Discurso durante a 135ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÃO ACERCA DO ULTIMO RELATORIO SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • REFLEXÃO ACERCA DO ULTIMO RELATORIO SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2001 - Página 24894
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • DESCUMPRIMENTO, BRASIL, NORMAS, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), BENEFICIO, CRIANÇA, REFERENCIA, ERRADICAÇÃO, DOENÇA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO.
  • COMENTARIO, DADOS, RELATORIO, DESENVOLVIMENTO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ENTREVISTA, PRESIDENTE, BANCO MUNDIAL, AUMENTO, MORTE, CRIANÇA, RELAÇÃO, ATENTADO, TERRORISMO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AMPLIAÇÃO, RECESSÃO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, PARALISAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS INDUSTRIALIZADO, POBREZA, FOME.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, todos os grandes acontecimentos da história, positivos ou negativos, possuem efeitos multiplicadores. Não fogem à regra os fatos que abalaram os Estados Unidos e o mundo no dia onze de setembro último. As conseqüências daqueles atos não se restringiram às vítimas anuladas pelo fogo ou enterradas sob o entulho, nem se encerraram no dia onze. Continuarão a manifestar-se no futuro sombrio previsto por muitos analistas, especialmente no campo econômico e do desenvolvimento dos países emergentes.

            A desaceleração do processo de desenvolvimento econômico e social aumentará os efeitos desastrosos sobre as crianças nesses países.

            Uma primeira conseqüência do desastre de Nova Iorque em relação à criança, por exemplo, foi o cancelamento, pela Organização das Nações Unidas, da Sessão Especial sobre a Criança da Assembléia-Geral das Nações Unidas, que iria realizar-se durante o mês de outubro, mês dedicado às crianças. O cancelamento priva o mundo de fazer uma análise dos resultados e dos insucessos no campo do atendimento às crianças, com base em agenda estabelecida em 1990.

            Em 1990, chefes de Estado de 71 países reuniram-se nas Nações Unidas para assinar a Declaração Mundial para a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança. Na declaração, cada país comprometeu-se a implantar e cumprir um plano de metas a ser executado até setembro de 2001. O cancelamento do encontro privou o mundo de tomar ciência dos resultados alcançados após uma década de trabalho.

            Os dados do último Relatório sobre o Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas informam que onze milhões de crianças morrem no mundo, por ano, vitimadas pela falta de atenção e de condições básicas de saúde.

            O Brasil, por exemplo, das 23 metas assumidas com o Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF, conseguiu executar somente quatro: redução da incidência de baixo peso ao nascer, redução de óbitos associados ao sarampo, erradicação da poliomielite e aumento da cobertura das campanhas de vacinação. As demais dezenove metas foram apenas parcialmente cumpridas

            Esses dados e observações são suficientes para materializar a gravidade da problemática a ser superada em favor dos menores nos países periféricos. Dias piores virão, caso se confirme a recessão nos países pobres e a queda no ritmo de crescimento nos ricos, em decorrência dos fatos de 11 de setembro, em Nova Iorque. Segundo declarações do presidente do Banco Mundial ao International Herald Tribune, conseqüência direta do ato contra o World Trade Center será a morte de vinte a quarenta mil crianças com menos de cinco anos de idade no mundo e dez milhões de pessoas descerão para uma faixa abaixo da linha de pobreza, cuja linha divisória é um ganho menor de um dólar por dia. Nessas condições, encontrar-se-ia, hoje, mais de “1 bilhão de pessoas, ou cerca de 20% das população mundial”. Nas palavras do presidente, “há uma relação clara entre diminuição da atividade econômica, mortalidade infantil e pobreza”. “Sabemos - afirma ainda o presidente do Banco Mundial - que, por causa dos ataques, o crescimento em países em desenvolvimento vai vacilar, empurrando outros milhões para a pobreza e fazendo com que dezenas de milhares de crianças, morram de desnutrição, doenças e privações”.

            Sr. Presidente, tal perspectiva é estarrecedora. No entanto, nenhuma comoção de massa ou manifestação de países provoca. A morte atinge as crianças a varejo, aos poucos e em espaços distantes, em todos os países, no silêncio dos lares pobres, no isolamento das distâncias, na incapacidade, pela própria constituição, de elas reivindicarem ou reclamarem seus direitos. A criança, debilitada pela fome ou pela falta de cuidados e de afeto, perde a capacidade de chorar, aquieta-se, definha, morre silenciosamente. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, anualmente 108 mil crianças morrem antes de completar o primeiro ano de vida, silenciosamente.

            Apesar dos esforços, dos meios de comunicação de massa, das informações disponíveis e disseminadas, no século XXI, a criança ainda continua vítima de todo tipo de descaso. Morre por falta de afeto, morre por falta de cuidados elementares, morre por falta de comida. Matam-na as guerras, matam-na o desleixo, a insensibilidade, a corrupção, a descontinuidade e o processo de captura dos recursos dos programas a ela destinados.

            Nesse contexto, cabe já alertar para o que pode acontecer com o programa Bolsa-Escola do Governo Federal. É constrangedor ler nos jornais que esse programa, um dos mais promissores concebidos no Brasil para a distribuição de renda, já começa a ter seus recursos desviados por administradores públicos desprovidos de ética e de sensibilidade em relação ao respeito devido aos objetivos estabelecidos para o programa.

            O Bolsa-Escola, aprovado no mês de fevereiro do corrente ano e sancionado pelo Presidente da República em abril, deverá beneficiar cinco milhões e oitocentas mil famílias, dez milhões e setecentas mil crianças, com aplicação de dois bilhões de reais por ano, segundo dados do Ministério da Educação.

            No começo deste mês de outubro, já estão inseridos no programa 3.164 Municípios e outros 1.266 têm seus processos de inserção em andamento no Ministério da Educação.

            Esse desempenho demonstra que a grande maioria dos prefeitos brasileiros entendeu o sentido social e pragmático do programa: assegurar a presença na escola de todas as crianças de seis a quinze anos de idade.

            Um dos grandes instrumentos para a efetividade do Bolsa-Escola é a sistemática descentralizada da aplicação dos recursos. Com envolvimento direto dos Municípios e ativa participação social, os recursos não passam por intermediação, vão diretamente ao beneficiário final: as famílias pobres.

            Que lástima, no entanto, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, que já ocorram tentativas de desvirtuamento do destino dos seus recursos. Trata-se de inaceitável ação, comprometedora do futuro das crianças mais necessitadas, quando não supressora da oportunidade de vida dessas crianças!

            Urge que o poder público seja dinâmico para cortar o mal no seu nascedouro e severo na aplicação das penalidades previstas pela legislação.

            Independentemente de atentados radicais, de recessão econômica, de parada do desenvolvimento ou de cancelamento de sessões especiais das Nações Unidas, há imperiosa necessidade de uma coalizão global em prol das crianças. A imprensa deste dia, dezesseis de outubro, traz a notícia, extraída de relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância, de que cem mil crianças afegãs, neste ano, poderão morrer, de fome.

            Sr. Presidente, esta a verdadeira guerra a ser travada: uma coalizão global em favor das crianças. Essa a guerra contra o terrorismo, contra o mal e em defesa do bem. Um guerra que dispensa os aviões sofisticados, visíveis ou invisíveis, máquinas concebidas, com perfeição e precisão, para matar, para semear a revolta, para plantar o desejo da vingança, para eliminar inocentes e cantar vitória. Zelar pelas crianças, arrancá-las da pobreza, proporcionar-lhes afeto e segurança é desvendar horizontes para uma existência digna, na justiça e na paz. Zelar pelas crianças é uma questão de visão de futuro para as nações, uma questão de sensibilidade e carinho, de decisão política clarividente e improrrogável. As demais guerras são pseudoguerras, nascidas da cegueira política, do desprezo pela ética, gestadas no orgulho e na prepotência.

            Muito obrigado!


            Modelo15/3/248:59



Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/2001 - Página 24894