Discurso durante a 145ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Equívoco no estabelecimento de prioridades pelo Governo Fernando Henrique Cardoso durante os últimos 8 anos.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Equívoco no estabelecimento de prioridades pelo Governo Fernando Henrique Cardoso durante os últimos 8 anos.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2001 - Página 26819
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, ATENÇÃO, NECESSIDADE, SOCIEDADE, OMISSÃO, SITUAÇÃO, POBREZA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL.
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, ATENÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, OMISSÃO, SAUDE, EDUCAÇÃO, FALTA, ATENDIMENTO, SOCIEDADE.
  • ANALISE, CONCLUSÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA, DESVALORIZAÇÃO, MOEDA, AUMENTO, INFLAÇÃO, DEFESA, JUSTIÇA, REFORMA TRIBUTARIA, BRASIL, REGISTRO, NECESSIDADE, PREPARAÇÃO, PAIS, DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL, INSERÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB -- SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) -- Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em clima de campanha, o Presidente da República, ao inaugurar a primeira fase de um projeto de irrigação no Estado do Ceará, declarou que espera “ser lembrado pelos projetos sociais de seu Governo” e que o candidato a sucedê-lo “tem que ter a marca da continuidade”, pois, “pela primeira vez, há um conjunto importante de programas sociais que vão diretamente àqueles que são os mais necessitados, que são os mais pobres do País”, conclui o Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Ante a proximidade das eleições e da provável condenação da política econômica que nos infelicita há tanto tempo, só agora o Governo parece perceber que, no afã de cumprir exigências econômicas vindas do estrangeiro, esqueceu-se de olhar com alguma atenção a gravidade do problema econômico do País e os sacrifícios que ele impõe à população.

A esse propósito, indicadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) demonstram que 29,3% da população é considerada miserável e que, desse percentual, 46% são constituídos de menores de 16 anos, como a confirmar a inexistência de política social do Governo, atribuída a restrições orçamentárias nos últimos anos. As mesmas restrições que condenaram o funcionalismo público da União a viver sem ao menos a correção monetária de seus vencimentos há quase uma década.

Como funcionar melhor um serviço público propositalmente sucateado, que, mesmo assim, atende às demandas da população? Que ânimo resta ao funcionalismo público e aos professores, apenados, sem culpa, pelos desacertos governamentais? O Governo parece desconhecer que a redução sustentada da pobreza só pode ser obtida com educação, crescimento econômico e investimentos.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os números indicam que 760 mil pessoas, componentes da parcela mais rica da população, ganharam R$ 5,2 bilhões em 1999. Porém, os 38 milhões de brasileiros da camada mais pobre receberam R$5,6 bilhões, indicando que “os mais ricos tiveram renda mensal de R$6,9 mil, e os mais pobres ganharam apenas R$147, numa confirmação de que os rendimentos aumentaram 40%, em média, tanto para os pobres quanto para os ricos e que as disparidades foram mantidas.

A elevada concentração de renda, por seu turno, é atribuída, pelo instituto, à desigualdade no acesso à educação, à terra e ao crédito. A esse respeito, o Presidente do Banco Central, Armínio Fraga, declarou a este Congresso que “a concentração de renda no Brasil é inaceitável” e que a solução desse problema depende “da alocação consciente dos recursos do nosso Orçamento”. Além disso, reconhece que “o real tem que se depreciado nos últimos meses”, mas que é positivo o fato de a economia estar crescendo em padrões não vistos nos últimos anos, “apesar de a conjuntura internacional não ser favorável ao País”, atualmente.

Sobre o assunto, parecer acolhido pela Comissão de Assuntos Sociais desta Casa manifestou-se no sentido de que, a despeito de toda uma série de políticas sociais levadas a efeito, o fato é que a pobreza e a miséria persistem enquanto tendências intrínsecas a esse processo de desenvolvimento, em verdade, privilegia ora o crescimento econômico, ora a estabilização monetária.

Aliás, é própria das políticas sociais de natureza dependente subordinada e marginal a pregação de que o problema da pobreza e da miséria pode ser equacionado e resolvido como conseqüência do processo de crescimento econômico.

Admitindo-se que esse processo contribui de forma direta para a redução da pobreza e da miséria, deve-se aceitar o entendimento de que o fator renda é determinante das condições de vida da população, dado que ele possibilita o acesso de segmentos sociais a bens e serviços que dão conteúdo à qualidade de vida.

Deve-se ver, porém, que a simples prevalência do mercado, como mecanismo determinante do processo de alocação de recursos, faz da concentração da renda um traço característico de economias em desenvolvimento.

Dentro dessa perspectiva, a pobreza e a miséria surgem como subprodutos do próprio crescimento econômico. Assim, não poderia prevalecer em nosso País o mesmo projeto em uso nas economias organizadas e estruturadas com ênfase no mercado, sem que fossem adotadas as políticas públicas destinadas a atenuar aquela tendência à concentração de renda.

Recente editorial da Gazeta Mercantil questiona as razões de falharem tantos planos econômicos do Governo, impedindo-nos de “trilhar a rota do desenvolvimento econômico de maneira mais duradoura e socialmente menos injusta”. Quais as razões de o Plano Real apresentar nítidos sinais de fadiga, sem força para reverter o significativo empobrecimento da sociedade brasileira?

A estabilidade da moeda, tão exaltada, já não existe, pois se a inflação medida pelo IGPM chegou à marca de 89%, a desvalorização do real acumula perda de 173%, entre dezembro de 1994 e maio de 2001, Sr. Presidente, num atestado de que a economia “já está sem rumo”.

Com efeito, o País carece de políticas energética, social, científica e tecnológica, de informática, de comércio exterior, de desenvolvimento e, principalmente, de distribuição de renda.

Passamos de oitava economia do mundo para o décimo primeiro lugar, superados que fomos pela China, Canadá e México. O tão decantado controle da inflação, obtido por meio de juros altos, crescimento mínimo ou nulo e sucessivas desvalorizações da moeda, não têm existência visível.

Em artigo para o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, Jayme Magrassi de Sá, ex-Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), confirma que, de fato, “a infra-estrutura econômica apresenta-se em estado de esgotamento”.

O setor de serviços, com ênfase no de natureza financeira, destacou-se na formação dos acréscimos do Produto Interno Bruto (PIB); o quadro social, sob pressão de variada ordem, levou à manifestações de certa gravidade, em conseqüência da queda dos salários reais, da forte pressão sobre a classe média e da natural reação contra o empobrecimento geral, em descompasso com as pesadas cargas tributária e financeira.

Crescem os problemas do setor agropecuário, a fragilidade do setor externo e o já vasto endividamento interno e externo. Como se isso não bastasse, a imposição tributária da ordem de um terço do PIB, Sr. Presidente, nobres Colegas, e a pressão para o rebaixamento dos já reduzidos níveis de vida levam a coletividade a amargar o peso de crescentes encargos e a diminuição ainda maior dos níveis de vida, como dissemos antes.

Portanto, conclui o articulista que “o exercício de 2001 será praticamente ou operacionalmente o último do atual Governo, indicando a probabilidade de que se chegue à inércia constitucional e à leniência administrativa, contra o que devem atuar as forças vivas da Nação.”

Daí também sustentar o Professor Márcio Camargo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC), que 35 milhões de brasileiros, ou 23% da população, vivem com R$2,00 por dia, por obra de um Governo que, embora eleito pelo povo, foi compelido a submeter-se a alianças políticas para obter eventual maioria no Parlamento.

Em abono do que expusemos, a Associação Americana de Juristas (AAJ) considera, finalmente, que as graves conseqüências econômicas e sociais que a gestão das finanças públicas vem trazendo para o País exigem a averiguação de responsabilidades.

A Nação não suporta ser submetida a violações de seus direitos econômicos e sociais, sem que os responsáveis sejam identificados e punidos civil e penalmente.

Não foi outro, a não ser o atual Governo, o responsável pela garantia de altíssimos juros para especuladores nacionais e estrangeiros, com o fim de manter a estabilidade da moeda e, sobretudo, garantir a reeleição.

Deu-se, portanto, preferência a interesses privados do candidato à reeleição e dos especuladores, à custa da coletividade, convocada a pagar a conta, mediante o incremento de contribuições, de impostos e de rigorosos cortes nos programas sociais devidos à população.

Por isso, Sr. Presidente, ao concluir o nosso pronunciamento, registro que, diante desse quadro, a pretensão continuísta do Chefe do Governo e de seu grupo decerto restará frustrada, porquanto ignora, como sempre, a efetiva realidade em que vivem os outros brasileiros, impunemente destituídos dos direitos sociais que lhes foram assegurados pela Carta Magna.

Trago esta análise à consideração da Casa, porque, na verdade, a maneira pela qual vem sendo conduzido o País, no últimos tempos, em vários desacertos, muitos deles para garantir a reeleição, com compromissos e responsabilidades de alto custo com o Fundo Monetário Internacional, faz com que a Nação pague preços elevados. Em conseqüência, há separação da maioria dos brasileiros, excluídos da participação.

Isso tudo gera responsabilidade, não há a menor dúvida. Por isso, hoje, os direitos econômicos e sociais também são direitos humanos, de uma certa forma. Se há a pregação dos direitos humanos - que foram feridos na época da ditadura, conforme se reconhece -, na atualidade, vamos ser sinceros, ferem-se os direitos sociais de milhões de brasileiros com as políticas adotadas.

Para o Governo manter-se até o final de seu mandato, ele fez um acordo com o Fundo Monetário Internacional e conseguiu uma espécie de cheque em branco, que seria um desconto a mais, da mesma forma como ocorre com um cheque do Banco do Brasil, pagando juros de 8, 10 ou 12% ao mês. O Governo conseguiu um empréstimo da ordem de 12 a 15 milhões junto ao Fundo Monetário Internacional e, na hora que houver uma necessidade, há essa garantia. No entanto, não informa o preço disso aos brasileiros, que é muito alto.

Procura-se uma garantia para que o Governo consiga chegar ao final de seu mandato, mas devemos discutir com muita transparência o custo que os brasileiros irão pagar por isso. Há uma garantia por parte do grupo que se encontra no poder de vencer essa fase, ir até o fim do mandato, podendo sacar, inclusive, desde que se ofereçam as garantias dessa estabilidade. Há condições para isso, hoje, porque não se permite uma reforma tributária.

Assim, há uma concentração da arrecadação, como nunca, nas mãos do Governo Federal, inclusive ficando de fora Estados e Municípios que não tenham participação na CPMF e em outras contribuições. Então, há garantia com o Fundo Monetário Internacional, por isso o Governo não quer fazer a reforma tributária agora.

Acredito que deveríamos levar essa discussão, Sr. Presidente. Se o Governo não quiser fazer a reforma tributária agora, que se implante a mesma com vigência a partir de 2003, pois não se sabe quem vai assumir o Governo.

Então, que se faça uma reforma justa para o País, que se ofereça um projeto de alteração da nossa carga tributária, que representa um terço do PIB brasileiro! Para fazermos essa reforma, devemos pensar na renda, no ICMS, na propriedade e em mais alguns casos originados do fumo e do álcool. Depois, devemos fazer com que a base de participação do Brasil seja ampliada, diminuindo esses encargos, a fim de se evitar também a sonegação, decorrente da alta carga tributária nacional.

Sei que é difícil para o Governo abrir mão disso, em função de seu compromisso com o Fundo Monetário Internacional. É claro que não se quer abrir mão desses tributos. Mas, então, por que não se abre uma discussão, com o intuito de buscar alterações no sistema tributário que poderiam viger pelo menos a partir de 2003, já que isso não seria possível para o próximo ano? Isso seria importante, porque não se conhecem ainda as forças que governarão o País.

Vamos oferecer um projeto viável para o Brasil, preparando o País até mesmo em relação à Alca! Queiramos ou não, a Alca vem aí! E, para que possamos incentivar a produção nacional, dando condições aos nossos empresários, aos nossos produtores, precisamos fazer alterações profundas nesse campo. O Governo deveria legar ao Brasil um projeto diferente, para se evitar até a sonegação, que compensa para os sonegadores, mas prejudica aqueles que recolhem religiosamente seus tributos, que seguem formalmente as leis, que não podem mais sobreviver, em função dos outros.

Então, que se estabeleça um parâmetro! Vamos discutir isso para oferecermos leis básicas, firmes, duradouras para o Brasil. Este é o momento! Por isso, Sr. Presidente, nobres Colegas, trago à Casa essas considerações.

Ainda ontem à noite, em Joinvile, discutíamos isso com a Associação Comercial e Industrial daquela cidade. E senti que os empresários brasileiros estão preocupados com essa preparação para a Alca. A Alca vem aí, e temos que estar preparados. Se a situação ficar como está hoje, abrindo-se a Alca, a indústria nacional quebrará. Não há como competir. Temos que preparar o Brasil para isso. Se deixarmos para 2003 ou até mesmo para o próximo ano, dependendo do andar da carruagem, os possíveis futuros eleitos não permitirão que se faça a reforma. E dirão: “Esperem aí, vamos deixar que cheguemos ao Governo”. E, depois de chegarem ao Governo, começarão com desculpas, dizendo que não é possível abrir mão disso ou daquilo.

Este é o momento! Se o Governo quiser - como quis fazer a reforma que resultou na Lei de Responsabilidade Fiscal -, será possível fazer isso. Fizemos a Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi uma grande conquista para a Nação no que diz respeito ao alcance de um equilíbrio. Passeavam irresponsabilidades nas três esferas governamentais, em muitos lugares. Começavam-se obras, não havia previsão de conclusão e assim por diante. Agora, não! Agora existe uma lei de responsabilidade civil e penal que equilibra isso. O Governo sentiu a necessidade de mudança, colocou sua tropa de choque no Congresso Nacional, e foi possível votar a referida lei. Da mesma forma, se a Base do Governo quiser, poderemos oferecer ao Brasil uma reforma tributária duradoura, que propicie ao setor produtivo nacional as condições para ingressar na própria Alca. E este é o momento, Sr. Presidente!

Deixo essas considerações, porque sinto que, da mesma forma como agiu quanto à reforma fiscal, o Governo deveria fazê-lo quanto à reforma tributária, envidando todos os esforços para que fosse implantada. O momento é este, porque depois não haverá condições favoráveis para isso. Como disse antes, se não for possível que as mudanças entrem em vigor no próximo ano, que as façamos para vigorarem em 2003! Ainda não há posições certas sobre quais Partidos governarão o Brasil, mas podemos pelo menos oferecer ao País condições estáveis e duradouras.

Eram essas as considerações que eu não poderia deixar de fazer no dia de hoje, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2001 - Página 26819