Discurso durante a 139ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Participação de S.Exa. em debate sobre a nova ordem mundial, realizado no Colégio Lourenço Filho, em Fortaleza, no último dia 19.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Participação de S.Exa. em debate sobre a nova ordem mundial, realizado no Colégio Lourenço Filho, em Fortaleza, no último dia 19.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/2001 - Página 25750
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • PRESENÇA, ORADOR, DEBATE, ALUNO, PROFESSOR, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO CEARA (CE), REFERENCIA, ORDEM ECONOMICA, POLITICA SOCIAL, POLITICA INTERNACIONAL, TERRORISMO, GLOBALIZAÇÃO, APRESENTAÇÃO, COPIA, DISCURSO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, tive a grata satisfação de ser convidado pela direção do Colégio Lourenço Filho, na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, para participar de um debate realizado em 19 de outubro p. passado, onde estavam presentes alunos e professores daquela instituição de ensino, momento esse onde discutimos questões voltadas para a nossa ordem mundial.

            Tomo a liberdade de trazer a este Plenário, cópia da referida comunicação apresentada naquele debate.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.

            ESSA NOVA ORDEM MUNDIAL

            Penso que o que mais nos aproxima neste momento tão conturbado da cena internacional, onde atos terroristas individuais chocam e assustam a opinião pública, ainda mais pelo que já estão suscitando como resposta violenta por parte de quem deles foi vítima, é o desejo de compreender o que se passa no mundo. A esse respeito, aliás, formo entre aqueles que sabem que, por mais dispersiva, individualista, fragmentária e consumista que seja nossa civilização, ainda não foi desta vez que conseguiram subtrair dos jovens sua curiosidade e vontade de encontrar respostas para as inúmeras dúvidas que a vida lhes apresenta.

            Daí minha satisfação em poder estar aqui, tendo a oportunidade de dialogar com quem, tendo vivido ainda tão breve espaço de tempo, é privilegiada testemunha de um momento singular da História, sabendo da necessidade de entendê-lo, minimamente que seja. De um lado, jovens sempre interessados em ver lançadas novas luzes sobre o mundo em que vivem; de outro, o homem público que, de olhos postos sobre a realidade brasileira, sabe que precisa estar atento ao que se passa no planeta.

            Comecemos, então, por um painel do mundo contemporâneo. O ponto de partida de nossa análise será a economia, a partir e em função do qual será possível entender melhor o quadro dito de globalização, que ora nos envolve. Em verdade, a notória ampliação dos mercados mundiais deriva de dois fatores básicos e convergentes.

            O primeiro deles, rigorosamente histórico, diz respeito ao processo de expansão protagonizado pelo sistema capitalista, algo visível desde a Baixa Idade Média, alavancado pelas Grandes Navegações do início dos Tempos Modernos e definitivamente impulsionado pela Revolução Industrial, a partir de meados do século XVIII.

            O segundo fator, autêntico eixo de sustentação do atual dinamismo do comércio mundial, decorre da revolução tecnológica que o pós-Segunda Guerra Mundial conheceu e que as últimas décadas do século XX aprofundaram. Essa moderna tecnologia, incessantemente renovada e que não pára de surpreender, tornou possível, simultaneamente, a fantástica capacidade de multiplicar a produção, a extraordinária facilidade de locomoção e de transporte e a rápida circulação de capitais.

            Assim, se aliarmos a essa tecnologia de ponta - que tem na informática e na rede mundial de computadores uma de suas faces mais visíveis e importantes - os elementos definidores do capitalismo, presentes em todo seu processo evolutivo, chegaremos à conclusão de que a atual globalização é decorrência natural, nada tendo de espantoso ou inexplicável. Vejam, por exemplo, o que ocorreu na trajetória do sistema capitalista: no primeiro momento, exatamente nos séculos finais da Idade Média, seu desenvolvimento se deu pela expansão das rotas e das feiras comerciais, unindo o nascente mercado europeu.

            O segundo passo foi dado, a partir da Península Ibérica, com as grandes viagens ultramarinas e suas conseqüentes descobertas: o continente americano e a chegada à Ásia pelo contorno do litoral africano. Alargava-se sobremaneira o mercado, colocando sob a órbita européia áreas até então desconhecidas - como era o caso da América - e de grandes potencialidades comerciais, como o Oriente. Não há dúvida quanto ao significado da exploração dessas regiões, notadamente as colônias americanas, para a acumulação capitalista na Europa Moderna.

            O terceiro momento dessa trajetória globalizante do capitalismo verificou-se com o advento da Revolução Industrial. Esse foi um acontecimento capital porque, ao transformar radicalmente os processos produtivos, mudou a própria fisionomia da sociedade, de que a crescente urbanização foi uma das características essenciais. Mais: a partir do instante em que a industrialização mostrou-se irreversível, tornando-se o núcleo central da produção e estreitando a subordinação dos processos produtivos às instituições financeiras, o mercado internacional foi se transformando, cada vez mais, em mercado mundial. A isso, que em fins do século XIX foi chamado de expansão imperialista, hoje se dá o nome de globalização.

            Entretanto, para que essa globalização efetivamente se consolidasse, tal como a vemos na atualidade, foi preciso contar, em primeiro lugar, com um monumental aporte tecnológico. Reiterando o que disse ainda há pouco, essa tecnologia em constante e contínuo aperfeiçoamento permite, de um lado, o aumento da produção com redução dos custos, o que amplia a lucratividade; de outro, torna instantâneas as comunicações e - o que é fundamental - permite o funcionamento ininterrupto dos mercados financeiros em todas as partes do globo.

            Como todo fenômeno histórico relevante, o atual modelo econômico mundial traz conseqüências sérias, que acabam por atingir a vida de milhões de pessoas. Há, certamente, aspectos positivos, como a oferta extremamente diversificada de bens e produtos, ampliando a possibilidade de consumo, o que também inclui o maior acesso à informação e ao conhecimento. Todavia, já se vislumbram problemas preocupantes, como o aumento do desemprego e a exclusão dessa economia globalizada, por flagrante desinteresse dos detentores de capitais, de expressivas áreas territoriais e de dezenas de nações, como ocorre com a maior parte do continente africano.

            Evidentemente que alterações tão substantivas na estrutura econômica levariam - como de fato está a ocorrer - a transformações na esfera política. No quadro de transição em que vivemos, no qual o novo e o velho se misturam, novos parâmetros estão moldando a política. E, como sempre ocorre em situações dessa natureza, com resultados positivos e negativos. Sob uma ótica que considero essencialmente positiva, as mudanças em curso apontam para aquilo que identifico como sendo a consolidação do ideal de cidadania.

            Quero dizer, com isso, que o grande fenômeno político de nosso tempo - embora ainda limitado em termos geográficos e com intensidade variável entre as diversas sociedades - é a ampliação do espaço de atuação política dos cidadãos. Assim, ao mesmo tempo em que a democracia representativa continua a existir, fazendo uso dos tradicionais mecanismos de intermediação política, como é o caso dos partidos políticos, a democracia participativa avança. Na prática, isso significa dizer que, embora mantenham-se de pé os personagens típicos das relações políticas, a sociedade cria outras instâncias de participação e, por meio delas, expressa seus pontos de vista, anseios e necessidades.

            Há uma profusão dessas instâncias ou instituições, cuja legitimidade reside, quase sempre, em sua própria origem, ou seja, nasceram da decisão coletiva de setores sociais, não da vontade do Estado. Temos, aí, de igrejas a sindicatos, de associações de classe a grupos científicos, de moradores de bairros a representações das mais diversas minorias, entre centenas de outros exemplos possíveis.

            Contudo, as novas condições históricas em que vivemos também contribuíram para o enfraquecimento de instituições políticas tradicionais, a começar pelo Estado, que ainda tem relevante papel a desempenhar, especialmente como instância reguladora das relações econômicas. Esse enfraquecimento do poder do Estado parece-me especialmente problemático na medida em que acaba por favorecer os setores sociais mais poderosos.

            Isso nos leva a uma outra consideração, também política e igualmente importante. Refiro-me à nova ordem mundial com a qual convivemos hoje, razoavelmente indefinida e, por isso mesmo, passível de questionamentos e foco de inquietações. Essa nova ordem, claramente em processo de gestação, cujo resultado final ninguém pode prever, fixa-se por sobre dois fenômenos, um de natureza fundamentalmente econômica, outro de indisfarçável conotação política.

            Do primeiro, já falamos. Trata-se da globalização, entendida como o estabelecimento da hegemonia capitalista em dimensão planetária, criando um mercado verdadeiramente mundial. Dos fatores determinantes para que isso ocorresse, abordamos dois: a revolução tecnológica de nosso tempo e a própria lógica interna que move o capitalismo. Faltou citar o terceiro elemento facilitador dessa expansão da economia de mercado, ideologicamente assentada nas teses liberais: a crise do socialismo, que arrastou consigo as experiências históricas que atravessaram boa parte do século XX - a União Soviética e os países do Leste europeu.

            Acontece que o desmonte do regime socialista na Europa Oriental e a desintegração da União Soviética, episódios que marcaram o período 1989-1991, também repercutiram - e muito - no sistema mundial de poder. O fim da URSS significou o definitivo sepultamento da guerra fria e, em conseqüência, a emergência dos Estados Unidos na condição de única superpotência.

            Entretanto, o cenário mundial é bem mais complexo do que faz supor a afirmativa anterior. Apesar de todo seu poderio, apesar de não mais existir a URSS, os EUA ainda não conseguiram estabelecer uma hegemonia inconteste em termos de poder mundial. Entre os próprios aliados, há quem não se subordine facilmente aos interesses norte-americanos, de que França e Alemanha seriam bons exemplos. Além disso, a China tende a ampliar sua projeção internacional e a Rússia mantém intacto seu arsenal nuclear.

            Os recentes e trágicos acontecimentos que abalaram o mundo realçam novos aspectos nesse confuso quadro mundial. A violência terrorista mostrou que não há fortaleza inexpugnável e, ao mesmo tempo, fez desencadear ataques militares a determinadas regiões. Penso que, nas circunstâncias atuais, o melhor seria trilharmos os caminhos do chamado multilateralismo, isto é, dar força a organismos coletivos de modo a transformá-los, efetivamente, em fóruns de debate e de negociação política. Nesse sentido, acredito que a Organização das Nações Unidas - ONU, precisa voltar a desempenhar papel central na discussão dos principais problemas mundiais.

            Por fim, espero ter transmitido um pouco de minha visão acerca do mundo contemporâneo. Por meio dessa breve exposição, tentei fixar aspectos que considero relevantes para a compreensão do momento histórico que vivemos. No entanto, muito há que ser dito e debatido. Para fazê-lo adequada e convenientemente, o melhor caminho é sempre o da leitura, a começar pelos textos publicados pela imprensa. Estar atento é o primeiro passo para fugir da superficialidade e das aparências, normalmente enganosas. Assim, estudar é sempre proveitoso, trilha segura pela qual teremos melhores elementos para entender o mundo em que vivemos e a forma pela qual nele deveremos atuar.


            Modelo18/16/245:22



Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/2001 - Página 25750