternativos de comercialização, equipamentos públicos, PAT, cooperativas de consumo, aumento da oferta de alimentos básicos, com apoio à agricultura familiar, incentivo e produção para autoconsumo e política agrícola.

            Há, também, a proposição de inúmeras ações específicas, nas quais se concentraram os responsáveis maiores pelo Programa - o economista José Graziano da Silva e a equipe técnica, composta por Walter Belik, Maya Takagi e inúmeros outros colaboradores -, como o cupom de alimentos, a cesta básica emergencial, a merenda escolar, os estoques de segurança, o combate à desnutrição materno-infantil e outros.

            Sr. Presidente, requero a inserção, como parte do meu pronunciamento, da versão sintetizada do Programa Fome Zero, com a introdução feita por Lula.

            Eu gostaria de assinalar alguns pontos que foram objeto da reflexão de Luiz Inácio Lula da Silva. Em primeiro lugar, o objetivo de erradicar a fome e a miséria tem, certamente, o apoio e a simpatia de todos aqueles que desejam a construção de um mundo e de um País civilizado. Para isso, quais seriam os instrumentos mais eficazes? Tenho manifestado algumas dúvidas a respeito da eficiência, por exemplo, das cestas básicas, pois considero que melhor seria prover as pessoas de uma renda garantida.

            No programa hoje apresentado, enfatizou-se a importância do cupom de alimentação, refletindo a experiência dos Estados Unidos nos últimos setenta anos, desde quando o Presidente Franklin Roosevelt, nos anos 30, iniciou os programas de auxílio às famílias com crianças dependentes e de cupons de alimentação. Estes, entretanto, se desenvolveram em maior escala com o Presidente Lyndon Johnson e seu programa de guerra à pobreza, nos anos 60, quando os cupons de alimentação - nos Estados Unidos, chamados de foods stamps - tomaram a forma de imposto de renda negativo, em que o pagamento às pessoas ou famílias cuja renda não atingia determinado patamar era uma proporção da diferença entre aquele patamar e a renda das pessoas, feito na forma de cupons de alimentação que só poderiam ser gastos em alimentos e em determinados estabelecimentos comerciais que os aceitassem.

            Algumas críticas foram feitas ao economista José Graziano sobre por que as pessoas, normalmente, procuram vender os seus vales refeições e transporte e, provavelmente, farão o mesmo com os cupons de alimentação. Isso acontece porque, normalmente, as pessoas procuram aquilo que lhes é mais útil em primeiro lugar e vendem seus cupons ou vales para obter dinheiro. Se, por exemplo, numa residência quebrou a telha e faz-se necessário consertá-la porque começou a chover dentro de casa, aquela é uma primeira necessidade. Se, na semana seguinte, começou a fazer muito frio e não há agasalho ou cobertor, é preciso comprá-los para que as crianças não sintam frio. Se, na outra semana, começa a haver um problema de doença, é preciso se comprar o remédio e aquilo se torna uma primeira necessidade. E assim por diante.

            A garantia de uma renda paga na forma de dinheiro constituirá um grau mais elevado de cidadania. Se fizermos a forma do cupom de alimentação, isso significa uma burocracia adicional, uma complicação que não é necessariamente a melhor. É claro que, do ponto de vista dos agricultores, eles poderão se sentir mais seguros quanto à demanda dos bens que produzem, na medida em que os cupons só podem ser gastos em alimentos, mas notem que se aumentarmos a renda de uma família que receba, digamos, R$100 por mês com mais R$80 em cupons de alimentação, segundo demonstração que o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz incluiu no seu livro Economics, isso não representará qualquer modificação de substituição, mas apenas mais uma complicação administrativa.

            Os economistas que mais têm estudado o problema, sobretudo aqueles que formam a Rede Européia da Renda Básica, consideram que a forma mais adequada de se prover cidadania às pessoas é instituindo-se uma renda básica a todos os habitantes de qualquer nação para que as próprias pessoas possam, então, escolher em que gastar.

            Lula, nas suas observações, mencionou que o país com que sonhamos não é aquele em que as prefeitura concedam às pessoas ou às famílias que tenham fome uma cesta básica ou uma renda mínima, mas onde todo homem ou mulher possa levar para casa uma renda proveniente do seu trabalho.

            Ora, Dom Mauro Morelli, quero, num diálogo muito construtivo com Lula, transmitir-lhe e a todos os brasileiros que precisamos ver a garantia de uma renda básica para todos como algo distinto do direito da pessoa de trabalhar e receber uma remuneração adequada. É preciso que se compreenda que o direito das pessoas de receberem uma renda, como exercício de cidadania, deve ser visto como um direito inalienável da pessoa humana que mora no Brasil, nas Américas ou no Planeta Terra.

            Deve-se garantir essa renda como um direito, incondicionalmente, não importando se a pessoa tem um mês ou 135 anos de idade; se é homem ou mulher; se é amarela, branca, vermelha ou negra; se é homo ou heterossexual; se está casada, solteira, separada, viúva ou o que for; se é rica ou pobre - todas as pessoas devem ter o direito inalienável de participar da renda da Nação e é isso que o meu companheiro, Presidente de Honra do Partido dos Trabalhadores precisa ver e ainda não viu suficientemente.

            Manoel José dos Santos - o Manoel da Serra -, Presidente da Contag, no debate do Sindicato dos Bancários, em São Paulo, lembrou uma frase usada pelo ex-Senador Ney Maranhão por ocasião do debate sobre o Programa de Renda Mínima, para o qual deu seu voto favorável. Trata-se de uma memorável frase de Luiz Gonzaga, que sabia interpretar tão bem os sentimentos do brasileiro: “Uma esmola, seu doutor, ou..."

            A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Senador Eduardo Suplicy, “Doutor, uma esmola, para um homem que é são, ou o mata de vergonha ou destrói o cidadão”.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Então, “uma esmola, Seu Doutor, ou humilha o cidadão ou o mata de vergonha”. Então, a garantia de uma renda, como um direito à cidadania, não deve ser vista como esmola, como caridade; tem de ser vista como um direito à cidadania, o direito de todas as pessoas partilharem do planeta Terra, da riqueza e inclusive daquilo que é produzido na terra que um dia foi propriedade comum de todas as pessoas que viviam no Brasil, de todas as pessoas que vieram para cá, arrancadas de seu território na África, que aqui foram escravizadas, de todas as pessoas que, por ventura, estejam sem terra. Então, a garantia de uma renda tem de ser vista como algo diferente do direito de a pessoa receber um salário. É claro que o direito ao emprego, ao salário é muito importante, e precisamos estar muito atentos em como instituir os mecanismos que levarão a sociedade ao pleno emprego. Mas um dos mecanismos que mais auxiliam, na concepção dos grandes economistas que estudaram esse assunto, como James Edward Meade, James Tobin, Philippe Van Parijs e tantos outros, é justamente a garantia de uma renda mínima que pode ser feita mediante um imposto de renda negativa, mas numa forma ainda mais superior, para extinguir os problemas da armadilha do desemprego e da pobreza e dos problemas de estigma de qualquer sentimento de vergonha. É por isso que espero ainda convencer José Graziano e toda a equipe que aqui propôs o Cupom da Alimentação e o próprio Lula que, ainda mais eficaz e mais dignificante para a pessoa, é o direito a uma renda para todos. Inclusive irão me perguntar: até aos mais ricos? Até àqueles que, no Brasil, são colocados entre os 500 mais ricos do mundo, ou o que seja? Sim, inclusive para eles. Só que eles irão pagar proporcionalmente mais, para que eles e todos os brasileiros venham a receber. E isso está perfeitamente ao nosso alcance. 

            Cumprimento todos que se empenharam no Projeto Fome Zero, sobretudo, o companheiro Luiz Inácio Lula da Silva e toda a sua equipe, porque esse é um debate, conforme Dom Mauro Morelli, tem-nos dito, da maior transcendência e importância, desde quando Josué de Castro escreveu a “Geopolítica da Fome”, e Betinho e Dom Mauro Morelli trabalharam no Projeto de Segurança Alimentar. Mas temos que colocar isso como uma urgência para hoje, para amanhã.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo14/18/2411:33



Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/2001 - Página 25492