Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a confiabilidade dos medicamentos genéricos produzidos no País.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Preocupação com a confiabilidade dos medicamentos genéricos produzidos no País.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2001 - Página 25636
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, AUMENTO, PRODUÇÃO, MEDICAMENTOS, PRODUTO GENERICO, REDUÇÃO, PREÇO, FALTA, SEGURANÇA, QUALIDADE, PRODUTO, MOTIVO, AUSENCIA, CONTROLE, FISCALIZAÇÃO, LABORATORIO.
  • COMENTARIO, PROCESSO, FABRICAÇÃO, VENDA, MEDICAMENTOS, INDUSTRIA FARMACEUTICA, REGISTRO, NECESSIDADE, FISCALIZAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA (ANVISA), QUALIDADE, PRODUTO GENERICO.
  • CRITICA, PROPAGANDA COMERCIAL, MEDICAMENTOS, PRODUTO GENERICO, FALTA, INFORMAÇÃO, RISCOS, PRODUTO, INCENTIVO, ERRO, UTILIZAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, FISCALIZAÇÃO, MEDICAMENTOS, PRODUTO GENERICO, OBJETIVO, BENEFICIO, POPULAÇÃO CARENTE, REDUÇÃO, PREÇO, AUMENTO, QUALIDADE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, ocupando esta tribuna para homenagear os médicos pelo seu dia, tive oportunidade de tecer comentários, fazer uma análise crítica, construtiva da má distribuição dos médicos e das escolas médicas no País. Fiz, inclusive, menção ao fato de que as Regiões Norte e Nordeste juntas têm um terço da população nacional e apenas 17% das escolas médicas. A Região Norte é a mais castigada ainda, porque há apenas dois cursos no Pará, um no Amazonas, um em Roraima e agora, recentemente, foi autorizada a abertura do curso no Acre e também em Tocantins. Na verdade, a política, diríamos assim, de geoestrategia, no que tange ao fato de formar-se médicos em cada Estado, realmente é um desastre no País. A Região Sudeste tem cinquenta escolas de medicina. Então, é realmente necessário repensar a saúde de uma maneira diferente, começando pela raiz.

            Hoje, Sr. Presidente, quero abordar um tema que domina há muito tempo as manchetes das televisões, dos rádios, dos jornais, que é a questão dos medicamentos genéricos. Chega-se ao absurdo de constatar, como o fiz há poucos dias, que um medicamento genérico pode custar cerca de 70% menos do que um remédio de marca. Como médico - e coincidentemente há um médico presidindo a sessão e outro no plenário -, eu indago: será que há confiabilidade numa medicação que chega a custar 70% menos do que um remédio de marca? Quisera eu poder, como médico, dizer ao paciente que tome o remédio genérico porque ele tem a mesma qualidade do remédio de marca. Infelizmente, essa não é a realidade.

            Esse é o tema que quero abordar hoje, Sr. Presidente, salientando a preocupação que tenho, como médico, principalmente com aquelas pessoas que tomam medicação de uso contínuo e que geralmente são as mais carentes - aposentados, pensionistas, pessoas, enfim, que têm seu orçamento comprometido com a medicação. O ideal seria se o Governo pudesse dar uma espécie de bolsa-medicação para esse paciente. Se, pelo menos, tivéssemos condições de dizer que o remédio genérico, no Brasil, está bem, como diz a propaganda - o G de diabetes, o G de hipertensão, o G de tantas outras doenças -, poderíamos estar aqui hoje dizendo à população brasileira que finalmente estamos chegando ao ideal, pelo menos no que tange a essas doenças crônicas que exigem medicação contínua.

            Esse debate nacional a propósito dos medicamentos polarizou-se em torno, basicamente, de duas questões: o preço e a produção de genéricos. É certo que se trata de dois temas da maior relevância para a saúde de toda a população brasileira, especialmente em razão da sua condição socioeconômica. É preciso, porém, não esquecer ou relegar a plano secundário o problema da qualidade dos medicamentos, de idêntica ou maior importância e enorme periculosidade.

            Fabricar uma especialidade farmacêutica, uma substância ativa, é processo complicado que demanda anos e milhões de dólares. Em Saúde Pública, “medicamento é toda substância ou composição possuidora de propriedades curativas relativas a doenças humanas ou animais, assim como todo produto suscetível de ser administrado ao homem e aos animais, a fim de estabelecer um diagnóstico médico ou de restaurar, corrigir ou modificar as suas funções orgânicas”. Já a especialidade farmacêutica é “todo medicamento preparado antecipadamente, apresentado sob uma embalagem particular e caracterizado por uma denominação particular”.

            Depois que uma substância é reconhecida como farmaceuticamente ativa, ela é submetida a uma série de procedimentos de alto rigor científico: recebe uma roupagem farmacêutica ou “forma galênica”; é testada em animais para avaliar a toxidez, se pode prejudicar a formação de fetos, como funciona no organismo e sua complicações; é submetida a ensaios clínicos e, finalmente, é autorizada a sua colocação no mercado, que, no Brasil é concedida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, do Ministério da Saúde (Anvisa).

            É oportuna, portanto, a manifestação recente do Conselho Regional de Medicina acerca da necessidade de que todos os medicamentos tenham garantia governamental, inclusive os genéricos. A indústria farmacêutica brasileira raramente produz um fármaco - vejam bem, a nossa indústria raramente produz um fármaco -, pois adquire o composto químico de produtores, freqüentemente de indústrias localizadas em outros países. A partir daí, essas matérias-primas são manipuladas para ser convertidas em medicamentos, quer sejam genéricos ou não.

            A principal garantia é a análise rigorosa da matéria-prima: o fármaco. Essa análise exige equipamentos e técnicas sofisticadas, essenciais até para saber se o produto comprado é realmente o fármaco correto.

            E aqui faço uma pausa para relembrar os inúmeros escândalos em laboratórios de renome. Cito o caso dos anticoncepcionais, feitos apenas de pó, que levaram a gravidezes indesejadas.

            Então, é muito importante que, neste momento em que se faz uma propaganda desenfreada a favor dos genéricos, tenhamos a sensatez e, acima de tudo, a responsabilidade de exigir também da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, do Governo Federal, portanto, que haja um extremo rigor quanto a essa questão.

            Como não existe produto químico 100% puro, é importante detectar pequenas quantidades de impurezas que podem ter efeito tóxico. Só após reconhecidos esses efeitos, a análise da matéria-prima é direcionada para examinar sua presença.

            Esse controle é extremamente caro e só é viável quando o custo é distribuído para grandes lotes de medicamentos, o que inviabilizaria as microindústrias farmacêuticas e as “farmácias de manipulação” espalhadas pelo País, sem qualquer capacidade de sequer saber se o que misturam é o produto que realmente consta no rótulo.

            É evidente, Srªs e Srs. Senadores, que os problemas da qualidade dos medicamentos produzidos e vendidos no Brasil decorrem das falhas de controle e fiscalização. A Vigilância Sanitária só deveria conceder o registro do medicamento após exame da documentação científica, envolvendo a análise da toxidez e das reações secundárias, além da qualidade apregoada no medicamento. Após o registro, seria efetuada a inspeção na fábrica, para avaliar as instalações, equipamentos e a qualidade técnica da produção, realizada por técnicos devidamente preparados.

            Além do controle da qualidade dos medicamentos produzidos, deveria ser feito o controle da propaganda. Essa é uma questão muito importante. Fico indignado ao ver a quantidade de propagandas sobre medicamentos nos meios de comunicação - televisão, rádio e jornais - com a maior desfaçatez e, apenas no finalzinho, aparece a mensagem curta e rápida: “Não desaparecendo os sintomas, procure orientação médica”. Quer dizer, o laboratório prescreve, faz a propaganda e, só no final, faz essa pequena advertência. Creio que a mensagem deveria ser ao contrário: “Só tome medicação com estrita prescrição médica.”

            Para garantir que a propaganda não seja incompleta, enganosa ou fraudulenta, é preciso ser vigiada. E, nesse particular, é preciso que elaboremos uma legislação mais severa, mais rígida, que possa efetivamente esclarecer, por exemplo, que uma medicação com rótulo de produto natural não interfere nas funções renal, cardíaca ou hepática de um paciente. Muitas vezes, um paciente, por desinformação ou por uma informação enganosa, é levado a consumir essas drogas que são abusivamente propagandeadas na televisão.

            Chamo a atenção para um dado. Há no mercado brasileiro entre 24 a 33 mil marcas de medicamento de fábrica, enquanto Alemanha e Inglaterra têm 15 mil; a Espanha, 14.700; a Itália, 13.200; a França, 7.400; e a Noruega, apenas 1.870. E esses países têm indicadores de saúde muito melhores do que os nossos. Portanto, não é a quantidade de medicamentos que vai garantir a melhoria da qualidade de saúde no País. Verifica-se, portanto, por esses números, que os medicamentos têm sido tratados como se fossem uma mercadoria qualquer, submetidos aos mecanismos da lei de mercado.

            Além dessa proliferação de medicamentos, a verdade é que, Srªs e Srs. Senadores, o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária não está efetivamente implantado no interior do Sistema Único de Saúde. A vigilância deveria ser feita de forma integrada pelos sistemas estaduais de saúde, com pessoal especificamente treinado, constantemente atualizado e dignamente remunerado, dotado dos recursos necessários para o exercício de tão importante atividade. A fiscalização abrangeria o registro de medicamento em toda a sua complexidade, a avaliação técnica da produção, o controle sistemático de qualidade e a eficácia dos medicamentos postos no mercado, a sua biodisponibilidade e a sua bioequivalência, o efetivo controle do conteúdo de suas bulas e da propaganda veiculada pelos meios de comunicação.

            Para que o mercado de um país possa oferecer a seus consumidores uma linha de medicamentos é primordial que uma agência do Estado tenha infra-estrutura perfeita para controlar a fabricação, fiscalizar e monitorar o uso, pois a fabricação de um medicamento deve ser efetuada numa linha de produção igual e com todas as características de segurança e pureza.

            No Brasil, de nada vai adiantar a lei sobre medicamentos genéricos se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa - não encarar com a devida seriedade o problema de controle de qualidade e não montar uma infra-estrutura adequada a fim de que os médicos brasileiros possam nela confiar, e que os cidadãos - os pacientes, como chamamos - possam disso se beneficiar.

            É preciso, ainda, estarmos atentos a uma peculiaridade. Saímos de um sistema que pouco fiscalizava e não podemos cair num extremo oposto. Não podemos, por exemplo, pressionados por opinião mal-informada ou alarmista, criar parâmetros impossíveis de serem cumpridos. É fundamental, ainda, ao rever os medicamentos que podem ser comercializados, estimar seu custo/benefício: não existem medicamentos inócuos - como não existem alimentos sem alérgenos, mais comuns inclusive nos alimentos naturais que nos transgênicos, o que, por analogia, proibiria a venda de todo e qualquer alimento. Sem bom senso, todos os antitumorais seriam proibidos, pois todos também induzem a tumores, ainda que com uma freqüência extremamente baixa.

            Nada, entretanto, nos exime, Srªs e Srs. Senadores, da nossa obrigação em relação à fiscalização dos medicamentos colocados à disposição da população brasileira. É preciso promover mecanismos que assegurem ampla comunicação, informação e educação sobre o uso de medicamentos e é preciso fomentar, também, programas de apoio ao desenvolvimento técnico-científico aplicado à melhoria da qualidade dos medicamentos, buscando para isso a cooperação de universidades e de instituições nacionais e internacionais relacionadas com a aferição da qualidade dos medicamentos.

            Encerro meu pronunciamento, Sr. Presidente, falando como médico, manifestando a minha preocupação sobre esse processo escancarado de propaganda sobre genéricos e similares que estamos a assistir no Brasil. É lógico que nós, médicos, gostaríamos de ver todos os que precisam sendo tratados com medicamento eficiente, barato, e, se possível, gratuito.

            Lembro-me da famosa Central de Medicamentos - Ceme, que o Governo criou exatamente com o objetivo de fornecer à rede pública medicação a preço de custo. Para isso comprava dos próprios laboratórios produtores dos remédios de marca. Mas, por causa de fraudes de natureza administrativa, em licitações, a Ceme foi extinta. Agora, já se fala novamente em ressuscitar alguma coisa parecida. Porque, no Brasil, a estratégia é sempre esta: quando se descobrem fraudes em um órgão público, o Governo o extingue e, muitas vezes, os culpados ficam impunes.

            Então, na questão dos medicamentos, deixo um apelo ao Governo brasileiro para que faça menos propaganda e trabalhe mais sério no sentido de proporcionar à população pobre, aquela que precisa dos medicamentos básicos e de uso contínuo, a possibilidade de comprá-los por um preço mais barato, se possível de graça, mas de excelente qualidade.

            Muito obrigado.


            Modelo15/17/2410:58



Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2001 - Página 25636