Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CRITICAS A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 50, DE 1999, DE AUTORIA DE SENADOR ALVARO DIAS, QUE PROMOVE UMA REFORMULAÇÃO NA REPRESENTAÇÃO DOS ESTADOS NA CAMARA DOS DEPUTADOS.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA. LEGISLATIVO.:
  • CRITICAS A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 50, DE 1999, DE AUTORIA DE SENADOR ALVARO DIAS, QUE PROMOVE UMA REFORMULAÇÃO NA REPRESENTAÇÃO DOS ESTADOS NA CAMARA DOS DEPUTADOS.
Aparteantes
Alvaro Dias, Geraldo Cândido, Heloísa Helena, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/2001 - Página 27439
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA. LEGISLATIVO.
Indexação
  • NECESSIDADE, DEBATE, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ALVARO DIAS, SENADOR, REFORMA POLITICA, LEGISLATIVO, REDUÇÃO, REPRESENTAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, ESTADOS, INFERIORIDADE, POPULAÇÃO, CRITICA, ORADOR, PREJUIZO, ESTADO DE RORAIMA (RR), ESTADO DO AMAPA (AP), ESTADO DO ACRE (AC), ESTADO DO TOCANTINS (TO), ESTADO DE RONDONIA (RO), MANUTENÇÃO, HEGEMONIA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • COMPARAÇÃO, PROCESSO ELEITORAL, REPRESENTAÇÃO, ELEITOR, ESTADO DO ACRE (AC), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEFESA, MANUTENÇÃO, PROPORCIONALIDADE, CAMARA DOS DEPUTADOS, OBJETIVO, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL, REFORÇO, FEDERAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a sistemática da elaboração legislativa, principalmente no que se refere às propostas de emenda à Constituição, apresenta peculiaridades derivadas das normas regimentais, as quais, por seu turno, buscam estabelecer mecanismos voltados para a preservação de valores maiores e princípios essenciais à preservação da democracia republicana.

            Foi assim que, em 2 de junho de 1999, apus minha assinatura à PEC n.º 50, de 1999, de autoria do nobre Senador Álvaro Dias, que propõe uma ampla reformulação nos critérios de representatividade dos Estados na Câmara dos Deputados. E o fiz em termos de “apoiamento regimental”, não por concordar com seus termos, mas para permitir que a proposição obtivesse o número mínimo de assinaturas para ser efetivamente apreciada, nas Comissões e no Plenário.

            A livre discussão e o voto consciente são as únicas ferramentas verdadeiramente capazes de resolver impasses institucionais; varrê-los para baixo do tapete não os tira do palco da política, onde as idéias são inevitavelmente discutidas e, cedo ou tarde, aprovadas ou rejeitadas.

            Os critérios para definição dos espaços a serem ocupados, no plenário da Câmara dos Deputados, pelas Bancadas eleitas pelos Estados fazem parte de um elenco de propostas recorrentes, as quais, volta e meia, retomam o foco dos debates congressuais. É o caso da PEC 50/1999.

            A sua justificativa não traz novidades em relação às anteriores: condena o fato de que um Deputado acreano representa cerca de 32 mil habitantes do Estado, contra 500 mil representados pelo seu colega paulista; reafirma que cabe ao Senado Federal equilibrar as forças das Unidades da Federação, dando-lhes representações paritárias, de três membros; clama contra o número atual de Deputados Federais, que tacha de “excessivo”; alega que a atual composição daquela Casa foi fixada durante o período da ditadura militar e, portanto, é o reflexo do arbítrio que tanto lutamos para banir de nossa vida pública.

            Na conclusão, a proposta defende a necessidade de reduzirem-se à metade as Bancadas dos Estados menos populosos, hoje fixadas em oito Deputados. Notem que tenho o cuidado de não falar em “pequenos Estados”, mas em “Estados menos populosos” - porque alguns deles são muito maiores e outros têm, no mínimo, o mesmo tamanho físico de importantes Unidades do Centro/Sul/Sudeste da Federação.

            A proposta não esconde que seus alvos prioritários são as Bancadas de Roraima, Amapá, Acre, Tocantins e Rondônia. E apresenta, ainda, uma divisão de Estados a pretexto de, segundo seu autor, dividi-los em “sobre-representados”, os “sub-representados” e os “adequadamente representados”, entre estes o Paraná e o Amazonas, “proporcionalmente corretos”, que não teriam perdas nem ganhos na redivisão, assim como, estranhamente, aconteceria com os megaEstados, cujas representações também continuariam intocadas, no teto de 70 Parlamentares.

            Na prática, portanto, só as bancadas dos “sobre-representados” pagariam a conta do ajuste demográfico do Plenário da Câmara dos Deputados, perdendo um, dois, três ou até quatro de seus atuais oito componentes. Uma solução típica e dolorosamente brasileira, dentro dos figurinos políticos atuais: bater nos pobres para assegurar os privilégios e a força dos ricos. Sim, porque os debates até aqui observados, em todas as situações críticas que temos vivido, só fazem confirmar isso.

            Proponho que se abra a ampla discussão do tema, hoje, no Senado, porque, sendo um assunto político e institucional, vai muito além da simples discussão em torno da partilha de cadeiras no recinto do Plenário Ulysses Guimarães. O que está em jogo é a preservação de critérios que não se liguem a números inanimados, a estatísticas dolorosamente frias; não faz sentido essa comparação entre “tantos acreanos” e “tantos paulistas” na composição das respectivas Bancadas na Câmara dos Deputados.

            O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Senador Nabor Júnior, concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Com muita honra, concedo um aparte ao nobre Senador Gerson Camata.

            O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Ilustre Senador Nabor Júnior, é muito oportuna a fala de V. Exª. V. Exª está-se antecipando, pedindo que esse tema seja debatido com maior profundidade aqui no Senado Federal; mas creio que ele deva ser debatido também nos Estados. Os Estados considerados periféricos - como é o caso do Espírito Santo, do Estado de V. Exª e do da Senadora Heloísa Helena - também precisam ser acordados. Não é por acaso que esse projeto está tramitando. Há um plano nacional, desencadeado nas privatizações, de se criarem no Brasil os Estados centralistas e os Estados periféricos. Quando ocorreram as privatizações das “teles”, por exemplo, estas foram divididas em blocos, com sede nos Estados centralistas. Os Estados periféricos entraram na privatização - para essas grandes empresas multinacionais que dela participaram - como o troco dado às grandes ofertas relativas aos Estados centralistas. E então, só por acaso, veja V. Exª as conseqüências: o serviço de informação 102 do Espírito Santo é no Estado de Minas Gerais. O capixaba, quando vai pedir uma informação, tem que explicar ao mineiro: “Olha, eu queria saber o telefone do Sr. Fulano de Tal, que fica na cidade tal, no norte do Estado do Espírito Santo.” Ele tem que explicar isso, porque os atendentes mineiros - aliás, muito cordiais - não conhecem o Estado do Espírito Santo. A sede da Justiça Federal, por exemplo, fica no Rio de Janeiro. A OAB e os advogados capixabas têm que correr para o Rio de Janeiro, que só é alcançado pelos ricos. Os pobres não têm acesso à Justiça Federal, porque não têm recursos para peticionar no Rio de Janeiro. Disseram que vão melhorar muito: estão transferindo a sede para Minas Gerais... De qualquer forma, o Espírito Santo não tem o direito de ter a Justiça Federal. V. Exª cita problemas da Justiça e da telefonia, mas há também os da energia elétrica: o Espírito Santo é inteiramente subordinado aos linhões de Furnas. Se um Governador do Espírito Santo quiser instalar uma linha elétrica no interior do Estado, tem de conversar com Minas Gerais. Se quiser melhorar as condições de telefonia, também tem de conversar com Minas Gerais. E para resolver qualquer problema na Justiça tem de ir ao Rio de Janeiro. A autonomia do Estado como unidade federada diminui - penso que ocorre o mesmo no Estado de V. Exª. Assim, Estados como São Paulo, Rio de Janeiro ou Minas Gerais, chamados centralistas na política discriminatória contra Estados menores, são mais Estados do que outros, são mais unidades federadas do que outras, possuem mais poder e mais independência do que outros. Acredito que, a longo prazo, o problema vai abalar o sistema federativo brasileiro. Por esse motivo, penso que V. Exª tem carradas de razão e está muito correto quando antecipa a necessidade da discussão. É necessário passar um pouco mais da profundidade de que querem retirar agora a representação federal dos Estados periféricos e manter intocáveis as grandes representações dos Estados centralistas, que devem abrir o olho, pois quando uma unidade federada começa a ser mais do que a outra, toda a federação corre risco. Isso não é bom para o Brasil. Durante anos discutimos as desigualdades do crescimento econômico e do desenvolvimento, e vários institutos foram criados a fim de corrigir as distorções. Na verdade, aprofundamos as distorções com a política nacional de Estados centralistas e Estados periféricos. E veja V. Exª que 82% da dívida externa brasileira se concentra nos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo; é o Triângulo das Bermudas, onde some todo o dinheiro do Brasil. E nós todos pagamos: o acreano paga, o capixaba paga, o alagoano paga, o rio-grandense-do-norte paga, o maranhense paga a dívida, que se concentra quase toda nesses grandes Estados, principalmente a dívida privada em dólar. Há necessidade de um debate muito amplo sobre o assunto. Precisamos acordar antes que aconteça algo pior, e V. Exª bate nas janelas do Senado, para que ele levante e amplie essa discussão. Eu cumprimento V. Exª, que, neste momento, está abrindo os olhos e os ouvidos do Brasil inteiro para esse problema que, por meio dessa emenda constitucional, tende a se agravar.

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Senador Gerson Camata, confesso que fiquei sensibilizado com o oportuno e judicioso aparte de V. Exª, que, com muita honra, insiro no meu modesto pronunciamento. E reconheço que V. Exª tem razão, porque no Acre as coisas acontecem quase da mesma forma que no Espírito Santo. Havia em nossa capital, Rio Branco, uma Superintendência da Caixa Econômica, a qual foi transferida para Rondônia; hoje, qualquer cidadão, interessado em negociações que envolvam financiamento de casa própria, por exemplo, tem de viajar até Porto Velho, onde está agora sediada a referida Superintendência. Quando as prefeituras apresentam projetos, para recebimento de verbas de Ministérios, cujo agente financeiro seja a Caixa Econômica Federal, é a mesma coisa: o prefeito tem de se deslocar do seu município e ir negociar em Rondônia.

            Em relação à Teleacre, acontece o mesmo: se algum usuário precisar de uma informação, a ligação tem que ser transferida para Cuiabá, porque a gerência da empresa fica lá, em vista da desmobilização de praticamente toda a diretoria da empresa, em Rio Branco, capital do Estado.

            Isso tudo faz parte do mesmo esquema, de fortalecimento daqueles que já são fortes.

            Não é a primeira vez que se tenta reduzir ainda mais as bancadas dos Estados menos populosos da Federação, para tornar ainda mais fortes os Estados que já detêm o controle da nossa economia; que possuem a maior representação política; que já elegeram, no curso da nossa história republicana, quase todos os Presidentes da República, geralmente saídos do eixo Rio-São Paulo, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. A única exceção, mais recente, foi Fernando Collor, eleito pelo voto direto, que, embora carioca, tinha sua base política no Nordeste. O Presidente José Sarney, um homem do Norte-Nordeste, porque o Maranhão está situado parte no Norte e parte no Nordeste, foi eleito indiretamente, pelo Colégio Eleitoral, para a Vice-Presidência da República e assumiu o comando da Nação após a tragédia que tirou do nosso convívio o saudoso Tancredo Neves.

            Então, sempre existiu uma predominância dos grandes Estados, na estrutura política e econômica do País. A própria dívida externa, a que V. Exª se reportou, é um reflexo do que afirmamos, pois, representando 82% da dívida global da União, corresponde, em grande parte, a compromissos contratados pelos grandes Estados. Há poucos anos, votamos a renegociação da dívida do Estado de São Paulo e autorizamos o Governo Federal a assumir R$50 bilhões de sua dívida. E não foi só a dívida estadual, porque o acerto de contas da Prefeitura de São Paulo girou em torno de R$15 bilhões. Enquanto isso, os Estados pequenos vivem sempre em dificuldades, com os seus interesses prejudicados.

            O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Interrompo V. Exª para dizer que foram R$50 bilhões quando havia paridade do real com o dólar. Hoje seriam R$150 bilhões.

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Perfeitamente.

            Agora está voltando à pauta política essa proposta, de reduzir ainda mais, a representação dos Estados pequenos - dos Estados periféricos, como V. Exª disse com muita propriedade - para que o predomínio dos grandes Estados se faça ainda maior, na Câmara dos Deputados.

            Logo adiante, Senador Gerson Camata, revelarei a V. Exª e à Casa a proporcionalidade atualmente existente; veremos, então, que a vantagem das grandes potências estaduais já é gritante, e querem aumentá-la ainda mais. Vou ler este texto a seguir, e V. Exª tomará conhecimento desses dados:

            "Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nunca admiti em minha vida, como homem público ou como cidadão, que se garroteasse o livre debate de qualquer tema, mesmo aqueles sobre os quais tenho opinião formada ou cujas conseqüências já comprovaram seus aspectos nocivos.

            Por isso, com a transparente firmeza de sempre, passo a analisar os principais pontos em que se embasou a Proposta de Emenda à Constituição nº 50, de 1999, elaborada pelo nobre Senador Álvaro Dias, do Estado do Paraná, digno do sincero respeito de todos que, como eu, com ele convivem.

            Mas não posso aprovar essa proposta que, alegando pretender criar falsa verdade demográfica, promove a maior das injustiças: a de tratar igualmente os desiguais, inverter a luta de Robin Hood; fortalecer, ainda mais, quem já é forte, em detrimento dos mais fracos.

            Não faz o menor sentido tentar comparar o voto recebido pelo Deputado paulista com seu colega acreano. Em São Paulo, as grandes corporações classistas e profissionais elegem seus representantes sem maiores problemas; as mais numerosas têm mais de um; contam com diversos deputados para defesa de seus interesses e dos interesses estaduais. Quantos Deputados aportaram à Câmara nas ondas do rádio e da televisão, na esteira de uma presença constante nos jornais e em outros veículos de mídia? Quantos deputados conhecem, efetivamente, os seus eleitores?

            No Acre, não seria exagero afirmar que cada deputado conhece todos os que nele votaram; sabe onde vivem suas famílias, enfrenta verdadeiras odisséias pelos rios e estradas precaríssimas em busca de um vilarejo distante, de uma comunidade perdida nos confins de paupérrimas colocações. Um voto de Roraima corresponde, sim, de fato, a milhares de votos em São Paulo, pela imensa dificuldade que envolve o contato dos candidatos com o eleitor. São Estados de dimensões físicas parecidas e, portanto, deve-se preservar o mínimo de equilíbrio em suas Bancadas na Câmara dos Deputados.

            Querer comparar cada voto paulista com cada voto rondoniense é uma daquelas atitudes típicas de quem desconhece a realidade das condições de vida em quase 2/3 do território nacional. Agora falo também das comunidades do Nordeste e do Centro-Oeste igualmente, de novo, na mira dos reducionistas, que começam falando dos Estados amazônicos, mas, invariavelmente, acabam alvejando outras regiões menos privilegiadas que os grandes Estados do Sul e do Sudeste.

            E o fato de as Bancadas do Senado terem o mesmo contingente numérico não pode servir de arrimo àquelas teses. São coisas diferentes.

            No Senado, cada Estado possui os seus três Senadores; na Câmara, a Bancada maior tem quase 9 vezes o tamanho da menor: 70 contra 8. Como é que podem dizer que é pequena uma diferença tão expressiva como essa? Como falar em participação abusiva dos Estados mais pobres se os 6 mais ricos, somados, compõem 52,43% do Plenário, com seus 269 Deputados? E o que responder, quando se mostra que os 14 mais pobres só ocupam 22,80% dos assentos, com seus 117 representantes?

            O Sr. Romero Jucá (Bloco/PSDB - RR) - Senador Nabor Júnior, concede-me V. Exª um aparte?

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador Romero Jucá.

            O Sr. Romero Jucá (Bloco/PSDB - RR) - Meu caro Senador Nabor Júnior, fiz questão de vir agora ao plenário para aparteá-lo, porque a voz de V. Exª na tribuna hoje é a voz de todos os membros dos Estados menos desenvolvidos, mais pobres e, principalmente, de todos os Estados da Amazônia. Tem razão V. Exª quando condena o projeto em tramitação nesta Casa, que reduz não só a Bancada federal, mas também as Bancadas estaduais e de vereadores de todos os nossos Estados, o que é um absurdo. Quero hipotecar meu apoio irrestrito ao discurso de V. Exª e reafirmar que estaremos aqui, no plenário do Senado, lutando para derrotar essa emenda constitucional, que é um desserviço ao País por ser contrária à igualdade e à transformação dos Estados mais pobres. Tínhamos de fazer o inverso: os Estados mais pobres, com menos recursos, menos desenvolvidos, que precisam de uma intervenção maior do Estado para se equilibrar e se equiparar aos grandes Estados é que deveriam ter uma bancada política maior. Assim, a representatividade política geraria uma força de cobrança também maior do que a de hoje. Quero aplaudir o discurso de V. Exª e registrar minha posição sobre a questão.

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Agradeço, Senador Romero Jucá, o oportuno aparte de V. Exª, que traz o peso e a autoridade de quem representa o jovem e bravo Estado de Roraima.

            E retomo a leitura do discurso que hoje endereço aos Senadores e à opinião pública, em torno da nova proposta de reduzir as bancadas dos Estados mais pobres na Câmara Federal.

            O número de Deputados é excessivo? Que se faça, então, uma recontagem geral das vagas a serem oferecidas a cada Estado, dentro das proporções atuais, mas sem mudar as regras do jogo, o que seria um casuísmo inaceitável, um retrocesso digno das piores arbitrariedades engendradas durante a ditadura.

            Essa ponderação, aliás, traz à baila o derradeiro aspecto, dentre os alegados pela proposta: a atual divisão seria uma obra nefasta da ditadura.

            É uma vã esperança pensar que poderemos simplesmente apagar de nossa história aquelas duas década. E digo com a autoridade moral e política de quem enfrentou discussões, arrostou ameaças, teve seu mandato constantemente posto em jogo ao criticar duramente as cassações, as suspensões de direitos políticos, as violências cometidas contra os adversários daquele regime de triste memória. Mas, agora, usar-se esse pretexto para mutilar as bancadas dos Estados pobres é algo que afronta as mais elementares normas do regime federativo e democrático.

            Tive a preocupação de não opor obstáculos à proposta elaborada pelo nobre Senador Álvaro Dias, porque, como disse, defendo a livre discussão de todos os temas políticos. Enterrar esqueletos nos arquivos do Senado é a certeza de sermos por eles assombrados, num futuro inevitável.

            O fortalecimento da Federação, reduzindo-se as desigualdades entre seus membros, é a mais lídima expressão da democracia, da liberdade civil que conquistamos com tantos sacrifícios.

            Nada tenho contra o tamanho da representação paulista, mineira ou gaúcha; só não admito tentarem fazer ainda menor a representação acreana, a rondoniense, a piauiense, a alagoana.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as palavras que hoje proferi, nesta tribuna, estão dentro de uma coerência que procuro imprimir a todos os meus atos, como homem e como integrante de uma representação político-institucional. E concluo reproduzindo as judiciosas e perfeitas palavras do nosso eminente colega e jurista maior, Senador Bernardo Cabral, em aparte que lhe concedi no dia 09 de fevereiro de 1998, quando o Senado presenciava uma das muitas discussões sobre mudanças na divisão de cadeiras da Câmara dos Deputados.

            Afirmei, naquela oportunidade, que “dou o exemplo do Estado do Acre, com sua representação de oito Deputados, igual às dos menos populosos da Federação. Os poderosos, principalmente do Centro-Sul, querem reduzir para três ou quatro o número de seus Deputados, o que viria abrir vaga para aumentar as próprias representações, tornando ainda mais esmagadora a presença no plenário das Bancadas de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul etc.

            Tive a honra, então, de ouvir o Senador Bernardo Cabral afirmar: “V. Exª tem mais do que razão em fazer esse registro quanto ao lado numérico de nossas regiões. Em primeiro lugar, com oito Deputados, já há um problema que se agiganta: nenhuma daquelas regiões, isoladamente, conseguirá aprovar um projeto do seu Deputado se ele não se unir com a Bancada do Nordeste ou com a do Centro-Oeste. É humanamente impossível um Parlamentar da Câmara dos Deputados, por maior que seja o seu valor pessoal e intelectual, agigantar-se e ter o peso de uma representação de um Estado maior”.

            O Sr. Álvaro Dias (Bloco/PDT - PR) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Concedo um aparte ao nobre Senador Álvaro Dias.

            O Sr. Álvaro Dias (Bloco/PDT - PR) - Senador Nabor Júnior, primeiramente, gostaria que todos os Senadores tivessem tido a oportunidade de ler o trabalho que sustenta a nossa proposta. Tomarei a iniciativa de enviá-lo a cada Senador para que, ao promover um debate sobre o assunto, esteja realmente inteirado do que se pretende. O discurso separatista ou a defesa da tese da discriminação não cabe de forma alguma. Nossa proposta é uma reforma estrutural do Poder Legislativo no País nas três esferas - federal, estadual e municipal -, em todos os Estados brasileiros. Meu Estado, o Paraná, perderá seis Deputados Federais; o Rio de Janeiro perderá dez; o Rio Grande do Sul também perderá seis; Santa Catarina perderá três. O número de deputados estaduais cairá da mesma forma. Não há sinalização na direção desta ou daquela região. É um critério técnico, elaborado por consultores especializados. Pretendemos revogar uma excrescência que perdura desde os tempos da ditadura, filha do Pacote de abril de 1977 e desequilibra a representação popular. Nossa representação não é autêntica, é uma farsa, só queremos corrigi-la, apenas isso. Vejo Senadores na tribuna - como há pouco o Senador Romero Jucá, Líder do Governo - apresentando essa questão como se fosse o poderoso contra o pequeno. Isso é um absurdo, é falta de um argumento inteligente. Vamos discutir essa proposta com um pouco mais de inteligência para que não se distorçam as intenções de quem quer contribuir para que este Parlamento se torne mais respeitado pela população do Brasil. Há um Parlamento com a credibilidade no chão, arrebentada. Estamos tentando contribuir com uma proposta que não esgota a matéria, que é o início do debate, na esperança de que apareçam sugestões preciosas para restabelecer o equilíbrio da representação popular no Brasil. Longe de nós a pretensão de prejudicar este ou aquele Estado. O Nordeste, por exemplo, tem a representação mais adequada, segundo o estudo que fizemos. É o que perde menos. Alguns Estados do Norte perdem, mas perdem também os Estados considerados poderosos, como Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Não tenho a pretensão de afirmar que minha proposta é fantástica, que não merece reparos, que não há sugestões a se apresentarem para aprimorá-la. Ela é o início de um debate que queremos prossiga nesta Casa, com a colaboração de V. Exª, que é um Senador inteligente e dedicado, para que possamos chegar a uma fórmula que permita ao Parlamento brasileiro recuperar credibilidade, afirmar-se diante da opinião pública, qualificar-se, valorizar-se, tornar-se mais ágil, mais eficiente, oferecendo respostas mais rápidas e eficazes às aspirações da nossa sociedade. Pode acreditar, Senador Nabor Júnior, eu o respeito. Sei que V. Exª é um Senador de boa-fé. Eu também o sou, e a minha proposta tem a boa-fé de quem quer realmente contribuir para melhorar o Parlamento brasileiro.

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Obrigado, Senador Álvaro Dias. Minha resposta ao aparte com que V. Exª me honra será proferida dentro de instantes, no curso deste pronunciamento, que propõe uma ampla e profunda discussão sobre esse assunto. Admito que sua proposta é inteligente, como V. Exª mesmo acentuou. Contudo, enquanto garante aos grandes Estados um expressivo contingente de Parlamentares, ela pretende reduzir em 50% a representação dos Estados pequenos.

            Essa é a observação que eu gostaria de fazer em resposta a V. Exª. Aceito ampliarmos e aprofundarmos esse debate, porque ele põe em jogo o interesse dos 26 Estados brasileiros da Federação brasileira, mais o Distrito Federal.

            A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Nabor Júnior, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Concedo o aparte, com a permissão da Mesa, à Senadora Heloísa Helena.

            A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Nabor Júnior, é evidente que nós, da Oposição, debateremos essa matéria em outro momento. A reunião para esse fim já está marcada e teremos um debate específico sobre essa questão. Mas temos de saudar V. Exª por trazer esse debate à Casa, independente dos dias específicos de votação. Eu apenas gostaria de fazer uma observação quanto à manifestação do Senador Álvaro Dias, por quem tenho muito respeito e consideração, até para evitar que vendamos uma ilusão à opinião pública, com um argumento também pouco inteligente: o de estabelecer uma relação automática entre questões numéricas e a qualidade e a ética do Parlamento. Esse é um argumento pouco inteligente e impróprio, porque se a imagem do Congresso Nacional está no chão, com certeza - a população e o Senador Álvaro Dias sabem disso - isso não tem absolutamente nada a ver com a proporcionalidade relacionada à população. Se assim fosse, o Senado, por exemplo, que representa a Federação igualmente, que não respeita o princípio federativo porque nada discute de interesse dos Estados, também deveria se adequar a uma suposta proporcionalidade. Portanto, é extremamente importante que façamos o debate sobre a proporcionalidade. Contudo, também não é justo e é pouco inteligente atribuir uma questão numérica à imagem do Congresso Nacional. Se a nossa imagem está ruim, e está mesmo, com certeza não é em função da proporcionalidade relacionada à população. A nossa imagem está muito ruim, e até merecemos isso, porque infelizmente a nossa sensibilidade no aspecto ético, político e social é diretamente proporcional a outro fator: à pressão do jornalismo investigativo ou à pressão da população nas ruas. Quando isso não acontece, imediatamente a ética, o compromisso social, o compromisso com o setor produtivo e com os trabalhadores, tudo isso é jogado embaixo dos tapetes azuis e dos tapetes verdes. Assim, temos a obrigação de apreciarmos a matéria à luz de uma discussão política. É extremamente importante e corajoso o que o Senador Álvaro Dias traz à Casa, mas eu gostaria de fazer um único reparo: que não vinculemos a proporcionalidade e uma questão numérica à imagem do Senado e do Congresso Nacional perante a sociedade.

            O Sr. Álvaro Dias (Bloco/PDT - PR) - Permite-me V. Exª um aparte?

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Eu agradeço o aparte de V. Exª, e concederei ao nobre Senador Álvaro Dias com a permissão da Mesa.

            O Sr. Álvaro Dias (Bloco/ PDT - PR) - Senador Nabor Júnior, apenas gostaria de dizer à Senadora Heloísa Helena que está longe de mim restringir essa questão da falta de credibilidade do Congresso Nacional, do Poder Legislativo, das instituições públicas no Brasil à questão da proporcionalidade. Eu nunca disse isso. O que eu disse é que é uma das causas da falta de agilidade e de eficiência do Poder Legislativo, que evidentemente é também causa da ausência de credibilidade maior. Então, não é o único fator, mas contribui para que a nossa credibilidade esteja comprometida.

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Muito obrigado, Senador Álvaro Dias, pelas observações de V. Exª.

            O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Eu peço a V. Exª que conclua, porque o seu tempo já ultrapassou em doze minutos.

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - A extensão do meu discurso, Sr. Presidente, decorreu dos apartes recebidos, e que muito me honraram, porque demonstram ser esse um tema que o Senado precisa realmente aprofundar na sua discussão.

            O SR. PRESIDENTE (Edison Lobão) - Apartes concedidos por V. Exª, o que faz parte do seu discurso.

            O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço questão de concluir este pronunciamento evocando as sábias palavras, que li há pouco, pronunciadas em 1998 pelo nosso grande jurista e legislador, Senador Bernardo Cabral - verdadeira aula de democracia, de espírito republicano, que se constituiu em uma das mais valiosas lições por mim colhidas, nas lides parlamentares. E, sem dúvida, deve ser levada em consideração por todos os nobres Senadores e Deputados, na apreciação das propostas que dizem respeito à configuração do Plenário da Câmara Federal, não apenas a PEC 50/1999, mas também as que, no futuro, vierem buscar o mesmo objetivo.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

            


            Modelo15/16/246:20



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