Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcurso, ontem, do Dia do Médico. Considerações sobre a política governamental destinada à integração social dos deficientes visuais.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SAUDE.:
  • Transcurso, ontem, do Dia do Médico. Considerações sobre a política governamental destinada à integração social dos deficientes visuais.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2001 - Página 25640
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, MEDICO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, PROCESSO, INVESTIGAÇÃO, PUNIÇÃO, ERRO, MEDICINA.
  • COMENTARIO, MELHORIA, POLITICA SOCIAL, APOIO, CEGO, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, INVESTIMENTO, TECNOLOGIA, HOSPITAL, DIAGNOSTICO, TRATAMENTO, MEDICO, PREVENÇÃO, CEGUEIRA.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero inicialmente aproveitar a oportunidade, já que não o fiz ontem, para também prestar a minha breve homenagem aos médicos do Brasil, que ontem comemoraram o seu dia, o dia de São Lucas, que se afirmava como o médico de homens e de almas. São Lucas é o símbolo da história da Medicina, que extrapola a Medicina atual e se estende por todos os tempos.

            V. Exª fez um pronunciamento claro e verdadeiro ontem, quando prestou essa homenagem, e pediu, mais uma vez, a interiorização dos médicos do Brasil. 

            Aproveito para deixar uma mensagem em homenagem a todos os médicos do interior, das cátedra e dos grandes centros urbanos: que continuem a missão extraordinária do exercício profissional que encanta a população de todos os tempos desde Hipócrates, e que possamos sempre levar em consideração as palavras que um padre proferiu em uma missa comemorativa ao Dia do Médico, que diz o seguinte: “A mão do médico é o coração de Deus”. Penso que a razão científica do exercício profissional, aliada ao caráter humanista que tem a nossa profissão, deve estar sempre acompanhada dessas palavras.

            Que a mão do médico, em sua razão científica, seja sempre a mão de Deus, e estaremos sempre bem representados na sociedade.

            O jornal Folha de S.Paulo, em editorial de ontem, manifestou uma crítica, embora com consideração positiva, afirmando que os médicos do Brasil tinham apenas uma condenação, por erros ou infrações, da ordem de 0,3%. Considerou que, apesar dessa pequena percentagem, os médicos são denunciados e passam por processos de investigação pelos seus Conselhos. Eu gostaria de fazer um reparo: o jornal não foi negativo em sua análise, mas, sem dúvida alguma, deixou uma dívida com os próprios médicos brasileiros, porque, embora haja apenas 0,3% de condenação, há milhares de denúncias julgadas pelos conselhos regionais, e, lamentavelmente, outras categorias profissionais têm dívida efetiva no julgamento e na investigação dos delitos praticados pelos seus profissionais, como, por exemplo, os advogados do Brasil. Gostaria de saber quantas Ordens de Advogados do Brasil têm pelo menos metade do número de processos julgados e investigados pelos Conselhos Regionais de Medicina.

            Então, deixo isso como solidariedade à minha categoria, porque sei que mesmo que haja algum corporativismo, alguma tentativa de proteção excessiva, até pela motivação emocional que envolve esses profissionais, sem dúvida alguma é a categoria que mais tem investigado e tentado julgar precisamente os profissionais quando cometem falhas ou transgressões.

            Aproveito a oportunidade para fazer uma homenagem, que julgo importante para toda a sociedade brasileira, ao deficiente visual, que tem ficado esquecido mas que, sem dúvida, merece uma reflexão mais clara da sociedade brasileira.

            A deficiência visual é prioridade absoluta da Medicina e da política social de qualquer governo que se preze. Acredito ser fundamental debater esse problema e suas implicações discriminatórias no mercado de trabalho, bem como alertar para a necessidade de o Poder Executivo inaugurar, de imediato, planos de integração do deficiente visual no mercado de trabalho, além de promover programas oftalmológicos preventivos e corretivos em escala nacional.

            Antes de qualquer coisa, julgo conveniente mergulharmos um pouco mais no espírito do medo e isolamento de que se reveste o universo do cego no mundo de hoje. Para tanto, nada mais apropriado que revisitar um pequeno trecho sobre o assunto, redigido pela pesquisadora brasileira Maria Lúcia Amiralian, que diz:

      No estudo em que, através de uma abordagem psicanalítica, procurei compreender a influência da cegueira na organização da personalidade, pude observar que a cegueira - tanto pela condição física, pela ausência da percepção visual, como pelos significados conscientes e inconscientes de que ser cego é ser diferente num mundo vidente - conduz a conflitos e sentimentos comuns. Seja a condição de cegueira sentida como uma incapacidade generalizada, seja dificultando suas relações afetivas, seja desencadeando sentimentos de inveja, ou desenvolvendo a capacidade de reparação e propiciando ricas introspeções, ela aparece sempre como elemento subjacente e central na história de vida dessas pessoas.

            Diante dessa complexa e única experiência existencial de que se reveste a cegueira, vamos imaginar um país onde sua população incorpora um contingente enorme de cegos, ou quase cegos, desprovido de qualquer assistência ou proteção, seja do Estado, seja da sociedade. Pois é, assim tem sido a relação do Brasil com seus cegos.

            Visando suavizar tamanho conflito, uma parceria entre a Associação Fluminense de Amparo aos Cegos (Afac) e a Superintendência de Trânsito Municipal do Rio de Janeiro (Sutram) foi recentemente selada, com o objetivo de humanizar o transporte coletivo para deficientes visuais da capital carioca. Mais concretamente, placas em braile estão sendo instaladas nos novos abrigos de ônibus. Além disso, até o final do ano, a Sutram pretende começar também a instalação de pisos de textura diversificada nas proximidades dos abrigos, para facilitar a orientação geográfica de cegos. De acordo com as palavras da pedagoga Ana Clara Souza, vice-presidente da Afac, medidas como essas restauram, em tempo, a cidadania dos portadores de deficiência visual.

            Na mesma linha, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) anunciou, para este semestre, a distribuição de quatro mil livros didáticos em braile. Com os livros, crianças entre 6 e 14 anos que não enxergam poderão ler e identificar ilustrações nos mesmos livros didáticos adotados nas escolas públicas. Até o momento, livros similares somente eram acessíveis em escolas privadas especiais. Segundo o FNDE, os custos corresponderão a R$6 milhões ao ano. Apesar do alto valor, é importante frisar que um livro didático em braile possui, em média, um volume cinco vezes maior que o livro comum.

            Na realidade, desde 99, a partir da assinatura do Decreto n.º 3.298, que regulamenta a inserção dos portadores de deficiência física no mercado de trabalho, a consciência do Estado brasileiro parece ter sido despertada para o grave problema das minorias deficientes. A impressão que se tem é de que o eixo tradicional da política para o portador de deficiência se desloca de uma lógica eminentemente assistencialista para uma outra que privilegia a inserção produtiva no mercado de trabalho, propiciando emprego e renda.

            Já naquela época, estimava-se que a taxa de desemprego entre os portadores de deficiência no Brasil era o dobro daquela verificada entre os trabalhadores não-deficientes. Por isso mesmo, de acordo com o Decreto, a empresa com mais de mil empregados fica obrigada a oferecer 5% de seus cargos aos beneficiários da Previdência Social reabilitados, ou à pessoa portadora de deficiência habilitada. Tal percentual de absorção cai à proporção que se reduz a escala de empregados na empresa. Ademais, pelo decreto, caracteriza-se o deficiente visual como aquele cuja acuidade de visão seja igual ou menor que 20/200 no melhor olho, mesmo após os corretivos, como óculos e lentes de contato.

            A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que cerca de 10% da força ativa de trabalho é formada por portadores de algum tipo de deficiência visual. No Brasil, isso se traduz numericamente na faixa aproximada dos 16 milhões de deficientes potencialmente capacitados ao trabalho. Sem receio, a Organização Mundial de Saúde julga que o avanço tecnológico e a informatização se enquadram como indispensáveis aliados na adaptação do deficiente ao trabalho.

            Não acidentalmente, o Balcão de Empregos para Deficientes, no Rio de Janeiro, registra as funções auxiliares nas áreas de telemarketing, administração, conservação e manutenção de patrimônio como o conjunto preferencial de ocupações reservadas aos deficientes visuais. No entanto, ressalva que ainda é absolutamente insignificante a incidência de portadores de deficiência visual ocupando posições de chefia ou de maior prestígio.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, depois da degeneração macular, as três maiores causas de cegueira em adultos são diabetes, glaucoma e catarata. Metade dos 13 milhões de brasileiros que sofrem de diabetes tem risco de desenvolver retinopatia diabética, alteração dos vasos da retina que provoca hemorragias, descolamento da retina e cegueira irreversível. Mais grave ainda, segundo o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (COB), o Brasil abriga o contingente, nada desprezível, de 2,9 milhões de pessoas acima de 65 anos que sofrem do mal da degeneração senil da mácula.

            Quanto mais cedo for diagnosticado o problema, maiores as chances de cura. Tanto é assim que o próprio Colégio Brasileiro de Oftalmologia adverte que, enquanto 0,3% dos habitantes de países ricos e com bons serviços de saúde pública ficam cegos, nos países pobres a ocorrência de cegueira chega a 1,2% da população. Em outras palavras, as chances da incidência da cegueira sobre o indivíduo do Terceiro Mundo é quadruplicada em relação aos países de Primeiro Mundo. Isso se explica, evidentemente, pelas condições precárias nas quais o conceito e a prática da saúde pública se desenvolvem nas regiões mais pobres do Planeta. Nessa ótica, a desinformação constitui um dos fatores de maior entrave à boa visão do brasileiro. Mesmo para quem tem um padrão de vida elevado, a qualidade e a quantidade das informações a respeito do que deve ser feito para manter uma boa visão em funcionamento ainda são muito baixas.

            Numa perspectiva mais profilática, o Hospital das Clínicas, em São Paulo, promoveu, no final de julho, uma campanha de prevenção extremamente eficiente, denominada Campanha de Catarata e Retinopatia Diabética. Com o objetivo de limitar o número de cegos na população paulistana de menor poder aquisitivo, o Hospital das Clínicas identifica entre as pessoas que se apresentam aquelas que carregam os sintomas da doença e, imediatamente, marca a cirurgia apropriada.

            Em Ribeirão Preto, cidade paulistana administrada pelo Partido dos Trabalhadores, os cegos dispõem de uma audioteca de 270 fitas cassete, sobre cujo processo de gravação se ressalva, no entanto, seu aspecto ainda amador. Apesar disso, montada pela Associação dos Deficientes Visuais da cidade, conta, atualmente, com um estúdio de gravação para fazer o trabalho de maneira mais profissional e com melhor qualidade. É muito provável que, por iniciativas dessa natureza, a auto-estima do portador de deficiência visual seja, em certa medida, resgatada da desolação em que geralmente se vê mergulhada.

            Para concluir, não há como evitar um apelo radical pela redução drástica dos índices que aferem a deficiência visual no Brasil. Como é de conhecimento de todos, muitos dos casos poderiam ser revertidos se os serviços de saúde públicos garantissem os meios necessários para um diagnóstico e um tratamento eficientes. Decorrente principalmente da falta de prevenção ou de tratamento inadequado, o alto número de casos registrados exige uma contrapartida do Governo, que deve ser refletida na forma de incentivos fiscais ou legais, direcionados para maior inserção dos deficientes visuais no mercado de trabalho e na sociedade brasileira como um todo.

            Acredito, Sr. Presidente, que os gestos têm sido apresentados pelos setores organizados da sociedade. O Ministério da Saúde - é bom que se diga - tem defendido e aplicado, em termos objetivos, um mutirão chamado Mutirão da Catarata, que atinge vários Estados do Brasil, a partir dos centros de referência em atividades de tratamento de doenças da visão, e muitos Estados têm desenvolvido ações nesse sentido.

            No meu Estado, o Acre, temo-nos afirmado, enquanto governo, com um programa de interiorização da presença do especialista, que detecta precocemente as doenças que levam à deficiência visual mais grave, tentando tratá-las. Temos também, no campo preventivo da inclusão social dos portadores de deficiência visual, o orgulho de dizer que, em nosso Estado, numa escola pequena que alberga apenas vinte e sete portadores de deficiência visual, já fizemos um investimento da ordem de R$100 mil. O resultado é que temos uma escola das mais admiráveis da Região Norte, com computadores, com softwares próprios para cegos, lupas, leitores ópticos, espaço de lazer bem apropriado para pessoas com deficiência visual, a possibilidade de inclusão no aprendizado permanente e continuado e um ambiente que se insere, juntamente com os indicadores da dignidade humana, dentro do conceito de saúde pública na Região Norte.

            Ainda no primeiro ano do exercício do meu mandato, pude apresentar, pela primeira vez na história do Senado Federal e do Congresso Nacional, a tradução em Braille de um pronunciamento abordando já esse tema, feito de maneira muito profissional e elevada pela Gráfica do Senado Federal.

            Por sua vez, a Senadora Heloísa Helena apresentou também projeto dessa natureza, garantindo um acesso melhor aos portadores de deficiência visual no Brasil.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/18/248:14



Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2001 - Página 25640