Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca da reportagem publicada pela revista Veja, que aponta a região da Grande Recife como a mais violenta do Brasil.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), GOVERNO ESTADUAL. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações acerca da reportagem publicada pela revista Veja, que aponta a região da Grande Recife como a mais violenta do Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2001 - Página 25644
Assunto
Outros > ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), GOVERNO ESTADUAL. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PESQUISA, SUPERIORIDADE, VIOLENCIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, MUNICIPIO, RECIFE (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).
  • APREENSÃO, GRAVIDADE, VIOLENCIA, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), CRITICA, GOVERNO ESTADUAL, OMISSÃO, FALTA, DESENVOLVIMENTO, POLITICA, SEGURANÇA PUBLICA, NECESSIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • ANALISE, PRECEDENCIA, VIOLENCIA, DESIGUALDADE SOCIAL, MISERIA, INJUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.
  • DEFESA, DESARMAMENTO, POPULAÇÃO, MUNICIPIO, RECIFE (PE), OBJETIVO, REDUÇÃO, VIOLENCIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Edison Lobão; Srs. Senadores Nabor Júnior e Gilvam Borges, ouvimos hoje a voz do Norte do País, por meio do Senador Tião Viana, do Acre; e, agora, do Amapá, pelo Senador Gilvam Borges. Há ainda o Presidente da Casa, que é do Maranhão. Podemos - o Norte e o Nordeste - tomar conta do Brasil, pelo menos aqui no Senado.

            Infelizmente, o que venho dizer aqui não é muito bom para o Brasil, pelo menos não para o meu Estado. Não tenho por hábito assustar-me com pesquisas, números ou outros indicadores estatísticos de determinada realidade social. Eles são instrumentos de trabalho, ajudam a perceber e a facilitar a análise dos fatos e da própria sociedade; orientam-nos para elaboração de políticas públicas, sobretudo quando se buscam soluções para os nossos graves problemas. Algumas estatísticas até devem ser olhadas com cuidado, pois, muitas vezes, mais escondem e distorcem do que esclarecem.

            Um trabalho, entretanto, publicado na última edição da revista Veja, chamou a minha atenção - e, confesso, assustou-me. Não por demonstrar o quadro de violência no Brasil - verdade conhecida por todos, pois vivenciada no nosso quotidiano -, mas porque a cidade do Recife é catalogada como a capital brasileira mais perigosa para se viver. E isso é recorrente. Em todos os levantamentos, sempre e infelizmente, Recife e Pernambuco situam-se entre as cidades detentoras dos piores indicadores de violência. Essa triste realidade é sumamente grave e não pode ser desconsiderada por ninguém, muito menos pelo Governo estadual.

            Elaborado pelo estatístico paulista Paulo Guimarães, do Instituto de Pesquisa GPP, o trabalho em questão recorre a uma nova metodologia e busca compreender qual o nível real de exposição de uma família de quatro pessoas à violência em 13 capitais brasileiras. E os resultados, para a nossa cidade, são impressionantes: nela haveria uma possibilidade em cinco de alguém de uma família com quatro pessoas ser morto por um tiro. Logo em seguida, viriam Vitória (uma possibilidade em seis), Rio de Janeiro (uma em nove), Salvador (uma em 11), Campo Grande (uma em 12), São Paulo e Brasília (uma em 14), Porto Alegre (uma em 16), Belo Horizonte (uma em 20), Curitiba (uma em 25), Fortaleza (uma em 33). Florianópolis seria a cidade mais “tranqüila”, se pudermos usar essa terminologia, pois apresentaria uma relação bem distante da verificada em Recife: uma em 50.

            Tais conclusões, pelo menos a partir de uma leitura mais superficial, embora possam ser contestadas em virtude da metodologia adotada, parecem não ficar muito distantes dos números coligidos pela Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco. Conforme divulgaram jornais do nosso Estado no último final de semana prolongado, foram assassinadas 30 pessoas na chamada Região do Grande Recife, sendo que 21 na capital e no município do Cabo de Santo Agostinho.

            A base geradora da violência no Brasil e em Pernambuco é complexa, vem sendo construída há vários anos e se alimenta, primordialmente, dos graves desequilíbrios sociais, da miséria e, fato relevante, inclusive em nível universal, do esvaziamento de uma agenda onde a afirmação de valores é desprezada e o respeito fraterno e solidário entre os seres humanos se desagrega a cada dia que passa. Se as atuais instâncias da administração pública não podem ser consideradas culpadas, embora também sejam responsáveis, elas estão obrigadas em nome da sociedade a entender a violência como uma questão muito grave e que deve ser combatida com todos os meios democráticos disponíveis. E isto exige concentração de recursos - financeiros, humanos e materiais. É inimaginável adotar a postura de que somente o desenvolvimento, em longo prazo, pode superar a violência, até porque isso tem uma vertente meio liberal.

            O combate à violência tem tudo a ver com o desenvolvimento. Mas, também depende da competência dos governos, de políticas públicas de segurança, de articulação política envolvendo partidos e todos os segmentos da sociedade. A segurança não pode se transformar em palanque ou palavra de ordem para fazer fluir a demagogia. Deve ser encarada com responsabilidade por todos e, em especial, pelos governos e partidos de oposição que, como nós, pretendemos ser Governo.

            Pernambuco vive, nos dias atuais, um momento delicadíssimo em relação ao tema violência. Nós, da Oposição, devemos ser contundentes na denúncia e na exigência de medidas que visem, pelo menos, diminuir a insegurança da cidadania. E isso temos feito.

            O PPS vai além. Por privilegiar o diálogo, e mesmo na Oposição não se furtar ao debate e buscar alternativas, entendeu - ao longo e ao largo das ambigüidades governamentais nas questões relativas à segurança pública e no trato com as Polícias Civil e Militar - como positiva a criação pelo Governador Jarbas Vasconcelos do Conselho de Defesa do Cidadão, que tenta buscar aquilo que me parece fundamental: a participação da sociedade no combate à violência, inclusive, participação da sociedade no próprio Conselho de Defesa, aberto, pluralista, inclusive com representantes da Oposição. Afinal, não vamos resolver o problema da violência recorrendo-se tão-somente ao aparato policial como clamam algumas vozes. E muito menos com militarismo, esta nova e incongruente descoberta do conservadorismo. Desnecessário dizer, Forças Armadas cuidam da soberania do País e não do crime e da bandidagem.

            O Conselho, em que pese as suas potencialidades, já deveria ter dado respostas, ainda que parciais, aos problemas relativos à violência em nosso Estado. Não me parece acertada a posição de aguardar todo um longo estudo só para depois propor ações.

            Sabe-se que o desarmamento não acaba com a violência, mas inúmeros estudos, pesquisas e dados estatísticos indicam que uma população desarmada comete muitos menos crimes. A posse de armas por uma população revela, no cotidiano, verdadeiras tragédias: os chamados acidentes domésticos, inclusive com crianças, e os homicídios por motivo fútil como, por exemplo, a raiva incontida no trânsito, a briga besta de bêbado de bar, dentre outras modalidades. Da minha parte, como sempre defendi no Congresso, sou a favor da proibição de vendas de armas no País, acabando, inclusive, com o conceito de porte legal. Teriam direito ao uso de armas apenas as Forças Armadas e corpos policiais específicos defendidos por lei.

            Enquanto essa proibição geral não vem, e a resistência a ela é muito grande, independentemente de partidos e ideologias, nessa matéria a Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, que institui o Sistema Nacional de Armas, já permite ao Estado ações eficazes. Todo cidadão conduzindo armas sem o porte legal pode ser duramente enquadrado no rigor da lei - art. 10, parágrafos e incisos -, que determina como penalidade a detenção de um a dois anos e multa. A pena seria aumentada da metade se o crime vier a ser praticado por servidor público. Interessante toda sociedade brasileira saber que já existe essa lei. Não precisa nem esperarmos o desarmamento da sociedade. Ela já pode ser desarmada, em grande parte, se for aplicada com rigor esta lei que institui esse Sistema Nacional de Armas.

            Todas as formas de lutas para combater a violência são válidas. Entre elas a recente campanha “Desarme-se!”, que está ocorrendo no Recife, patrocinada pelo Conselho de Defesa do Cidadão. Entretanto, - e aqui me dirijo diretamente ao Governador Jarbas Vasconcelos - não basta pedir a paz - desarme-se! É preciso também agir para obtê-la. Vamos desarmar. Nesse sentido, permita-me fazer uma proposta concreta - aliás, já fiz, inclusive num programa de rádio, quando estávamos discutindo a instalação desse Conselho de Defesa do Cidadão, do radialista Geraldo Freire, quando propus que a primeira medida desse conselho fosse a aplicação imediata dessa lei. É isso que venho aqui propor de forma concreta, já passado muito tempo, mas ainda é tempo de adotar.

            Sr. Governador:

            1) decrete de imediato suspensão da concessão de novo porte de arma de fogo e determine a obrigatoriedade de renovação das já concedidas - fazer um novo cadastro; 2) denuncie todos os convênios celebrados por Pernambuco com outros Estados de recíproca validade de porte de armas de fogo - portanto, não haverá porte estadual de armas de fogo ou de qualquer outro Estado no Estado de Pernambuco; isso alguns Estados já fazem, inclusive o Ceará, cujo índice de violência, bem melhor que o de Recife, talvez se deva em parte, por que não?, a essa proibição de trânsito livre, sem nenhum cerceamento, do porte de arma. E, por último, 3) defina, como uma primeira etapa, o Grande Recife como área de exclusão de todo o tipo de armas e por meio de barreiras e vistorias policiais permanentes aplique com rigor a lei que institui o Sistema Nacional de Armas.

            Aos críticos apressados e pretensos defensores da liberdade do uso de armas sem cerceamento recorro à história, recente nossa, e lembro da medida adotada à época do último Governo Miguel Arraes, que promoveu intervenção policial de desarmamento na Zona da Mata Sul pernambucana, então naquela oportunidade detendo altos índices de criminalidade - próximo inclusive à divisa do Estado de Alagoas, Zona da Mata Sul, Água Preta, próxima à região norte do Estado de Alagoas. A operação foi um sucesso, baixando o índice de criminalidade de uma forma que, inclusive, causou espanto, pena que em virtude de pressões de interesses escusos não tenha tido continuidade.

            Dizemos que não estamos propondo a transformação do Estado democrático em Estado policial. Faço essa advertência porque, no mundo, hoje, por exemplo, há um risco muito grande de transformarmos o mundo num grande Estado policial. Por essa questão do terrorismo, alguma coisa de criação até meio artificial de pânico - esse problema do Antraz precisa ser um pouco relativizado, devemos ter cuidado porque senão, daqui a pouco, é um pânico generalizado com a idéia da guerra bacteriológica - mas, em função da uma realidade de um insensato ataque sofrido pelos Estados Unidos do terrorismo internacional, temos um problema em que se tenta limitar liberdades individuais, liberdades da cidadania no combate ao terrorismo. Não sei se isso é necessário. Por exemplo, lembrar que os comunistas italianos, junto ao governo daquele país, tiveram um papel decisivo no combate às brigadas vermelhas, que também enveredaram pelo terrorismo político. Sem nenhuma limitação à liberdade do povo italiano, eles conseguiram deter essa escalada. São importantes exemplos como esses para não cairmos um pouco nessa idéia do conservadorismo, do fascismo que, neste momento, gosta de pescar muito em águas turvas. É necessário termos essa preocupação.

            Não estamos propondo a transformação de Pernambuco em nenhum Estado policial. A nossa proposta deriva de uma concepção humanista. Queremos, apenas, que a legalidade democrática prevaleça e os instrumentos de sua afirmação sejam colocados em prática.

            Que se aplique a lei. Já existe uma lei, que é democrática, votada pelo Congresso Nacional, que institui o Sistema Nacional de Armas. A lei é dura, rigorosa na questão do porte de armas de fogo. Essa lei é a favor da vida e contra a morte.


            Modelo15/2/2410:52



Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2001 - Página 25644