Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO EX-SENADOR ROBERTO CAMPOS, OCORRIDO ONTEM.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO EX-SENADOR ROBERTO CAMPOS, OCORRIDO ONTEM.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2001 - Página 24444
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ROBERTO CAMPOS, EX SENADOR, EX-DEPUTADO, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO PARA O PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO ECONOMICA (MEPLAN), ECONOMISTA, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ELOGIO, OBRA INTELECTUAL, VIDA PUBLICA.
  • LEITURA, TRECHO, TEXTO, AUTORIA, ORADOR, LIVRO, ROBERTO CAMPOS, MARIO HENRIQUE SIMONSEN, ECONOMISTA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ROBERTO CAMPOS, EX SENADOR, APOIO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Valadares, gostaria de associar-me ao requerimento dos Senadores Waldeck Ornelas e Roberto Saturnino Braga, registrando, inclusive, a forma tão companheira, respeitosa e democrática como o Senador Roberto Saturnino Braga, que tem honrado o povo do Rio de Janeiro, disputou a cadeira do Senado com o ex-Senador e ex-Deputado Roberto Oliveira Campos.

            Senador Roberto Saturnino Braga, eu também divergia muitas vezes do economista Roberto Campos, mesmo antes de estar na vida política. Mas de 1983 a 1987, quando eu era Deputado Federal, foram inúmeras as vezes que compareci ao Senado Federal para assistir - é direito de um Deputado Federal estar aqui nas cadeiras dos Senadores - aos debates dos quais Roberto Campos participava, normalmente com muito brilho. Dialogar com ele era sempre um desafio, mesmo para aquelas pessoas que dele discordavam, pelo seu conhecimento, sua cultura, pela forma como havia estudado os grandes economistas clássicos, como havia convivido com John Maynard Keynes. Ele que, dos economistas brasileiros, foi o que participou da Conferência de Bretton Woods.

            Volta e meia ele dava o seu testemunho daquela reunião, que acabou sendo a origem de organismos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. De fato, ele foi um dos que formularam a idéia de criar o BNDES. E foi importante o registro feito por V. Exª da atitude democrática dele, de não admitir que três economistas da estirpe que V. Exª mencionou não pudessem entrar para o BNDES, de não admitir que fossem barrados, apesar de excelentes economistas que eram, com excelente formação, por questões ideológicas. 

            Quero, portanto, registrar que Roberto de Oliveira Campos foi, para todos nós que estudamos Economia, uma pessoa cujas opiniões e formulações sempre valeu a pena conhecer. Para estarmos assertivamente dizendo aquilo que pensávamos, precisávamos debater com Roberto Campos. Por vezes ele teve diálogos difíceis, ríspidos, no Congresso Nacional, com a nossa querida Maria da Conceição Tavares. Mas debater com ele era algo importante e não se podia deixar qualquer argumento dele para trás. Era preciso enfrentá-lo. Ele, por sua vez, apresentava, com brilhantismo e com fundamento, as suas proposições.

            Em 1973, eu havia concluído o meu PhD em Economia e, em 1974, um dos principais editores de jornalismo do Brasil, editor da revista Visão - hoje editor do jornal O Estado de S.Paulo -, perguntou-me se eu poderia fazer uma resenha, a ser publicada na edição de dezembro daquele ano da revista. Havia acabado de ser publicado o livro A Nova Economia Brasileira, de autoria de Mário Henrique Simonsen e Roberto de Oliveira Campos.

            Sr. Presidente, se V. Exª permitir, farei aqui o registro da resenha que escrevi, em 1974, sobre Roberto de Oliveira Campos e Mário Henrique Simonsen, dois grandes economistas que tinham dado uma contribuição muito relevante. Registro, desde aquela época, o respeito que tinha por ambos, ainda que, por vezes, discordasse das suas posições.

Dois dentre os principais arquitetos da estratégia econômica pós-1964 aqui reaparecem, desta vez juntos, ex-aluno e ex-mestre, primeiro para explicar, à luz dos bons resultados globais nos últimos anos e de dificuldades que se avizinham, as características mais significativas do modelo brasileiro de desenvolvimento; segundo, para expor quais os principais problemas encontrados e os desafios que precisarão ser enfrentados; terceiro, para apresentar uma formulação política que garanta que o sistema econômico possa continuar com as suas características básicas de livre empresa, de respeito à propriedade privada e de uma “economia associativa de mercado, em que se reconhece a importância da ação do Governo mas não se desconhece a função dinâmica da iniciativa privada”.

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Enquanto Mário Henrique Simonsen trata sobretudo dos problemas econômicos de um ponto de vista técnico, Roberto de Oliveira Campos volta sua maior atenção aos aspectos político-sociais e à moldura institucional do Brasil presente. Simonsen analisa especificamente as diretrizes da política de crescimento aplicada desde 1964, a política antiinflacionária, a imaginação reformista, o esforço educacional e os principais desafios a enfrentar: a distribuição de renda, a explosão demográfica, o fortalecimento da poupança e a manutenção de altas taxas de crescimento das exportações. Campos trata dos dilemas da mobilização de recursos, das motivações políticas, ideológicas e econômicas, da ameaça de colapso político mesmo após a arrancada econômica, dos percalços da experiência brasileira de planejamento, da superação de controvérsias - que parecem ter sido substituídas por novas controvérsias - e da opção política brasileira.

Extravasa em ambos os autores, porém, uma preocupação primordial: a preservação dos principais elementos institucionais do modelo atual. Segundo ambos, o país escolheu definitivamente desenvolver-se sob um regime capitalista, onde a livre empresa desempenha um papel significativo e onde se firmou uma boa convivência entre a empresa privada nacional, a empresa estatal e a empresa estrangeira. Graças a um estável regime político, o clima de confiança do investidor atingiu grau sem precedentes desde o término da II Guerra Mundial, o que se pode atestar pelos vultosos programas de investimento das empresas nacionais e estrangeiras e pelo extraordinário afluxo de capitais de empréstimo e de risco. O objetivo importante agora é “institucionalizar essa estabilidade”, que, segundo reconhecem, foi “acompanhada de um certo grau de autoritarismo e coerção”. Assim, o livro procura analisar objetivamente as perspectivas e obstáculos, bem como o ritmo e as formas possíveis de institucionalização política, de modo a evitar tanto o “relapso da anarquia social” como um eventual “risco de descompressão".

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Mário Simonsen (...) e Roberto Campos defendem enfaticamente a filosofia do “produtivismo” em contraposição ao “redistributivismo”, dilema que o II PND do Governo Geisel fez questão de rejeitar, ao expressar que não aceita a “teoria de esperar o bolo crescer” para resolver o problema da distribuição. Os autores procuram convencer o leitor de que é preciso ter como prioridade básica o crescimento acelerado do produto real e aceitar, como ônus de curto prazo (o qual não esclarecem a quantos anos ou décadas corresponde), a permanência de apreciáveis desigualdades individuais de renda. Aceitam, com uma dose muito leve de crítica, que a principal causa das desigualdades de renda provém das diferenças no nível educacional. Para resolver o problema, advogam medidas tais como: “o alargamento da rede gratuita de ensino e a criação de fontes de renda individual, não disponíveis para consumo imediato, mas associadas a um mecanismo de poupança forçada para a acumulação patrimonial, como o FGTS e o PIS”, ou ainda “uma estratégia global de desenvolvimento, a ampliação da oferta de empregos e de oportunidades educacionais e a reorientação regional de investimentos”.

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Talvez porque tenham ajudado a moldar as leis e a forma do sistema econômico existente na última década, cujos resultados foram extraordinários para os 20% ricos (excepcionais para os 5% mais ricos) e apenas modestos para os 80% mais pobres, Campos e Simonsen se mostram grandes defensores do atual sistema.

            Sr. Presidente, peço seja transcrita, na íntegra, esta leitura.

            Gostaria de dizer que, mesmo quando aqui apresentei alguns dos projetos de lei sobre os quais mais me empenhei, tive o cuidado de procurar o Senador Roberto Campos, depois Deputado Federal, para com ele dialogar, inclusive sobre o Programa de Garantia de Renda Mínima. Conversamos longamente, almoçamos juntos aqui no Senado, e ele me falou o quão estava de acordo com a proposta, ressaltando que Friedrich von Hayek, Milton Friedman e outros eram também favoráveis. Ele, inclusive, veio a escrever um artigo a respeito, em 1994, que está publicado não apenas na Folha de S.Paulo mas também na Antologia do Bom Senso.

            Sr. Presidente, agradeceria também se pudesse, como parte do meu pronunciamento, mas em homenagem ao ex-Deputado e ex-Senador Roberto Campos, ser transcrito o seu artigo Renda Mínima Garantida ou os Perigos da Inocência.

            Gostaria também de transmitir à sua senhora, D. Maria Stella, e aos seus três filhos, Sandra Tereza, Roberto e Luiz Fernando, o sentimento de pesar, o que faço também em nome do Partido dos Trabalhadores, por uma pessoa que, embora discordando de nós, contribuiu efetivamente para a evolução do pensamento econômico brasileiro.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2001 - Página 24444