Discurso durante a 143ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a situação dos sem-terra acampados ao longo da Rodovia Belém/Brasília.

Autor
Leomar Quintanilha (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Leomar de Melo Quintanilha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA AGRICOLA.:
  • Preocupação com a situação dos sem-terra acampados ao longo da Rodovia Belém/Brasília.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/2001 - Página 26141
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, POBREZA, MISERIA, HABITAÇÃO COLETIVA, SEM-TERRA, PROXIMIDADE, RODOVIA, LIGAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO PARA (PA), CAPITAL FEDERAL.
  • ANALISE, AUMENTO, EXODO RURAL, RESULTADO, FALTA, ORGANIZAÇÃO, CRESCIMENTO, CIDADE, DESEMPREGO, MISERIA, FOME.
  • CRITICA, PROGRAMA, ASSENTAMENTO RURAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), FALTA, ASSISTENCIA FINANCEIRA, ASSISTENCIA ADMINISTRATIVA, PLANEJAMENTO AGRICOLA, PREJUIZO, PRODUTOR RURAL.
  • NECESSIDADE, OCUPAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, APROVEITAMENTO, REGIÃO AMAZONICA.
  • REPUDIO, DESAPROPRIAÇÃO, PROPRIEDADE PRODUTIVA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, GARANTIA, INFRAESTRUTURA, PRODUTOR RURAL, BENEFICIO, PERMANENCIA, HOMEM, CAMPO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PFL - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quem passar pela rodovia federal BR-153, à altura do quilômetro 167, se não me engano, mais precisamente cerca de dez quilômetros ao sul da cidade de Araguaína, no Estado do Tocantins, vai-se deparar com um cenário degradante, que agride a dignidade humana e nos remete a uma reflexão profunda das questões socioeconômicas deste País. Às margens da Belém-Brasília, encontram-se dezenas de famílias amontoadas, abrigadas em ranchos improvisados que mal protegem homens, mulheres e crianças do frio da noite, dos insetos, das pragas que existem na região e não evitam os riscos de eventuais acidentes, que já ocorreram: crianças atravessando uma rodovia tão movimentada, como é a Belém-Brasília.

            Seguramente, esse quadro, Sr. Presidente, se repete em outras regiões. Não sei se à margem de uma rodovia federal, mas se repete em outras regiões, revelando uma das ações do Movimento dos Sem Terra, de pessoas que aguardam uma decisão do Incra para indicar uma propriedade que seria parcelada e a eles distribuída para trabalhar e para tirar dali o seu sustento.

            Na verdade, eu não sei como essas pessoas estão vivendo. Como é que lhes chega o alimento para mitigar a fome, principalmente das crianças, e como estão agindo em caso de doenças, como se socorrem das doenças. Esse grupo de homens, mulheres e crianças ainda tem um alento: o de estar próximo à cidade de Araguaína. Possivelmente, na hora das emergências, das necessidades mais agudas podem encontram a solidariedade humana das pessoas que ali vivem e que contribuem para mitigar seus sofrimentos, quer no que tange à fome de seus filhos, quer no que tange às demandas de saúde, que seguramente ocorrem quando pessoas estão vivendo naquela promiscuidade, desprovidos de qualquer condição de higiene, portanto, suscetíveis a todo tipo de doenças.

            Sr. Presidente, esses milhares e milhares de brasileiros que integram o Movimento dos Sem terra, que estão sendo colocados em propriedades rurais a eles destinadas, não conseguiram inverter um fenômeno social forte e agudo, que a sociedade brasileira experimenta nas últimas quatro ou cinco décadas.

            Há cerca de quarenta, cinqüenta anos, o Brasil era um país eminentemente rural. Setenta por cento dos brasileiros moravam no campo, enquanto apenas 30% moravam nas cidades. Hoje, decorridos não muitos anos, num espaço de tempo tão curto, esse fenômeno social forte, que se acentua e se agrava a cada ano que passa, mudou o perfil da população brasileira. Atualmente, apenas 18% dos brasileiros moram no meio rural e 82% vieram para as cidades, sofrendo as conseqüências danosas e nefastas de um fluxo migratório de rotos e famintos, que não tiveram a oportunidade de ter, em seu local de origem, a necessária qualificação para o enfrentamento dos desafios da vida. Vieram para as cidades numa concorrência desigual com aqueles que habitam as urbes brasileiras e que tiveram à sua disposição todo o instrumental necessário e adequado à sua formação e à sua preparação para o exercício da cidadania.

            Aqueles irmãos nossos, brasileiros originários dos quatro quadrantes do Brasil, das diversas regiões e do interior do País, buscando uma oportunidade de sobrevivência nas cidades, se acotovelam ao redor principalmente das grandes cidades, procurando abrigo, também improvisado, e disputam o mercado de trabalho existente. Nesse particular, enfrentam um obstáculo muito grande, em razão do seu despreparo e da sua desqualificação. Por isso, os serviços braçais, os serviços mais rústicos, mais rudes, menos valorizados e menos remunerados, vêm sendo praticados por essas pessoas que se deslocam do interior para a cidade.

            É degradante, Sr. Presidente, vermos pais de família revirando latas de lixo, buscando restos de comida, para mitigar a sua fome e a de seus filhos.

            Não é esse o Brasil que queremos! E a força desse Brasil está no campo, no interior, ainda que de forma muito modesta, apesar da perversidade das elites brasileiras. E muitos desses nossos irmãos brasileiros não conhecem os benefícios da energia elétrica, não contam, para o seu amparo, para a sua proteção, para a valorização do seu trabalho, com a aplicação de programas sociais de apoio e de valorização, como contam as pessoas que habitam as cidades. Ainda assim, seguramente, se permanecessem no campo, teriam uma condição de vida melhor do que aquela que estão experimentando e oferecendo aos seus filhos nas periferias, nos grotões que cercam as cidades brasileiras.

            Fico a refletir, Sr. Presidente: este é um País imenso, com o qual a natureza foi extremamente generosa, dadivosa, porque aqui não há efeitos climáticos adversos, não há frio excessivo, tufão, furacão, tremores de terra. As nossas terras são férteis, são cortadas e entrecortadas por rios, córregos e ribeirões, que permitem efetivamente o desenvolvimento de uma economia primária extraordinária. Mas o que vemos ao longo da História do Brasil é o privilegiamento dos homens que habitam as cidades em comparação com os que habitam o campo.

            Nas cidades, há programas de financiamento da casa própria. Moramos em ruas pavimentadas, com iluminação pública, e em casas com água tratada e esgotamento sanitário. O posto de atendimento de saúde fica no mesmo quarteirão de nossas casas, há hospitais por todos os lados da cidade. O transporte coletivo é da melhor qualidade. Enfim, há todo tipo de programa e apoio, incrementado e modernizado, colocado à disposição do homem da cidade. Enquanto isso, o homem do campo não dispõe de programa de financiamento da casa própria; em frente à sua casa, não há pavimentação, não há esgotamento sanitário patrocinado e construído pelas instituições públicas, não há iluminação pública - e não há iluminação nem na sua própria casa. No meio rural, não há transporte coletivo e, na maioria das vezes, não há uma estrada vicinal que permita o acesso à cidade e propicie ao homem do campo vender pequenos produtos, o que poderia oferecer-lhe uma condição melhor de vida.

            É fácil entender por que esse fenômeno social a que me referi, o êxodo rural, nesses 30 ou 40 anos, acentuou-se de forma surpreendente, esvaziando o campo de um país que tem mais de oito milhões de quilômetros quadrados e fazendo crescer o número de megalópoles, provocando conseqüências danosas e nefastas, como a perda da qualidade vida para muitos brasileiros que habitam as cidades.

            Além disso, as pessoas que vivem no meio rural dedicam-se a uma atividade econômica que não pode ser tratada como uma atividade qualquer, porque ela provê o homem, do campo e da cidade, do elemento essencial à vida, que é o alimento.

            Podemos passar, Sr. Presidente, um, dez ou cem dias sem relógio, sem casaco, sem calçado ou sem automóvel, mas não podemos passar esse mesmo tempo sem alimento. Como a elite brasileira não percebe essa situação e continua pressionando o homem do campo?

            E, agora, a intranqüilidade está aumentada diante do chamado Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que tem provocado a proliferação de assentamentos em todos os Municípios brasileiros. E não posso assegurar que esses assentamentos tenham alcançado seu objetivo. Não é gratificante o quadro que vemos ao visitar um assentamento. A pobreza lá ainda é marcante. Homens e mulheres ainda não conseguem ter, nos assentamentos que tivemos a oportunidade de visitar, uma vida saudável e tranqüila. Efetivamente, não se conseguiu, mesmo com os milhares de hectares desapropriados, mesmo com centenas de famílias assentadas no campo, inverter o fluxo migratório do campo para as cidades.

            Algo está errado, Sr. Presidente. A intranqüilidade se alastra pelo campo entre os produtores rurais, não só pela questão do êxodo rural e dos assentamentos, mas também pela perspectiva do proprietário rural, que comprou a sua propriedade e nela tem investido dinheiro e tecnologia, de que, de uma hora para outra, corra o risco de tê-la desapropriada para que haja os assentamentos desses que não considero sem-terra. Entendo que são sem-emprego, não sem-terra. Não é possível que, num país com a extensão territorial do Brasil, com mais de oito milhões de quilômetros quadrados, não haja terras a serem oferecidas àqueles que delas querem tirar o seu sustento e o da sua família. Há terra sim! Mas não estamos encontrando a fórmula adequada, a mais correta, de efetivarmos a reforma agrária, que todos nós queremos, que o Presidente Fernando Henrique quer. Sua Excelência tem se esforçado com esse modelo que o Incra escolheu e que está implementando, mas que, no meu entendimento, está equivocado. Por todas as formas de contornos que têm sido criadas para melhorar o modelo escolhido, continuo entendendo que esse modelo não dá certo.

            Conheci, há mais de trinta anos, a Colônia Agrícola Bernardo Sayão, implantada, depois de uma concepção primorosa, às margens da rodovia Belém-Brasília, no Município de Ceres, em Goiás, as melhores faixas de terra daquela região. Não deu certo. Hoje não há um assentado lá.

            Conheci o Combinado Agrourbano de Arraias, implantado por orientação do então Governador Mauro Borges, no sudeste tocantinense, antes nordeste goiano, com a concepção à semelhança dos kibutz, nas melhores terras daquela região. Também não deu certo, Sr. Presidente. Transformou-se, hoje, em um Município chamado Combinado. E não há essa atividade produtiva por nenhum dos assentados daquela época.

            Conheci, Sr. Presidente, a Colônia Agrícola Bernardo Sayão do Município de Arapoema, também concebida de acordo com conceitos que até eu imaginava serem os mais adequados e os mais acertados, porque se propunha a distribuir eqüitativamente parcelas de terra a diversos assentados e a oferecer-lhes uma estrutura mínima de funcionamento, com apoio à saúde, com orientação técnica, com o financiamento das suas atividades. Não deu certo, Sr. Presidente. Acabou o assentamento, que virou Município Bernardo Sayão. E é possível que muitos dos moradores do novo Município Bernardo Sayão vivam sem amanhar a terra, sem tirar da terra o seu sustento e o da sua família. Não deu certo, Sr. Presidente.

            E os novos assentamentos que estamos vendo, que não são realizados de acordo com essa concepção, que não contam com essa estrutura de planejamento e de apoio, fatalmente darão menos certo do que esse, principalmente porque estão sendo distribuídas parcelas de terra para os sem-emprego e não para os sem-terra. E, talvez, hoje, a maioria dos sem-emprego seja composta por homens e mulheres que não têm a menor aptidão para a lide rural. Não sabem amanhar a terra, não sabem tirar dela o seu sustento, não sabem produzir na terra o suficiente para cuidar da sua família e sobrar um excedente para vender.

            É triste e grave essa situação, Sr. Presidente. É preciso que nos debrucemos sobre o problema e evitemos um agravamento ainda maior desse fenômeno que é o êxodo rural.

            A Amazônia, cujos Estados que ela integra temos nós, V. Exª e eu, a honra de representar, ocupa mais de 60% do território brasileiro e tem um vazio demográfico impressionante. Temos a preocupação de que esse vazio possa fazer com que pareça, a interesses estrangeiros, que não queremos aproveitar o potencial da Amazônia.

            Temos assistido à “biopirataria”, à exploração de madeira e a outras explorações nas terras férteis da nossa querida Amazônia. Por que não ocupá-la, uma vez que existe um grande fluxo migratório? As megalópoles diminuiriam, seriam criados programas de apoio para o aproveitamento sustentado de uma região tão rica e tão importante como é a Amazônia.

            Algo está errado, Sr. Presidente. É preciso que tomemos consciência disso. É preciso que paremos imediatamente de tomar terra daqueles que a compraram e por ela pagaram; daqueles que se integraram à sua exploração com a sua família, que introduziram nela benfeitorias, que fizeram investimentos, que introduziram tecnologias. De repente, depois de tudo isso, são desapropriados. Recebem pela benfeitoria realizada uma remuneração que nem sempre sai tempestivamente. Demoram a receber o pagamento. Eles não têm direito de participar da avaliação do preço pago pela terra. A avaliação é feita por quem vai desapropriar, e a parte que está em mata é remunerada em Título da Dívida Agrária.

            Portanto, a situação traz intranqüilidade ao campo, gera prejuízos àquele que está produzindo, que está contribuindo para o PIB nacional, a um setor que deu sustentação ao País nos momentos em que o País mais dele precisou. Os diversos e sucessivos planos econômicos tiveram uma sustentação forte no setor primário, com destaque para a agricultura.

            É preciso que devolvamos ao campo brasileiro a tranqüilidade de que ele precisa. É preciso darmos o apoio e o suporte necessários para esses que estão à margem da rodovia Belém/Brasília, próximos a Araguaína ou acumulados em outras regiões, esperando um parcelamento de terra para ali se abrigarem, creio que menos pelo interesse de fazer a terra produzir e mais pelo fio de esperança que ainda lhes resta. Agarram-se ao pequeno apoio do Incra, por determinado período, para que possam instalar-se com sua família. Depois, com o fim do apoio, eles saem dali, vendem a propriedade -- mesmo sendo proibido vendê-la -- e procuram outro lugar para serem assentados.

            Sr. Presidente, é preciso que olhemos para este País, um Brasil extraordinário.

            Com a força do campo, lembro uma frase de um estadista que, como poucos, compreendia a relação que existe entre o campo e a cidade. Disse Franklin Delano Roosevelt: “Se as cidades forem destruídas, os campos as reconstruirão. Mas, se os campos forem destruídos, as cidades não sobreviverão”.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


            Modelo15/16/249:24



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/2001 - Página 26141