Discurso durante a 145ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a resistência de setores do Governo ao projeto de correção da tabela de incidência do Imposto de Renda de Pessoa Física.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRIBUTOS.:
  • Considerações sobre a resistência de setores do Governo ao projeto de correção da tabela de incidência do Imposto de Renda de Pessoa Física.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2001 - Página 26871
Assunto
Outros > TRIBUTOS.
Indexação
  • CRITICA, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, CORREÇÃO, TABELA, IMPOSTO DE RENDA, PESSOA FISICA, PREJUIZO, INJUSTIÇA, CLASSE MEDIA.
  • ANALISE, DECLARAÇÃO, MARTUS TAVARES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO ORÇAMENTO E GESTÃO (MOG), CORREÇÃO, TABELA, IMPOSTO DE RENDA, PESSOA FISICA, PREJUIZO, ARRECADAÇÃO, REDUÇÃO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), ECONOMIA NACIONAL, ESCLARECIMENTOS, NECESSIDADE, COMPENSAÇÃO, AUMENTO, TRIBUTAÇÃO, CONSUMO.
  • ANALISE, TABELA, IMPOSTO DE RENDA, PESSOA FISICA, AUSENCIA, APRECIAÇÃO, CRESCIMENTO, INFLAÇÃO, PREJUIZO, CONTRIBUINTE, AUMENTO, PAGAMENTO, TRIBUTOS.
  • COMENTARIO, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROPOSTA, CORREÇÃO, TABELA, IMPOSTO DE RENDA, PESSOA FISICA, AUTORIA, PAULO HARTUNG, SENADOR, COMPENSAÇÃO, PERDA, INFLAÇÃO, AUMENTO, LIMITE DE ISENÇÃO, REDUÇÃO, VALOR, IMPOSTOS.
  • ANALISE, IRREGULARIDADE, COBRANÇA, IMPOSTO DE RENDA, PESSOA FISICA, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PREJUIZO, CONTRIBUINTE.
  • NECESSIDADE, CORREÇÃO, TABELA, IMPOSTO DE RENDA, PESSOA FISICA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, INJUSTIÇA, CLASSE MEDIA, DEFESA, AUMENTO, PAGAMENTO, TRIBUTOS, CLASSE SOCIAL, SUPERIORIDADE, RENDA.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a resistência de círculos oficiais ao projeto de correção das tabelas de incidência do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, projeto esse que está sendo discutido no Congresso, vem provocando justa decepção em amplos setores da sociedade. Em especial, da já sacrificada classe média.

Pessoas e entidades vêm procurando meu gabinete com esperanças de apoio para que a questão seja solucionada o quanto antes. Não podemos deixar de nos solidarizarmos com essas pessoas, e pedir ao Governo que repense as interpretações que lhe têm sido levadas pelos técnicos.

Presentemente, há um esforço do Governo, junto às lideranças políticas, para o encontro de uma solução que alivie a classe média, o que é um bom começo.

Há algum tempo, o ministro Martus Tavares, na Comissão Mista do Orçamento, já havia esclarecido a posição da Receita quanto ao assunto. Afirmava que a correção beneficiaria apenas 10 milhões de contribuintes, em detrimento de 150 milhões de brasileiros.

Argumentou que o reajuste das tabelas implicaria em uma perda de arrecadação em torno de R$4,5 a R$5,3 bilhões, algo que obrigaria o Governo a aumentar a tributação sobre o consumo.

Deixou claro, portanto, que a correção da tabela do imposto retido na fonte - e dos valores referentes ao limite de dedução dos gastos com educação - seria, na ótica da Receita, um retrocesso, na medida em que a economia não está oficialmente indexada.

A verdade é que o Governo tem argumentos fortes que não podem ser desconsiderados. O Secretário da Receita, Everardo Maciel, quer retomar as negociações com o Congresso, tendentes a viabilizar o reajuste da tabela do Imposto de Renda para Pessoas Físicas. O Secretário, a priori, é contra a elevação do limite de isenção do imposto acima de R$900,00, por reduzir o número de contribuintes. Alertou que o nosso Imposto de Renda de Pessoa Física é equivalente a 7% a 8% do PIB, e que qualquer perda dessa receita pode provocar conseqüências na arrecadação. Segundo ele, torna-se então importante que qualquer decisão do Congresso deva indicar alternativas.

Quanto ao mérito da questão, realmente os técnicos fazendários partem de pressupostos metodológicos errados. Desconsideram o fato de que, a despeito dos esforços do Governo, a inflação é hoje uma realidade. Vem crescendo desde 1996. Acelerou-se bastante com a crise cambial de janeiro de 1999 e, principalmente, com a atual crise internacional.

Nesse período, os índices da inflação acumulada chegaram a patamares significativos, fazendo com que o contribuinte brasileiro venha pagando indevidamente Imposto de Renda.

De 1996 a 1999:

o IGP-M teve uma variação de 43,8 %;

a taxa SELIC, 135,27%;

e a UFIR, 28,41%.

Somente em 99:

o IGP-M teve variação 20,10%;

a SELIC, de 23,02%;

e a UFIR, de 8,92%.

Esta, não nos esqueçamos, tem a sua variação determinada pelo IPCA-IBGE (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado), justamente o índice escolhido pelo próprio governo para medir a inflação.

No entanto, a tabela mensal da Receita Federal estabelece o limite de isenção em R$900,00, congelada desde 1996. Se tivesse sido corrigida pelo IGP-M em 2000, o limite de isenção seria de R$1.295,00; se fosse corrigida pela SELIC, o limite de isenção seria de R$2.120,00; e, caso houvesse a correção pela UFIR, o limite de isenção seria de R$1.155,00.

A tabela da Receita Federal congelou, também, o desconto por dependente em R$90,00. Com a correção pelo IGP-M, o desconto mensal seria de R$130,00; pela SELIC, de R$210,00; e pela UFIR, R$115,00.

Os contribuintes perderam ainda porque, na declaração de ajuste anual, não houve a atualização do limite de gastos em educação, que permanece em R$1.700,00 anual.

Por essas e outras, a classe média arcou, segundo a coordenadora-geral de Política Tributária da Receita Federal, Andréa Viol, com 80% de um montante de 47% de aumento da arrecadação que o “Leão” extraiu na fonte dos “contribuintes pessoa física” entre 1994 e 2000.

A proposta de correção que tramita no Congresso Nacional há nove meses - de autoria do Senador Paulo Hartung -, aplicaria o índice de 28% sobre o período para compensar as perdas inflacionárias, o que elevaria para R$1.200 o limite para isenção. Corrigiria ainda a primeira faixa, estendendo-a até R$2.435,25, mantendo a alíquota de 15%. A partir desse valor, manteria-se a alíquota de 27,5%.

O projeto já passou pela Comissão de Finanças da Câmara, onde foi aprovado o substitutivo do deputado Mussa Demes (PFL-PI), que aumentou o índice de 28% (proposta de Hartung) para 35%. Se o Congresso aprovar e for sancionado esse projeto de lei - não prevalecendo nenhum acordo que o modifique -, o contribuinte poderá ter redução superior a até 40% do valor do imposto que vem sendo pago.

O projeto estabelece a correção da tabela com base na variação da Unidade Fiscal de Referência desde 1996, retroativa a janeiro de 2000. Sua aprovação representaria não apenas um ganho do poder de compra para os contribuintes, mas a reparação de um erro técnico que vem prejudicando milhares de pessoas que mantêm suas declarações em dia com a Receita.

Isso representaria um acréscimo substancial da massa salarial e, consequentemente, um incremento do poder de compra das pessoas, dinamizando a economia, gerando empregos e mais impostos. Algo positivo para o País.

Diante do argumento da Receita de que haverá perda de arrecadação, o Senador Paulo Hartung e o relator na Câmara, Deputado Ney Lopes, propuseram que se aguarde a decisão da Comissão de Finanças sobre outro projeto que elimina a dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio das empresas e tributa a distribuição de lucros e dividendos. Eles acreditam que essas duas propostas podem proporcionar um acréscimo de receita aos cofres públicos e compensar as perdas resultantes da correção do IR. Ou seja, o Legislativo está, com responsabilidade, dando também a fonte, o caminho para se solucionar o problema.

Um estudo sério realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário - IBPT é conclusivo e inquestionável sobre o assunto. O Governo Federal, em vez de cobrar Imposto sobre a renda ou proventos de qualquer natureza, vem cobrando sobre a receita do contribuinte, contrariando os ditames constitucionais e do Código Tributário Nacional.

É aí que está o cerne da questão, pois a legislação e a tradição jurídica dizem que renda é toda “riqueza nova produzida com o emprego do capital, do trabalho ou da combinação de ambos”. Entende-se por riqueza nova o conjunto de disponibilidades devidamente deduzidas das despesas correspondentes que ingressam no patrimônio num dado período, ainda que destinados ao consumo. Já proventos são os outros acréscimos patrimoniais líquidos, como ganhos em loterias, não compreendidos no conceito de renda.

Sem dúvida, a não correção da tabela, ampliando indevidamente a base de cálculo do imposto, fere esse preceito legal de renda e o princípio da capacidade contributiva.

Segundo o especialista Osires Lopes Filho, professor de Direito Tributário na UnB, em recente artigo publicado na Tribuna da Imprensa: “...a Constituição (art. 153, III) autoriza a União a instituir o Imposto de Renda. O que tem sido cobrado é um imposto sobre rendimentos brutos, o que não é constitucional”.

Explica que renda, “tratando-se de pessoas físicas, decorre da utilização de dois fatores de produção - capital e trabalho - ou da combinação de ambos. Rendimento bruto não é renda. Esta é um resultado líquido. Obtido o rendimento, dele se retiram as despesas necessárias à sua produção”.

Em face do princípio constitucional da personalização do imposto, o seu cálculo deve atender às peculiaridades do cidadão. Algumas despesas declaradas pelo contribuinte, consideradas socialmente úteis, devem ser retiradas para apuração da renda: dependentes, despesas médicas, pensões alimentícias, gastos com educação, formação técnica, etc.

Ou seja, o princípio da personalização indica a necessidade de a legislação estabelecer critérios diferenciadores - que são as deduções - de modo que duas pessoas, que tenham o mesmo rendimento bruto, em face delas possam pagar impostos distintos.

Esse princípio prevê variadas deduções conforme as singularidades de cada contribuinte. Mas o que tem ocorrido é justamente o contrário. Ao longo dos anos, restringiu-se o elenco das deduções. Foram eliminadas as referentes a livros técnicos, aluguel, juros de dívidas pessoais, prêmios de seguros de vida e de acidentes pessoais, etc. E as deduções que restaram estão sendo submetidas a limites ínfimos ou têm restrições, como as dos gastos com a educação.

Só são aceitas as deduções quanto à educação formal. As relativas ao aperfeiçoamento estão fora da dedução, assim como as despesas com transporte escolar, uniforme e material escolar. Ou seja, as classes média e média-baixa, com salários arrochados há anos, obrigadas a se transferirem para as escolas públicas gratuitas, não têm como aproveitar essa dedução.

Como o imposto é constitucionalmente progressivo, deveria incidir mais fortemente sobre a renda dos mais ricos e menos sobre a dos mais pobres. A justificativa é que os cidadãos de maior renda têm igualmente maior capacidade de pagamento e, portanto, devem contribuir proporcionalmente mais para o financiamento das despesas públicas.

Fátima Gondim, Diretora de Estudos Técnicos e Defesa Profissional do Unafisco Sindical, opina que as alterações na legislação adotada no Brasil, a partir de 1995, beneficiaram a elite e, principalmente, as instituições financeiras a concentrarem renda, prejudicando, em conseqüência, milhões de assalariados.

Assim, o Fisco, em vez de atribuir-se um papel estratégico na distribuição de renda e na redução da pobreza, vem tornando a administração tributária um dos maiores empecilhos ao desenvolvimento econômico, reforçando as desigualdades sociais e aprofundando a regressividade em busca de arrecadação facilitada e de baixo custo.

O Governo Federal vem trilhando caminhos certos. O esforço de modernização do nosso sistema produtivo, a melhoria nos índices sociais e humanos, os avanços na questão fundiária e a estabilidade foram conquistas importantes e inquestionáveis nos momentos de transição complexos por que o mundo atravessa.

Mas temos de saber reconhecer os erros e desvios que se apresentam. A questão tributária é um deles e, o quanto antes, deve ser solucionada. As condições sócio-políticas que geraram o Plano Real já não são as mesmas, e nós, representantes do povo, temos a obrigação de saber atualizar as políticas públicas às novas e desafiadoras condições que surgem. 

A atualização da tabela do IR é hoje um imperativo moral e político. Mas, por si só, não solucionará o problema fiscal. Apenas uma reforma fiscal ampla e profunda nos permitirá a retomada do desenvolvimento com justiça social. Uma reforma que garanta um fluxo adequado de recursos capaz de viabilizar as funções do Estado, simplificando a legislação e as normas burocráticas que oneram o contribuinte e a arrecadação. Uma reforma com transparência, eqüidade, respeitando a autonomia financeira dos estados e municípios e com preocupação social.

Contudo, um modelo tributário com essas características não será alcançado com fórmulas milagrosas, nem com o confisco dos escassos recursos dos setores menos privilegiados. Nesse sentido, o que se espera do Congresso Nacional é uma reforma compatível com os novos tempos, mas perfeitamente sintonizada com os princípios equitativos da Constituição. Se efetivamente cumpridos, já teríamos um grande avanço.

Essas idéias estão presentes nos mais variados setores sociais e políticos, mas, na hora de formular o novo modelo, não há consenso. Só em um ponto parece haver entendimento: é quanto ao anacronismo e complexidade do sistema atual.

Enquanto a reforma não se efetiva, os diversos segmentos da população sentem os efeitos danosos de uma legislação tributária confusa e injusta, que consagra um sistema regressivo e recessivo.

Portanto, ocorre entre nós o contrário do que acontece nos países desenvolvidos. O brasileiro paga quase três vezes mais imposto de renda do que o americano. É o que aponta estudo preparado pela consultoria Ernest & Young (EUA).

Ela pesquisou os encargos tributários em seis países: Brasil, Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Espanha e Holanda. Constatou que um brasileiro com mulher e filho, ganhando R$3 mil por mês, paga cerca de R$2,01 mil de impostos por ano. Já um americano, que ganha a mesma quantia, paga R$658.

Em outros países do Mercosul pesquisados, a carga tributária é bem menor. No Uruguai e Paraguai não há uma declaração anual de renda para trabalhadores assalariados e, por isso, o imposto não é descontado na fonte. Eles pagam 10% de Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

            Na Argentina paga-se imposto. Com as deduções, porém, é possível abater tudo.

Os brasileiros comprometem 5,6% de sua renda com o imposto, o americano compromete 2% e, nos demais países do Mercosul, a população não compromete a sua renda.

Esses dados são importantes para que façamos uma reflexão mais aprofundada sobre o assunto. Não podemos persistir no sacrifício dos contribuintes. Da forma como está, estamos não apenas piorando a questão social, mas também a capacidade de compra de nosso mercado interno, pois o contribuinte, não podemos esquecer, é também um consumidor.

A verdade é que se sacrifica o mercado nacional, aniquilando-se nossas possibilidades de crescimento. Uma atitude que se vai tornando muito perigosa, principalmente agora com a recessão mundial.

Corrigindo-se com justiça a tabela do Imposto de Renda - o que corresponderá à realidade vivida pelo país -, estaremos estimulando, em curto prazo, o consumo interno e, consequentemente, nos protegendo das oscilações internacionais.

Tal reivindicação, se atendida, proporcionará melhor qualidade de vida para milhões dos nossos patrícios, que se sentem sufocados por um rigor tributário que lhes chega como injustificável confisco.

Nossas autoridades tributárias sabem perfeitamente que isso acontece. São técnicos altamente qualificados e competentes. Deixam-se levar, porém, pela justa preocupação de se incrementar a receita, tão necessária aos compromissos assumidos pelo Brasil. Contudo, não têm sido justos na adoção de opções, geralmente prejudiciais aos assalariados da classe média.

Desejamos que nossas autoridades fiscais, ouvindo as ponderações da representação popular, encontrem as alternativas mais adequadas a serem submetidas ao Congresso Nacional.

Afinal, cabe ao Poder Legislativo avaliar os melhores caminhos e procurar as soluções que, como ocorre em tantos outros países, façam justiça aos verdadeiros objetivos do instituto do Imposto de Renda.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2001 - Página 26871