Discurso durante a 140ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à memória do ex-Senador Pedro Ludovico Teixeira, por ocasião das comemorações dos 68 anos de criação da cidade de Goiânia. Encaminhamento do Requerimento 614, de 2001, de autoria de S.Exa., que solicita seja incluído na coleção intitulada Grandes Vultos que Honraram o Senado e a História Constitucional do Brasil, o ex-Senador, pelo Estado de Goiás, Pedro Ludovico Teixeira, que exerceu mandatos nos períodos de 19/09/1946 a 31/01/1951 e de 01/02/1955 a 01/10/1969.

Autor
Iris Rezende (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Iris Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do ex-Senador Pedro Ludovico Teixeira, por ocasião das comemorações dos 68 anos de criação da cidade de Goiânia. Encaminhamento do Requerimento 614, de 2001, de autoria de S.Exa., que solicita seja incluído na coleção intitulada Grandes Vultos que Honraram o Senado e a História Constitucional do Brasil, o ex-Senador, pelo Estado de Goiás, Pedro Ludovico Teixeira, que exerceu mandatos nos períodos de 19/09/1946 a 31/01/1951 e de 01/02/1955 a 01/10/1969.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2001 - Página 25836
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, MUNICIPIO, GOIANIA (GO), ESTADO DE GOIAS (GO), HOMENAGEM POSTUMA, FUNDADOR, PEDRO LUDOVICO TEIXEIRA, EX SENADOR, SOLICITAÇÃO, PUBLICAÇÃO, ANAIS DO SENADO, DEPOIMENTO, FOTOGRAFIA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, INCLUSÃO, PEDRO LUDOVICO TEIXEIRA, EX SENADOR, COLEÇÃO, PERSONAGEM ILUSTRE, SENADO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Goiânia completa amanhã 68 anos. É a oportunidade para enaltecer a memória e a trajetória de um dos homens públicos mais ilustres da história política do Brasil. Pedro Ludovico Teixeira deixou-nos placidamente aos 88 anos de idade, na cidade que mandou construir em 24 de outubro de 1933, para substituir a antiga capital do Estado, a Cidade de Goiás.

            Pedro Ludovico Teixeira nasceu há exatamente 110 anos - completam-se hoje -, na cidade de Goiás, a 23 de outubro de 1891, de família ilustre, respeitável e numerosa. Era filho de João Teixeira Alvares, médico conceituado, escritor conhecido em todo o Estado, e de D. Josefina Ludovico de Almeida.

            Fez seus primeiros estudos na escola de Mestra Nhola, na Cidade de Goiás. Em 1901, ingressou no Liceu de Goiás. Em 1909, concluiu o então chamado curso secundário e foi o orador da turma, já revelando os primeiros sinais de uma carreira pública intensa, que brevemente iria envolvê-lo por toda a vida.

            Em 1910, ingressou na Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. Todavia, logo abandonou o curso porque a sua verdadeira vocação não estava na Engenharia.

            Formou-se em 1915, na Faculdade Carioca de Medicina da Praia de Santa Luzia. No ano seguinte, retornou para Goiás, onde começou a exercer a profissão de médico na cidade de Bela Vista.

            Em 1917, o jovem clínico, então com 26 anos, abre consultório em Rio Verde. Em 1918, casa-se com a Srª Gercina Borges, filha do ilustre Senador Antonio Martins Borges, influente político e pecuarista da região, e de D. Maria Borges Leão, também de tradicional família do Estado.

            Logo nasceram-lhes os filhos, que também viriam a se destacar em suas atividades. O mais notável, Mauro Borges Teixeira, foi político honrado e corajoso, ilustre e combativo Deputado Federal, Governador que mudou os destinos de Goiás, Senador que teve atuação das mais brilhantes nesta Casa, entre 1983 e 1991.

            Em 1919, aos 28 anos, Pedro Ludovico Teixeira começou a mostrar, na vida tranqüila do interior, que as suas preocupações eram bem mais amplas do que o universo da medicina. Naquele ano, que podemos definir como marco inicial de sua longa militância pública, ele deixou claro para quem o conhecia que, além de médico dedicado, tinha também irresistível vocação para as letras, para o jornalismo e para a política.

            O Estado de Goiás, ainda sem saber, estava assistindo, no início dos anos 20, ao nascimento da admirável vocação de um homem destemido, que marcaria de maneira indelével, durante 60 anos, todos os momentos da vida goiana e os instantes mais cruciais da conturbada história política brasileira até o final da década de 70.

            Com sua visão precursora, Pedro Ludovico Teixeira colocava-se muito à frente do seu tempo e das práticas então dominantes, sustentadas pelas velhas estruturas conservadoras que dominavam a política. Ele não ficou omisso diante das contradições políticas. Pedro Ludovico forjou-se um político combativo e cada vez mais consciente de que o progresso de Goiás dependia fundamentalmente de uma mudança crucial em suas estruturas políticas, sociais e econômicas. Para isso, as instâncias do poder dominante precisariam ser contestadas. Era preciso mudar de rumo e ceder lugar a uma nova concepção, que tivesse os olhos voltados para o futuro. Por conta desses posicionamentos contrários ao status quo, o jovem Dr. Pedro é preso em 1929.

            Em 4 de outubro de 1930, o Brasil acordou sob o impacto dos acontecimentos marcantes em Porto Alegre. Osvaldo Aranha e Flores da Cunha, à frente de 50 homens da Guarda Civil, imobilizaram as sentinelas do quartel-general do Exército. Às duas horas da manhã do dia 4, a revolução dominou a capital gaúcha, e muitos oficiais foram presos. A partir daquele instante, o movimento foi-se alastrando rapidamente por todo o País. Em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Nordeste, os combates eram intensos.

            Enquanto isso, em Goiás, sem perda de tempo, o inquieto Pedro Ludovico viajava para Uberlândia e lá tratou de organizar um grupo de 100 revolucionários. Na madrugada do dia 11 de outubro, à frente desses homens, tenta o domínio da cidade de Rio Verde, mas fracassa em sua investida e é novamente preso.

            No dia 3 de novembro, quando a revolução já havia completado um mês, Getúlio Vargas, envergando a farda revolucionária, assume o comando do País. Em 21 de novembro de 1930, aos 39 anos, Pedro Ludovico é nomeado interventor federal em Goiás e assume o cargo no dia 23.

            O ano de 1930 pode ser considerado realmente o início da grande arrancada, o verdadeiro ponto de partida da carreira política exemplar e da trajetória de lutas desse eminente brasileiro.

            Sua vibrante carreira só seria interrompida de maneira arbitrária, trinta e nove anos depois, em 30 de setembro de 1969, quando os militares cassaram o seu mandato de Senador e suspenderam os seus direitos políticos pelo período de dez anos.

            Apesar do ostracismo a que foi obrigado a se submeter, a ditadura militar nunca conseguiu calar a sua voz, que continuou defendendo, até o dia do seu último suspiro, a democracia, o progresso e a justiça social. O Plenário do Senado Federal, aliás, é testemunha da intensa atuação de Pedro Ludovico na defesa das liberdades públicas, por meio dos seus seguidos pronunciamentos, nos quais sempre se posicionava a favor da abertura política.

            Mas a grande contribuição de Pedro Ludovico para a História do Brasil, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi a construção de Goiânia. Quando assumiu o cargo de Interventor do Estado de Goiás, ele já trazia consigo um grande ideal, como ele mesmo dizia, um sonho de criança, que era a construção de uma nova capital. Nos primeiros anos de sua vida escolar, nos estudos de Geografia Regional, ele despertou para essa idéia que já povoava, no século XIX, as cabeças de dirigentes da Província de Goiás.

            Pedro Ludovico percebia com exatidão o sentimento inovador que agitava os corações e as mentes da maioria dos goianos, que viam, na mudança da capital, a grande oportunidade para romper com o passado conservador e inserir o Estado de Goiás em um novo processo de modernização e de desenvolvimento econômico.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Com muito prazer, concedo um aparte a V. Exª.

            O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Em primeiro lugar, gostaria de dizer que tenho certeza de que V. Exª fala em nome de toda a Casa, ao tecer elogios a uma das pessoas mais notáveis deste País. A exemplo de Juscelino Kubitschek, que construiu Brasília, Pedro Ludovico, em Goiânia, com tudo o mais que fez pelo Estado de Goiás, marcou sua presença e sua ação com coragem e dignidade. Ele, como V. Exª, foi um dos injustiçados pelo Movimento de 1964, tentando calar as vozes que representavam a vontade popular. Mas tanto ele quanto V. Exª não se curvaram. Infelizmente, ele não pôde ir muito adiante, porque havia cumprido a sua tarefa, mas V. Exª, duas vezes Governador e Senador da República, mostrou que a garra, a coragem e a bravura dos homens de Goiás merecem o nosso respeito e a nossa admiração, a exemplo de Pedro Ludovico. Peço muitas desculpas a V. Exª, mas saio agora para fazer o registro da minha candidatura para as prévias do PMDB. Não podia ausentar-me sem fazer um comunicado. Não calcula V. Exª como estou encabulado por entrar em seu pronunciamento para tratar de um assunto que foi publicado na imprensa. Refiro-me à possibilidade de um representante da Bancada do PMDB ser nomeado Ministro, na vaga deixada pelo nosso Presidente Ramez Tebet. Quero comunicar - e V. Exª o sabe tão bem quanto eu - que a Bancada não se reuniu em momento algum; o Líder não nos convocou, nem nos ouviu. Ninguém da Bancada foi ouvido. O Presidente do Partido está dando uma declaração taxativa de que é contrário, entendendo que a vaga não deve ser preenchida. Na Câmara dos Deputados, o Líder está dizendo o mesmo. Portanto, há quase uma unanimidade, no sentido de que essa indicação não deve ser feita. Dirão ao Presidente que é o Partido que quer isso, o que não é verdade. Faria um apelo ao Presidente da República para que respeitasse a vontade do Partido e não fizesse essa nomeação. Perdoe-me por esta intervenção, Senador Iris Rezende.

            O SR. IRIS REZENDE (PMDB - GO) - Muito obrigado pelo honroso aparte de V. Exª, que também prestou a sua homenagem ao imortal Senador Pedro Ludovico. V. Exª faz uma observação em relação à nomeação de Ministro para a vaga deixada pelo Senador Ramez Tebet, com a sua eleição para Presidente desta Casa. De qualquer forma, os apartes de V. Exª sempre me sensibilizam e me enobrecem.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, continuando o meu discurso, afirmo que Goiás, àquela época, seguia os caminhos da Aliança Liberal, que assumira o poder com Getúlio Vargas. Em contraposição à República Velha, o novo Governo conseguiu mobilizar a Nação, prometendo garantir as liberdades individuais, a autonomia dos Estados e leis sociais ousadas para a época, como aposentadoria para os velhos e inválidos, férias anuais para os trabalhadores e direito de organização sindical. Propunha ainda uma nova legislação eleitoral, com voto secreto e anistia para os revolucionários de 1922 e 1926. No campo econômico, a disposição era de modernizar a indústria, com o objetivo de construir uma base econômica mais sólida para contrabalançar o poder inquestionável da produção agrícola na formação bruta do capital nacional.

            Sr. Presidente, Pedro Ludovico percebeu muito cedo toda essa diferença fundamental entre a velha ordem, que não admitia, em hipótese alguma, a mudança das regras do jogo, e a nova ordem, que chegava prometendo virar o Brasil de cabeça para baixo. Além do mais, o jovem político sabia igualmente que a realização dos seus sonhos só seria possível em uma sociedade mais moderna e menos conservadora.

            Assim, aproveitando-se desses ventos mudancistas e perfeitamente afinado com Getúlio Vargas, Pedro Ludovico iniciou a sua grande cruzada no sentido de construir uma nova Capital no Planalto Central do Brasil. Com essa determinação de visionário, como muitos o chamavam, e mesmo tendo de enfrentar muitos obstáculos, conseguiu lançar de maneira gloriosa, em 24 de outubro de 1933, a pedra fundamental da cidade que seria, em breve, a mais moderna capital do País. Durante o ato, houve missa solene celebrada pelo Padre Agostinho Foster, exatamente no local onde existe hoje a Praça Cívica, em Goiânia.

            A nova capital, delineada na prancheta de Atílio Correia Lima, teve a sua localização definida por uma comissão presidida por Dom Emanuel Gomes de Oliveira, então Bispo de Goiás, respaldado pelo Decreto n.º 2.737, de 20 de dezembro de 1932. O seu nome, Goiânia, deve-se ao Professor Alfredo de Castro, ganhador do concurso realizado no final de 1933. Em agosto de 1935, com a assinatura do Decreto n.º 237, criou-se o Município de Goiânia e a comarca da nova capital. Finalmente, em 5 de julho de 1942, o sonho de Pedro Ludovico foi realizado, e os goianos, orgulhosos pela conquista, festejaram durante dias a inauguração da moderna cidade.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, amanhã, quando se comemoram os 68 anos do lançamento da pedra fundamental de Goiânia, o Estado inteiro orgulha-se de sua pujante capital e venera o seu fundador, um forjador do futuro, que conseguiu realizar uma obra gigantesca e abriu caminho para que um outro visionário também acreditasse no mesmo sonho e conseguisse construir, vinte anos depois, a Capital do Brasil da imensidão do altiplano.

            Por toda essa coincidência, Brasília e Goiânia são irmãs gêmeas, porque fizeram parte da mesma epopéia e da mesma utopia que povoaram as vidas de Pedro Ludovico Teixeira e Juscelino Kubitschek.

            Pedro Ludovico é um dos heróis da resistência democrática nos tempos da escuridão política e da falta de liberdade que vitimaram o Brasil durante 21 anos. Foi também um homem honesto, de parcos bens acumulados durante a sua vida, que deixou aos filhos como legado principal a retidão de caráter e a austeridade como regra primordial de conduta na vida pública.

            Estive ao lado desse homem admirável rumo à proscrição política, no instante em que a Nação recebia a imposição do Ato Institucional n° 5. No mesmo momento histórico, junto com Pedro, também fui vítima de cassação e da suspensão dos meus direitos políticos por dez anos, quando exercia o mandato democrático de Prefeito de Goiânia. Entretanto, a única coisa que lamento é que não tivemos a honra de tê-lo ao nosso lado nos agitados movimentos que trouxeram de volta a democracia. Quando a anistia aconteceu em maio de 1978, o velho patriarca estava sereno, indicava-nos os caminhos da reconquista plena da democracia, mas já não tinha mais força física para participar das grandes caravanas que levantavam os estandartes da redemocratização nos quatro cantos do Brasil.

            Todavia, na cena política, substituindo o velho comandante, estava o seu filho, o eminente ex-Governador Mauro Borges, uma das maiores reservas morais deste País. Assim, a tristeza de não ter o Doutor Pedro em pessoa, logo se transformava em alegria, porque, vendo Mauro Borges, víamos a imagem do grande Pedro Ludovico e sabíamos que em casa ele estava feliz porque o seu filho o representava dignamente no meio das multidões.

            Pedro Ludovico suportou, até o final dos seus dias, a dor da ferida não cicatrizada da punição injusta, mas nunca se entregou. Foi o impulsionador do MDB no Estado de Goiás e, sempre defendendo a justiça, exerceu, com competência, com dedicação, com coragem, com dignidade e com seriedade, os seus três mandatos de Senador nesta Casa, sempre conferidos pelo povo goiano com retumbante votação. Toda a sua atuação foi dedicada à defesa da democracia, do progresso nacional e dos interesses de Goiás.

            Na publicação Falando com Franqueza, editada pela Gráfica do Senado Federal, encontram-se os discursos do seu segundo mandato como Senador da República, cobrindo o período entre 1955 e 1963. No mandato seguinte, que abrange justamente o período do golpe militar de 1964 até a edição do Ato Institucional n.º 5, suas preocupações foram mais com a democracia, com a integridade do Congresso Nacional, sem, contudo, abandonar as raízes goianas e o seu grande amor pela cidade que fundou. Assim, em 1966, como convidado do Departamento de Geografia e História da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Goiás, em um grande auditório lotado de estudantes, professores, políticos e jornalistas, o velho Senador prestou um depoimento histórico sobre a mudança da Capital. É importante ressaltar que o referido depoimento compõe o acervo bibliográfico de sua atuação no Senado Federal.

            Ao lado do povo, os intelectuais goianos também veneram a memória de Pedro Ludovico e por isso o escolheram como o maior personagem de Goiás no século XX. Assim, ele encabeça a galeria dos grandes vultos que engrandeceram a nossa História no século que terminou, formada por Bernardo Élis, Colemar Natal, Alfredo Nasser, Hugo de Carvalho Ramos, Dom Emanuel Gomes de Oliveira e Cora Coralina, que contaram em contos, em prosas, em versos, em romances e em ações destemidas a epopéia do nosso Estado.

            Pedro Ludovico era um homem honesto e de hábitos bastante simples. Durante toda a sua vida, sempre foi sincero e nunca mostrou qualquer sinal de arrogância na convivência social. Vivia intensamente para a família, para a política, para os seus afazeres cotidianos, que fazia questão de cumprir nos mínimos detalhes, e praticava a solidariedade com os seus semelhantes, de maneira espontânea. Sobre seu caráter, ninguém melhor para testemunhar do que um dos mais respeitáveis políticos que já passaram pela Câmara Alta, o Senador Auro de Moura Andrade. Na apresentação do livro sobre a atuação parlamentar de Pedro Ludovico, Falando com Franqueza, o saudoso Senador escreveu o seguinte:

      O Senador Pedro Ludovico Teixeira é, sem dúvida, uma figura singular de homem público.

      As suas tradições de lealdade deram à sua personalidade e à sua atuação no cenário político brasileiro posição própria, respeitado e admirado pelos companheiros e pelos adversários.

            Sr. Presidente, em face da importância desse personagem que ajudou a escrever a história recente do Brasil, estamos solicitando que seja determinada a publicação dos depoimentos em anexo que compõem este pronunciamento, incluindo, assim, nos Anais desta Casa verdadeiros testemunhos a respeito da vida de Pedro Ludovico, tais como fotografias históricas e seus discursos no Senado. As peças que complementam este discurso são contribuições de renomadas autoridades como Eurico Barbosa, Nelson Siqueira, PX Silveira, Luiz Estevam, José Luiz Bittencourt e José Carlos Bardawill.

            Nesta oportunidade, apresentamos ainda requerimento para que seja incluído na coleção intitulada Grandes Vultos que Honraram o Senado e a História Constitucional do Brasil o ex-Senador Pedro Ludovico Teixeira.

            Trata-se de uma justa homenagem a um brasileiro que soube honrar os mais nobres princípios da vida pública. Com sua determinação e com seus ideais, seguro e decidido, Pedro Ludovico costumava dizer: “Só Deus terá poderes para me fazer recuar”. Com essas palavras, ele afirmava claramente que tinha uma missão a cumprir antes que chegasse o momento de sua grande viagem. E conseguiu: Goiânia aí está como o símbolo da modernização do interior brasileiro, verdadeiro divisor de águas entre o arcaico e o novo não apenas em Goiás, mas em toda a Região Centro-Oeste.

            Pedro Ludovico, o maior personagem de Goiás no Século XX!

            Nos termos do §1º do art. 2º da Resolução do Senado Federal n.º 84 de 1996, do Senado Federal, requeiro seja incluído na coleção intitulada Grandes Vultos que Honraram o Senado e a História Constitucional do Brasil o ex-Senador, pelo Estado de Goiás, Pedro Ludovico Teixeira, que exerceu mandatos nos períodos de 19 de setembro de 1946 a 31 de janeiro de 1951 e de 1º de fevereiro de 1955 a 1º de outubro de 1969.

            Muito obrigado.

 

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            SEGUEM DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR IRIS REZENDE EM SEU PRONUNCIAMENTO, INSERIDOS NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.

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            O VELHO CACIQUE

José Carlos Bardawil

            Tão lendário quanto Totó Caiado, só que, na verdade, se constituindo numa lenda viva da oligarquia, é o senhor de rosto extremamente pálido, e não obstante jovial, que mora na velha casa cercada de árvores, da rua 26, centro de Goiânia. Pedro Ludovico Teixeira, aos 80 anos, cassado pela revolução, dedica-se hoje a assistir filmes de "faroeste" e a conversar sobre política - que ele está informado de tudo quanto se passa, embora não alimente mais esperanças de um dia voltar a ser o dono da política goiana, o substituto de Totó Caiado, criador de uma nova oligarquia.

            Na década de 20, ele morava em Rio Verde, sudoeste do Estado, embora como Totó Caiado fosse goiano da cidade de Goiás. Lá clinicava, médico que era, filho de um médico não menos famoso, o dr. Teixeira Alvares. “Tanto que meu filho Pedro é Ludovico, e não Borges Teixeira, como os outros. E meu neto, Pedro, é Pedro Ludovico, também" - explica ao repórter de Veja, sentado displicentemente numa das velhas poltronas de sua residência. Pelas paredes, pululam as lembranças do passado: retratos de Getúlio Vargas, do próprio Ludovico assinando o decreto da mudança da capital, ou um diploma da Assembléia dedicado ao "Varão de Rara Estirpe, Padrão de Honradez e Dignidade!").

             No entanto, o médico bem sucedido da década de 1920, não tardou a entrar na política, após casar-se com a filha de um dos "coronéis" de Totó Caiado, Francisco Borges. "Os abusos eram tão grandes que eu acabei me revoltando e resolvi fazer política para melhorar a situação do povo" - conta ele, hoje. Não há quem o desminta, mesmo porque, na época, Totó Caiado já sentia maiores dificuldades para controlar a política goiana e, por isso, usava a violência com mais freqüência. Só que, quase certamente, Pedro Ludovico Teixeira não passaria de mais um "coronel" de Totó Caiado, se este não lhe tivesse recusado a indicação para concorrer a deputado federal em 1926, já consagrada pela convenção partidária. "Esse doutorzinho candidato... nunca! Candidato é meu genro! - disse Totó e mandou modificar a ata. A partir desse dia, Ludovico consagrou-se definitivamente à oposição, com a ajuda do seu sogro. Foi preso três vezes ("A primeira vez por quatro horas, a segunda por quatro dias, a última por 14 dias"). A última prisão - paradoxalmente - marcou o início de seu poder. Juntamente com 110 homens de sua confiança ele tentara conquistar Rio Vede, mas acabara preso, armas na mão, depois que suas forças foram devastadas pela polícia local. No entanto, isso ocorria em 1930, e, pouco depois, o governo Caiado seria derrubado pelas forças revolucionárias mineiras que invadiram Goiás. Quando se tratou de nomear uma junta governativa provisória para substituir os Caiados (que já se encontravam presos), Pedro Ludovico, reconhecido como o herói da revolução, foi um dos três escolhidos, juntamente com Emílio Póvoa e Mário Caiado de Castro, este um Caiado que fazia parte da oposição.

            Manobrando habilmente, Pedro Ludovico soube apresentar-se ao ditador Getúlio Vargas como o único "político novo" da junta (Póvoa era idoso e Mário Caiado trazia o estigma da família). E assim, logo foi nomeado interventor, dissolvendo-se a junta. Enfrentando dificuldades nos primeiros tempos, devido à oposição do próprio Mário Caiado e do militar Domingos Velasco, tenentista revolucionário de primeira hora, Ludovico conseguiu firmar-se junto a Vargas em 1932, quando determinou a organização de batalhões voluntários para combater os paulistas: suas forças infligiram derrotas aos constitucionalistas em Minas Gerais e foram recebidas com calorosas manifestações. Pouco depois, Ludovico lançava seu trunfo definitivo, levantando a idéia da mudança da capital da cidade de Goiás para um novo local.

            "Goiânia foi o farol de Goiás. Até então, o nosso Estado era o mais atravessado do país, juntamente com Piauí e Mato Grosso. E na região de Goiânia estava o "Mato Grosso" de Goiás, as melhores terras, onde se implantaria a agricultura que praticamente não existia e onde a pecuária poderia melhorar de nível. E também era necessário a mudança porque Goiás era uma cidade distante dos grandes centros, enquanto Goiânia estava perto da estrada de ferro" - explica, agora, Pedro Ludovico. Certamente, porém, entre os motivos da mudança estava a necessidade sentida pelo hábil político de dar um golpe definitivo nos Caiados: mudar a capital significava retirar-lhes os últimos resquícios do poder, todos encastelados à sombra das ruas de granito da velha Goiás. Ao mesmo tempo, Ludovico ganharia um novo eleitorado, o da grande cidade que nasceria nos campos de Goiânia e os agricultores do sul, cujas plantações ganhariam novas vidas com a proximidade da capital.

            Quando os Caiados se aproveitaram do sentimento revanchista dos residentes em Goiás, e chegaram a obter maioria na Assembléia Legislativa, Ludovico não hesitou em usar a mesma violência que tanto criticara nos seus antecessores: sua policia prendeu um deputado na velha capital e uma centena de soldados passou a desfilar diariamente pelas ruas, para estabelecer o pânico entre a população. "Retratos do senhor Pedro Ludovico eram pregados por agentes do oficialismo em toda a cidade e, de preferência, na fachada das casas antimudancistas e nem todos podiam removê-los sem o risco de ameaças por parte dos soldados, postados por perto" conta o historiador Jaime Câmara, em seu livro "Tempos da Mudança", o único a analisar uma parte do governo Ludovico. A situação chegou a tal ponto que os deputados da oposição chegaram a pedir asilo ao 6º Batalhão de Caçadores, sediado na cidade -: de pijama, eles foram fotografados, passando o episódio a ser reconhecido como o da "prisão dos deputados". Se não era, na verdade, uma prisão imposta fisicamente, fora, pelo menos, o resultado de uma pressão governamental publicamente realizada. Certo é que, desta forma, Ludovico conseguiu a adesão do deputado Felismino Viana e pôde promover a destinação do Presidente da Assembléia, Hermógenes Coelho, seu inimigo político, graças a novas adesões, dos Deputados Agenor de Castro e Vítor Coelho de Almeida, estas atribuídas a favores recebidos do poder público. E assim, com a maioria garantida, seu decreto de mudança da capital foi assinado oficialmente, em 23 de março de 1937. Pouco antes, o governador já conseguiu retirar o Tesouro de Estado (uma pesada arca que continha os valores do erário público) da cidade de Goiás, com a ajuda de um grupo de selecionados "jagunços" e, mesmo assim, despistando os antimudancistas: o cortejo saiu, num caminhão cercado pelos "jagunços" a cavalo, em plena madrugada., quando a saída estava marcada para as oito horas da manhã.

            Quase todos os políticos getulistas, Pedro Ludovico aumentou ainda mais seu prestígio com a redemocratização. Sua eleição para o governo em 1950 foi consagratória: 30 mil votos de diferença foram dados ao velho chefe, que já então tinha uma imagem completamente desligada da violência dos anos 30. Aparecia nos bailes de carnaval de lança-perfume à mão. Fundava escolas, e distribuía favores entre seus amigos pessedistas com um eterno sorriso nos lábios. Nessa época, seus "jagunços" ainda davam mostras de existir, envolvendo-se em tiroteios com os representantes do caiadismo (que retornava apoiando-se na UDN). Mas o Velho Pedro - como um já o chamava - parecia invencível nas eleições. Ganhou todos os pleitos até 1960, ano em que conseguiu impor ao eleitorado o nome de seu filho, Mauro Borges Teixeira, oficial do exército com carreira feita em outros Estados, que só chegara a Goiás dois anos antes, para ser eleito deputado. Em 54, o eleito fora José Ludovico de Almeida, seu primo Juca. Em 58, enfrentando Juca (que se tornara seu inimigo político) e os Caiados, elegeu José Feliciano Ferreira, veterano pessedista. Em 1962, com Mauro Borges no governo, o PSD do Velho Pedro chegava ao máximo: dois terços dos deputados federais e estaduais e uma reeleição do "Cacique Ludovico" para o Senado.

            Com a Revolução de 64, o caminho natural do astuto pessedista seria alojar-se nas hospedarias governamentais, como aliás já o fizera seu colega de Senado, Filinto Müller. Mas Ludovico tinha, já, o problema do filho, Mauro Borges (cassado posteriormente pela Revolução sob acusação de ligações com esquerdistas) e também não via com bons olhos a interferência do Presidente Castelo Branco no PSD goiano. Em 1965, Castelo Branco apoiou a candidatura de Castro Costa para o Governo do Estado. Costa, pessedista, seria o candidato único apoiado pela Revolução. Ludovico não confiava, porém, num candidato que não fosse lançado por ele próprio. E lançou Peixoto da Silveira. Na convenção do PSD o espectro da derrota parecia perseguí-lo, pois todos os entendidos em política davam ao candidato de Castelo Branco uma vantagem de dois terços, mas Ludovico num golpe de audácia muito ao seu feitio, mudou a situação. "Convenção e votação são coisas para homem. O voto, vai ser a descoberto" - determinou, como presidente da convenção. E os que já tinham se comprometido com o candidato castelista não tiveram coragem de trair o velho chefe: a vitória de Peixoto da Silveira foi esmagadora. Contudo, seria uma vitória efêmera. Enfrentando o candidato da UDN apoiado decididamente pela interventoria estadual e pelo próprio Governo Federal (o general Nogueira da Paz, da 6ª Região Militar, chegou a visitar cidades, pedindo votos favoráveis ao "candidato da Revolução", Otávio Lage), Pedro Ludovico sofreu sua primeira derrota. Peixoto da Silveira foi derrotado pela diferença mínima de 4 mil votos. Seguiram-se outras derrotas, sucessivamente maiores: perdeu a maioria dos deputados estaduais, em 1966, obtendo apenas 5 deputados para o MDB contra 8 da ARENA. E em 69, apenas 15% dos prefeitos. A essa altura, já era, também, um cassado. Mas ainda tentava política: seu filho Pedro Ludovico Teixeira concorreu ao Senado em 1970. Foi derrotado pela velha força que retornava com a revolução, o "Caiadismo". A ARENA elegeu os três senadores, inclusive Emival Caiado.

            Agora, terno de xadrez esverdeado, suspensório, óculos escuros, gravata de laço antigo, Pedro Ludovico apenas espera os dias passarem, na sua casa ou na sala escura de um cinema, assistindo filmes como "Carter, o Vingador", que viu na terça-feira passada. Nenhum cinema lhe cobra ingresso. Derradeira homenagem ao chefe da oligarquia dos Ludovicos, que parece inteiramente destruída: sempre capitaneados pessoalmente pelo Velho Pedro e não tendo qualquer político ativo, os Ludovicos não se dedicam, sequer, a atividade correlatas a política (magistratura, Direito, como fizeram os Caiados na sua época de ostracismo): um filho do Velho Pedro, Paulo Borges Teixeira é médico e chega a dizer que não gosta de política. E Mauro Borges Teixeira, o único político da segunda geração dos Ludovicos, é hoje apenas um comerciante, em Brasília. Parece claro que a oligarquia Ludovico funcionava muito mais através e para os chefes políticos amigos e liderados. São lembrados, atualmente, apenas, Juca Ludovico Teixeira, Mauro Borges (ex-governadores) e Berlarmino Cruvinel (cunhado de Ludovico, presidente do Banco do Estado), como membros da família Ludovico que gozaram das delícias dos cargos públicos durante seu governo. Os maiores beneficiados eram os "coronéis" de Ludovico, alguns ou muitos dos quais, aliás, haviam sidos também dos Caiados. Com a queda do seu líder, procuravam novos rumos, e, hoje, muitos já são, novamente, dos Caiados.

      José Carlos Bardawil, já falecido, foi repórter político das revistas Veja e Istoé. Essa reportagem foi publicada na revista Veja em 1973 e está no seu livro “Os Sobreviventes”, editado pela Gráfica do Senado Federal.

 

  PEDRO LUDOVICO PERANTE A HISTÓRIA

Eurico Barbosa

            Pouco depois da eleição do sr. Jerônimo Coimbra Bueno a Governador do Estado, em 1946, publicou-se um livro, de autoria de Guimarães Lima, intitulado “Goiás Libertado” No prefácio, um jornalista residente no Triângulo Mineiro mas que escrevia com muita freqüência para a imprensa de oposição a Pedro Ludovico em Goiás, pespegou esta jóia de bijuteria de camelô contra o fundador de Goiânia:

            “Não soube fazer amigos em dezesseis anos de Governo. Não soube conservar os amigos que tinha. Entrou em crepúsculo sozinho, premeditadamente sozinho. Passou melancolicamente de época como uma pilhéria que ninguém repete pelo desuso...”

            Essa heresia do sr. Odorico Costa - este o nome do infeliz - deve ter nascido, além da miopia e do facciosismo do jornalista, de ser ele absolutamente falto de sensibilidade para captar realidades conjunturais, ocasionais, não duradouras.

            Não fora Pedro Ludovico Teixeira quem perdera aquela primeira eleição realizada em Goiás depois da revolução de 1930. O partido que ele fundara, o Partido Social Democrático (PSD) sofrera várias dissidências de peso, sobretudo em razão da escolha do candidato ag. É historicamente sabido que o sr. José Ludovico de Almeida, candidato escolhido, era homem moralmente íntegro, bom administrador, mas não “bom de voto”. Fraco orador, dotado de uma franqueza que o fazia político inábil, teve ainda contra si, durante toda a campanha e até a data da eleição, a ameaça de ser declarado inelegível pela Justiça Eleitoral, em face de recurso oposto à sua candidatura. Do outro lado, estava um engenheiro apolítico, ao qual o próprio Pedro Ludovico havia conferido o título de “construtor de Goiânia” (os irmãos Coimbra Bueno ganharam esse título oficialmente) e uma soma de fatores que animavam sua candidatura: a democratização do país ocorrida um ano antes e que dava munição contra os beneficiários do Estado Novo (caso de Pedro Ludovico e do próprio Juca Ludovico); a formação de uma coligação numerosa em termos de siglas e mesmo de lideranças regionais; e o anelo por mudanças de grande parcela do povo.

            Mas inteiramente ao contrário da parva afirmativa do sr. Odorico Costa, de que “passou melancolicamente de época como pilhéria que ninguém repete pelo desuso”, Pedro Ludovico se tornara o maior nome da política estadual. Afinal, promovera a extraordinária revolução que foi a mudança da capital. Tirara Goiás da estagnação. Cinco anos antes, o Batismo Cultural de Goiânia fora o acontecimento mais marcante do século no Estado.

            Observe-se que em 1949 o Conselho de Imigração e Colonização, órgão federal, fez a divulgação de substancioso livro com o título “Goiás” e o subtítulo “Uma Nova Fronteira Humana”, no qual se situava esta unidade federativa como o mais importante corolário da Marcha Para o Oeste, idealizada e iniciada por Getúlio Vargas; e se evidenciavam os grandes frutos da fecunda semeadura representada pela construção de Goiânia. São impressionantes os dados ali apresentados sobre o desenvolvimento econômico, cultural e populacional de Goiás desde o período colonial até aquele ano de 1949, tendo a implementação da Estrada de Ferro Goiás na segunda década do século XX; e a nova capital inaugurada sete anos antes - esta num plano, evidentemente, ainda de muito maior vulto, como as decisivas alavancas propulsoras.

            Tanto o prestígio de Pedro Ludovico se erigira que já em 1948 e 1949, tendo o jornal O Popular, então semanário, realizado durante vários meses uma consulta popular sobre as preferências do eleitorado para a sucessão de Coimbra Bueno, o seu nome ganhara disparado. E ao se realizar a eleição para governador em 3 de outubro de 1950, teve o seu nome sufragado por quase setenta por cento do eleitorado (frente de 30.000 votos num contingente de pouco mais de 100.000 eleitores). É verdade que o assassinato do deputado Getúlio Artiaga foi importante fator emocional. Amigos dissidentes não se tinham tornado inimigos, sim adversários eventuais. Outra vez se alinharam nas fileiras por ele comandadas.

            Consagradoramente eleito em 3 de outubro de 1950, Pedro Ludovico devota-se prioritariamente em seu Governo constitucional à solução do grandioso problema da eletrificação do Estado. Projeta a Usina do Rochedo, aproveitamento de manancial hidráulico próximo de Piracanjuba. A construção da hidrelétrica, com produção prevista de cinco mil quilowatts, tem início em 1953. Essa obra evidencia faces enormemente positivas do caráter de Pedro Ludovico. Embora sendo ele o governador, transfere para seu secretário da Fazenda, José Ludovico de Almeida, todo o mérito da realização. As divulgações do Governo não vinculam o nome de Pedro Ludovico à importante realização: nas fotos junto à represa e à maquinaria da Usina aparece sempre a figura do secretário da Fazenda, que assim via ampliar-se a sua imagem de gestor operoso e progressista. Pedro Ludovico desejava ver eleito seu sucessor aquele primo, auxiliar, companheiro e amigo em quem via grandes qualidades de financista e administrador; e que lhe fora absolutamente leal por ocasião de gravíssima crise política na década de 30, na qual estivera em jogo a sorte da mudança da capital goiana.

            Como eu disse há pouco, Juca (José Ludovico de Almeida) não era bom de voto, apesar, repito, das suas qualidades positivas. Para azar seu, e naturalmente do seu partido, ocorreu em agosto de 1953 um fato que veio desgastar profundamente o Governo Pedro Ludovico. Um jornalista oriundo do Rio Grande do Norte, Haroldo Gurgel, foi brutalmente assassinado em pleno centro de Goiânia, em frente ao Lord Hotel, na Avenida Anhanguera. Ao lado do repórter potiguar estavam outros dois jornalistas, os irmãos Antônio e João Carneiro Vaz, que foram gravemente baleados, e que escaparam graças a imediatos socorros médicos e hospitalares. Os três jornalistas pertenciam ao jornal O Momento, sendo Antônio Carneiro Vaz o Diretor. Uma reportagem do vibrante diário envolveu o Diretor do Departamento de Energia Elétrica, Pedro Arantes, amigo de Pedro Ludovico. Quatro pistoleiros - Domingos Borrely, Nenen Calango, Pernambuco e Zé Serapião - esperaram pelos jornalistas nas proximidades do Lord Hotel e, quando os três estavam próximos a este, na calçada do lado esquerdo da Avenida Anhanguera, viram à sua frente, tiroteando covardemente, os bandidos. Haroldo morreu crivado de balas encostado a uma das paredes do Lord Hotel.

            O crime chocou a opinião pública. Pedro Arantes foi o suposto mandante. Teve a sua prisão preventiva decretada pelo Juiz Hamilton de Barros Velasco. (Mais tarde viu-se impronunciado, por outro juiz). O Governo do Estado ficou acentuadamente desgastado. Veio a eleição e Juca Ludovico, que a disputou com Galeno Paranhos (outro dissidente pessedista) tem até hoje a sua vitória (por pequeníssima diferença) contestada. Há quem diga, até, que Galeno ganhou.

            Disse eu que o apoio de Pedro Ludovico ao nome de José Ludovico de Almeida evidencia várias faces positivas da sua personalidade. Uma delas, retro referida, foi o seu desprendimento, ao transferir para o seu auxiliar todo o mérito da sua maior obra governamental. Outra, o cunho de lealdade que imprimiu, do começo ao fim, ao nome em que se fixara, o qual já tinha em seu currículo a derrota para Jerônimo Coimbra Bueno em 1946.

            O assassínio de Haroldo Gurgel reflete-se negativamente também na votação de Pedro Ludovico para o Senado (havia se desincompatibilizado 6 meses antes, tendo assumido a governadoria o vice-governador Jonas Duarte). Ele se elege, mas em segundo lugar (94.829 votos): o primeiro foi alcançado por Jerônimo Coimbra Bueno (96.067 votos), um dos maiores derrotados de quatro anos atrás. Em 1962, Pedro Ludovico ganhou outro mandato de senador (oito anos). Dessa vez foi o mais votado.

            Como governador Pedro Ludovico Teixeira não se limitou, no plano da energização do Estado, à construção da Usina do Rochedo (que a oposição, tendo à frente a UDN, chamava de “usina do rachado”). Em 18 de agosto de 1953, o seu Governo anunciava a realização de concorrência pública para a aquisição de maquinários para as obras da usina de Cachoeira Dourada. Antes, a 1° de fevereiro, já se reunira a chamada Comissão de Cachoeira Dourada, que decidira a construção do “acampamento das obras” - hotel, casas de operários, hospital, farmácia, restaurante e outras dependências.

            Em 1° de abril do ano seguinte (1954) é aberta a concorrência para as obras de engenharia civil de Cachoeira Dourada e daí a dois meses (3 de junho) tem início o empreendimento da grande usina.

            No Senado, praticamente não legislou; e pouco se pronunciou. Conduziu-se com a ética que lhe era característica, cercado do respeito dos seus pares. O Parlamento, porém, não era a sua vocação. Esta era a de homem de Executivo. Foi o que o impulsionou ao enfrentamento de todas as resistências ao seu ideal de catapultar o desenvolvimento do Estado, mediante a transferência da sede do Governo para uma localização geográfica propiciadora de uma metrópole com os mais amplos horizontes, a substituir uma velha capital de 10.000 habitantes, sem nenhuma possibilidade de expansão e sem revérbero algum no progresso da unidade federativa de que era o centro político e administrativo.

            As resistências à mudança foram tamanhas que até mesmo um dos seus mais aguerridos e honrados adversários, Francisco de Brito - que foi jornalista, deputado estadual e escritor - fez este reconhecimento:

      “A mudança da capital era o seu sonho maior. E para realizá-lo precisava de muita coragem e obstinação. Sacrificou suas melhores amizades e não o deteve a falta de recursos e de apoio financeiro do Governo federal, alheio a seu empreendimento. Se tivesse vacilado, teria perdido a batalha.”

            Jamais vacilou, enfrentou todos os óbices com a coragem que era uma das suas marcas - duas outras, extraordinariamente significativas, eram a honestidade e a lealdade - e venceu a batalha.

            Pedro Ludovico tinha tal vocação para a chefia administrativa e tal escrúpulo no trato do dinheiro público que, supervisionando pessoalmente as primeiras obras da construção de Goiânia, achou caros os tijolos que estavam sendo vendidos ao Governo, pelo sr. Licardino de Oliveira Ney. Chamou-o para externar-lhe essa impressão. Licardino de Oliveira Ney, um dos pioneiros de Campinas, era cidadão corretíssimo e destemido e amigo de Pedro Ludovico. Teve forte altercação com o governador. Ficaram atritados. Dante Ungarelli, com sua linguagem simples, de cidadão pouco letrado - e que teve participação muito ativa no início da construção de Goiânia - dá a respeito este testemunho:

      Dr. Pedro determinou ao escritório da Superintendência que fizesse um levantamento sobre os preços dos tijolos de Eduardo de Freitas e Licardino de Oliveira Ney para chegar a uma conclusão justa, tendo eu sido designado para tal. Peguei um caminhão, andei, fiz as despesas dos tijolos na obra e cheguei à conclusão de que o Licardino de Oliveira Ney estava certo. Dr. Pedro veio de Goiás, entrou no escritório; a primeira coisa que ele perguntou foi: ‘Bailão, já fizeram o levantamento do caso dos tijolos?’ Bailão respondeu-lhe que estava feito. Ele olhou e mandou pagar o Licardino os tijolos. Poucos dias depois, chega à casa do Licardino uma carta de Pedro Ludovico pedindo desculpas pelo fato ocorrido (in “O Velho Cacique”, de Luís Alberto Queiroz, 3ª edição, pág. 88).

            Quando menino e ainda quando jovem, em Morrinhos, minha cidade, eu ouvia de adversários de Pedro Ludovico ser ele homem truculento e mau. Ficou-me essa imagem por muito tempo. Ficou até que a vida me viesse proporcionar, com imensa prodigalidade, oportunidades de conhecer de perto “coronéis políticos”, chefetes e chefes municipais, vereadores, deputados estaduais e federais, senadores, secretários de Estado, governadores, vice-presidentes e presidentes da República. Vim a ter contato e mesmo convívio com homens públicos de todos os escalões e de todo jaez: brilhantes, medíocres, cultos, despreparados, idealistas, oportunistas, autênticos, fisiológicos, verdadeiros, mentirosos, éticos, cínicos, honestos, inescrupulosos.

            Nenhum excedeu - muitos, naturalmente, o igualaram - Pedro Ludovico em sinceridade e correção moral.

            Perante a História ele ficará como o maior propulsor do desenvolvimento de Goiás.

Eurico Barbosa é o atual presidente da Academia Goiana de Letras. Foi vereador por uma legislatura e deputado estadual por quatro legislaturas, tendo sido presidente da Assembléia Legislativa no biênio 85-87. Jornalista profissional, teve também intensa atuação como advogado. É, atualmente, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e foi seu presidente em 1999. Foi também presidente da União Estadual de Estudantes - UEE - e da Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de Goiás. Publicou os seguintes livros: “Confissões de Generais”, “Pedro Ludovico: A Mudança Revolucionária”, “Histórias e Lembranças”, “A Noite de 15 Anos” e “Rui Barbosa e o Ideal do Tribunal de Contas”.

 

            ENTRE O SONHO E A REALIDADE

         Luís Estevam

            A Goiânia de hoje não é a Goiânia idealizada pelo seu fundador. A cidade extrapolou os limites e ganhou dimensões nunca antes imaginadas. Por essa razão, o projeto e a realização de Pedro Ludovico devem ser contextualizados na história e nos desvios da história, elementos responsáveis pela consolidação de uma nova realidade que se chama a Grande Goiânia.

            O projeto de construção de Goiânia ainda está em andamento. Durante 66 anos ganhou tantas conotações positivas e negativas que somente uma revisita histórica poderá delimitar. No centro de tudo e acima de facções políticas, mesmo longe das paixões partidárias, paira inexoravelmente a figura de seu criador, Pedro Ludovico. Goiânia lhe deve a vida, a sua existência, embora a criatura tenha, de certa forma, suplantado o criador. Não no sentido de apagá-lo da história, o que seria impossível. Mas, no sentido de nervosamente ter ultrapassado os seus limites idealizados e tornar-se o mais novo centro de imigração do país.

            Vale a pena rever os percalços de um traçado planejado que se tornou, a princípio, uma cidadezinha bucólica e que acabou transformando-se em uma grande metrópole.

            Tudo começou na década de 1930. Se bem que, a Revolução de 1930 não provocou mudanças imediatas na ordem socioeconômica de Goiás. O cotidiano da população continuou ruralizado em todo o Estado. As estruturas - vida social e material, refletidas na organização produtiva, nas relações de trabalho, na arrecadação tributária e nas despesas administrativas do Governo - persistiram quase que idênticas ao passado. Mas, em termos políticos a revolução de 1930 apontou para significativas modificações. Desde o início do século passado, havia descontentamento de grupos econômicos com relação ao estilo de Governo conduzido pelas oligarquias tradicionais. Com o tempo, o movimento oposicionista ganhara fôlego e a Revolução de 1930 apresentou uma oportunidade ímpar para os descontentes. Os líderes do sul goiano, em união com políticos do Triângulo Mineiro, instigaram um levante, culminando por instalar um Governo provisório em Goiás e, desde então, novas oligarquias perduraram no poder - sem interrupção - por quase duas décadas. No centro de tudo, o carisma e a liderança de Pedro Ludovico.

            Contudo, a mudança política de 1930 em Goiás não significou apenas substituição de oligarquias no contexto de um Estado eminentemente rural. A princípio, a alternância no poder foi mais visível na aparência de comando do que nas atitudes tomadas pelo Governo Estadual. Pedro Ludovico propalava - como objetivo primeiro de sua gestão - a solução global dos problemas regionais e almejava inaugurar uma era de desenvolvimento para Goiás. Lemas como “novo tempo” e “modernidade” eram freqüentemente arrolados nos documentos oficiais dos anos trinta. Porém, acima de tudo, a construção de uma nova capital representava o empreendimento sintetizador do afã de desenvolver o Estado. Foi bastante divulgada a crença de que, onde se estabelece uma cidade moderna e bem aparelhada surge o progresso industrial, bancário e comercial.

            De um lado, o que estava por detrás desse discurso era a viabilização de um projeto que proporcionasse maiores possibilidades de integração econômica de Goiás com outros Estados, tanto que Pedro Ludovico estava impregnado pelo desenvolvimento comercial do Triângulo Mineiro e, de certa forma, representava aspirações econômicas de grupos sulinos. De outro, por detrás do promissor lema desenvolvimentista - embasado na idéia da construção de uma nova capital - pairava um pesado jogo político. As antigas oligarquias conservavam-se ativas no ambiente da velha capital e exerciam influência sobre líderes e prefeitos do interior tendo, portanto, de ser politicamente minadas. O sul do Estado buscava sua estrutura de poder. Valia-se da determinação do médico e político Pedro Ludovico

            No âmbito político nacional as condições eram favoráveis. No discurso de Getúlio Vargas tornava-se imperioso localizar no centro geográfico do país forças capazes de irradiar e garantir a expansão desenvolvimentista. Assim, a implantação de uma nova cidade no planalto central traduzia o desejo do Presidente e incorporava o símbolo do Estado Novo constituindo um marco significativo na sua política de interiorização.

            Contornados os entraves políticos, restaram as dificuldades econômicas e técnicas para edificação da nova cidade. A escolha do local foi quase imediata, situando-se na parte mais povoada do centro geográfico do Estado, onde existiam terras férteis e planas, além de uma topografia apropriada para edificações. Os recursos passaram a fluir de duas fontes básicas: empréstimos do Governo Federal e comercialização de terras na abrangência do novo município. Os primeiros empréstimos, totalizando cerca de 15 mil contos de réis, foram conseguidos no primeiro quinquênio dos anos trinta e o parcelamento de terras - obtidas por doação, compra e permuta - gerou benéfica explosão especulativa na área. Assim, em conjunto, as dívidas contraídas e as verbas advindas da negociação das terras serviram para financiamento dos edifícios públicos na nova capital.

            Outra grande dificuldade enfrentada por Pedro Ludovico esteve no setor de recursos humanos. A carência de operários era crucial - mesmo sem especialização - para andamento das construções. Trabalhadores especializados, então, eram completamente inexistentes no âmbito de Goiás. Pedro Ludovico, inclusive, registrou em suas memórias as dificuldades que encontrou, frisando que técnicos especializados tiveram de ser contratados em São Paulo e com grandes dificuldades em vista da insignificância das rendas estaduais. Neste quadro, a saída foi a promoção de intensa campanha - através de órgãos de comunicação - visando arregimentar operários suficientes para a empreitada e, de sua parte, o Governo Federal passou a enviar continuamente migrantes para Goiás. Pedro Ludovico pôde contar, então, com pouco mais de quatro mil operários que trabalharam duramente e construíram Goiânia para ser, primordialmente, um símbolo do dinamismo do Estado.

            A implantação de Goiânia, mesmo contando com firme disposição dos Governos Estadual e Federal, deu-se demoradamente e por etapas. Em 1933 aconteceu a tomada de decisão: escolheu-se o lugar e lançou-se uma pedra fundamental. Em 1935 consumou-se a mudança provisória de órgãos do Governo para Goiânia. Finalmente, em 1942, com o “batismo cultural”, a cidade foi oficialmente inaugurada e seu índice progressista dado como vertiginoso. Na virada da década de quarenta, testemunhos registraram que Goiânia construiu mais de cem prédios ou quase quatro prédios por dia. No caso, não seria um crescimento e sim uma verdadeira explosão no contexto de um Estado ainda incipiente em sua urbanização. Estava se cumprindo, de fato, mais uma etapa da Marcha para o Oeste, no sentido de dinamizar a demografia e a economia de Goiás. A articulação com São Paulo foi vigorosa desde o princípio. A nova cidade recebia -- da economia paulista -- os materiais de construção, os gêneros alimentícios, os tecidos e as ferramentas para o trabalho. A crescente valorização das terras do município, por sua vez, atraíram investidores de outros centros a ponto de o crescimento econômico de Goiânia ser bastante evidenciado pelo seu primeiro prefeito. Venerando de Freitas registrou que, em 1938 existiam no município 24 mil cabeças de bovinos e, já no ano seguinte, essas cifras se elevavam a 56 mil cabeças, explicando o aumento pelo número de fazendeiros que se transferiram para o município.

            No aspecto sócio-cultural, todavia, houve quem não compartilhasse do otimismo reinante. O antropólogo Levi-Strauss, por exemplo, denunciou em 1937 uma profunda artificialidade no projeto da construção de Goiânia. Contudo, o testemunho do jornalista Brito Broca foi interessante, pois ao visitar Goiânia em 1942, teceu uma espécie de defesa, alegando que Goiânia não é para ser vista, mas para ser compreendida. A firme iniciativa de Pedro Ludovico, embora possa ter parecido esdrúxula para alguns, segundo ele, traduzia um incontido, plausível e justificado anseio de progresso que Goiás merecia.

            Assim, a construção de Goiânia e a transferência da capital foram arrojadas apostas no desenvolvimento do Estado. Contudo, o processo demonstrou ser mais complexo e de mais lenta solução. Em 1942, com efeito, Goiânia era uma cidade perfeitamente estabelecida, porém, o desenvolvimento do Estado ainda estava longe de ser satisfatório. Foi, na verdade, o começo de uma nova etapa, importante não tanto pelas realizações imediatas, mas pelos rumos que marcaram. Incutiu mudanças na tradicional mentalidade do homem do campo e trouxe confiança no futuro econômico do Estado. Foi uma aposta no futuro. Tanto que, acreditou-se que a nova capital seria um pólo de desenvolvimento industrial, papel que não se consumara, apesar de ter sido demarcada, desde o início, extensa área para instalação de indústrias no município. Nas décadas de 1940 e 1950, Goiânia era uma cidade ainda inteiramente voltada para a zona rural. Uma cidade de fazendeiros. Pedro Ludovico acalentava certezas e previsões para o futuro. Mas, dificilmente adivinharia que Goiânia iria extrapolar todas as previsões feitas na época, estando até hoje em construção. 

            Goiânia, ao representar uma nova possibilidade geográfica no interior do país, foi palco de elevada imigração desde seus primeiros anos de existência. O atrativo real para o surto imigratório foi a existência de largas faixas de terras férteis e matas - até então inexploradas - na área de abrangência da nova capital. Uma zona, de rico potencial agrícola, conhecida como Mato Grosso de Goiás, começou a ser penetrada em função da construção de Goiânia. A edificação da nova capital, desse modo, ao ensejar correntes imigratórias foi responsável pelo lançamento de germes de transformação nas estruturas tradicionais do Estado. Suas terras foram paulatinamente sendo conhecidas tornando-se cativante opção para assentamento dos imigrantes rurais que passaram a se movimentar pelo campo brasileiro. A propaganda oficial dos anos trinta - ressaltando em nível nacional as possibilidades econômicas de Goiás - colaborou para que imigrantes de outros Estados, principalmente a partir de 1935, ocupassem as adjacências da nova capital e adentrassem as florestas virgens da zona Mato Grosso de Goiás.

            O município de Goiânia atingiu 48.165 habitantes em 1940. Na área em que foi edificada a cidade existiam, em 1920, apenas dois pequenos municípios (Campinas e Trindade) cuja população, urbana e rural, somava no máximo dez mil moradores. O projeto de implantação da nova capital proporcionou, no curto período de 1935 a 1940, multiplicação substancial de povoamento na área. Ao lado disso, houve considerável surto de abertura de estradas a partir dos anos trinta em Goiás. Em função da construção de Goiânia alguns municípios vizinhos se desdobraram, principalmente no centro-sul do Estado, provocando a necessidade de expansão da rede de estradas de rodagem. O total de quilômetros abertos no período de 1930-1943 foi considerável, pois a malha rodoviária mais que quadruplicou em treze anos.

            No final da década de 1940, após o batismo cultural de Goiânia, a ação de Pedro Ludovico voltou-se para o assentamento de milhares de imigrantes que chegavam em Goiás. Dessa feita, não para Goiânia e sim para uma área, escolhida pelo próprio Pedro Ludovico e Getúlio Vargas, mais ao norte, região conhecida como Mato Grosso de Goiás.

            Integrado aos projetos do Governo Federal, Pedro Ludovico coordenou no pós-guerra um novo surto imigratório para Goiás. O germe do movimento surgiu quando alguns projetos governamentais, na década de 1940, promoveram assentamento de colonos na região do planalto central brasileiro. A Colônia Agrícola Nacional de Goiás - CANG - foi a primeira de uma série de oito colônias criadas pelo Governo Federal. O projeto contou com o entusiasmo de Pedro Ludovico que influiu decisivamente na escolha do local para implantação da CANG. Mostrou a Getúlio Vargas, em mapa, uma zona ótima para tal empreendimento, que ficava distante de Goiânia e mais perto de Anápolis, que nesse tempo era a cidade mais populosa e progressista do Estado, em função de sediar a ponta da Estrada de Ferro Goyaz. A implantação da CANG promoveu assentamento de milhares de colonos, considerável parcelamento de terras e relevante volume de produção agrícola alimentar em Goiás. Todavia, a devastação rápida das matas, o parcial esgotamento dos solos e a intermediação comercial fortemente especulativa ameaçaram decisivamente o futuro da Colônia. No processo, foi intensa a imigração para o Estado que ostentou relevantes taxas de crescimento demográfico nas décadas de 1940 e 1950.

            A atuação de Pedro Ludovico em consonância com o Governo Federal foi benéfica para o Estado. Ao lado do projeto de colonização, Goiás foi contemplado com um pacote rodoviário que acelerou a sua integração nacional. Uma série de iniciativas tomadas em conjunto com o Governo Federal - principalmente nas décadas de 1940 e 1950 - modificou a realidade de grande parcela do Estado de Goiás ajudando a redefinir o seu papel na divisão inter-regional do trabalho. Na segunda metade dos anos 1950, em vistas das ações e políticas do Governo Federal, teve continuidade o processo de redefinição estrutural em Goiás. Juscelino Kubitschek articulou alianças políticas e aparato administrativo que respaldaram mecanismos de financiamento a grande projetos de infra-estrutura e, no final da década, a implantação de Brasília em terreno de Goiás, constituiu o ápice desta diretriz interiorizante do seu Governo. Juntamente com a intenção de delimitar um novo Distrito Federal para o país - em território quase deserto e não integrado a outras regiões - havia um programa de construção de rodovias capaz de assegurar intercâmbio nacional com Brasília. Em termos de infra-estrutura, duas ações governamentais ganharam vulto logo na segunda metade da década de 1950 e foram fundamentais para o futuro de Goiânia e do Estado de Goiás: as medidas incentivadoras no sentido de geração de energia elétrica e o aprimoramento dos meios de transportes. A primeira etapa da Usina de Cachoeira Dourada, a fundação da Celg, a Belém-Brasília e as ligações rodoviárias tornaram-se os marcos da infra-estrutura regional.

            Durante o período, em função da aceleração do comércio goiano, houve concorrência e ao mesmo tempo complementaridade entre Goiânia e Anápolis. Concorrência porque Goiânia havia sido implantada para exercer tanto a função político-administrativa como econômica do Estado. Na época de sua construção os trilhos da estrada de ferro encontravam-se - distanciados a 95 km - na cidade de Leopoldo de Bulhões. Apesar das ingerências do Governo Estadual a estrada de ferro continuou de acordo com o projeto original em direção a Anápolis - onde chegou em 1935 - transformando aquela cidade no maior centro comercial do Estado, função que estava planejada para Goiânia. As decisões sobre possíveis traçados da ferrovia, desde 1920, estavam nas mãos do Governo Federal e a direção comercial impunha-se pois, Anápolis estava em localização estratégica, enquanto Goiânia constituía somente uma aposta no desenvolvimento da região. Contudo, não foi somente a ferrovia que proporcionou a emergência de Anápolis como centro comercial. Além de sediar a estação final da ferrovia, a cidade valeu-se de sua localização de entroncamento rodoviário constituindo centro de ligação com o médio-norte goiano, onde impulsionou rede mercantil. O monopólio anapolino - do transporte ferroviário - foi quebrado em 1951 quando os trilhos chegaram a Goiânia vindos de Leopoldo de Bulhões. Entretanto, mesmo perdendo a exclusividade, Anápolis já havia se consolidado como centro comercial. Os cerealistas anapolinos haviam tecido forte malha de relações mercantis com o médio-norte goiano valendo-se da rodovia federal em direção a Ceres, rota prolongada no final da década de 1950 e denominada Belém-Brasília.

            Mas, apesar da concorrência, havia complementaridade entre Goiânia e Anápolis no aspecto comercial. Enquanto Anápolis monopolizava o transporte ferroviário e servia-se das relações circunvizinhas, Goiânia valeu-se de ligações rodoviárias com o Sudeste do país e da sua condição de centro administrativo Estadual. A produção industrial - notadamente vinda de São Paulo - passou a ser transportada para Goiânia via frota de caminhões. Neste aspecto, Goiânia esteve privilegiada e representou estratégico eixo de distribuição, pois, mesmo mercadorias importadas de outros Estados e encomendadas por Anápolis eram distribuídas a partir da intermediação de Goiânia. No final da década de 1950, a maior ênfase ao transporte rodoviário beneficiou a nova capital goiana em decorrência da infra-estrutura implantada. Houve ainda complementaridade entre os dois centros comerciais, de início, porque Goiânia comandava as maiores transações do comércio varejista e Anápolis as do comércio atacadista. O crescimento de Goiânia estancou a evolução mercantil de Anápolis nas duas modalidades. Nas décadas de 1940 e 1950, o crescimento do comércio varejista de Goiânia foi de 70% e o de Anápolis praticamente nulo. No comércio atacadista Goiânia mais que triplicou seu capital aplicado enquanto Anápolis obteve pequeno incremento.

            No âmbito de Goiás, a supremacia mercantil de Anápolis e Goiânia tornou-se incontestável. As duas cidades, depois da metade do século passado, englobaram as principais atividades financeiras no Estado. Tanto o mercado de crédito como o comércio de imóveis, valores mobiliários e movimento bancário regional estiveram concentrados nos dois centros. Nesse contexto, os comerciantes de Goiânia e Anápolis consolidaram-se enquanto classe mercantil atuando principalmente em dois ramos: na agropecuária - no financiamento, compra, armazenagem e beneficiamento do arroz - e na revenda de produtos industrializados, principalmente veículos e auto-peças. Ou seja, os acontecimentos da metade do século passado transformaram Goiânia em um centro comercial respeitável no planalto central brasileiro.

            No final da década de 1950, a construção de Brasília começou a alterar o quadro urbano regional. De início, inclusive, a idéia de construção de Brasília constituiu um pesadelo para as autoridades goianas que viam ameaçadas as atividades econômicas e urbanas de Goiânia e Anápolis. Tornou-se obrigatória a defesa de Goiânia, Anápolis e demais cidades de Goiás, a fim de evitar o deslocamento populacional rumo ao Distrito Federal. Os efeitos, entretanto, foram contrários. Novas terras goianas foram ocupadas e o ritmo de imigração para o território acelerado. Logo no princípio, nas áreas de abrangência de Brasília foi vertiginoso o surgimento de cidades provisórias no caminho para Anápolis. Desde 1958 explodiam demograficamente cidades-satélites porque a ocupação clandestina de terras no Distrito Federal era reprimida de forma enérgica pela Guarda Rural. Quando foi inaugurada, Brasília contava com numerosos núcleos circunvizinhos de cidades - em território goiano - que surgiram e se fortaleceram com sua implantação.

            Enfim, o período de 1930 a 1960 esteve caracterizado por modificações notáveis na ordem estrutural de Goiás. A edificação de Goiânia e a localização estratégica de Anápolis intensificaram a exploração e a ocupação do Centro-Sul regional; a imigração no pós-guerra avançou sobre parte do Médio-Norte, e a abertura da Belém-Brasília rearticulou o quadro dos núcleos urbanos no Norte facilitando sua integração aos centros comerciais goianos. A construção da capital federal acarretou abertura de estradas e novas frentes de imigração para o Planalto Central facilitando a integração da região ao comércio nacional. No contexto da Marcha para o Oeste a imigração para Goiás foi substancial, o aparato do Governo Federal foi eficiente na dotação de infra-estrutura e a implantação de Brasília constituiu o ápice do processo. Foram três décadas de modificações estruturais mas que não foram capazes de dissolver a tradicional organização sócio-produtiva da nova capital goiana. A maioria absoluta da população do Estado continuava a residir no mundo rural e Goiânia ainda não atingira cem mil habitantes.

            Na década de 1960, Goiânia ainda era uma cidade voltada para a zona rural. Ou seja, sua vida urbana - além do setor comercial - ainda era inteiramente resultante da vida econômica no campo. Entretanto, a partir de então, o quadro sofreu radicais alterações e Goiânia transformou-se em um novo espaço urbano, jamais imaginado. O aparato institucional do Governo Federal, ao promover a modernização da agricultura, transformou radicalmente a estrutura socioeconômica do Estado. Esta modernização agrícola - a partir de 1970 - foi de caráter excludente e seletivo. Concentrou-se, através do crédito rural, em poucos produtos e em selecionados produtores. A valorização das terras, bem como o Estatuto do Trabalhador Rural, colaboraram para um intenso esvaziamento do campo. O êxodo rural foi notável e, em decorrência, houve um incremento populacional sem precedentes nas áreas urbanas; o “esvaziamento” do campo, a dissolução da fazenda tradicional e a especulação de terras provocou o “fechamento” horizontal da fronteira goiana. Ou seja, não existiu mais espaço disponível para acomodação de novos pequenos produtores em Goiás. Os pequenos e médios fazendeiros remanescentes, não contemplados com o crédito, passaram a enfrentar enormes dificuldades para sustentar suas atividades.

            Goiás passou a contar com grandes cidades e as “velhas forças” produtivas da agricultura foram sendo substituídas por “novas forças” do tipo agroindustrial; o espírito de inovação, o elevado capital técnico por trabalhador, a produção em massa e a alta produtividade passaram a caracterizar grande parte das atividades econômicas na região. O Estado especializou-se na transformação agroindustrial de alimentos e tornou-se palco de acelerada urbanização.

            O fundamental é que a penetração de maquinário e demais investimentos tecnológicos no campo transformou o ambiente socioeconômico regional. Os fazendeiros em geral não necessitam e não desejam mais tanta gente trabalhando nas fazendas. As famílias deixaram o campo mas permaneceram - em cidades próximas - na condição de trabalhadores rurais temporários. O número de agregados de fazendas foi reduzido drasticamente assim como também o de lavradores sem-terra que cultivavam em pequenas glebas alheias; antigos meeiros viraram diaristas, da mesma forma que pequenos proprietários passaram a fornecer trabalho acessório em propriedades alheias tornando-se sazonalmente assalariados. A exploração agrícola moderna exigiu certo montante de capitais para o cultivo e, mesmo em relação ao gado, a sua criação intensiva somente tornou-se economicamente viável para quem obtivesse recursos: a maioria dos rebanhos passou a ser criada em cercados e os vaqueiros a receber pagamento em dinheiro. As relações de trabalho no campo tornaram-se inteiramente monetizadas e contratuais, inaugurando um “novo curral” de convivência no mundo rural, eliminando o antigo e tradicional espaço sertanejo goiano.

            Goiás tornou-se um paradoxo e Goiânia também. Continuou sendo um Estado eminentemente agropecuário e altamente urbanizado. A estrutura do PIB goiano em 1998 revelou que cerca de 60 por cento de sua renda adveio de serviços, 30 por cento da agropecuária e o restante da indústria. Evidente que a modernização da agricultura beneficiou a região apesar de concentrar-se em produtos “exportáveis” e relegar algumas culturas tradicionais como o arroz e o feijão. Mas as conseqüências sociais foram drásticas. O inchaço urbano da Grande Goiânia e o Entorno de Brasília falam por si próprios. Sem deixar de mencionar que, as recentes transformações econômicas, ao alterar as relações no campo e conduzir o homem para as cidades, provocaram também alterações na sua mentalidade. Diluiu-se o convívio rural mas a aparência ganhou sobrevida. A cada dia o goiano conhece menos o campo, fazendas só por televisão, mas agarra-se ao que lhe resta: o chapéu, as botas e a caminhonete. O fato abriu espaço para a indústria country, que movimenta mais dinheiro que o futebol. Abriu espaço para a indústria musical “sertaneja” que, por não ter o que cantar de um inexistente convívio rural, agarrou-se também unicamente à forma melódica das antigas canções. Forjou-se, deste modo, em Goiás uma mentalidade country inteiramente particular.

            Goiânia, hoje, tem uma vida metropolitana bastante específica e várias considerações podem ser feitas. Trata-se de uma cidade que, ao contrário de outras - como Vitória, Porto Alegre, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro -, nunca recebeu aporte de pólos industriais do Governo Federal. Nem obteve recursos para implantação de siderúrgicas, petroquímica, aparato portuário ou metal-mecânica como diversas capitais receberam ao longo da história econômica brasileira. Goiânia tem se desenvolvido quase que de forma solitária, baseada em verbas próprias e de empresários privados que aqui encontraram oportunidades de investimentos. Desse modo, inteiramente singular diante de outras cidades - principalmente do Sul e Sudeste brasileiros - Goiânia não recebeu aporte de grandes empresas estatais como outros municípios que hoje ostentam renda per capita superior.

            Em segundo lugar, Goiânia cresceu muito nas décadas passadas e bateu nos seus limites espaciais. Por esta razão, parte de sua renda - gerada internamente - é canalizada e serve, inclusive, de amparo para municípios vizinhos. O distrito industrial de Goiânia encontra-se fora dos seus limites municipais, na verdade, em Aparecida e em Senador Canedo. Investimentos realizados e multiplicação de renda em Goiânia, muitas vezes, ficam obrigatoriamente localizados fora de suas fronteiras municipais e, por conseguinte, não constam em levantamentos.

            Em terceiro lugar, justamente por não ter recebido indústrias de porte - que, conforme mencionado, o Governo Federal canalizou para outras capitais -, a população goianiense é obrigada a socorrer-se, em grande parte da economia informal. Tanto que, Goiânia exporta confecções para vários Estados brasileiros e seu parque industrial do ramo encontra-se em fundos de quintal. A economia informal é informal porque não fornece informações e, por isso mesmo, não aparece nas pesquisas. Mas, no âmbito de Goiânia, em função das mencionadas peculiaridades, a informalidade é expressiva e movimenta milhões de reais anualmente.

            Goiânia é uma cidade, antes de tudo, fluida. Escapa nas pesquisas e confunde em seus dados. A basear-se no seu crescimento populacional, por exemplo, a cidade está estagnada. Nos dois últimos censos praticamente não cresceu, revelando taxa inferior à média do próprio Estado. Qualquer cidadão desavisado, que verificasse somente os números, diria que Goiânia está demograficamente estacionada - e sem atrativos - ou mesmo em decadência. Um grande engano. A verdade é que Goiânia bateu nos seus limites. Quem cresce é Aparecida de Goiânia, Senador Canedo e Trindade. Todavia, a mola propulsora do crescimento advém da pujança econômica da própria Goiânia, apesar de a população acomodar-se nas cercanias.

            A qualidade de vida em Goiânia e os grandes pacotes de investimentos, que estão sendo canalizados para Goiás, cruzam obrigatoriamente pela capital, sem dúvida, o centro de turismo de negócios no Centro-Oeste. Uma metrópole que surgiu de uma capital planejada - que bateu em seus limites geográficos - tornando-se uma Grande Goiânia. Em todos os sentidos. Mas, que extrapolou o sonho do próprio idealizador. Depois de 66 anos de existência, Goiânia deve a seu fundador, um tributo fundamental. O tributo do reconhecimento de que, não fosse o sonhador, a realidade não existiria.

Luís Estevam é doutor em Economia pela Unicamp e professor titular nos cursos de Administração e Economia da Universidade Católica de Goiás. Na área de Economia, publicou o livro "O Tempo de Transformação: Estrutura e Dinâmica da Formação Econômica de Goiás," além de diversos artigos para jornais e revistas especializadas. Na área de literatura, publicou o livro "Fuero: Memorial de um Catalão Setecentista". Editou a primeira parte do livro "Nos Sertões de Ouro Fino: Onde Matei Chinco Mineiro". É assessor de Assuntos Econômicos do Tribunal de Contas do Estado e militante na imprensa goiana.

 

  PEDRO E JUSCELINO

            Nelson Siqueira

            Para se ter uma pálida imagem da personalidade de Pedro Ludovico é preciso ao estudioso de sua vida pública mais do que um simples artigo em uma publicação periódica, de circulação no Congresso Nacional Brasileiro, já que sua figura não se comporta nos limites nacionais.

            Sua vida política e pública está destinada a um lugar de destaque nas grandes bibliotecas do mundo para servir de exemplo aos jovens de hoje como uma das figuras de maior realce na vida pública brasileira, não apenas como o maior dos cidadãos de uma época plena de valores na vida nacional, mas para servir de exemplo a quantos pretendam servir o Brasil com patriotismo e, principalmente, com lucidez e espírito público. Suas qualidades e virtudes transcendem os limites de Goiás para o colocarem no meio dos homens que serviram à humanidade com realizações que foram além de seus objetivos iniciais.

            Pedro Ludovico serviu não só a Goiás com sua obra incomparável, mas deixou um exemplo de excepcional caráter posto a serviço de seu Estado, de sua gente e mais do que isso, do próprio Brasil. Sua obra maior foi a construção da nova capital do Estado, a hoje exuberante Goiânia, fruto de seu espírito desafiador e resultado da dedicação ao trabalho do povo goiano; Goiânia deu a Goiás o mais fecundo exemplo de brasilidade. E, principalmente, demonstrou a capacidade de realização do povo goiano.

            Longe da simples análise de sua longa trajetória política, vamos nos deter nos resultados de sua ação e dedicação ao povo goiano, ao qual serviu com as qualidades dos mais excepcionais homens públicos. Goiás era um dos mais paupérrimos Estados brasileiros, com uma economia incipiente e sem qualquer perspectiva de futuro, tudo parecia conjurar contra o nosso desenvolvimento e nada trazia a esperança aos corações dos goianos. Tudo levava a crer que estávamos destinados a um futuro pequeno e sem qualquer destaque entre os demais Estados brasileiros. Nossa economia não levava ao mais esperançoso analista a mínima hipótese de nosso futuro, seriamente comprometido pela localização de nossa capital, construída entre elevações rochosas e que serviam como verdadeiro obstáculo para se evitar invasões indígenas, preservando sua população de ataques fatais e vorazes de tribos ainda não domesticadas, que habitavam nosso território ainda não de todo povoado.

            O exemplo dado por Pedro Ludovico despertou o povo goiano de sua letargia, colocando-o na condição de um dos líderes da economia brasileira, servindo ainda para que o Presidente Juscelino se transformasse no grande construtor de Brasília. Foi da ousadia de Pedro Ludovico que nasceu em Juscelino o supremo ideal de construir Brasília em pleno coração da Pátria. Foi o ideal desenvolvimentista que fez fixar-se na mente de Getúlio a idéia da marcha para o oeste, fazendo com que o Brasil voltasse os olhos para o seu interior, que até então não passava de mero território por conquistar, longe que estava da civilização e dos progressos já conquistados pela humanidade inteira - o valor e a coragem do povo brasileiro foram medidos a partir da construção de Goiânia e de Brasília. Ficaram à margem, por totalmente inadequados, os adjetivos que desqualificam o operário brasileiro, com os exemplos de bravura e de coragem dados pela qualidade do trabalho de nossos candangos. Foram as lutas para vencer os desafios que deram ao mundo o maior testemunho do valor do homem brasileiro.

            Tenho comigo que Juscelino e Pedro Ludovico foram os grandes redescobridores da pátria comum, pelo idealismo, pela coragem e pela bravura, demonstrados no enfrentamento dos desafios que se apresentaram na realização de seus objetivos maiores, procurando bem servir o povo com dignidade, com o maior amor e perspectiva de futuro. A causa abraçada pelos dois grandes patriotas serviu para alicerçar o desejo de progresso de gerações inteiras, levando-as a uma ambição maior de progresso, deixando à margem as pequenas ambições e passando a pensar mais na qualificação e na maior qualidade de sua formação intelectual e técnica. Goiânia e Brasília são duas irmãs gêmeas, tanto uma como a outra serviu para libertar o povo brasileiro das garras do subdesenvolvimento, partindo para novas conquistas no terreno do saber e do bem estar de todos. Já agora libertos das peias do subdesenvolvimento corremos céleres na busca maior de um novo estágio como povo desenvolvido e destinado a ocupar um lugar de destaque entre os povos mais civilizados da terra, longe dos males resultantes da falta de ambição de nossa gente.

            A longa estrada percorrida pelo Brasil, deu ao povo brasileiro condições de se igualar às maiores civilizações de nosso planeta. A verdade desponta como o maior trunfo do povo brasileiro, pois foi justamente pelo trabalho, pela dignidade e pela coragem em enfrentar desafios, que nós nos colocamos entre os povos desenvolvidos. As barreiras e os obstáculos transpostos foram os maiores alicerces de nossa formação. A dedicação ao trabalho e a perseverança foram também os supremos alentadores de nossa gente. O brasileiro partiu do quase nada para a obtenção maior do quase tudo. Valeu o espírito empreendedor a mostrar o caminho do futuro. A realidade atual é o fruto maior de nossa capacidade de trabalho e de nossa fé em empreender e realizar. Tudo o que significa amor à causa comum é enfrentado com objetividade e com a maior honestidade. O cumprimento das metas mais significativas de realizações e de obtenção de conquistas no campo das ciências e da cultura sempre significará o maior desejo do brasileiro. Ele quer sempre mais no serviço da coletividade e da prosperidade.

            O resultado maior dos símbolos que foram ontem e continuam sendo, ainda hoje, as obras de Pedro Ludovico e de Juscelino, foi o de terem dado ao brasileiro uma demonstração férrea do querer levado a sério. Os ganhos em benefício do povo goiano e também do povo brasileiro. A experiência vivida, os resultados alcançados constituem o grande atestado dos méritos e da capacidade do povo brasileiro. Não se pode pretender escrever sobre o futuro da gente brasileira, sem mencionar a experiência e, principalmente, os frutos dos desafios enfrentados. O Brasil tem na dignidade do seu povo o maior exemplo de suas virtudes e de sua coragem ao desafiar os grandes obstáculos e transpô-los todos com espírito de progresso resultante de seu labor.

            Não se pode deixar de se colocar lado a lado as figuras de Pedro Ludovico e do Presidente Juscelino, principalmente pela contribuição de um e de outro ao desenvolvimento de Goiás e do Brasil, pois ambos despertaram o interior brasileiro para uma época de progresso e de desenvolvimento. A cada um a história há de reservar um lugar de destaque como figuras que ajudaram a construir um Brasil novo, cheio de realizações em benefício de seu povo. Goiás deve a sua posição de liderança conquistada a partir do gesto de Pedro Ludovico, desafiando os retrógrados de ontem ao mudar sua capital de uma região difícil de se viver e de Juscelino ao virar as costas para o mar, interiorizando a capital administrativa. Ambos contribuíram decisivamente para a libertação do povo brasileiro.

Nelson Siqueira foi deputado estadual pelo PSD, por duas vezes, presidente da Assembléia Legislativa, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado por 26 anos, secretário de Estado e chefe do Gabinete Civil da Governadoria do Estado.

 

            O COMBATENTE DA BOA IDÉIA

            JOSÉ LUIZ BITTENCOURT

            O sesquicentenário do nascimento de Couto de Magalhães ocorreu no dia 1° de novembro de 1897. Em 1837, nessa data, na fazenda Gavião, em Diamantina, veio ao mundo o notável brasileiro que governou as Províncias de Goiás, do Pará e de Mato Grosso, deixando em cada qual a marca indelével de sua invulgar personalidade. Também foi o último presidente de São Paulo no tempo do Império, cargo no qual recebeu a notícia da Proclamação da República na tarde de 15 de novembro de 1889, abandonando-o no dia seguinte quando Júlio Mesquita e outros a ele levaram o respectivo decreto, assinado por Deodoro da Fonseca.

            O senador Mauro Borges, em discurso proferido na Câmara Alta, assinalando o transcurso dos 150 anos de nascimento do pioneiro da navegação regular a vapor, da hidrovia Araguaia-Tocantins, de cerca de 2.500 quilômetros, perfilou o intelectual e o homem de visão política, que não conseguiu sensibilizar os dirigentes de Goiás, aqueles que teimavam em manter a capital na região classificada como “uma bacia úmida, melancólica e doentia”. Só em 1937, segundo lembrou, deu-se a mudança da capital de Goiás para Goiânia, o que Pedro Ludovico conseguiu, a despeito de dura oposição, na esteira dos ventos de renovação da Revolução de 30”.

            O primeiro livro de Couto Magalhães, editado em Goiás, é "Viagem ao Araguaia", resultado de 36 dias de viagem por 176 léguas do grande rio. Foi lançado no dia 1º de novembro de 1876, quando completava 26 anos de idade e havia deixado o cargo de secretário da Província de Minas Gerais para assumir a presidência da Província de Goiás. Rico de informações sobre acidentes geográficos, lagos marginais, índios e de notas administrativas, neles se esboça o plano de mudança da capital de Goiás, que ocorrerá somente em 1937, graças à determinação e ao idealismo de Pedro Ludovico. Ao discursar no Senado Federal, em 18 de novembro de 1987, Mauro Borges discorreu sobre nossa situação de maneira esclarecedora. E diz que, em "Viagem ao Araguaia", o leitor encontra descrições de caças, apontamentos de geografia e mineralogia, além de dissertações sobre as belezas naturais da região.

      "Se há nisto falta de método” - justifica-se o autor - "a razão ficou dada já. De mais a mais, o viajante não descreve o que quer, e sim o que vê, e, se umas cenas se sucedem a outras de natureza muito diversas, força é descrevê-las."

            Registra Oscar Sabino Júnior, no livro "Goiânia Global", que a idéia da mudança da capital surgiu, com definição, depois das transformações políticas produzidas no Estado pela Revolução Liberal de 1930. O fundamento de que o subdesenvolvimento de Goiás decorria, em grande parte, da inércia da antiga capital não era apenas de Pedro Ludovico, mas de muitos. Diversos governantes haviam evidenciado a necessidade da localização da metrópole goiana, em região que agrupasse basicamente, requisitos indispensáveis ao desenvolvimento econômico e social do Estado.

            O mesmo cronista e historiador ainda observa que, desde os primórdios da história de Goiás, a mudança da capital constituía preocupação de seus governantes. Em 1773, o primeiro governador da capital de Goiás, Dom Marcos de Noronha (1749-1755), mais tarde Conde dos Arcos, em resposta a uma consulta do governo português, afirmava que o traslado da capital para Meia Ponte (Pirenópolis) seria bastante benéfico para a Capitania, pois o clima de Vila Boa e sua situação geográfica eram muito inferiores aos de Pirenópolis.

            Continua Oscar Sabino Júnior: "Em 1830, o segundo governador de Goiás após a Independência do Brasil, marechal-de-campo Miguel Lino de Morais (1827-1831), manifestava-se favoravelmente à mudança, porém para o Norte, nas proximidades de Água Quente (Niquelândia), região mais povoada e de comércio mais franco, segundo o historiador Americano do Brasil, que acentua: "A opinião não agradou ao espírito da histórica bacia do Rio Vermelho, onde uma legenda, resultante de má interpretação, colocou as antigas malocas dos goyás".

            Mais ainda é dito, pois em 1863, ressurgiu com José Vieira Couto de Magalhães, que, em sua citada obra "Viagem ao Araguaia" escreve a certa altura:

      Temos decaído desde que a indústria do ouro desapareceu. Ora, a situação de Goiás era bem escolhida, quando a Província era aurífera. Hoje, porém, que está demonstrado que a criação do gado e agricultura valem mais do que quanta mina de ouro há pela Província, continuar a capital aqui é condenar-nos a morrer de inanição, assim como morreu a indústria que iniciou a escolha deste lugar.

      As povoações do Brasil foram formadas a esmo; a economia era uma ciência desconhecida, de modo que o governo, ainda que quisesse, não poderia dirigir com acerto essas escolhas; hoje, porém, assim não é. Uma população de cinco mil homens, colocada em um lugar desfavorável não poderá nada mais produzir do que o necessário para a sua nutrição; locada em lugar favorável, pode dar rendimento equivalente a um conto de reis por pessoa, ao ano.

            Em outra parte do seu livro, Couto de Magalhães anota:

       

      Quanto à insalubridade, não conheço, entre todos os lugares, por onde tenho viajado (e não são poucos), um onde se reunam tantas moléstias graves. Quanto às condições comerciais (...) Os meios de transportes são imperfeitos, a situação da cidade, encravada entre serras, faz com que sejam péssimas e de difícil trânsito as estradas que aqui chegam. Em uma palavra (...) Goiás não reúne as condições necessárias para uma capital.

            Esse ideário esteve vivenciado, depois de Couto de Magalhães, (que governou Goiás de 8 de janeiro de 1863 a 5 de abril de 1867), pelo major Rodolfo Gustavo da Paixão, primeiro presidente após a Proclamação da República (24 de fevereiro de 1890 a 20 de janeiro de 1891), que também não escondeu o seu interesse pela solução do problema.

            No livro "Goiânia Global" diz ainda Oscar Sabino Júnior que os legisladores sustentaram por algum tempo a idéia de mudança. A 1º de junho de 1891, os constituintes goianos oficializaram a idéia da transferência da capital no texto constitucional, ratificando-se na reforma de 1898, como na de 1918. A primeira Constituição Republicana, em seu texto definitivo, previa no seu art.. 5º: "A cidade de Goiás continuará a ser capital do Estado, enquanto outra cousa não deliberar o Congresso." Então, pelo que se sabe, a luta que se desenvolveu foi mais ou menos idêntica ao movimento processado à época da fundação de Belo Horizonte e de Aracaju, cidades muito lembradas em quase todas as manifestações públicas de Pedro Ludovico como justificativa para transferir a capital de Goiás.

            Com a vitória do tenentismo agrupado na Aliança Liberal, que levou Getúlio Vargas ao Palácio do Catete, mais se acentuou a operacionalização das mudanças econômicas e sociais do Centro-Oeste brasileiro. Na monografia "Geografia do Brasil", uma publicação do IBGE, Maria Velloso Galvão é categórica ao dizer que:

      A reiteração de processos econômicos e de povoamentos na fachada atlântica não ensejou ao interior remoto senão subsistir como um vazio populacional e área de economia débil, carente de estímulo e de espontaneidade para a deflagração e manutenção de processos próprios de desenvolvimento. Assim, latente e defasado ficou o Planalto Central dentro do universo brasileiro.

      A posição secundária do Centro-Oeste no processo social e econômico nacional, por força do descompasso assinalado, refletiu-se na relativa escassez de investigação e da exploração científica desse outro Brasil da retaguarda e do futuro, somente comparado com a abundância de estudos nacionais e estrangeiros, sobre o espaço oriental do País.

            Nascido na antiga Vila Boa, filho de família ilustre e tradicional, Pedro Ludovico foi muito jovem para o Rio de Janeiro onde ingressou na Faculdade de Medicina da Praia Vermelha, ali se diplomando como médico. Veio, em seguida, para Goiás e fixou residência em Rio Verde onde passou a exercer a sua profissão atendendo de preferência pacientes das classes mais desfavorecidas de quase todo o Sudoeste de Goiás. A atividade política da região era comandada pelo senador Antônio Martins Borges, pai de Gercina Borges, mulher de excepcionais predicados morais, virtuosa e pessoa de destaque na sociedade local. Com ela veio a contrair matrimônio e, ao seu lado, empreendeu a construção de uma biografia política que se estendeu ao longo de mais de 50 anos, edificando por esse caminho a sua firme liderança.

            Goiás era, à época, uma simples ficção geográfica no panorama nacional. Era pujante a sua grandeza física, mas ocupava uma parte do território brasileiro extremamente pobre, apesar de possuir reservas mineralógicas de grande parte, como os depósitos niquelíferos de São José do Tocantins, as jazidas de cristal situadas em Cristalina, o amianto de Minaçu, as minas de ouro de inúmeros garimpos e, inclusive, minérios de utilidade comprovada na fabricação de material bélico. O engenheiro Joaquim Câmara Filho costumava dizer que os alemães, durante a guerra nazifascista contra as nações democráticas, conseguiram levar para a sua indústria de artefatos militares levas e levas de cristal de rocha e, sobretudo, de urânio, extraídos em vários municípios goianos, com a colaboração de técnicos japoneses.

            Praticamente isolado do resto da nação, Goiás se ressentia de uma liderança que lhe propiciasse iniciar um novo processo de revitalização econômica, abrindo caminhos diferentes na direção da Amazônia e assim ampliando, como muito se falou, as fronteiras do oeste e da faixa além do Tratado das Tordesilhas. Era preciso viabilizar o seu crescimento, tornar possível o seu avanço pela interiorização geográfica e no sentido de possibilitar um crescimento da economia, tão necessárias para a conquista de um lugar ao sol na comunidade nacional. A transformação seria lenta, trabalhosa, até mesmo de certo modo acompanhada de características frustrantes, mas foi progressivamente alcançada.

            Escreve, um historiador, com muito destaque sobre essa fase, o seguinte:

      Marcado por extensos latifúndios ocupados por uma população rala, entregue à sua própria sorte, carecia o Estado dos elementos básicos que geram o progresso, senão rápido, pelo menos natural, de suas regiões. As suas áreas, mesmo aquelas mais favorecidas pela natureza, ao invés de progredirem, involuíram ou ficaram estacionárias, oferecendo o quadro melancólico de um território constituído por feudos paupérrimos. Goiás aparecia ao consenso geral da nação como uma ficção geográfica, sem viabilidade de crescimento e melhoria do nível de vida do povo que ocupava o seu formidável espaço físico, enquanto a sede do governo permaneceu na histórica cidade de Goiás. Esta, pela própria posição que ocupava, não podia possibilitar, como possibilitou Goiânia, a formação de um núcleo urbano capaz de polarizar os diversos setores da atividade de uma enorme área territorial, mobilizar sua potencialidade econômica e, ao mesmo tempo, retemperar as energias vitais que atuam em sua órbita geográfica.

            Tanto os urbanistas Atílio Corrêa Lima, e Armando de Godoy, autores do plano piloto de Goiânia, quanto o arquiteto Oscar Niemeyer muito bem souberam avaliar a relevância política, social, econômica e cultural da cidade do novo mundo, moderna, febricitante, produzindo modificações sensíveis no espaço regional. Uma cidade como a nova capital de Goiás, que abriu o itinerário da construção de Brasília, que seguiu o exemplo de Belo Horizonte e de Aracaju, revigorou "a posição econômico-geográfica de uma aglomeração humana, pois efetuou transformações profundas num ambiente que conserva ainda reminiscências de uma economia feudal-agrária e, conseqüente de uma sociedade que dela decorre."

            Estudiosos como Luís Palacim, Zoroastro Artiaga, Joaquim Câmara Filho, Americano do Brasil, José Asmar e muitos outros, autores de trabalhos de fundamental importância para o conhecimento pleno do ressurgimento de Goiás na área econômica, psicossocial e da atividade estatal, são unânimes em considerar a cidade de Goiânia como a maior realização do século XIX no hemisfério sul. Repercutiu na América Latina, chegou a ser citada em Washington e em simpósios realizados nas Universidades dos Estados Unidos, foi objeto de referência do escritor americano John dos Passos, que a visitou e se derramou em elogios sobre a sua paisagem urbanística, localização e surpreendente progresso em todas as direções da vida humana.

            Consequentemente, emerge como goiano de extraordinária influência no centro geográfico brasileiro, a figura de Pedro Ludovico, homem idealista de proclamada decência pessoal, honesto político que se impôs por suas virtudes pessoais, líder de incontestável coragem cívica, condutor de firmeza absoluta na gestão dos negócios administrativos e, sobretudo, coerente nas suas atitudes de comando. Em torno de si reuniu uma elite de intelectuais, um grupo de correligionários fiéis ao seu ideário, um contingente de jovens dispostos a dar prosseguimento aos seus propósitos de construir, consolidar e fazer crescer a nova capital do Estado, cujo primeiro prefeito, Venerando de Freitas Borges, foi um amigo de todos os instantes e cidadão cada vez mais entusiasmante de Goiânia.

            Narrando a epopéia de Goiânia, o jornalista José Asmar, membro da Academia Goiana de Letras, também historiador e, durante muitos anos, pertencente ao corpo redatorial de "O Globo", formado, portanto na escola de Irineu e Roberto Marinho, assim escreve:

      Enquanto a História está sendo feita, submete-se a caprichos e censura de quem manda mais. Paixões políticas, por exemplo, desviam fatos, escondem nomes e sonegam ao futuro a verdade inteira. Nova ainda, em termos históricos, Goiânia arrasta marcas dessa má educação. Ninguém lhe nega a obsessiva e afinal respeitável força de Pedro Ludovico Teixeira em concretizá-la, após como idéia, vagar no tempo desde o primeiro governador da província dom Marcos de Noronha, sexto conde dos Arcos.

      Em 1930, do repertório de quem vence uma revolução, Carlos Pinheiro Chagas tira a promessa de transferir a capital para fora das molduras da Serra Dourada e dentro de padrões arquitetônicos modernos e cosmopolitas. Fixo na Interventoria Federal, Ludovico pisa no acelerador. Toca o projeto e até cala seu companheiro Mário d'Alencastro Caiado, ao opor-se com categórico artigo Muda-se a Capital? Não! Não! E Não!. Rebate-o Laudelino Gomes de Almeida , a cada não disparando um sim eloqüente.

      O tropel é de marcha batida quando, muda pela ditadura de 1930-34, a oposição solta a voz reprimida e liderada pelo estreante deputado Alfredo Nasser. De início, o argumento válido é o da situação financeira, sem dúvida precária. Depois, a reivindicação de não se construir uma nova cidade acabando com a antiga. No meio, a precedência de Belo Horizonte, implantada no apagar das luzes do século XIX e em circunstâncias bem diversas. Pois a oposição, tal e qual a impetuosa anti-Brasília desencadeada na década de 1950, corresponde ao exercício democrático e, sobretudo, funciona como desafio, fiscalização e emulação à obra.

      Pedro Ludovico enfrenta a onda. Mas - e aí a face oculta - conta com o apoio ativo e decisivo de um amigo e mesmo avalista de suas aperturas quando estudante de Medicina, no Rio de Janeiro. È o engenheiro Benedicto Netto de Vellasco, irmão de Domingos, este que, na lua-de-mel do Poder em 1930, carimba as primeiras leis trabalhistas no Brasil. São leis estaduais coincidentes com as federais elaboradas por Lindolfo Collor e adotadas por Getúlio Vargas, ao criar o Ministério do Trabalho em 1932. Domingos Vellasco, em seguida deputado federal, senador e pensador socialista de porte internacional, convoca patrões e camaradas, combina salários, férias tudo o que seja lastro no futuro próximo. E fica sem a carteira de identidade no caso. Somem com ela, mas as publicações lhe reabilitam a autoria."

      Amigos, Pedro Ludovico os teve, sim. E muitos. Alguns deles podem ser especialmente nomeados: Atanagildo França, Joaquim Câmara Filho, Solon Edson de Almeida, Vasco dos Reis Gonçalves, João D'Abreu, Colemar Natal e Silva, Paulo Fleury da Silva e Souza, Diógenes Magalhães, Belarmino Cruvinel, Claro de Godoi, Irany Alves Ferreira, Carlos de Freitas e tantos outros que a história guardou na sua memória para mostrá-los às gerações futuras. Ao seu lado, com garra e eficiência no desempenho de sua missão, sempre esteve Venerando de Freitas Borges, que foi o primeiro prefeito de Goiânia, mais tarde parlamentar que luziu na arena política, polemista, dialeta e debatedor, homem pacífico a que não adotou a conduta demagógica dos abraços mas que soube transmitir aos pósteros o calor e o belo exemplo de sua vida.

            Aliás, diga-se de passagem que Goiânia mereceu a sorte de contar, ao longo dos 68 anos de sua existência, com excelentes administradores, dois dos quais, além de Venerando de Freitas Borges, são lembrados com muita afeição pela comunidade. De fato, o médico Hélio de Britto e o atual senador da República, Iris Rezende, que também foi, por duas vezes, governador do Estado, realizaram uma gestão municipal efetuando iniciativas da mais alta relevância no campo social e no interesse da população, sobretudo a da periferia, que recebeu de cada um extraordinários benefícios.

            A cidade de Goiânia, compreendida nas fazendas denominadas Criméia, Vaca Brava e Botafogo, no município de Campinas, conforme reza o decreto n.º 3.359, teve iniciados os trabalhos de preparo do terreno a 28 de maio de 1933 e ficaram concluídos em outubro, quando então se escolheu a data de 24 para a solenidade oficial de sua inauguração. Todavia, o seu batismo cultural somente se efetivou em 5 de julho de 1942, conjuntamente com a realização da Assembléia Geral do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e o Oitavo Congresso Brasileiro de Educação.

            De Pedro Ludovico, fundador de Goiânia, se diz que

      ..possuía a visão do estadista e a intuição do administrador, além de se haver revelado um espírito arejado e progressista, de sólida cultura humanística.

            De fato, não há erro na afirmação de que esse homem nunca foi corrompido pelo poder e, como todo combatente de boas idéias, foi um modelo inconfundível e destemoroso de nobreza cívica, eis que poucos ostentam seu legado espiritual, sua força moral, sua inteligência e cultura para tornar-se uma personalidade única e exemplar na vida de Goiás.

            Ao ensejo da celebração de cada aniversário da fundação de Goiânia, são homenageados dois de seus pioneiros, ambos nossos confrades na Academia Goiana de Letras. Refiro-me a Colemar Natal e Silva, cidadão que forma na vanguarda da galeria dos mais ilustres filhos de Goiás, e Venerando de Freitas Borges, varão de excelsas virtudes que, certamente, Plutarco não hesitaria em incluí-los no quadro dos seus mais insignes protótipos. Um e outro são nomes titulares desta geração de políticos, gestores da coisa pública, defensores do bem comum e condutores da Nação.

            Jurista, historiador e professor universitário, Colemar Natal e Silva foi o primeiro reitor da Universidade Federal de Goiás, cabendo-lhe, de conseqüência, a tarefa primordial de organizar a instituição, que é hoje um repositório do que de melhor temos para oferecer ao País no campo da ciência, da tecnologia, da pesquisa e das artes. Tem ele a sua vida toda vinculada aos nossos movimentos culturais, apresentando um currículo de atividade que envaidece qualquer dos mais representativos brasileiros de nosso tempo. Ninguém se lhe compara, em Goiás, na fidelidade com que se entregou aos seus deveres de cidadania no exercício cotidiano de uma laboriosa faina cultural.

            Presidente de várias entidades, dentre as quais o Instituto Histórico e Geográfico e o Instituto dos Advogados, sua primazia intelectual foi construída pela obra e pelo exemplo. A obra que edificou permanecerá e ele já recebeu o seu galardão, como recorda São Paulo aos Corintos (3,14). Está viva, atual, presente, renovando-se com o tempo e com a paixão pela sua diligente vida, essa paixão que "é a mãe das grandes coisas, a verdadeira paixão de criar o novo e não somente de destruir!", segundo ensinou Jacob Burckhardt no seu "Reflexiones sobre la História del Mundo" (Buenos Aires, 1944). Portanto, é um goiano cuja memória merece o respeito de todos os seus compatrícios e tem o seu nome, por direito e justiça, incorporado na história da fundação de Goiânia.

            Sobre Venerando de Freitas Borges, primeiro prefeito de Goiânia, "flor de pedra e cal" como o chamou Adory Otoniel da Cunha, basta citar palavras proferidas por Celestino Filho quando o recebeu na Academia Goiana de Letras:

      O espírito pioneiro de Venerando de Freitas Borges, sua fé, a confiança em si mesmo, como ele próprio declara, seu arrojo, fizeram-no o “homem-símbolo, que se tornou patrimônio de sua terra e de sua gente’, na preciosa afirmação da acadêmica Nelly Alves de Almeida.

            Realmente, fé e confiança em si mesmo, fidelidade aos amigos, arrojo e coragem caracterizam a individualidade desse homem, que a história tornou um patrimônio da mais pura autenticidade moral, política e cultural de nosso povo. Foi o criador da Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, que proporcionou o surgimento de Bernardo Élis no contexto da literatura nacional, mais tarde levando-o, por seu méritos de escritor, a ingressar na Academia Brasileira de Letras em pleito memorável de bastante repercussão à época. Está inscrito, por isso mesmo, na lembrança de todos os operários de nossas letras, ele próprio um deles como jornalista, orador, memorialista, autor de páginas admiráveis como as que constituem o seu livro "Dobras do Tempo".

            De salientar-se é que Venerando de Freitas Borges nunca se omitiu, sempre participou, sempre esteve presente em todos os momentos da vida goiana. Mas desejo frisar que a sua fortaleza moral figurou sempre e continua figurando no lugar de maior honra, a fortaleza que é uma força espiritual, uma energia que tende para o sublime, como uma resistência à dor ou ao infortúnio, que nunca lhe faltou em instante algum. Um cidadão da sua estatura tem a grandeza histórica de que o poder nunca melhorou os homens. Daí a certeza de que ele nunca foi corrompido pelo poder, estando ao largo de qualquer discriminação ética, altaneiro, idealista, instrumento das boas causas lutando em desfavor dos que oprimem, humilham, ofendem e agridem a sociedade.

            No discurso com que o recepcionou na Academia Goiana de Letras, Celestino Filho destaca que a obra de Goiânia também o é do seu primeiro prefeito, pois Venerando de Freitas Borges:

      ...viveu com o amigo (Pedro Ludovico) os dramas de uma construção de tamanho porte, tanto as de sentido material como as de sentido social, financeiro e político". E afirma que ele "não só escreveu páginas literárias de vários gêneros, como ligou seu nome à História de Goiás, construindo criações artísticas em cimento armado na edificação de Goiânia. E seu nome, toda vez que se meditar sobre a capital do Estado, numa afirmação sinestésica, exsurgirá ao lado da lembrança de Pedro Ludovico.

            Os dois pioneiros de Goiânia são testemunhas de tudo quanto se fez em Goiás nos últimos 60 anos. Um jurista de tradição e nosso intelectual maior, conheceu todos os fenômenos da nossa sociedade produzidos pelos sucessos das recentes décadas e soube desempenhar a sua função transcendente de advogado do bem público. Outro, cidadão de grande porte moral, dignificou o seu tempo e jamais transigiu na defesa dos legítimos direitos e prerrogativas que lhe foram atribuídos, batalhando até as últimas conseqüências para fazê-los respeitados. Intransigências que são ressaltadas no fundador da Universidade de Navarra, na Espanha e seu primeiro Grão-Chanceler ao acentuar que um homem que transige em questões de ideal, de fé e de honra é um homem sem ideal, sem fé e sem honra.

            Sem dúvida, Pedro Ludovico foi um homem de ideal, de fé de honra como muitos dos seus mais próximos colaboradores, entre eles Joaquim Câmara Filho que, na expressão de José Asmar, foi "o revoltoso que promoveu Goiás", título de um excelente livro seu, publicado pela Organização Jaime Câmara. O fundador de Goiânia cumpriu a sua missão no pioneirismo bandeirante da marcha para o Oeste e na abertura dos caminhos da Amazônia, pelo interior do País, ajudando a erguer em Goiás a espinha dorsal do Brasil que nasceu além do meridiano de Tordesilha.

            Em os "Tempos da Mudança" e "Nos Tempos de Frei Germano" na sua linguagem de memorialista, de historiador, de cronista e de jornalista, Jaime Câmara conta determinados antecedentes da transferência da capital de Goiás para Goiânia. Conforme salienta Valdir Luiz costa, um notável mineiro-goiano que foi catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, especialista em Direito Canônico e comendador da Ordem de São Gregório Magno e colaborador do arcebispo Dom Fernando Gomes, primeiro titular da Arquidiocese de Goiânia, "Nos Tempos da Mudança" e “Nos Tempos de Frei Germano", Jaime Câmara discute os documentos à luz uma razão esclarecida, apreciando os fatos no tempo e no espaço, para discernir o que dependeu da vontade dos homens e o que obedeceu à fatalidade das coisas, fazendo a crítica histórica. Mais ainda frisou que as pesquisas dedicadas à historiografia, ao registro dos vultos e dos fatos passados, dignos de nota, se sensibilizaram com os problemas do presente e as preocupações do futuro.

            Por esse método, situa Jaime Câmara a figura de Pedro Ludovico no quadro de tumulto político em que se inseria Goiás ao tempo em que se preparava a mudança da capital para Goiânia. Ele lutou com muita tenacidade para levar adiante o seu objetivo de transferir a sede do governo para um sítio mais apropriado, sítio que foi escolhido por uma comissão que teve a presidência do arcebispo Dom Emanuel Gomes de Oliveira, um salesiano de Dom Bosco que serviu como secretário geral de Dom Aquino Corrêa na presidência do Estado de Mato Grosso. Tudo é, então, minuciosamente contado e a gente fica sabendo como se processou nos bastidores o movimento vitorioso da fundação de Goiânia e em cuja consolidação, desenvolvendo um sistema de publicidade no País e no exterior, teve atuação destacada o jornalista Joaquim Câmara Filho, um nordestino do Rio Grande do Norte, revolucionário de 30 e ardoroso defensor da Marcha para o Oeste.

            Justa, justíssima, portanto, é a exaltação do feito histórico de Pedro Ludovico, é a projeção de sua inconfundível figura de político, administrador e médico, do homem público que, no Senado da República, em diversas ocasiões, ocupou a tribuna parlamentar para proferir didáticos discursos sobre a situação econômico-financeira do País, que lutou, como constituinte, para transferir do Rio para Brasília o Distrito Federal, que foi brasileiro e goiano de alma e coração, herdeiro do bandeirantismo paulista e vulto insigne de nossa Pátria.

      José Luiz Bittencourt foi vereador em Palmeiras de Goiás e em Goiânia, deputado estadual, secretário de Estado da Educação e vice-governador do Estado no quatriênio 1975-79. É membro da Academia Goiana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, da Academia Goiana de Letras Jurídicas e da Associação Goiana de Imprensa. Jornalista, publicou os seguintes livros: "Dos Fundamentos da Liberdade no Estado Moderno"; "Política e Poder Nacional"; "Dimensão Política dos Direitos Humanos"; "Prática da Discordância" e "Leão na Jaula

 

            PEDRO FUNDAMENTAL

     Px Silveira

            Pedro Ludovico Teixeira nasceu na cidade de Goiás, então capital do Estado de Goiás, em 23 de outubro de 1891, filho do médico João Teixeira Álvares e de Josefina Ludovico de Almeida. Seu pai era membro da Academia Nacional de Medicina.

            Fez os estudos básicos na Escola de Mestra Nhola e no Liceu de Goiás, embarcando depois para o Rio de Janeiro, então Distrito Federal, a fim de estudar engenharia na Escola Politécnica. Entretanto, freqüentou este curso apenas durante uma semana, pois a freqüência mínima exigida o impedia de trabalhar. Transferiu-se então para a Faculdade de Medicina, pela qual se formou.

            Retornou a Goiás em março de 1916, fixando residência em Bela Vista, onde começou a clinicar. Em 1917 mudou-se para Rio Verde e no ano seguinte casou-se com Gercina Borges Teixeira, filha de Antonio Martins Borges, senador, fazendeiro e comerciante.

            Em 1919, foi um dos fundadores do jornal O Sudoeste, iniciando através dele o combate ao situacionismo estadual - na época representado pela família Caiado, mantendo uma franca oposição ao Governo.

            Em 1929, manteve contato com Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, presidente de Minas Gerais, e com o revolucionário Antônio de Siqueira Campos, que participavam da Aliança Liberal. Com a derrota do partido nas eleições de março de 1930, teve início a preparação da revolta armada que deveria ser desencadeada em vários pontos do país. O movimento eclodiu no dia 3 de outubro, e já no dia 4 Pedro Ludovico seguiu para Minas Gerais, a fim de juntar-se aos revolucionários. Retornou com um grupo deles a Goiás, sendo aprisionado pelas forças legalistas na entrada da cidade de Rio Verde, após um pequeno combate.

            Em 24 de outubro, foi determinada a sua remoção para a cidade de Goiás, mas durante o percurso veio a notícia da vitória da revolução. Assim, Pedro Ludovico chegou ao destino não mais como prisioneiro, mas para assumir a liderança de um movimento vitorioso e o Governo Provisório do Estado.

            Depois de se comunicar com Camilo Chaves, chefe revolucionário no Triângulo Mineiro, juntou-se a outros companheiros e ocupou o Palácio do Governo. A chegada da coluna mineira chefiada por Carlos Pinheiro Chegas possibilitou que os revoltosos goianos entrassem em contato com o Estado-Maior da revolução, que determinara a formação em todos os Estados de Juntas Governamentais compostas por três membros. Em Goiás, em 27 de outubro, foram escolhidos Pedro Ludovico, o desembargador Francisco Emílio Póvoa e o Juiz de Direito Mário D’Alencastro Caiado.

            Em 21 de novembro do mesmo ano, Pedro Ludovico foi nomeado Interventor no Estado de Goiás. Quando eclodiu a Revolução Constitucionista de 1932, manteve-se fiel ao Governo Federal, chegando a mobilizar tropas goianas para a fronteira de Mato Grosso.

            Em 1933 foi decidida a reconstitucionalização do país, com a convocação de eleições para a Assembléia Nacional Constituinte. Em todos os Estados, os interventores participaram da criação de partidos que representassem os objetivos doutrinários da Revolução de 1930, e em Goiás Pedro Ludovico tomou parte ativa na criação do Partido Social Republicano, que viria a preencher todas as cadeiras da representação goiana na Constituinte.

            Em 1935, seguindo as normas da Constituição Federal votada no ano anterior, reuniu-se a Assembléia Constituinte do Estado de Goiás, que o elegeu governador.

            Sua eleição contou com os votos da chamada "frente moderada" do seu partido, derrotando Domingos Neto de Velasco, candidato da "ala esquerdista". A divergência central entre ambos dizia respeito, na época, à mudança da capital de sua interventoria e finalmente concretizada em 1937, com a construção de Goiânia.

            Em novembro de 1937, com a decretação do Estado Novo, permaneceu à frente do Governo Estadual, mais uma vez como Interventor. No início de 1945, com a crise do Estado Novo e o surgimento de novos partidos políticos, participou intensamente da criação do Partido Social Democrático (PSD), do qual foi presidente em Goiás.

            Cinco dias após a queda de Getúlio Vargas (29/10/1945), foi substituído na Interventoria, depois de 15 anos consecutivos à frente do Executivo estadual.

            Durante o período em que ocupou o Governo de Goiás, além da fundação de Goiânia, construiu a rodovia que ligava a nova capital a Rio Verde, a Usina Rochedo, destinada a fornecer força e luz a Goiânia, e a ponte sobre o rio Paranaíba, na divisa com Minas Gerais.

            Em dezembro de 1945 foi eleito senador na legenda do PSD para um mandato de oito anos e, dessa forma, tomou parte nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte de 1946. Nos debates, defendeu o projeto da mudança da Capital Federal para o planalto do estado de Goiás.

            Membro do Diretório Nacional de sua agremiação política, em 1950 interrompeu seu mandato no Senado para candidatar-se novamente ao Governo de Goiás. Concorrendo com Altamiro de Moura Pacheco, foi eleito no pleito de 3 de outubro do mesmo ano, na legenda da coligação entre o PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com 84.553 votos.

            Empossado em janeiro de 1951, governou por apenas três anos e meio, ao fim dos quais renunciou para desincompatibilizar-se e poder ser novamente candidato ao Senado.

            Durante sua gestão, adquiriu a Empresa de Força e Luz, aperfeiçoou o serviço sanitário e telefônico de Goiânia, instituiu o Serviço de Assistência Itinerante do Departamento de Saúde do Estado.

            Nas eleições de outubro de 1954, elegeu-se mais uma vez senador na legenda do PSD, com mandato de oito anos. Reeleito em outubro de 1962, sempre com o apoio do PSD, permaneceu no Senado até outubro de 1969.

            Ao longo de sua vida parlamentar, foi membro das comissões de Saúde Pública, Agricultura, Legislação Social, Finanças e do Distrito Federal. No exterior, foi membro do Conselho da União Interparlamentar em Varsóvia e observador parlamentar da delegação do Brasil à reunião do Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT). Destacou-se na defesa do presidencialismo, embora tenha aceito o Ato Adicional n.º 4 que, em 2 de setembro de 1961, estabeleceu o regime parlamentar. Lutou então pela antecipação do plebiscito que pouco depois (janeiro de 1963) revogou o parlamentarismo.

            Durante o Governo de João Goulart, defendeu o direito de voto para os analfabetos, a elegibilidade dos sargentos e as reformas de base.

            Em novembro de 1964, mobilizou homens armados para a defesa do mando de seu filho Mauro Borges no Governo de Goiás, que este ocupava desde 1º de fevereiro de 1961. Entretanto, não teve sucesso, pois uma intervenção federal afastou o governador do cargo no dia 26 de novembro. Em outubro de 1965, o Ato Institucional n.º 2, promulgado pelo presidente Humberto Castelo Branco, extinguiu os partidos políticos até então existentes. Com o advento do bipartidarismo, Pedro Ludovico filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), representando-o na vice-presidência do Senado até 1º de outubro de 1969, quando a junta militar que Governou o país de 31 de agosto a 30 de outubro desse ano cassou seu mandato parlamentar com base no Ato Institucional n.º 5, promulgado em 13 de dezembro de 1968 pelo presidente Artur da Costa e Silva.

            Em 1979 declarou-se partidário da abertura democrática, defendendo a anistia ampla e manifestando contentamento pelos bons resultados alcançados pelo MDB nas eleições de 1978.

            Pedro Ludovico foi também redator do jornal goiano A Voz do Povo, membro honorário da Academia de Letras de São Paulo e membro fundador da Academia Goiana de Letras.

            Faleceu em Goiânia no dia 16 de agosto de 1979, quando preparava mais um volume de seu livro "Memórias".

Px Silveira é produtor cultural, autor do filme-livro Pedro Fundamental, que sobre a vida de Pedro Ludovico


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2001 - Página 25836