Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO EX-SENADOR ROBERTO CAMPOS, OCORRIDO ONTEM.

Autor
Roberto Saturnino (PSB - Partido Socialista Brasileiro/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO EX-SENADOR ROBERTO CAMPOS, OCORRIDO ONTEM.
Aparteantes
Iris Rezende, Ricardo Santos.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2001 - Página 24442
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ROBERTO CAMPOS, EX SENADOR, EX-DEPUTADO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO PARA O PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO ECONOMICA (MEPLAN), ELOGIO, OBRA INTELECTUAL, VIDA PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, CRIAÇÃO, GESTÃO, BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES).

            O SR. ROBERTO SATURNINO (PSB -- RJ. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) -- Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero, junto com vários Senadores -- acredito que todos --, homenagear e lamentar essa grande, profunda e enorme perda que o Brasil teve. Perda de um valor extraordinário na política, na ciência econômica, na diplomacia, na literatura, enfim, no pensamento brasileiro.

            Inegavelmente, Roberto Campos foi uma das expressões intelectuais e morais mais elevadas entre os brasileiros dos últimos anos. Foi talvez o mais destacado brasileiro defensor do liberalismo, da filosofia liberal. Mais até do que Eugênio Gudin, que ele considerava seu mestre. Eugênio Gudin foi também um grande brasileiro, porém todas as suas atividades eram voltadas para a ciência econômica, enquanto Roberto Campos foi multidisciplinar, foi um homem de personalidade riquíssima, que abrangeu todos os setores do pensamento brasileiro.

            Ele foi, sim, um liberal verdadeiro, autêntico, especialmente nas últimas fases. Da sua maturidade para frente, ele foi um liberal. Porém, em etapas anteriores, ele teve um pensamento um pouco diferente, o que absolutamente não quebra a sua coerência, pois se trata de uma evolução em direção ao pensamento liberal.

            Conheci Roberto Campos como um intervencionista, um desenvolvimentista -- provavelmente, em termos de pensamento político-econômico, um dos maiores desenvolvimentistas. Não diria o maior, porque Celso Furtado compartilhou com ele de toda essa filosofia e desse campo de ação. Mas Roberto Campos foi praticamente o fundador do BNDES. Apesar de a instituição já existir um pouco antes dele, foi Roberto Campos quem lhe deu vida, que a construiu. O BNDES foi a maior agência desenvolvimentista do Brasil, e Roberto Campos foi o seu criador, o propulsor, o seu grande líder.

            Ingressei no BNDES quando foi realizado o seu primeiro concurso, em 1956. Roberto Campos era o superintendente. E há um episódio, Sr. Presidente, que não quero deixar de relatar. Inscrevi-me nesse concurso, realizei as três provas e fui aprovado, classificado dentro do número de vagas. Por conseguinte, preparei-me para assumir o cargo. Para isso, pedi demissão do cargo que exercia antes, na fábrica da Álcalis, em Cabo Frio. Cheguei ao Rio e tive a notícia de que eu havia sido reprovado na prova de investigação social. Estávamos vivendo o período democrático do Governo Juscelino Kubitschek. Entretanto, um concursado, aprovado nas provas técnicas do BNDES, tinha que ter a ficha vistoriada pelo Dops para obter a liberação. E a minha ficha ficou presa, sob o argumento de que eu era comunista -- fatos esses que o Brasil tanto conheceu. Éramos três: Juvenal Osório Gomes, Ignácio Rangel e eu. Os três, aprovados no concurso do BNDES, ficamos presos na prova de investigação social. Roberto Campos, Presidente do BNDES, foi ao Ministro da Justiça, ao Dops e disse: “Não aceito isso em hipótese alguma. Os moços passaram no concurso, mostraram a sua competência e a sua seriedade. Vou nomeá-los. Apesar dessa reprovação, vou assumir a responsabilidade e vou nomeá-los”. Fomos nomeados e entramos, os três, no BNDES, com o aval do Roberto Campos, que mostrava a face democrática e liberal que ostentou a sua vida toda.

            Mas, assim como foi desenvolvimentista nessa fase, numa outra ligeiramente anterior, ele foi um pouco mais à esquerda. Foi um dos fundadores do Grupo de Itatiaia, juntamente com Hélio Jaguaribe, Roland Corbousier e Guerreiro Ramos, que depois vieram a fundar o Iseb. Primeiro o Ibesp e, depois, o Iseb. Mas tudo começou com o Grupo de Itatiaia, que se reunia no Parque Nacional de Itatiaia para exatamente conversar sobre política, filosofia e economia.

            Roberto Campos era um keynesiano. Ele compareceu à Conferência de Bretton Woods como um dos representantes do Brasil e assumiu aquela filosofia -- porque já era dele --, a filosofia keynesiana, que, depois, veio a negar.

            Sr. Presidente, creio que, na sua juventude mesmo, antes dessa fase, ele chegou até a ser socialista. Por uma razão: em certa ocasião, tivemos um debate na televisão, nós dois, face a face. Ele abriu o debate dizendo o seguinte: “Estão aqui em confronto um socialista convicto -- e apontou para mim -- e um socialista arrependido -- e apontou para ele mesmo”.

            Eu não pedi detalhes, mas ele quis deixar entrever que, na sua juventude, ele havia sido socialista, depois keynesiano, depois desenvolvimentista, e acabou sua vida como um liberal autêntico, verdadeiro, absolutamente coerente e louvável, um homem de um brilhantismo, de uma correção na sua conduta moral que é elogiável, e de uma capacidade de expressão extraordinária. Um homem extremamente criativo, que deixou marcas.

            A sua marca maior, a meu ver, foi o BNDE, que, embora não tenha sido criado por ele, foi formado por ele, essa é a verdade. O BNDE foi formado por Roberto Campos. Depois, ele criou o FGTS e a caderneta de poupança, e houve também criações suas que não deram muito certo: a correção monetária foi uma delas e ele mesmo reconheceu que havia criado um mecanismo altamente inflacionário.

            O fato é que foi uma figura extraordinária da vida brasileira pela sua inteligência, pela sua cultura realmente fora do comum, pela sua honradez, pela sua coerência, pela firmeza com que defendia suas idéias; enfim, é de se lamentar sim, a vida no Brasil fica muito empobrecida com a perda de Roberto Campos. Todos temos obrigação, para com ele e para com a Nação brasileira, de lamentar a sua perda e de homenageá-lo neste momento, transmitindo nossas condolências à família, aos amigos e à Academia Brasileira de Letras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2001 - Página 24442