Discurso durante a 135ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do Dia Mundial da Alimentação.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comemoração do Dia Mundial da Alimentação.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2001 - Página 24806
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, ALIMENTAÇÃO, NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, DETERMINAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA (FAO), REDUÇÃO, FOME.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, SUPERIORIDADE, PRODUÇÃO, ALIMENTOS, CONSUMO, POPULAÇÃO, NECESSIDADE, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO, REDUÇÃO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • ANALISE, OBRA LITERARIA, JOSUE DE CASTRO, ESCRITOR, NECESSIDADE, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, RETORNO, HOMEM, CAMPO, ERRADICAÇÃO, POBREZA, FOME.
  • NECESSIDADE, DEBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, POBREZA, INCENTIVO, MODERNIZAÇÃO, PRODUÇÃO AGRICOLA, COMBATE, FOME.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, minha presença na tribuna do Senado Federal destina-se, nesta oportunidade, a assinalar a comemoração, hoje, 16 de outubro, do Dia Mundial da Alimentação, o que nos demanda a responsabilidade de, mais uma vez, voltarmos à questão de fome e da miséria.

            A grandiosidade e a dificuldade da luta contra a fome requerem nossa conscientização sobre o problema e tornam nosso dever sensibilizar pessoas e instituições ligadas às áreas da infância e da juventude na busca de caminhos e soluções inovadoras, uma vez que estamos muito longe da meta estabelecida na Cúpula Mundial de Alimentação, qual seja, a de reduzir pela metade as quase um bilhão de pessoas que passam fome, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), entidade das Nações Unidas ligada especificamente ao setor.

            Fome e má nutrição crônica são obstáculos para a vida humana. Quando a pessoa não tem acesso físico ou prático ao alimento seguro, nutritivo e saudável, as conseqüências são desastrosas. No caso de pobres que enfrentam fome e subnutrição a sua má situação é exacerbada com a concomitância de outros problemas, tais como o analfabetismo e o desemprego.

            A comemoração do Dia Mundial da Alimentação fornece uma oportunidade para os governos e outros setores da sociedade civil avaliarem o que tem sido feito e o que tem sido deixado sem fazer no setor, também permite um momento para o diálogo e a mobilização na luta pela erradicação da fome, pobreza e desnutrição.

            Valho-me, pois, do ensejo para trazer à reflexão deste Plenário alguns dados que nos permitem dimensionar a grandeza do problema da fome e da miséria em nosso País e no mundo, assim como expor algumas alternativas que o conhecimento científico e a ação política oferecem para a solução desse problema.

            Cerca de um bilhão de pessoas correm o risco de morrer de desnutrição no mundo. E isso não se deve a qualquer explosão populacional, como vaticinavam previsões apocalípticas de Thomas Malthus, economista inglês do século XIX, feitas no século passado. Em suas teorias, ele previu que o crescimento geométrico da espécie humana esgotaria todas as reservas de alimentos e propôs um severo controle populacional. O colapso malthusiano não aconteceu e não há indícios de que ocorra.

            Especialistas em demografia calculam que a Terra produz, hoje, comida para alimentar, folgadamente, até 8 bilhões de pessoas, e é possível garantir, facilmente, que cada habitante do planeta receba as 2.000 calorias necessárias para a sobrevivência saudável.

            Entre 1950 e 1998, a produção per capita de grãos saltou de 247 quilos, por ano, para 312 quilos; portanto, 26% de aumento, significando apenas 16% na área total cultivada. Enquanto na década de 50 era utilizado 0,23 hectare cultivado por pessoa, hoje se utiliza apenas 0,12. A produção valeu-se da tecnologia agrícola na chamada “Revolução Verde” - uma explosão detonada pelo uso de pesticidas na lavouras e por novas técnicas de irrigação e fertilização. Se há regiões onde se passa fome é porque a distribuição da produção de riquezas é desigual.

            Os vinte países mais ricos concentram 80% da riqueza mundial. O problema é como se distribui toda a comida produzida. Quarenta por cento dos grãos colhidos no planeta são usados para a alimentação de animais como vacas, ovelhas e cabras. A quinta parte mais rica da população mundial tem um consumo 66 vezes superior ao da parte mais pobre.

            Se as previsões malthusianas não se confirmaram, o mesmo não se pode dizer das teses do brasileiro Josué de Castro. As idéias defendidas por ele, há cinqüenta anos, nas obras Geografia da Fome e Geopolítica da Fome, revelam-se extraordinariamente atuais. Para ele, a fome, apesar de constituir fenômeno universal, não traduz uma imposição da natureza.

            Em geral, não são as condições naturais que conduzem os grupos humanos à situação de fome, e sim certos fatores culturais, produtos de erros e defeitos graves das organizações sociais em jogo.

            A situação catastrófica que descreve, no Brasil e na América em geral, só pode ser explicada por meio de fatores socioculturais e não por qualquer determinismo “natural”. Assim, a solução para romper com os grilhões da pobreza e da fome - propunha o autor - só se poderia concretizar com a alteração substancial das estruturas rurais então vigentes, ou seja, a reforma agrária, encarada como uma necessidade histórica e concebida como sendo “uma revisão das relações jurídicas” entre aqueles que detinham a propriedade da terra e os trabalhadores agrícolas.

            O nosso autor preocupava-se com as causas da fome e as buscava na história do Brasil e da América, da Ásia, da África. Perguntamos, Sras. e Srs. Senadores: o que mudou de lá para cá? Entre nós, muito e nada. Não se fez a reforma agrária na proporção necessária, o homem do campo foi brutalmente expropriado e expulso, as cidades se agigantaram e empobreceram de forma assustadora; o País se modernizou, é certo, mas os desequilíbrios sociais e culturais se acentuaram; a agricultura se industrializou, aumentando, assim, a capacidade produtiva - embora não distributiva - de gêneros alimentícios.

            Os pobres deixaram seus tradicionais redutos e passaram a acampar nos espaços até então reservados aos ricos; a indústria cresceu e diversificou-se, interiorizou-se o capital internacional. De fato, o Brasil se sofisticou. Aprimoraram-se as formas de exploração e de preservação do poder, mas o País não mudou sua substância política fundamental.

            Talvez as áreas de fome e desnutrição no Brasil não sejam mais as mesmas descritas na Geografia da Fome, embora o nosso Nordeste não tenha mudado nos seus fundamentos, permanecendo coronelista, apesar de modernizado o discurso, com a renda vergonhosamente concentrada, e as secas a dizimarem seres humanos sem dó nem piedade.

            Pode ser considerada correta a afirmação de que a fome localiza-se na região mais pobre do País. Contudo, é necessário acompanhá-la da recomendação para que a produção e a produtividade aumentem justamente nas áreas até aqui consideradas impróprias para a aplicação das técnicas disponíveis pela Revolução Verde e mais ameaçadas por problemas ambientais.

            Não é possível que o modelo de desenvolvimento produtivo seja o mesmo que presidiu a primeira Revolução Verde. Em vez da busca de rendimentos máximos por produto - com a ajuda de insumos químicos - a ênfase deve ser colocada, agora, nos sistemas de produção e em seus complementos internos, na substituição dos insumos químicos, no uso da engenharia genética e nos conhecimentos da ecologia científica.

            Mais do que dominar os meios naturais, o fundamental, agora, é poder conviver com sua diversidade, saber jogar “com” e não “contra” a variabilidade dos sistemas da moderna tecnologia agrícola. Por tal concepção, a modernização agrícola deixa de ser a adaptação local de um paradigma universal de desenvolvimento técnico para transformar-se em capacidade de inserção do desenvolvimento agrícola na dinâmica do meio natural.

            A agricultura, neste sentido, fornece um exemplo em que o crescimento econômico pode não ser o corolário daquilo com que nos acostumamos cada vez mais a identificar: a exclusão social.

            Somente a discussão profunda dessas possibilidades pode fornecer alternativas estruturais para o problema da fome em nosso País.

            Por mais meritórias que sejam as iniciativas assistenciais, como a Ação da Cidadania Contra a Miséria pela Vida, do saudoso Betinho, é preciso retomar o debate sobre as estruturas socioeconômicas, que perpetuam a pobreza e a miséria, e conceber um projeto de desenvolvimento agrícola capaz de debelar a fome, pelo conhecimento detalhado, tanto da organização social e técnica da produção alimentar, como das possibilidades e dos limites que o meio natural oferece para sua expansão.

            É inconcebível, Sras. e Srs. Senadores, que a fome e a desnutrição continuem minando cerca de 25 % das pessoas do País, e do mundo. Devemos nos preparar, desde já, para alimentar as 9 bilhões de pessoas que habitarão o planeta em 2030. Hoje, já somos mais de 6 bilhões.

            A batalha contra a fome é, afinal, a única que merece ser sustentada, porque nos leva a preservar a vida e a consolidar as bases da paz.

            Era o que tinha a dizer


            Modelo15/15/248:45



Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/2001 - Página 24806