Discurso durante a 139ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da proposta de renegociação de dívidas de produtores rurais.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • Defesa da proposta de renegociação de dívidas de produtores rurais.
Aparteantes
Gilvam Borges, Jonas Pinheiro.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/2001 - Página 25713
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • ANALISE, CAPACIDADE, AGRICULTURA, CONTRIBUIÇÃO, AUMENTO, EXPORTAÇÃO, COMBATE, DESEQUILIBRIO, BALANÇA COMERCIAL, BRASIL, ELOGIO, ESFORÇO, PRODUTOR RURAL, POSTERIORIDADE, PLANO, ECONOMIA, AUSENCIA, APOIO, GOVERNO.
  • ANALISE, CRESCIMENTO, DIVIDA AGRARIA, REGISTRO, DADOS, PESQUISA, CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA), INADIMPLENCIA, PERDA, RENDA, AGRICULTOR.
  • REGISTRO, INSTALAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, COMISSÃO MISTA, DISCUSSÃO, DIVIDA, PRODUTOR RURAL, PROPOSTA, SOLUÇÃO.
  • SOLIDARIEDADE, PROPOSTA, AUTORIA, CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA), CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA (CNTA), ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA, REDUÇÃO, FIXAÇÃO, PERCENTAGEM, JUROS, PRIVILEGIO, PEQUENO PRODUTOR RURAL.
  • EXPECTATIVA, AUMENTO, PRIORIDADE, AGRICULTURA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quantas vezes em nossa vida não ocorre um problema grave e de difícil solução para resolver? Nesses momentos, vasculhamos várias alternativas. Muitas vezes, nada achamos. Chegamos mesmo a conceber saídas que, depois, vemos claramente serem mirabolantes e, num estalo, percebemos que a saída muitas vezes é simples e esteve todo o tempo ao nosso lado.

            É essa, Sr. Presidente, a sensação que tenho quando vejo a preocupação de todos com a balança comercial brasileira. Cada vez mais, dependemos do incremento das exportações para fazermos frente a nossos compromissos em dólar. Essa premência chegou a ser sintetizada de forma dramática pelo próprio Presidente da República com o grito “exportar ou morrer”.

            O debate sobre as medidas a serem tomadas para aumentar as nossas exportações está na ordem do dia. Até uma comissão de nível ministerial foi criada pela Presidência da República para administrar e monitorar o esforço exportador brasileiro.

            Igualmente, levantam-se as vozes dos que reclamam a falta de uma política industrial mais agressiva, direcionada a setores econômicos específicos com potencial exportador. A solução está bem ao nosso lado e não está sendo percebida.

            Fala-se muito em política industrial, em promoção comercial, em desenvolvimento da marca Brasil, em divulgação dos produtos industriais brasileiros, em desoneração tributária e em muitos outros pontos importantíssimos como esses. É claro que são providências importantes e inadiáveis, mas somente darão resultado em médio prazo.

            Todos esquecem que o setor exportador brasileiro de maior tradição, de base mais sólida e de resposta mais rápida aos estímulos é o setor agrícola. Fala-se pouco da agricultura nesse esforço para aumentar as nossas exportações, mas é a agricultura o grande instrumento que, a curto prazo, poderia alavancar o nosso comércio exterior. Isso, aliás, demonstra o quanto as nossas autoridades econômicas, às vezes, cometem enganos que, depois, custam caro ao País e ao povo brasileiro.

            Nos últimos anos, o nosso produtor rural tem dado provas repetidas de sua capacidade de trabalho e de seu espírito patriótico. O setor agrícola brasileiro é teimoso em contribuir para a prosperidade do Brasil.

            Do início do Plano Real para cá, as condições econômicas e financeiras para o desenvolvimento da agricultura só têm piorado. E mesmo assim a resposta tem sido mais produção com mais produtividade, suprindo muito bem a oferta de alimentos no País e oferecendo os excedentes para a exportação. Se isso acontece com o setor mais desprestigiado da nossa economia, imaginem o que a agricultura não poderia dar se contasse com incentivos adequados.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde março de 1990, os recursos do crédito rural foram diminuindo até chegarem ao patamar que temos hoje. Em 1994, atingiram seu ponto mais baixo: pouco menos de US$5 bilhões. Desde então, nos últimos anos, oscilam entre US$6 bilhões e US$8 bilhões.

            Os anos 90 foram, em verdade, testemunhas do progressivo abandono da agricultura pelo Governo brasileiro, com surgimento da dívida agrícola gerada principalmente pelo Governo Collor. Ainda me recordo de que, numa noite, o Plano congelava os preços dos produtos agrícolas, quando esses preços e o juros eram corrigidos mensalmente. Com a implantação do Plano, numa noite, o Governo congelou os preços que vigiam desde o início do mês, mas não congelou a correção de 84% nos débitos - ali, começou o desastre.

            Depois do Governo Collor, veio o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e, novamente, um plano de estabilização monetária, o Plano Real, que sobrevalorizou o câmbio, reduziu drasticamente as tarifas de importação, ao mesmo tempo em que diminuiu ainda mais o apoio ao produtor rural. A agricultura brasileira passou a viver dias difíceis, empobrecida, com seus preços deprimidos e concorrendo com os produtos estrangeiros, que se beneficiam de nosso câmbio valorizado, das baixas tarifas de importação e dos bilionários subsídios em seus países de origem.

            Mas, mesmo assim, o nosso produtor rural resistiu e ainda fez o que pôde para ajudar na estabilização dos preços, ao ponto de se ter cunhado a expressão âncora verde, numa alusão ao importante papel que a produção de alimentos teve no controle da inflação e na estabilização da moeda.

            Enquanto isso, Sr. Presidente, o problema da dívida agrícola ganhava proporções gigantescas, sem solução à vista e sem merecer a devida atenção das autoridades econômicas do País. Ressalte-se mais uma vez que a produção de grãos nunca deixou de crescer a cada ano. Porém, num ritmo muito inferior ao que seria esperado, caso o setor contasse com um apoio mais efetivo do Governo e tivesse resolvidas as pendências dos produtores rurais junto aos bancos.

            A pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Agricultura, através do Projeto Conhecer, revela que, dos 10 mil produtores rurais de Goiás com dívidas junto ao sistema financeiro, 80% não têm condições de pagar a parcela integral dos débitos da securitização que vence no próximo dia 30.

            O produtor rural acumula defasagem de renda de 40%, de 1994 até agosto passado. Nesse período, os preços recebidos pelos produtores aumentaram 81,44%, enquanto os custos operacionais subiram 121,33%. A inflação medida pelo IBGE foi de 108,31%. Além disso, este ano os agricultores devem comprometer mais de 20% da renda apenas com o pagamento de dívidas.

            A pesquisa do Projeto Conhecer mostra também que, em maio de 1995, com um salário mínimo de R$100,00, o trabalhador não conseguia comprar uma cesta básica, cujo custo atingia R$100,06. Então, o salário mínimo não era suficiente para pagar uma cesta básica. Em maio último, com o salário mínimo em vigor de R$180,00, a cesta básica estava custando R$145,77. Portanto, comprando-se uma dessa, ainda sobravam mais de R$30,00.

            Ainda de acordo com a pesquisa da CNA, o principal problema dos produtores rurais é o crédito - 34% -, seguido dos custos elevados da produção - 26%. Outras questões que também afetam a vida dos agricultores são: política pública - 9% -, comercialização - 8% - e clima - 4%. Foram ainda citados tecnologia, mão-de-obra, falta de orientação e de energia elétrica, além de doenças e solo.

            As soluções oferecidas, Sr. Presidente, aos agricultores - como a securitização das dívidas, por exemplo - infelizmente não conseguiram colocar um ponto final no sofrimento do nosso homem do campo. Em alguns momentos, sensibilizado pela luta das entidades ruralistas, parece crescer no País a impressão de que a dívida dos agricultores, de tão injusta, deveria merecer um perdão definitivo. Um perdão que livrasse, para sempre, a agricultura das amarras que impedem o seu pleno desenvolvimento e eliminasse de vez as arbitrariedades cometidas pelos planos econômicos contra os nossos produtores rurais.

            Mas, agora, registro com satisfação que o Congresso Nacional acaba de instalar uma comissão mista, para novamente discutir a questão do endividamento rural e propor novas soluções.

            A curto prazo, a maior preocupação dos produtores é com o pagamento da próxima parcela das dívidas securitizadas, que vence no próximo dia 31 de outubro. Em 1999, o pagamento estipulado em lei era de 10% da parcela devida; em 2000, subiu para 15%; mas, este ano, será integral.

            Estamos correndo contra o relógio. Para os produtores, cumprir esse compromisso será difícil, senão impossível. A renda agrícola praticamente não aumentou desde o início das operações de securitização, evoluindo menos que o crescimento do estoque da dívida. A medição do Produto Interno Bruto da agropecuária, feita pela Confederação Nacional da Agricultura, indica que, em 2000, a renda obtida nas lavouras foi de R$45,49 bilhões. Para 2001, a tendência é de que o resultado alcance R$190 milhões a mais do que em 2000. Ou seja, com o acréscimo de apenas 0,41%,enquanto a dívida securitizada cresceu no mínimo 3% ao ano.

            Como medida urgente, diante do esgotamento dos prazos de vencimento da próxima parcela da securitização, a proposta apresentada pela CNA, pela Organização das Cooperativas Brasileiras, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e pela representação dos agricultores no Congresso, é a única capaz de dar um alívio imediato ao setor rural.

            Ressalto os principais pontos dessa proposta, que considero justa, correta, plenamente compatível com a realidade das contas nacionais e que não causa nenhum prejuízo ao Tesouro Nacional, até reduz os seus encargos. E mais, ainda condiz com a capacidade de pagamento dos produtores e mantém a máquina da agricultura funcionando, ainda que longe das condições ideais.

            A proposta, Sr. Presidente, tem os seguintes itens:

            1 - Renegociação das dívidas securitizadas em 20 anos, com uma taxa fixa de juros de 3% ao ano, retirando-se a equivalência em produto;

            2 - Nas dívidas securitizadas, o desembolso este ano eqüivaleria a 10% da parcela a vencer em 31 de outubro; em 2002, a 15% da parcela; em 2003, a 20% e, assim por diante, sempre com o acréscimo de cinco pontos percentuais ao ano.

            Isso foi praticamente concedido pelas empresas não-agrícolas. E estão conseguindo, com sucesso até, as empresas na área da indústria e do comércio, cumprir com seus compromissos porque o acordo, a renegociação foi feita em relação aos compromissos a serem pagos, às parcelas, à produção, o que não ocorreu com a agricultura. O que se busca agora é realmente criar condições para que os agricultores possam cumprir com seus compromissos.

            3 - Inclusão, nessa nova renegociação, das dívidas do Funcafé, dos Fundos Constitucionais e das cooperativas;

            4 - Para as dívidas enquadradas no Pesa, os juros anuais seriam de 1% a 3% ao ano, sendo o IGP-DI limitado à variação de 8,75% ao ano.

            Dívidas até R$ 500 mil teriam juros de 1%.

            Entre R$ 500 mil e até R$ 1 milhão, 2%.

            E acima de R$ 1 milhão, 3%.

            5 - Finalmente, para os pequenos agricultores, a prorrogação da parcela referente a 2001, além da aplicação de um bônus de adimplência de 30% para as operações renegociadas por produtores enquadrados no Pronaf.

            Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, para que essa renegociação obtenha êxito, é fundamental modificar a medida provisória que estabelece o Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais, que já está sendo apreciado por uma Comissão Mista, presidida pela Deputada Yeda Crusius, cujo Relator é o Senador Jonas Pinheiro, profundo conhecedor da agricultura e dos assuntos do crédito rural no Brasil.

            À Comissão referida cabe agora a tarefa de propor alternativas para o texto da medida provisória, abrindo caminho para o fortalecimento da agricultura brasileira por meio da regulamentação dos financiamentos e da viabilização de soluções para a dívida já existente.

            Sr. Presidente, a nossa agricultura modernizou-se sozinha - é claro que abrimos aqui um parêntese para dizer que houve uma grande contribuição prestada pela Embrapa, empresa que tem sido motivo de orgulho e de respeito por parte do nosso País. Repito que a nossa agricultura modernizou-se praticamente sozinha, conquistando altos índices de produtividade e continuando a exercer seu papel insubstituível de prover a mesa dos brasileiros e ajudar na conquista de saldos positivos da balança comercial. E está pronta para novos saltos de produtividade, sinalizados pelo recorde histórico alcançado pelas lavouras de milho, neste ano, na casa de 41 milhões de toneladas. Isso está possibilitando chegar a outro recorde: a exportação de milho, também neste ano, deverá fechar entre 4 e 5 milhões de toneladas, reforçando a captação de dólares para o País.

            Compete ao Governo, agora, dar uma demonstração de carinho especial com o setor agrícola, que, devidamente saneado, pode levar o País a consolidar o superávit da balança comercial. A tradicional e confiável agricultura brasileira está pronta para aumentar ainda mais as nossas exportações ao custo de um pouco mais de estímulo, um pouco mais de crédito.

            Nossa agricultura é competitiva no mercado internacional, mesmo concorrendo com os produtos dos países desenvolvidos, que embutem níveis altíssimos de subsídios. O nosso produtor rural quer é produzir, e produzir muito. Para isso, exige apenas o mínimo de sustentação para a sua atividade. Afinal, é da nossa agricultura que depende a alimentação de 165 milhões de brasileiros e, a curto prazo, um avanço substancial no volume das nossas exportações.

            Sr. Presidente, estou convicto e esperançoso de que o Governo, desta vez, nas pessoas do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso e do nosso ilustre e eficiente Ministro da Agricultura, saberá dar a resposta esperada, aceitando os termos propostos para a renegociação da dívida rural, aproveitando esse momento para consolidar de vez a agricultura brasileira.

            O Sr. Gilvam Borges (PMDB - AP) - Senador Iris Rezende, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Concedo um aparte a V. Exª com muita honra, Senador Gilvam Borges.

            O Sr. Gilvam Borges (PMDB - AP) - Senador Iris Rezende, desejo parabenizá-lo pelas considerações no seu pronunciamento, que fazem realmente uma radiografia precisa das dificuldades do setor primário, que é de suma importância para a economia nacional. Quando V. Exª assoma à tribuna, não somente pelo seu talento mas pela experiência e o dinamismo que lhe caracterizam como homem público, realmente, é hora de uma mobilização ampla dos setores do Governo, para que possamos viabilizar a sobrevivência dos agricultores nacionais. Portanto, é de bom alvitre que o Ministro da Agricultura, o Presidente Fernando Henrique e o Ministro do Planejamento dêem uma atenção especial para o pleito e as considerações de V. Exª na tribuna desta Casa. Quando uma liderança como a de V. Exª assoma à tribuna e faz uma radiografia como essa, um apelo às autoridades competentes para que possa viabilizar o refinanciamento dessas dívidas, é bom que ouçam, é muito importante. Num processo vertiginoso de migração, o campo se esvazia cada vez mais - as pessoas não têm opção - o que leva ao inchaço das grandes cidades. O setor primário, a agricultura ainda é uma grande alternativa e uma área prioritária para a solução desse problema. Não podemos apenas optar pela industrialização do País, mas fazer funcionar muito bem a nossa economia interna. V. Exª está de parabéns. Receba as congratulações do Amapá e dos seus Pares que tanto o admiram, quando assoma à tribuna. Esse é o Iris, de Goiás, que todos conhecemos, que se revitaliza cada dia mais, não desanima, que sempre está presente nas lutas pelas causas públicas justas. Portanto, a todos os produtores, a todos os agricultores do Brasil: recebam a voz do Senador Iris Rezende como a voz da experiência, da coragem, da determinação, da probidade e dos cabelos brancos do bom lutador. As minhas congratulações pelo belo pronunciamento que V. Exª faz nesta tarde.

            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Muito obrigado, Senador Gilvam Borges, pelo aparte importante que V. Exª oferece nesta tarde, contribuindo com o nosso pronunciamento. O seu aparte tem um significado muito especial porque V. Exª veio do Estado do Amapá, jovem Estado, trazendo na própria carne as cicatrizes de luta do homem que lavra a terra, do homem que planta, do homem que, anonimamente, ao longo dos séculos, contribui para a grandeza nacional.

            O que muitas vezes lamentamos é que essas questões afetas ao trabalhador rural, ao agricultor são conhecidas apenas teoricamente pelos tecnocratas da área econômica, e é muito difícil na teoria conhecer a realidade profunda que mexe muitas vezes com a sensibilidade daqueles que estão no eito, sofrendo toda a sorte de dificuldades. Ora são as intempéries, ora são as pragas, ora são os preços dos insumos, ora são os preços dos produtos que caem, ora são os preços elevados. Como eu disse no meu pronunciamento, quantos planos de estabilização econômica conheceu a agricultura nos últimos anos! E a cada implantação de um plano, era um choque, um baque na vida dos agricultores.

            O agricultor brasileiro tem sido um herói porque concorre, ainda mais com essa globalização da economia, com essa abertura escancarada das nossas portas às importações, ele concorre com produtos altamente subsidiados de outros países e com a objeção que muitos fazem à entrada de nossos produtos. A área econômica, entretanto, não sente isso. Falo com conhecimento de causa. Não estou censurando os atuais integrantes da equipe econômica. Falo generalizadamente porque isso tem ocorrido ao longo dos anos. Lembro-me, quando assumi o Ministério da Agricultura em 1986, em fevereiro, salvo engano, que eu trazia na alma a angústia do produtor do meu Estado. Assumi o Ministério e, logo para a safra seguinte, fui ao Conselho Monetário Nacional defender mais recursos para o custeio da safra agrícola, sobretudo para o arroz. E enquanto veementemente defendia os plantadores de arroz - Goiás era um grande produtor - um técnico levantou a voz e disse: “Não se preocupe, Ministro, a Ásia está com excesso de arroz”. Eu disse que não estava defendendo apenas o abastecimento, mas os milhões de brasileiros que vivem dessa atividade, que lutam por ela. Vejam a diferença de avaliação em um governo com relação à agricultura. Uns pensam no abastecimento, outros, em produtos importados mais baratos. Nós, humildemente, pensamos na vida do agricultor, do lavrador. Milhões de lavradores lotam as grandes cidades, inviabilizando, por vezes, a administração dessas cidades que não têm como acolhê-los.

            O Sr. Jonas Pinheiro (PFL - MT) - Senador Iris Rezende, V. Exª me concede um aparte?

            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Com muita honra, ouço o aparte de V. Exª.

            O Sr. Jonas Pinheiro (PFL - MT) - Senador Iris Rezende, gostaria de parabenizar V. Exª por trazer mais uma vez ao Plenário esse importante assunto. V. Exª contou uma história que se passou no Conselho Monetário Nacional quando era Ministro. Há outro episódio durante o Governo Collor, logo depois que a Ministra Zélia Cardoso baixou um ato impedindo qualquer uso de propriedade ao norte do Paralelo 13 no Estado do Mato Grosso ou no Brasil. Fizemos aqui um movimento muito amplo e conseguimos reunir quase 500 Congressistas contra o propósito da ilustre Ministra. Fui para a reunião acompanhado de vários Líderes, entre eles o Senador Siqueira Campos, nosso companheiro, Lideranças do Governo, como Humberto Souto. A Ministra entrou na sala onde estávamos e disse-me: “Deputado Jonas, eu gostaria de dizer ao senhor que para mim não há diferença entre a iniciativa privada e a agricultura; o agricultor e o comerciante têm o mesmo valor; portanto o princípio é o mesmo. Estamos num país capitalista; o que se dá a um deve-se dar ao outro”. Eu disse à Ministra da Fazenda que baixar um ato no mês de fevereiro atinge o comerciante de tecidos que pode guardar sua mercadoria e vendê-la em época melhor; mas esse mesmo ato atinge um agricultor de arroz que semeou seu produto em outubro ou novembro e agora vai colhê-lo. É claro que terá de fazer a colheita em qualquer situação, mesmo com prejuízo em função de um ato como aquele que a Ministra acabara de baixar. Terminamos a reunião porque não houve diálogo. O princípio era absolutamente adverso, mas depois fomos conduzindo isso de tal forma que melhorou. Conversamos com a equipe. A Comissão Mista que trata da Medida Provisória nº 2.196, que transfere toda a dívida do produtor e dos mutuários de casa própria, dos bancos oficiais - Caixa Econômica, Banco do Brasil, Banco da Amazônia, BNB -, para o Tesouro Nacional, tem uma finalidade justa. É o terceiro Proer. Primeiro, veio o Proer dos bancos privados; depois, o dos bancos estaduais; agora chega o dos bancos federais. Muito bem. Ninguém é contra, mas transferir a dívida do produtor para o Tesouro Nacional tem conseqüência, porque não há lei que autorize o Tesouro a fazer negociação ou prorrogação e evitar um mal maior para o produtor, enquanto, nos bancos privados há flexibilidade. Estou relatando a medida provisória e conto com o apoio de V. Exª e o de toda a Casa, uma vez que o produtor não está fugindo da conta, que não é dele, a que V. Exª já se referiu. Como ex-Ministro, V. Exª conhece bem a história. Antes de 1996, o nível de inadimplência do produtor perante os agentes financeiro era 1,2%. Só não pagava quem sofria alguma conseqüência de intempérie. Depois de 1995, pós-Plano Real, quando conseguimos a estabilidade e o juro era pré-fixado, sem correção monetária. Hoje, o nível de inadimplência é 1,2% no nosso crédito rural, mas, no período da crise de 1986 a 1995, descrita pela famosa Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que tratou do endividamento da agricultura brasileira, a inadimplência chegou a 60% e a média era de 42%. Portanto, Senador Iris Rezende, o produtor carrega a dívida, não a nega e quer pagá-la, mas conforme pode. Por isso, estamos aproveitando a análise da medida provisória para conversar com a área econômica e o Tesouro Nacional para fazer um escalonamento da dívida de acordo com a possibilidade de pagamento dos produtores. Sr. Senador, a dívida foi securitizada por influência da CPI. Houve o Pesa, o Recoop e a nova legislação dos fundos constitucionais. Entretanto, não há expectativa de haver recurso para pagar a dívida. Ela falhou, exatamente porque, conforme o pronunciamento de V. Exª, quando na mão do produtor o milho e o arroz não tinham preço; a soja estava cotada em US$6,00 ou US$7,00 a saca, a arroba do algodão em pluma foi vendida a R$25,00, preço mais baixo em 20 anos. Isso significa perder dinheiro, apesar da produtividade. Senador Iris Rezende, V. Exª é um ex-ministro e sabe que vender a saca do café, bebida fina, por menos de R$100,00 e a do conilon abaixo de R$40,00 significa perder dinheiro. Vi ontem, em Alta Floresta, o leite ser vendido a R$0,14. Assim, quem pode pagar dívida? O Governo tem de entender nosso trabalho, no sentido de alongar essa dívida conforme o produtor possa pagá-la. Por isso queremos apoio desta Casa e do Congresso Nacional para a negociação dessa dívida, uma vez que ela está disciplinada por uma medida provisória ainda sob o antigo regime da matéria. Portanto, só quem pode alterá-la é o Congresso Nacional, daí o meu apelo. Muito obrigado.

            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Muito obrigado pelo aparte, Senador Jonas Pinheiro. Fiz referência à atuação de V. Exª em meu pronunciamento, quando ainda estava ausente deste plenário. Falei da importância do seu trabalho em prol da agricultura brasileira e do profundo conhecimento que tem V. Exª das dificuldades enfrentadas pelos produtores rurais.

            Justamente por isso o aparte de V. Exª tem para o meu pronunciamento um valor extraordinário, pois vem consolidar praticamente toda a minha exposição, toda a minha fala a respeito dessa reivindicação que, como eu disse, é justa e razoável.

            Sei que, muitas vezes, querem colocar a população contra os produtores rurais. Lembro-me disso. Cheguei até a chamar a atenção da Imprensa, àquela época, para o tratamento que estava dispensando aos agricultores rurais, pois trata-se de um segmento que tem feito por merecer o respeito da sociedade brasileira.

            E dizia: os Estados Unidos aderiram ao grupo de países denominado Grupo de Cairns, fundado na cidade de Cairns, na Austrália, no combate ao subsídio. O grupo era constituído de países em desenvolvimento produtores de alimentos. Mas os Estados Unidos, daqui e dali, subsidiam. Em determinado momento, o frango brasileiro sofreu uma ação terrível, naquele País, quando ele subsidiava indiretamente a exportação de frango.

            Suponhamos que os Estados Unidos não tenham subsidiado nada e ninguém na área da agricultura. Porém, recentemente, foram eles que perdoaram toda a dívida dos agricultores. Por quê? Porque entendem que é impossível sobre a face da Terra produzir alimentos sem a ação da sociedade mediante o poder público. Ora, a sociedade paga o professor, paga o médico para atender às camadas mais sofridas da sociedade e, com justiça, não pode ser diferente. Pergunto: e quem paga o agricultor para produzir o pão de cada dia que permite sobrevivência de todas as camadas sociais?

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, deixo aqui o meu apelo ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, para que Sua Excelência determine que essa reivindicação dos agricultores brasileiros quanto ao prolongamento de pagamento de suas dívidas seja devidamente considerado. O meu receio, Srs. Senadores, é que aconteça nesse caso o mesmo que ocorreu com a securitização. Tenho de reconhecer a boa vontade do Presidente Fernando Henrique para concluí-la, mas o processo começou quando eu estava no Ministério da Agricultura, nos idos de 1988 e ainda está em andamento. Isso não pode esperar e tem sido feito para outros segmentos da economia.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/18/241:30



Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/2001 - Página 25713