Discurso durante a 137ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Dificuldades enfrentadas pelos profissionais do ensino público superior, em greve por reajustes salariais.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. ENSINO SUPERIOR.:
  • Dificuldades enfrentadas pelos profissionais do ensino público superior, em greve por reajustes salariais.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2001 - Página 25607
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • REGISTRO, CONTINUAÇÃO, GREVE, UNIVERSIDADE FEDERAL, OCORRENCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE (UFAC), PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • CRITICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), INEFICACIA, AUSENCIA, ETICA, NEGOCIAÇÃO, GREVE, FALTA, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, BRASIL, ABANDONO, ENSINO SUPERIOR.
  • NECESSIDADE, AUMENTO, PERCENTAGEM, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, RETORNO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, REITERAÇÃO, IMPORTANCIA, UNIVERSIDADE FEDERAL, AMBITO, CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª. MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, mais um dia de greve nas nossas universidades. Em todo o país estão acontecendo manifestações. Em meu Estado, onde também a Universidade Federal do Acre - a UFAC - está paralisada. Na Praça Plácido de Castro realizou-se ato público organizado pelo CEDUP - Comando Estudantil em Defesa da Universidade Pública. A UFAC é um bom exemplo dos malefícios advindos do descaso com o ensino superior público. Não porque esteja entre as maiores ou mais famosas universidades do País. Temos cerca de 9 mil estudantes, 268 professores e condições de trabalho extremamente precárias. Faltam desde o giz até verbas para pesquisa e extensão. E estamos falando de uma instituição que deveria, assim como as demais da região, ter um papel chave no desenvolvimento da Amazônia, como pólo de geração de conhecimento, tecnologia e capital humano capaz de impulsionar o potencial reconhecido internacionalmente e tão displicentemente tratado pelo nosso próprio País. 

            O Congresso Nacional está fazendo seu papel, por meio de vários parlamentares diretamente envolvidos nas negociações e de todos que procuram ajudar paralelamente, para que as soluções avancem. Independentemente dos resultados das manifestações e da reunião realizada ontem com o Governo, há algumas reflexões a serem feitas sobre o acontecimento até aqui. Embora muitos avaliem que esta é mais uma greve, um acerto de contas setorial entre o governo federal e os professores e funcionários do ensino superior, o que assistimos é o momento mais crítico de um problema da mais alta relevância para todos os brasileiros.

            Há um primeiro e notório equívoco de argumento, quando o ministro da Educação fala de si mesmo como o defensor do interesse dos estudantes, motivo pelo qual vinha insistindo em forçar a volta às aulas, usando para isso o instrumento da suspensão do pagamento aos professores grevistas. Um segundo equívoco é a tentativa de justificar essa suspensão como o legítimo direito de "não pagar a quem não trabalha".

            O primeiro equívoco está em confundir a plena vigência do ensino universitário público com o funcionamento vegetativo das universidades públicas, com o ato burocrático de alunos estarem em suas cadeiras e professores à frente. Essa é uma perigosa simplificação. Corresponde a querer melhorar as estatísticas de alfabetização criando exércitos de analfabetos funcionais. Tal simplificação denota - e aí a sua gravidade - uma desmotivação do governo em relação ao papel criador e crítico fundamental do ensino superior público de qualidade num projeto brasileiro de nação desenvolvida e justa.

            O estado de sucata a que chegaram as universidades federais é uma urgência nacional, é uma fragilização temerária das potencialidades do país no cenário global. É preciso coragem de todas as partes diretamente envolvidas para encarar os problemas e fazer o que é necessário, antes que tenhamos queimado irremediavelmente alguns de nossos principais trunfos para crescer: a formação de bons profissionais e de cidadãos responsáveis, a pesquisa e a criação intelectual em todas as áreas.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o governo deveria reconhecer seu erro estratégico de entregar o Ensino Médio e o Superior aos desígnios do mercado. Deveria reconhecer que essa atitude é mais perigosa para o País do que deixar bancos falirem. E se tamanha concessão foi feita ao mundo financeiro - com o socorro monetário torrencial a empresários incompetentes ou francamente delinqüentes - em nome do interesse nacional, o que não deveria ser feito para salvar a educação?

            O segundo equívoco, ainda que sustentado por decisões legais, é a atitude eticamente condenável do governo, quando tenta desqualificar os professores e servidores equiparando-os a gazeteiros que querem ganhar sem trabalhar. Em primeiro lugar, se o governo estivesse realmente interessado em estabelecer uma correta relação entre o emprego dos recursos públicos e o interesse público, não teria deixado, por exemplo, que o salário dos professores universitários chegasse a ser tão flagrantemente desproporcional ao seu preparo, aos seus títulos, à sua competência e à sua responsabilidade na formação profissional e cidadã da juventude. Além disso, teria se empenhado de maneira mais firme e ousada no diálogo e na negociação para evitar que a situação chegasse a esse ponto: mais de 80 dias de greve. Isso prejudica os estudantes? Certamente que sim, mas não apenas isso.

            Não leva a nada querer transformar-se em paladino do interesse estudantil selecionando apenas um dos componentes do problema, como se fosse único ou principal.

            A solução para os erros na política educacional do País começa pela compreensão profunda, por parte dos que estão no poder, do caráter estratégico e prioritário de investimentos na área. E, no caso, investir não significa apenas estabelecer dotações orçamentárias. Significa ter propostas, ter idéias, ter disposição permanente para o diálogo e para uma profunda reforma conceitual, metodológica, operativa. Isso se faz permanentemente e não só quando impasses já chegaram a um tal ponto de saturação que se transformam em greves e tensão.

            De qualquer forma, se analisarmos a questão do ponto de vista estritamente financeiro, é dramática a incapacidade do governo de entender e praticar essa reforma profunda. Conforme a senadora Emilia Fernandes enfatizou neste plenário há poucos dias, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe - Cepal - mostra que as taxas de retorno do investimento em educação são altíssimas, por isso recomenda o incremento de 4% do valor do PIB para a educação a partir do patamar em que o País se encontrar. No caso brasileiro, segundo nos informou a Senadora Emilia, a Cepal estima que se o Brasil fizesse o investimento recomendado teria um aumento potencial de 17% em seu PIB. Hoje o Brasil investe 4,6% do PIB em educação. Elevar esse patamar para 7%, índice indicado pelos fóruns internacionais de educação, significaria um incremento de 24 bilhões de reais.

            Essa inversão, combinada com as atitudes necessárias e patrióticas aqui já citadas, deveria ser o rumo do País para um desenvolvimento consistente e responsável, em benefício de todos os cidadãos. Que Florestan Fernandes, Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darcy Ribeiro e outros iluminados profetas da importância da educação inspirem a todos nós e, principalmente, aqueles que detêm os instrumentos do poder público para induzir essa grande mudança.

            Quero terminar, Sr. Presidente, citando trecho de artigo de Cândido Grzybowski, do IBASE: "a hemorragia em nossas universidades Federais é, num certo sentido, uma facada na própria sociedade civil brasileira. Mesmo mantidas pelo governo, as universidades são por excelência instituições públicas centrais na conformação da cidadania e da participação. Este talvez seja o seu traço mais marcante. Sua autonomia e liberdade são, num certo sentido, sinônimos do grau de autonomia e liberdade de que gozam movimentos e organizações da sociedade civil, mesmo os mais pobres e excluídos, que estão segregados da atual vida universitária. As Universidades são indispensáveis como base de participação e tecido de defesa cidadã, instituições centrais em qualquer democracia. São as Universidades que, por definição, juntam o universal ao específico, o traduzem e o recriam segundo as necessidades e possibilidades locais. Salvemos as nossas Universidades Federais pois isto é fundamental para que o encontro do Brasil consigo mesmo, como Nação, não seja irremediavelmente comprometido."


            Modelo15/18/241:59



Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2001 - Página 25607