Pronunciamento de Marina Silva em 25/10/2001
Discurso durante a 142ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Registro da carta do Fórum Nacional pela Reforma Agrária encaminhada às autoridades governamentais, denunciando a violência extrema que vem ocorrendo no Estado do Pará.
- Autor
- Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
- Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
REFORMA AGRARIA.
SEGURANÇA PUBLICA.:
- Registro da carta do Fórum Nacional pela Reforma Agrária encaminhada às autoridades governamentais, denunciando a violência extrema que vem ocorrendo no Estado do Pará.
- Aparteantes
- Ademir Andrade.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/10/2001 - Página 26086
- Assunto
- Outros > REFORMA AGRARIA. SEGURANÇA PUBLICA.
- Indexação
-
- SOLIDARIEDADE, CARTA, DESTINATARIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, COMBATE, CONCLUSÃO, ENCONTRO, AMBITO NACIONAL, REFORMA AGRARIA, DENUNCIA, ATRASO, IMPLEMENTAÇÃO, GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, HOMICIDIO, AMEAÇA, MORTE, SEQUESTRO, TORTURA, PRISÃO, TRABALHADOR RURAL, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, ESCRAVATURA, IMPUNIDADE, REGISTRO, DADOS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA).
- SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CARTA, FORO, REFORMA AGRARIA, DENUNCIA, VIOLENCIA, ESTADO DO PARA (PA).
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço um breve registro referente à Carta do Fórum da Reforma Agrária entregue ao Presidente da República, denunciando a violência extrema que vem acontecendo no Estado do Pará.
É importante fazer aqui esse registro porque estamos vivendo momentos muito difíceis na economia do País, momentos de muitas dificuldades para os setores menos favorecidos da nossa população. E, lamentavelmente, um dos instrumentos mais importantes de inclusão social, a reforma agrária, não tem sido viabilizado de acordo com as necessidades que temos. Em função dessa ineficácia e dessa falta de compromisso em implementar efetivamente a reforma agrária, temos esse quadro de violência. Apenas o Estado do Pará já nos dá resultados desastrosos como os evidenciados na carta entregue pelo Fórum da Reforma Agrária ao Presidente da República e ao Ministro Raul Jungmann, da Reforma Agrária.
O Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo protocolou, no dia 23, a entrega de uma carta ao Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, ao Ministro da Justiça José Gregori, ao Ministro do Desenvolvimento Agrário Raul Jungmann e ao Governador do Pará Almir Gabriel, denunciando o recrudescimento da violência contra os trabalhadores rurais no sul e sudeste do Pará e exigindo que sejam tomadas medidas para impedir novos assassinatos - já são oito este ano - ameaças de morte, seqüestro e tortura praticados pelas milícias privadas a serviço dos fazendeiros; prisões arbitrárias (entre abril e agosto, foram presos 125 trabalhadores rurais na região), além do trabalho escravo que cresceu muito nessas regiões.
A carta apresenta dados impressionantes que constam do relatório elaborado por representantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Ministério da Justiça) e Procuradoria Federal de Defesa dos Direitos do Cidadão:
– De 1971 a 2001, foram assassinados 706 trabalhadores rurais em conflitos de terra no Pará;
– Ao longo dos últimos trinta anos, somente foram realizados três julgamentos, nos quais foram condenados um mandante, um intermediário e dois pistoleiros.
Ou seja, Sr. Presidente e Senador Ademir Andrade, que me acompanha aqui - e isso se refere ao seu Estado -, de 1971 a 2001 tivemos 706 trabalhadores rurais em conflitos de terra no Pará e, ao longo desses 30 anos, somente 3 julgamentos foram realizados. Sabemos que foram inúmeros os casos em que tivemos pessoas assassinadas, pessoas massacradas, pessoas espoliadas injustamente dos seus direitos de posse, e, lamentavelmente, a nossa Justiça não tem atuado no sentido de prevalecer o direito daqueles que não são, não sabem, não podem e não têm. Infelizmente, é isso que acontece no Estado do Pará.
A PM gasta entre R$100 mil a R$120 mil em caríssimas operações para despejar com violência os sem-terra que ocupam fazendas improdutivas, mas não tem sido capaz de prender os assassinos dos trabalhadores rurais.
Há um grande gasto público, sempre a serviço dos grandes latifundiários, donos, muitas vezes, de terras improdutivas. Gasta-se, como diz o relatório, cerca de R$100 mil a R$120 mil somente com operações criminosas e tendenciosas - repito - sempre a serviço dos grandes latifundiários em detrimento dos trabalhadores rurais sem terra.
A Justiça deveria agir no sentido de fazer valer a Constituição Federal, que assegura que a terra tem que ter uma função social e, se não a cumpre, não merece, portanto, a proteção do Estado, principalmente por meio do seu braço repressor.
O Sr. Ademir Andrade (PSB - PA) - Permite-me V. Exª um aparte?
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte ao Senador Ademir Andrade.
O Sr. Ademir Andrade (PSB - PA) - Senadora Marina Silva, em nome do povo do Pará, fico feliz com a sua manifestação e a sua preocupação que, aliás, é uma preocupação permanente minha, de V. Exª, dos Senadores do PT, do PSB e de vários Partidos políticos. Devo registrar que têm absoluta razão os signatários do documento. A situação no nosso Estado é grave. Houve um período de certa calma, mas este ano de 2001 tem sido pavoroso. Os assassinatos voltaram a acontecer. A situação é muito violenta. E isso ocorre, Senadora Marina Silva, porque o Estado se omite no processo. O Estado fica ausente. É como se a questão da disputa pela terra não fosse problema dele. O Governo Federal age independentemente do Governo do Estado. Para o Governo do Estado essa questão não existe, a não ser quando é para obedecer ordem judicial, quando é para mandar a polícia retirar trabalhadores. Recentemente, houve uma operação para desocupar mais de 12 fazendas no Estado do Pará. Qual deveria ser o papel do Governador? A primeira atitude seria a de chamar os proprietários e conversar com eles a respeito. Muitos deles, Senadora Marina Silva, tenho certeza, gostariam de negociar a sua propriedade com o Incra, gostariam de ser desapropriados. Com isso já se evitaria um grave problema, porque se o cidadão tiver um título da terra, se estiver documentado, poderá ter sua terra desapropriada. Por outro lado, se o cidadão disser que não quer ser desapropriado, que quer ficar em sua fazenda, o Governo poderia arrumar outra área para esses trabalhadores, negociando e transferindo-os para outra área de maneira pacífica. É obrigação dos governantes tomar providências desse tipo. Mas eles não procedem assim, simplesmente mandam a polícia tirá-los de lá e jogá-los à beira da estrada, sem nenhuma opção de vida, sem terem para onde ir nem onde ficar. Assim, quando a polícia vai embora, esses trabalhadores voltam para aquela terra. O proprietário, por sua vez, que não tem o amparo do Estado para proteger a sua propriedade ou receber a sua indenização, fica sem nenhuma expectativa. E essa situação termina gerando conflito e mortes. A maioria dessas mortes são de lideranças sindicais e de posseiros, mas, às vezes, até de proprietários. Esse clima de guerra ocorre em razão da omissão, da ausência do Governo sob todos os aspectos: ausência no que se refere a dinheiro para a reforma agrária e ausência de comprometimento político para o diálogo e a solução do problema. É lastimável que isso ocorra. O povo precisa compreender isso, deixando de brigar e de se matar, e cobrar do Estado, das Prefeituras, dos Deputados, dos Vereadores, das autoridades de cada Município, que deveriam correr atrás da solução, enfim, o povo deve cobrar de um Governador omisso e de um Presidente Regional do Incra, ainda mais omisso, pois o Governo ultimamente tem nomeado técnicos para tomar conta de determinadas coisas. Desde que esse cidadão de Marabá assumiu o Incra, as desapropriações praticamente paralisaram e o Incra não andou mais para canto nenhum; está morto, inexistente. Luto a favor daquele órgão. Agora mesmo consegui aprovar, na Comissão de Assuntos Econômicos, uma emenda de mais de R$80 milhões para o Incra. Mas essas pessoas têm que agir, têm que trabalhar, não podem deixar que os trabalhadores morram pela sua inoperância, pela sua falta de ação. E mais ainda o Governador do Estado, que age como se o Incra não fizesse parte do Pará; tanto o Superintendente de Marabá, quanto o Superintendente de Belém agem como se o Incra não estivesse dentro do Estado do Pará. O Governador tinha que se fazer presente nas ações desses órgãos federais dentro do Estado do Pará. Mas V. Exª e as pessoas que assinaram esse documento têm toda razão: há de se continuar lutando para que haja reforma agrária, para que se atenda à demanda dos trabalhadores, dos direitos humanos e da justiça social.
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Senador Ademir Andrade, agradeço o aparte de V. Exª. Como representante do Pará e como uma pessoa que se tem pronunciado constantemente na defesa dos trabalhadores, na defesa dos direitos humanos e na defesa da justiça social, recebo as suas palavras como parte do meu pronunciamento.
Fico estarrecida porque o número de 706 trabalhadores rurais assassinados em conflito de terra é muito grande, e essas pessoas estão ali buscando meios dignos de sobrevivência para si e para a sua família. Muitas vezes é alegado que aquelas pessoas são reincidentes, que invadem uma terra, depois outra, mas isso ocorre em função da ausência de uma política de reforma agrária, de políticas voltadas para o setor da agricultura familiar. E é em função dessa falta de perspectiva que temos essas reincidências; não se trata de problema de caráter dessas pessoas. Duvido que alguém vá arriscar a sua vida e a de sua família em conflitos de terra simplesmente porque quer fazer invasões. Isso não é verdade. Temos um grave problema social que não pode ser tratado, Sr. Presidente, como problema de polícia. Esse é um problema de justiça social, da defesa e do propósito ético de fazer essa justiça social, e assim deve ser tratado.
Sr. Presidente, na carta, o Fórum sugere medidas para conter a violência especialmente no sul e sudeste do Pará. Entre elas, a formação imediata de uma força tarefa composta pela Polícia Federal, sob coordenação conjunta do Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado do Pará, com o objetivo de desmantelar a rede criminosa organizada e responsável pelos assassinatos dos trabalhadores rurais.
Segundo a monitoração efetuada pelos satélites do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a área que se estende do nordeste do Estado de Mato Grosso ao sudeste do Estado do Pará concentrou o maior número de queimadas registradas no País este ano. Naqueles dois Estados, registraram-se mais de 50 mil pontos de incêndio este ano, sendo 20.403 no sudeste do Pará, de um total de 115.693 em todo o Brasil, até outubro deste ano.
E um dado interessante, Senador Ademir Andrade, é que, exatamente na área de maior desmatamento e de maior incidência de queimadas no Estado do Pará, temos o maior número de pessoas envolvidas em conflitos de terras e de denúncias de assassinatos segundo o Fórum Nacional Pela Reforma Agrária e Justiça no Campo. Temos, então, uma combinação perversa entre desrespeito aos direitos humanos, ao meio ambiente e à função pública. Não posso admitir que o meu Estado esteja sediando coisas tão abomináveis como essa sem que providências sejam tomadas no sentido de dar um basta para que a Polícia Militar não continue dando sustentação a essas ordens de despejo, já que não temos uma real política de reforma agrária e as pessoas que são responsáveis pelo Incra no Estado do Pará, nessas regiões mencionadas pelo Senador Ademir Andrade, não adotam uma política de reforma agrária para atender a essas demandas sociais que são justas.
O Estado do Pará é belíssimo, riquíssimo e tem um povo de força e garra que remonta à luta heróica dos cabanos. Lamentavelmente, no entanto, quando ouvimos falar do Estado do Pará, associamos tudo isso de bom a algo que nos entristece tanto: a violência no campo, a violência contra os trabalhadores. É quase impossível pensar naquele Estado da Federação e ao mesmo tempo não fazer uma associação com todos essas atrocidades cometidas nos conflitos de terra, talvez um dos mais aguçados do nosso País.
Solidarizo-me com a Carta do Fórum da Reforma Agrária, levada ao Presidente da República, ao Ministro da Justiça, José Gregori, e ao Ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, e faço um apelo no sentido de que as autoridades tomem as devidas providências visando debelar a violência no campo. Mas que essas providências sejam pautadas em ações efetivas, algumas aqui sugeridas pelo Senador Ademir Andrade, de reforma agrária e de uma política voltada para a agricultura familiar, que podem muito bem ser levadas a cabo pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, pelo Ministério da Agricultura e pelo órgão estadual responsável pelo assunto.
Apelo ao Governador Almir Gabriel - se é que posso -, a fim de que S. Exª, como médico, como alguém que lida com a vida humana, o bem mais precioso, volte o seu olhar para essas vidas que estão sendo ceifadas, pois, dessa forma, talvez possamos mudar a história do Pará, eliminando esse enorme número de mortes em conflitos de terra.
Faço isso em nome do Estado do Pará, membro da Federação e um Estado irmão, já que também faz parte da Região Norte.
Por último, solicito que seja dada como lida, fazendo parte do meu pronunciamento, a carta apresentada ao Presidente da República, para que fique registrada nos Anais da Casa essa avaliação referente à violência no campo no Estado do Pará, não restrita apenas àquele Estado, mas presente em vários pontos da nossa Federação. Tal violência é decorrente da falta de uma política de reforma agrária e, sobretudo, de um comprometimento, um propósito ético de debelarmos os problemas e as injustiças sociais no campo, em todo o nosso País.
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SEGUE DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SENADORA MARINA SILVA EM SEU PRONUNCIAMENTO, A SER INSERIDO NOS TERMOS DO ART. 210 DO REGIMENTO INTERNO.
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