Discurso durante a 85ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Interferência do Governo Federal na transferência da fábrica da Ford do Estado do Rio Grande do Sul para o da Bahia.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GOVERNO ESTADUAL.:
  • Interferência do Governo Federal na transferência da fábrica da Ford do Estado do Rio Grande do Sul para o da Bahia.
Aparteantes
Heloísa Helena, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/1999 - Página 17318
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, CONFLITO, NATUREZA FISCAL, ESTADOS, PREJUIZO, CONTRIBUINTE, FAVORECIMENTO, EMPRESA MULTINACIONAL, COMENTARIO, DECISÃO, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, DESISTENCIA, INSTALAÇÃO, UNIDADE, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), OCORRENCIA, MANIPULAÇÃO, NATUREZA POLITICA, CRITICA, INTERVENÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
  • ANALISE, PREJUIZO, ACORDO, ANTONIO BRITTO, EX GOVERNADOR, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, REVISÃO, CONTRATO, OLIVIO DUTRA, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), DECISÃO, EMPRESA, RESCISÃO, OCORRENCIA, CAMPANHA, OPOSIÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, PROTESTO, INTERFERENCIA, GOVERNO FEDERAL, FAVORECIMENTO, ESTADO DA BAHIA (BA), CRITERIOS, POLITICA PARTIDARIA.
  • COMENTARIO, DIVULGAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GRAVAÇÃO, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), AMEAÇA, CORTE, APOIO, GOVERNO FEDERAL, POSTERIORIDADE, INSUCESSO, REELEIÇÃO, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), COMPROVAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, ATUALIDADE, PREJUIZO, POLITICA INDUSTRIAL, MANIPULAÇÃO, ISENÇÃO FISCAL, DESEQUILIBRIO, FEDERAÇÃO, AUSENCIA, REFORMA TRIBUTARIA.
  • APOIO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), INVESTIGAÇÃO, CANCELAMENTO, CONTRATO, INDUSTRIA AUTOMOTIVA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto hoje a esta tribuna para falar de um assunto que, sem dúvida, tem preocupado senadoras, senadores e governantes de diversos Estados do nosso País e que, diante de fatos e denúncias recentes, parece estar tomando uma dimensão definitivamente inaceitável para a sociedade brasileira.

            Ontem, a Folha de S.Paulo publicou detalhada denúncia envolvendo a interferência direta do Presidente Fernando Henrique, por meio do Ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, nas eleições para o Governo do Estado, o que dá contornos ainda mais graves a essa situação.

            Refiro-me, Sr. Presidente, à guerra fiscal que se intensificou no Brasil, principalmente a partir do Plano Real, com total prejuízo para a Nação e para os contribuintes e com benefícios exclusivos para grandes empresas multinacionais, que se aproveitam da irresponsabilidade oficial com o dinheiro público.

            O grave é que, a partir do episódio, envolvendo a montadora Ford, que abandonou o projeto de instalação no Rio Grande do Sul, a guerra fiscal se transformou em instrumento de política por parte do Governo Federal, praticada à revelia do pacto federativo, ou pior, contra este.

            Antes conivente e oficialmente comprometido com essa política, a partir de agora, ao que parece, o Governo Federal passou a interferir diretamente, das mais variadas formas, a favor de uns e em detrimento de outros Estados, o que é inaceitável.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vamos aos fatos, sem pretender justificar a saída da empresa Ford do Rio Grande do Sul, até porque, antes de mais nada, a decisão de abandonar o projeto de instalação no meu Estado foi uma decisão unilateral da montadora.

            A instalação da montadora Ford foi negociada pelo Governo anterior, na gestão do Sr. Antônio Britto, com o Estado do Rio Grande do Sul assumindo, além da disponibilização de R$210 milhões, a execução de um conjunto de obras, a nosso ver de caráter eminentemente privado, que totalizava R$444 milhões, além da renúncia fiscal.

            Entre outras obras, o contrato previa a construção da subestação de distribuição elétrica, incluindo as redes de distribuição interna; o sistema de água e de esgotos, também incluindo a parte interna e a instalação de enlace de rádio digital, com a colocação de PABX.

            Também integravam o contrato a duplicação da BR-116, no trecho de acesso à empresa; a construção de um porto privativo para a empresa, com a dragagem e aprofundamento do canal do rio Guaíba, e outras obras, onde se incluía até mesmo a estacionamento interno da empresa.

            Ainda no mesmo conjunto de obrigações, assumidas pelo Estado, estavam a responsabilidade pela construção ou manutenção de creche na empresa, unidade de saúde, escola fundamental, média e técnica, segurança, corpo de bombeiros e reflorestamento ecológico.

            Esse total, de desembolso praticamente imediato, tornou-se impossível de ser concretizado diante da calamitosa situação financeira do Estado do Rio Grande do Sul, quando assumiu o novo Governador, Sr. Olívio Dutra: déficit operacional de R$1,2 milhão; acentuada redução na receita, cuja participação no ICMS nacional caiu de 8,3%, em 94, para 6,9%, em 98.

            O que fez o Governador Olívio Dutra? Buscou a negociação com a montadora, antes mesmo de assumir, ainda em novembro do ano passado, com a responsabilidade que cabe a qualquer governante, assim como fez com todos os demais compromissos herdados.

            A revisão de contratos - é bom que se diga - é algo absolutamente normal e foi feito com sucesso com a GM, com a empresa de computadores Dell - também, instalando-se no Estado -, com o próprio Governo Federal, com empreiteiras, fornecedores e prestadores de serviço em geral.

            É importante, ainda, destacar que, em se tratando de instalação de montadoras, os Governos dos Estados do Paraná e de Minas Gerais renegociaram os contratos com as empresas Renault e Mercedes-Benz, respectivamente, sem qualquer espécie de trauma.

            Apesar disso e do interesse do Governo do Sr. Olívio Dutra na instalação da montadora do Estado, manifestando-se, inclusive, interessado na permanência daquela empresa no Rio Grande do Sul, estranhamente, em 28 de abril, no mesmo dia em que tomou conhecimento da proposta formal de renegociação, a Ford informou que manteria a exigência do cumprimento integral do contrato e, no dia seguinte, divulgou a decisão de abandonar o projeto no Rio Grande do Sul.

            A proposta do Governo do Estado tinha, como pontos centrais, não contestar a renúncia fiscal, efetuar obras até o montante de R$84 milhões, inclusive as de caráter privado, e, ainda, conceder um empréstimo de R$70 milhões, nas condições exigidas pela Ford, ou seja, com cinco anos de carência e dez anos para pagar, sem correção, com juros de 6% ao ano.

            A partir do rompimento das negociações, a despeito da campanha de críticas ao novo Governo, que resultou inclusive na instalação de uma CPI na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, o desdobramento dos fatos está evidenciando a existência de algo muito mais grave do que a simplista e infundada afirmação de “má vontade” da nova administração, como se tem dito, em manter a empresa no Estado.

            Além da legada e suposta “culpa” do governo gaúcho pela saída da Ford, está a intervenção direta do Governo Federal no processo, agindo em detrimento de um Estado da Federação, em favor de outro, o que é inaceitável e um total desrespeito ao Pacto Federativo.

            É dentro desse quadro que, tão logo anuncia a sua saída do Rio Grande do Sul, a Ford imediatamente passa a contar com o total apoio do Governo Federal, inclusive do Presidente da República, para instalar-se na Bahia, desta vez, com toda a boa vontade dos organismos oficiais.

            É de se destacar que os projetos de instalação são totalmente diferentes, com mudança na previsão da produção de carros, que passa de 100 mil para 250 mil, alteração de mercado, que não mais poderá ser o Mercosul, como anteriormente previsto, e de relação com os fornecedores de matérias-primas em todos os níveis.

            A instalação na Bahia, portanto, significa um novo projeto que, ou já estava pronto bem antes do rompimento da Ford com o novo Governo do Rio Grande do Sul, aguardando apenas o resultado das eleições, ou não existe esse projeto de forma detalhada e acabada, e o Governo da Bahia e o BNDES estão fechando um negócio de R$1,3 bilhão sem conhecer exatamente o projeto.

            Em recente declaração à imprensa, o presidente da Ford do Brasil, Sr. Ivan Fonseca e Silva, afirmou “preferir apoiar a Região Nordeste, atendendo a apelos do Governo Federal e do Governo Estadual da Bahia”, deixando claro o posicionamento parcial do Presidente da República nesse caso.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diante disso é de se perguntar: por que o Presidente da República, agora tão aberto a apoiar a instalação da montadora na Bahia, não demonstrou a mesma preocupação, o mesmo interesse quando surgiu o impasse nas negociações envolvendo outro Estado da Federação, no caso o Rio Grande do Sul?

            Essa infeliz e inaceitável postura do Presidente da República seria, por acaso, desdobramento da desastrosa posição assumida na eleição para o Governo do Rio Grande do Sul, quando o próprio Presidente da República afirmou: “Serei sempre partidário daquilo que for bom para o Rio Grande. Mas, farei, com maior facilidade, se o Governador for Antônio Britto”?

            Não é uma vergonha o que está agora se tornando explícito?

            Ou ainda, o Governo Federal, ao interferir nas negociações do Rio Grande do Sul com a Ford, estaria levando à prática a ameaça feita na campanha eleitoral por meio do seu Ministro de Estado dos Transportes, Sr. Eliseu Padilha, de que se o Rio Grande do Sul votasse contra o candidato Antônio Britto, a agenda do Presidente Fernando Henrique Cardoso seria de apenas 26 Estados e, não, 27?

            A denúncia, a partir de uma fita gravada em reunião fechada, na sede da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul - FIERSG, divulgada ontem, na íntegra, pela Folha de S.Paulo, está, sem dúvida, comprovando que há mais interesses por trás de tudo isso. Vejam que a matéria daquele jornal, em edição do dia 27 de junho, assinada pelo jornalista Fernando Rodrigues, pessoa que nos merece toda a credibilidade, lança mais luz sobre as atitudes do Governo Federal em relação ao Rio Grande do Sul e seu povo, ao que parece, pautadas pelo revanchismo eleitoral.

            As palavras do Ministro dos Transportes, Sr. Eliseu Padilha, destinadas aos empresários gaúchos, em uma reunião fechada, só vieram a público agora porque foram gravadas. Essa reunião com os empresários foi realizada às vésperas do segundo turno de votação para as eleições do Governo do Estado do Rio Grande do Sul e, por si só, lança luz sobre o que está ocorrendo hoje.

           Por isso, eu gostaria de destacar alguns trechos para que V. Exªs tenham a dimensão exata do que elas traduzem e significam. Disse o Ministro dos Transportes, Eliseu Padilha: “O Presidente Fernando Henrique pediu agradecer que vocês votaram contra ele no Rio Grande do Sul...” - estou lendo textualmente, como ele disse - “...e ele perdeu a eleição no Rio Grande do Sul, talvez por essa posição de vocês.” - se referindo aos empresários. “Ele pediu agradecer...” - faltou um “para”; certamente seria “para agradecer” - “... que vocês votaram contra o Britto também no primeiro turno, e quer já antecipar agradecimentos se vocês votarem contra o Britto também no segundo turno. Porque aí...” - vejam a afirmação do Ministro - “... se materializa o fato de ele ter para a agenda dele apenas 26 Estados da Federação, e não 27.”

            Ainda disse mais o Ministro dos Transportes, infringindo leis federais e a Constituição, que proíbe o “abuso do exercício da função e de cargo para interferir na normalidade e legitimidade das eleições“, e, ainda, “valer-se o servidor público de sua autoridade para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido“. Novamente aqui transcrevo as palavras do Ministro: “Falo como Ministro de Estado: não há decisão política possível de beneficiar um Estado quando as forças políticas se contrapõem ao Poder que tem que vir beneficiar ou não. No governo central, mesmo eu sendo Ministro do Rio Grande do Sul, eu não vou ter tanta facilidade para fazer as coisas para o Rio Grande do Sul, quanto nós tivemos agora nesse tempo todo que tinha uma parceria completa”.

            A matéria vem confirmar a discriminação que vem sofrendo o Rio Grande do Sul, que inclui a impatriótica denúncia do Estado aos organismos internacionais feita pelo Governo Federal, no início do ano, e o caso recente da Ford. Inclusive, vou encaminhar à Mesa requerimentos solicitando informações aos Ministros Pedro Malan e Celso Lafer sobre a participação do Governo Federal no processo em relação à Ford e a Estados do Brasil, até mesmo o nosso.

            Apesar da gravidade das situações descritas, ao que parece, o Governo Federal pretende levar mais adiante ainda a sua política de estímulo à guerra fiscal e de favorecimentos, aprofundando sua opção por não representar a totalidade dos brasileiros e, sim, apenas sua agenda de 26 estados.

            Nesse sentido, é preocupante a informação de que haveria modificações até mesmo por meio de medida provisória, alterando a Lei Federal nº 9.440, que criou o regime automotivo especial no Nordeste e outras regiões, cujo prazo de habilitação para as montadoras esgotou-se em maio de 1997. Se vão modificar a lei ou se vão incluir a Ford numa lei que já não tem mais amparo legal, no mínimo, há um tratamento diferenciado, desrespeitoso e inconstitucional.

            Segundo o próprio Secretário de Indústria, Comércio e Mineração do Estado da Bahia, Deputado Benito Gama, a Ford só será instalada na Bahia se a montadora receber benefícios do regime, pois, segundo ele, “apenas com incentivos fiscais é que a empresa conseguirá equalizar os custos de infra-estrutura e de distância que são desvantajosos em relação ao Centro-Sul do País“.

            Advertindo gravemente sobre essa possibilidade, o editorial do jornal Folha de S.Paulo do dia 18 de junho afirmou a respeito da pressão para mudar a lei de incentivos que “o risco maior é transformar a política industrial, ainda longe de ser consistente e duradoura, numa colcha de retalhos costurados à base de casuímos e mesmo troca de favores políticos.”

            Ainda diz esse esse editorial da Folha de S.Paulo que “tal manipulação de benefícios fiscais, isenções, créditos e outras benesses oficiais foi típica do regime autoritário, que produziu arremedos de políticas de desenvolvimento nacionais e regionais, que nem sequer foram totalmente desmontadas.”

            Srªs e Srs. Senadores, a partir desses fatos que vieram a público, e considerando a forma pela qual a Ford abandonou o projeto de instalação no Rio Grande do Sul, é fundamental que o Senado da República aprofunde a análise dessas situações cumprindo com o seu papel de guardião e principal defensor da Federação, com o devido respeito a todos os Estados, independentemente de sua condição política ou econômica.

            É evidente que o Brasil precisa romper com suas desigualdades sociais, mas isso tem de ser feito a partir de políticas amplas, sem o uso de medidas de exceção, que comprometem as relações federativas, desrespeitam as populações dos Estados prejudicados e minam a confiança em qualquer política séria de desenvolvimento equilibrado.

            Não trazemos esses problemas apenas com os olhos voltados para o Rio Grande do Sul, mas também com a certeza de que as conseqüências dessa política nefasta de estímulo à guerra fiscal prejudica outras regiões, a exemplo desse caso concreto, que certamente resultará, quem sabe, amanhã ou depois, na saída da Ford também de São Paulo, aumentando ainda mais o desemprego naquele Estado.

            A nossa preocupação é com o conjunto da Nação, pois os recursos que serão destinados para esse ou aquele Estado da Federação, por parte do Governo Federal, são oriundos da contribuição de todos os brasileiros, não sendo justo, portanto, que alianças políticas circunstanciais privilegiem alguns ou discriminem outros brasileiros.

            A pergunta inevitável é: se o Presidente da República pode dar determinado tipo de financiamento para que a Ford vá para a Bahia - via BNDES -, especialmente, por que, antes, não fez o mesmo, não demonstrou o mesmo interesse e o mesmo empenho para que a montadora permanecesse no Rio Grande do Sul, certamente a um custo bem menor para os cofres públicos?

            A verdade é que a guerra fiscal só beneficia as grandes corporações multinacionais, enquanto as empresas nacionais, especialmente as pequenas e médias empresas, incluindo a agropecuária, seguem submetidas à ausência de recursos e a altas taxas de juros, que inviabilizam o desenvolvimento e resultam no desemprego em massa. Só no Rio Grande do Sul temos hoje 400 mil pessoas desempregadas.

            Onde está a reforma tributária e fiscal que Estados, Municípios, empresários e políticos tanto defendem? Onde está a maioria da base governista na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, que tem número suficiente para aprovação, caso o Governo Federal assim o que quisesse?

            Este mesmo Governo Federal que aumenta impostos, como a CPMF, penaliza trabalhadores, funcionários públicos e aposentados é quem patrocinam a quebradeira generalizada de inúmeras empresas nacionais, cujos empresários, apesar de convocados a prestar seu apoio, a levar o seu voto, depois são chamados desrespeitosamente de “chorões” pelo próprio Presidente da República.

            Vamos ver se ocorre a mesma presteza na ajuda aos produtores que também se encontram em dificuldades. Vamos ver também se a mesma presteza com que se ajuda bancos falidos será a utilizada para modificar a lei para beneficiar uma poderosa multinacional. Será que esse socorro vai ser dado aos produtores rurais, que estão chegando a Brasília amanhã num grande movimento nacional, para exigir a atenção do Governo Federal, principalmente em relação ao endividamento agrícola?

            Sr.ªs e Srs. Senadores, para concluir eu gostaria de registrar como positiva a instalação da CPI da Ford pela Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, com a expectativa de que ela aprofunde a análise das reais condições em que foram celebrados esses determinados contratos, levando-se em conta os números, os dados e, principalmente, o interesse público, especialmente do cidadão gaúcho, que está a observar todo esse processo que se travou sobre o Rio Grande.

            E que, além dos limites da operação, amplia o alcance das investigações, analisando, por exemplo, a repercussão da atual política econômica, que inclui o incentivo à guerra fiscal e a concessão de privilégios fiscais sem precedentes no desenvolvimento do Estado, que resultou no desemprego de cerca de 400 mil pessoas nos últimos anos.

            O Rio Grande do Sul está atento, e o Brasil, a cada dia com mais clareza, tenho certeza, está se dando conta da falência, do esgotamento da atual política econômica imposta pelo Governo Federal. O resultado são os piores índices de desaprovação do atual Presidente da República, que, aliás, já foi eleito com apenas cerca de 30% dos votos do eleitorado brasileiro, e agora, tenho certeza, metade desses já se arrependeram de ter dado continuidade a essa política nefasta aos interesses do povo brasileiro.

            Por fim, gostaria de lembrar aqui, mais uma vez, que o Rio Grande do Sul, inspirado na história dos seus antepassados, é o mesmo que tem o mais profundo e sagrado sentimento de nacionalidade, de soberania e de compromisso com o conjunto de interesses do povo brasileiro, sem exceções. Portanto, ao mesmo tempo que repudia o jogo da guerra fiscal e dos privilégios regionais, tem assumido, ao longo da história, o compromisso com a construção integral e abrangente do Brasil, desde os tempos exemplares de Getúlio Vargas, responsável pela maior edificação dos pilares da Nação brasileira.

            A verdade dos fatos é que por trás dessa falsa política de fortalecimento de determinadas regiões está o interesse maior das grandes corporações multinacionais, às quais submetem-se políticas menores que amesquinham o verdadeiro desenvolvimento nacional e os interesses maiores do povo brasileiro.

            Temos que fazer este registro, repudiando as notas divulgadas na imprensa. Aqui está diretamente transcrito o que foi usado em nome do Presidente, e, portanto, infringindo a Constituição Federal e as leis eleitorais previstas neste País.

            A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Permite-me V. Exª um aparte?

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Concedo o aparte à Senadora Heloisa Helena.

            A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT-AL) - Senadora Emilia Fernandes, quero compartilhar o protesto e a indignação de V. Ex.ª e dizer que, apesar de toda essa turbulência por que o Rio Grande do Sul passa, apesar de o Governo Federal, Ministros, a todo momento, rasgarem a Constituição Federal, desrespeitarem a ordem jurídica vigente, desrespeitarem a pluralidade que existe numa democracia, apesar de tudo isso, tenho absoluta certeza de que as forças políticas que comandam hoje o Estado - o Governador Olívio Dutra, o Vice-Governador Miguel Rosseto, V. Ex.ª, enfim todas as forças progressistas que comandam o Estado - se manterão coesas. O povo do Rio Grande do Sul garante a vitória das forças progressistas, que, com certeza, é uma questão de tempo. Como bem disse V. Ex.ª, todo esse gigantesco investimento que ia ser feito numa empresa... e o que é mais engraçado, Senador Lauro Campos, é que as corporações que discursam o tempo todo contra o Estado paternalista são as mesmas que reivindicam um Estado maternalista, porque reivindicam, como V. Ex.ª bem disse, até o estacionamento da própria empresa. Portanto, V. Ex.ª, o Governo e a população do Rio Grande do Sul têm a nossa solidariedade. Temos absoluta certeza de que, com o montante financeiro que ia ser investido em relação à Ford, com certeza vão ser gerados muito mais empregos, com investimento na micro e pequena empresa, nas atividades produtivas do campo e da cidade. Certamente, o Rio Grande do Sul vai mostrar à Nação brasileira, independemente da vontade de Ministro ou do Presidente da República, novos e melhores caminhos. Portanto, quero saudar V. Ex.ª e sugerir que quem deu esse tipo de declaração vá até a Comissão de Fiscalização e Controle prestar depoimento, ou à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, para que esse tipo de depoimento que foi gravado e que está exposto para a opinião pública venha ao Senado. Não basta, simplesmente, rasgar e cometer crime de responsabilidade, de desrespeito à União, praticar atos contra a Administração Pública, de desrespeito à soberania nacional, à Federação. Esse tipo de irresponsabilidade está virando costume demais. Portanto, assinarei também um requerimento para que as pessoas venham responder, nesse Estado, que realmente têm a obrigação constitucional, a prerrogativa assegurada pela Constituição de defender a Federação, quais são os 26 Estados. Não podemos deixar assim, porque não se trata apenas do Rio Grande do Sul. Num primeiro momento, é o Rio Grande do Sul, depois outro Estado. Todos os Estados que não estiverem com um padrinho, com uma relação de bajulação com o Governo Federal, certamente começarão a ser punidos e discriminados de alguma forma, e isso não podemos aceitar. Portanto, eu me solidarizo com o protesto e com a indignação de V. Ex.ª e deixo aqui a minha solidariedade ao povo do Rio Grande do Sul e às forças progressistas que hoje conduzem aquele Estado.

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Agradecemos o aparte de V. Exª e o incorporamos ao nosso pronunciamento. Sem dúvida, o Rio Grande do Sul vive um de seus momentos de maior desafio. Foi às urnas em 1994 e disse não à política neoliberal que, como prevíamos, já estava sendo anunciada pelo então candidato Fernando Henrique Cardoso. Novamente voltou às urnas em 1998 e, diante da constatação da mentira exposta de uma mão aberta que se comprometia com educação, com saúde, e com agricultura, nosso Estado, eminentemente agrícola, foi o pára-choque do Plano Real durante os quatro últimos anos. Sofreu, amargou, empobreceu; milhares de produtores entregaram suas terras, endividaram-se e empobreceram. Conseqüentemente, os Municípios tiveram menor arrecadação e mais problemas sociais. Os prefeitos fizeram o impossível para continuar administrando seus Municípios, com a centralização terrível do Governo Federal e com o empobrecimento na arrecadação.

            E novamente se apresenta a política neoliberal, com toda a orquestração, com uma campanha milionária, que dividiu e distribuiu dinheiro à vontade no Rio Grande do Sul, pensando que o gaúcho não tem o mínimo de consciência política e de compreensão entre o certo e o errado. Aqui, o Ministro mesmo diz: “Falei com empresários, um a um, e em cinco minutos tentei e consegui convencê-los a mudar seu voto. Eu disse: vocês votam e têm de falar para seus funcionários o seguinte: se vocês votam, eu demito”. Ensinou o que os empresários tinham de dizer aos seus funcionários; e isso aconteceu. A ameaça foi enorme junto aos trabalhadores nas empresas. Mesmo assim, com todas as dificuldades - cortes de recursos federais, pressão, desrespeito ao povo gaúcho, manifestado publicamente pelo Governo Federal - ele não se cala, não silencia diante da pressão, da negociação. E num determinado momento até a lei vai mudar para beneficiar um outro Estado.

           Não estamos contra nenhum Estado brasileiro. Queremos evitar essa guerra fiscal patrocinada pelo Governo Federal em detrimento de qualquer outro Estado brasileiro. Esta Casa, que representa a Federação brasileira, tem de estar atenta. Se fizerem isto, estaremos diante de uma política nefasta que quebra o pacto federativo, desrespeita os Governos e a vontade do povo.

           O Rio Grande do Sul tem consciência das dificuldades que vive. O nosso Governador, com uma equipe competente e dedicada, nos orgulha com o compromisso, com a transparência, com a clareza e, principalmente, com os interesses da nossa gente que demonstra.

           Por isso, estamos fazendo esta denúncia e pedindo que a Casa fique atenta. Antes de encerrar, entretanto, quero dizer que o Rio Grande do Sul tem sofrido grandes transformações. A última eleição foi uma transformação: vencemos o poder econômico, derrubamos o abuso da autoridade dos que iam lá, em reuniões fechadas, falar em nome do Presidente da República. E conseguimos fazer com que o povo expusesse seu sentimento de patriotismo, de amor à nossa causa, à nossa agricultura, aos nossos empresários e aos nossos trabalhadores. Essa é a grande diferença! Mas tem gente que até hoje não conseguiu engoli-la.

           Por isso, queremos transparência. E os requerimentos estão aqui. Os Ministros que se manifestem, que informem o Congresso Nacional se uma lei vai ser modificada para beneficiar essa ou aquela empresa multinacional, poderosa ou para beneficiar algum Estado!

           O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - V. Exª me permite um aparte?

           O SR. PRESIDENTE (Ademir Andrade) - Senadora Emilia Fernandes, V. Exª tem bastante tempo ainda, mas quero esclarecer que o Senador Nabor Júnior, com quem V. Exª trocou, gostaria de falar antes que a sessão terminasse. Apenas isso, mas o tempo de V. Exª vai até o fim da sessão.

           A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS) - Agradeço.

           Concedo o aparte ao Senador Lauro Campos e já dou por encerrada minha participação, pois temos o maior respeito pelo Senador Nabor Júnior e queremos ouvi-lo.

           O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Nobre Senadora Emilia Fernandes, quero aplaudir o discurso bravo, corajoso que V. Exª acaba de pronunciar. Concordo com tudo o que foi dito. Gostaria apenas de fazer um comentário. Quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência da República, há quatro anos e meio, assumiu a Presidência de um país, de uma unidade federativa. Depois de quatro anos e meio, ele já entregaria, se entregasse hoje o poder ao seu sucessor, um queijo suíço, um “enclave” - a que ele se refere à página 46 do seu livro denominado Dependência e Desenvolvimento na América Latina. Ele define o enclave: a penetração do capital estrangeiro, o domínio na economia periférica. Ele sabe muito bem o que está fazendo. O enclave, a penetração, como V. Exª bem demonstrou, é totalmente patrocinada pelo Governo Federal. Eles entram e tudo o que trazem para cá é absolutamente nada. Damos tudo aos que vêm estabelecer aqui seu acampamento, fortalecer seu enclave. Fernando Henrique vai entregar ao seu sucessor um enclave, não um país. Há dois anos, a revista The Economist publicou um artigo chamado The Car Crash, o Desastre Automobilístico. Verifica-se que, com a globalização, o mundo tem capacidade de produzir sessenta e nove milhões de unidades de carros por ano, mas falta mercado. Com sessenta e nove milhões de capacidade instalada, só produzem cinqüenta milhões. Não há mercado. As indústrias vêm para cá, como é o caso da Ford, no Rio Grande do Sul - na Bahia, a Kia acaba de desistir de seu investimento lá. As empresas multinacionais vêm para cá sem pagar nada. Ganham o terreno, isenção tributária, ganham até o estacionamento para seus carros. E o que elas vêm fazer é tentar penetrar no Brasil para conseguir o mercado que lhes falta lá fora: 19 milhões de unidades é a capacidade excedente que já existe no mundo. Só o título da reportagem de The Economist, “O desastre automobilístico” já mostra em que situação nos encontramos. É um absurdo além do outro. Nós estamos para lá do “fim da picada”. Muito obrigado.

            A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT-DF) - Agradeço, Senador Lauro Campos. Incorporo o aparte de V. Exª ao nosso pronunciamento e encaminho, Sr. Presidente, os requerimentos de informação.

            Esta Casa deve ser a primeira a tomar conhecimento das tratativas que estão ocorrendo. A imprensa divulga que a Ford está negociando diretamente no gabinete da Presidência da República com o Governo da Bahia. Queremos saber isso. Não houve essa presteza do Presidente Fernando Henrique com relação ao Rio Grande do Sul. Queremos saber o que está acontecendo: quais medidas, quais alterações da lei estão sendo propostas. E gostaríamos de ouvir do próprio Presidente por que não houve interesse em um debate, um diálogo com o Estado do Rio Grade do Sul. É a pergunta que fica no ar. O povo gaúcho precisa da resposta.

            Temos certeza de que o nosso Governador Olívio Dutra está dando uma demonstração cívica, patriótica de amor e resistência num Estado politizado e que fez sua opção. Em parceria com o Governo, os bem-intencionados, sejam eles empresários, trabalhadores, produtores ou professores haverão de encontrar uma alternativa de fortalecimento e desenvolvimento do Rio Grande do Sul e da nossa gente.

            Muito obrigada.

 

            


            Modelo111/24/243:29



Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/1999 - Página 17318