Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Dia do Médico, defendendo a interiorização da saúde.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SAUDE.:
  • Homenagem ao Dia do Médico, defendendo a interiorização da saúde.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2001 - Página 25548
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, MEDICO.
  • ANALISE, DESIGUALDADE REGIONAL, DISTRIBUIÇÃO, MEDICO, FACULDADE, MEDICINA, BRASIL, PREJUIZO, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.
  • COMENTARIO, EXERCICIO PROFISSIONAL, MEDICO, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, PERU, COLOMBIA, ATUAÇÃO, REGIÃO NORTE, ESTADO DE RORAIMA (RR).
  • APOIO, PROGRAMA DE INTERIORIZAÇÃO, SAUDE, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MUNICIPIOS, ANALISE, IMPORTANCIA, MEDICINA PREVENTIVA.
  • SOLICITAÇÃO, AUTORIDADE, POS-GRADUAÇÃO, MEDICINA, BRASIL, CONTRIBUIÇÃO, MELHORIA, ENSINO, UNIVERSIDADE FEDERAL, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO CENTRO OESTE.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE BOA VISTA, ESTADO DE RORAIMA (RR).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com muita emoção, ocupo esta tribuna para prestar uma homenagem à classe médica do Brasil.

            O Senador Sebastião Rocha, que, como eu é médico e me antecedeu, falou de maneira sucinta sobre a realidade do médico e da medicina no País e eu gostaria de tecer mais alguns comentários.

            Sinto-me honrado, como Parlamentar e como médico, em poder, desta tribuna, cumprimentar os colegas médicos de todo o Brasil e, em nome deles, agradecer as manifestações de carinho e reconhecimento que nos presta neste dia a sociedade brasileira.

            Aproveito a oportunidade para expressar minha inquietude, porque, passados 500 anos do descobrimento do nosso País, em pleno século XXI, ainda não equacionamos a questão da distribuição do atendimento médico a todos os rincões do Brasil, embora nossas universidades titulem mais de 7 mil médicos a cada ano. Temos mais médicos do que o necessário, segundo dados da própria Organização Mundial de Saúde, porém, as regiões Norte e Nordeste, que possuem juntas mais da metade dos Estados brasileiros e um terço da população nacional, dispõem tão somente de 17% dos profissionais de saúde do Brasil, fato que contribui para o comprometimento da qualidade de vida da população de hoje e das futuras gerações.

            É comum vermos na televisão, lermos nos jornais e ouvirmos nas rádios que muitos Municípios do Brasil não têm sequer a presença de um único médico. Isso, em pleno século XXI, considerando que o Brasil tem, repito, mais médicos do que o necessário na correlação população/número de médicos, é um fato que nos entristece e demonstra o quanto as autoridades brasileiras têm levado pouco a sério um dos maiores problemas para a população pobre que vive nos municípios distantes neste País.

            Essa carência da presença de médicos, na região Norte sobretudo, tem motivado a imigração de profissionais da saúde de países irmãos, como Cuba, Peru, Colômbia, dentre outros, solucionando parcialmente a questão do atendimento, mas causando uma série de outros embaraços, tanto para os profissionais brasileiros quanto para esses profissionais dos países irmãos, com relação à compatibilidade de formação e ao reconhecimento do currículo desses profissionais. Quero registrar que Roraima, por exemplo, talvez seja o único Estado do Brasil cujos municípios, sem exceção, possuem pelo menos um médico. E isso se dá graças à presença de médicos cubanos, peruanos e colombianos, porque o médico brasileiro, infelizmente, é formado dentro das próprias escolas com uma visão cada vez mais elitista, mais especialista e portanto não tem por que ir para regiões distantes como o Estado do Acre, de Roraima, Rondônia e tantos outros Estados distantes deste País.

            Verifica-se que as escolas médicas estão concentradas nos grandes centros urbanos do Sul e Sudeste, atraindo alunos cuja origem social é primordialmente dessas regiões, tendo como imagem objetivo a especialização, a alta tecnologia, os salários atrativos, a facilidade de emprego, a sociedade de consumo, circunstâncias que favorecem seu distanciamento das áreas urbanas mais desprovidas e mais carentes deste País.

            Há 92 escolas médicas hoje no País, sendo, vejam bem, 50 na região Sudeste - só nesta região, constituída de quatro Estados apenas -, 19 na região Sul, 14 na região Nordeste, 5 na região Centro-Oeste e apenas 4 na região Norte, região onde está a Amazônia, representando, portanto, mais da metade da área territorial deste País e onde vivem mais de 20 milhões de habitantes.

            E esses cursos oferecem cerca de 8.500 vagas, com uma concentração de 5.500 só na região Sudeste. Vejam bem: de 8.500 vagas por ano, 5.500 são apenas na região Sudeste. Isso é realmente uma desproporção, uma demonstração de que este é um país desigual, um país sem um planejamento estratégico, um país onde não se pensa sequer em levar igualmente a saúde a todos os cidadãos brasileiros.

            Destaque-se que as possibilidades impulsionadas continuamente pelo avanço tecnológico fazem com que a formação médica hoje oferecida se volte prioritariamente para especialidades, sustentando, com essa tendência, a grande carência de profissionais capacitados a solucionar não só os problemas mais prevalentes, mas também a desenvolver ações voltadas à proteção e à promoção da saúde. Com isso, os profissionais procuram fixar-se nos grandes centros urbanos, onde está concentrada a maioria dos serviços de alta complexidade das unidades hospitalares e dos planos privados de saúde. Registre-se que a grande maioria dos Municípios brasileiros tem menos de trinta mil habitantes e a maior parte deles não tem, sequer, um médico para prestar assistência.

            Em recente esforço para resolver esse problema, o Governo Federal criou o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde, concebido para atender às populações de Municípios desprovidos ou com precários serviços médico-sanitários, com a lotação de médicos e enfermeiros em seus territórios, mediante a oferta de incentivos financeiros - era um salário realmente atraente - e de formação profissional aos participantes, buscando impulsionar e reorganizar a atenção básica de saúde no País e fortalecer o Programa de Saúde da Família, que é a base da interiorização da Medicina.

            No Brasil atual, seria mais apropriado dizer que temos um Ministério da Doença, e não um Ministério da Saúde, porque se gasta muito mais com o tratamento do que com a prevenção. Gastamos muito mais com remédios do que com ações preventivas. Às vezes, uma simples ação preventiva, como a presença de um agente de saúde na casa de uma pessoa desinformada, pode evitar que ela adoeça.

            Na primeira fase da implantação desse projeto do Governo Federal de interiorização do trabalho em saúde, em que se objetivou atender a 300 Municípios com pelo menos um médico e um enfermeiro, verificou-se que, em cerca de 15% deles, em especial na região Norte, não houve êxito na alocação desses profissionais. Mesmo com os percalços registrados nessa fase inicial, trata-se de iniciativa que deve ser mantida, incentivada e melhorada para que os serviços de saúde possam chegar, com qualidade, nas áreas de menor concentração populacional.

            No Estado de Roraima, que tenho a honra de representar nesta Casa, a partir de um projeto de minha autoria, plantamos uma semente vigorosa para a descentralização dos serviços de saúde e a formação de profissionais de outras áreas do conhecimento, com a implantação da Universidade Federal de Roraima e do curso de Medicina. E aqui é bom dizer que, na Região Norte, têm curso de Medicina apenas o Estado do Pará, com dois cursos, o Estado do Amazonas, com um curso, e o Estado de Roraima, com outro. Recentemente, foi autorizado um para o Estado do Acre e outro para o Estado de Tocantins. Vejam como é um absurdo que apenas agora esses Estados possam ter funcionando uma escola de Medicina! E não venham me dizer que não se faz a escola de Medicina porque não há condições técnicas para a criação do curso, porque, assim, entra-se num círculo vicioso: “Não se cria o curso porque não há condições técnicas, e não há condições técnicas porque não existe o curso”. Cuba, país de pequenas dimensões, criou em cada província - que equivale a um Estado no Brasil - uma escola de Medicina e incentivou a formação de profissionais voltados para as atenções básicas de saúde. Com isso, alcançou índices sociais na área de saúde que nenhum país da América Latina possui.

            Portanto, urge dotar a Universidade Federal de Roraima - a que me referi - dos meios físicos e científicos adequados para a preparação de profissionais que possam dedicar-se com especialidade às demandas regionais. E aqui caberia um apelo às grandes universidades brasileiras: seria importante que seus doutores e mestres permanecessem durante um mês, pelo menos uma vez por ano, num desses Estados distantes do Norte, do Nordeste ou do Centro Oeste, levando um pouco do seu saber, que foi construído às custas dos impostos de todos nós, brasileiros. Ressalte-se que os cursos de mestrado e de doutorado são financiados pelo Governo - leia-se: financiado pelo povo brasileiro. Então, é um apelo que faço, no Dia do Médico, aos profissionais das grandes universidades brasileiras situadas no eixo Sul-Sudeste, para que pensem neste Brasil de maneira diferente, no início deste século XXI.

            Sr. Presidente, essas reflexões que faço, neste Dia do Médico, conhecedor da nossa realidade, como médico atuante que fui e como professor de uma Universidade nascente do extremo Norte do País, trazem-me a consciência de que a classe médica tem uma folha extraordinária de serviços prestados à Nação brasileira - o que a faz verdadeiramente merecedora dos encômios hoje recebidos; contudo, podemos avançar ainda mais na universalização do atendimento médico, proporcionando a todos os cidadãos o recebimento desse serviço essencial ao exercício de sua cidadania, que começa, logicamente, pela saúde e pela educação.

            Ao finalizar, Sr. Presidente, gostaria de deixar um apelo ao Conselho Federal de Medicina e à Associação Médica Brasileira, para que olhem com olhos mais modernos para essa realidade brasileira, fazendo cair algumas barreiras injustas e descabidas que ainda prevalecem. Tais barreiras prejudicam a atuação do médico, dificultando-lhe a ida a esses lugares pequenos e até impedem a abertura de cursos de Medicina, de Enfermagem e Odontologia. Por essa razão, ao parabenizar a categoria, gostaria de desejar que a nossa realidade seja transformada.

            Sr. Presidente, como o dia 21 de outubro cai num domingo, desejo prestar uma homenagem diferente a um jornal do meu Estado, a Folha de Boa Vista, que completa 18 anos naquela data. O jornal tem sido, ao longo dos anos, um veículo de informação e é o mais antigo daquele Estado. E, conquanto eu mesmo tenha divergido, em determinados momentos, de sua linha informativa, quero aqui fazer este registro e reconhecer que a liberdade de imprensa é sempre mais importante do que a opinião dos donos de jornais.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

            *********************************************************************************

            DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

            *********************************************************************************


            Modelo19/26/246:55



Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2001 - Página 25548