Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Repúdio à violência da guerra e ao terrorismo internacional.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Repúdio à violência da guerra e ao terrorismo internacional.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2001 - Página 25998
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, ATENTADO, TERRORISMO, CONFLITO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AFEGANISTÃO, REPUDIO, GUERRA, DENUNCIA, VITIMA, SOCIEDADE CIVIL, AUSENCIA, JUSTIFICAÇÃO, ATO, TERRORISTA, GOVERNO ESTRANGEIRO, PRIMEIRO MUNDO, OMISSÃO, FALTA, JUSTIÇA SOCIAL, MUNDO.
  • CONCLAMAÇÃO, SUSPENSÃO, BOMBARDEIO, RETOMADA, PAZ.

            O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, atribui-se a um poeta latino a afirmação de que as guerras são detestadas pelas mães. As mães não querem ver os seus filhos sacrificados pela guerra. As mães detestam a guerra.

            Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, o bom senso têm-no os que estão perto da vida, os que sentem a vida, os que percebem a vida, os que sabem do valor da vida. As mulheres possuem esses valores, por isso detestam a guerra.

            Repudiar a guerra e amar a vida é uma questão de inteligência e de desenvolvimento do valor que se materializa na civilização. Assim sendo, as mulheres são mais civilizadas do que os homens, em especial dos homens que dominam a tecnologia da guerra e dos que decidem pô-la em prática. 

            Os acontecimentos de onze de setembro e o que está ocorrendo presentemente no Afeganistão negam a inteligência, negam a civilização. Por obra de alguns que se julgam sábios, inclusive em nome de uma pretensa justiça de Deus, o retorno à barbárie se concretiza de forma trágica.

            Os ataques ao Afeganistão já vêm ocorrendo há três semanas. Intensos bombardeios e lançamentos de mísseis têm ocorrido sem cessar, atingindo a infra-estrutura militar, mas destruindo também instalações que nada têm a ver com a guerra e matando civis inocentes.

            As cifras são contraditórias, são jogadas ao sabor das partes interessadas. Mas há mortes, muitas mortes. A conclusão, segundo a expressão do editorial do Correio Braziliense de 23 de outubro, que faço minha, é de que “... nas grandes conflagrações, a primeira vítima é sempre a verdade”. É vítima a verdade sobre as mortes causadas pelas bombas, é vítima a verdade sobre a razão da guerra, se existe, são vítimas o desenvolvimento e a liberdade dos povos e das nações. Na expressão vigorosa de Rui Barbosa, a lei da guerra é a “Lei da mentira, na falsa história que escreve, nos falsos pretextos que invoca, na falsa ciência que explora, na falsa dignidade que ostenta, na falsa bravura que assoalha, nas falsas liberdades que reivindica, fuzilando enfermeiras, atacando hospitais, metralhando populações desarmadas, incendiando aldeias, bombardeando cidades abertas, minando as estradas navais do comércio, submergindo navios mercantes, canhoneando tripulações e passageiros refugiados nas lanchas de salvamento, abandonando as vítimas da cobardia das suas proezas marítimas aos mares revoltos e aos frios dos invernos boreais”.

            As guerras modernas diferem das tradicionais. Diferenciam-se pelos efeitos sobre os civis. De acordo com levantamento da Caritas Internationalis, na primeira Guerra Mundial, foi de 5% o percentual de vítimas civis. Na segunda Guerra Mundial, esse percentual subiu para 50%. Na Guerra do Vietnã, para 80%. Nos conflitos da última década, os mortos civis foram de 85 a 95%. 

            No Afeganistão, com a chegada do inverno, em decorrência da pobreza generalizada da população, agravada pelo arrasamento provocado pelos bombardeios, cem mil crianças afegãs haverão de morrer, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF. Em se tratando de adultos, quantos morrerão, debilitados como já se encontram depois de vinte anos de guerra interna, exacerbados pela presente tragédia dos bombardeios?

            Toda condenação merecem os atentados de setembro ao World Trade Center, no entanto, recuso-me a reconhecer aos Estados Unidos o direito de demolir o Afeganistão em vingança, até porque a história desse país americano não o isenta de prática e participação na violência e na preparação da violência. É violência contra a humanidade asfixiar a economia dos países emergentes; é violência fabricar e vender armas de guerra; é violência treinar e favorecer a tortura de opositores políticos e patrocinar insurreições; é violência destinar recursos extraordinários para desenvolver tecnologias avançadas, para destruir e matar. É violência defender a democracia e a justiça apenas sob a perspectiva de interesses exclusivistas. 

            Nenhuma argumentação tem sentido, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, sem a preocupação essencial de garantir que as vozes das vítimas das guerras e das injustiças sejam ouvidas no discurso moral das comunidades, dos governos e das nações. Não há discurso ético, político e moral que se sustente sem levar em conta a brutalidade presenciada por crianças contra seus pais, irmãos e vizinhos, ou sem considerar as gerações de jovens traumatizados pela experiência da morte brutal provocada pelos conflitos. Não há atitude humana defensável na promoção da guerra, na prática da “lei de torpeza, que proscreve o coração, a moral e a honra, misturando a morte com o estupro, a viuvez com a prostituição, a ignomínia com a orfandade” (Rui Barbosa).

            Não subsiste razão para a continuidade dos ataques aéreos sobre o Afeganistão. O maior apanágio de um país e de seu governo é o cultivo e a prática da racionalidade, da justiça e do equilíbrio. A racionalidade, a justiça e o equilíbrio são características de civilização. Fora desse campo, mergulha-se na barbárie. E as barbáries são todas iguais, seja as modernas, executadas por meio de tecnologias de ponta, seja as praticadas pelos soldados romanos nas Gálias, seja as dos hunos que pilharam o Império Romano.

            Sejam suspensos os bombardeios, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores! Deixe-se de invocar a Deus para justificar chacinas! “Deus - se algo sabemos sobre ele, pretensão que não tenho - prefere o envio eficaz de alimentos, a presença de equipes médicas dedicadas, barracas seguras e confortáveis para os desabrigados e os que perderam entes queridos, e um reconhecimento decente e sem reservas de nossos pecados passados, junto com a disposição de corrigi-los. Ele prefere que sejamos menos avarentos, menos arrogantes, menos evangélicos e menos desdenhosos com os perdedores desta vida” (John Le Carré, escritor inglês, in Correio Braziliense, 21.10.01).

            Era o que tinha a dizer!




Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2001 - Página 25998