Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DE REFORMULAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA BRASILEIRA.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • NECESSIDADE DE REFORMULAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/2001 - Página 27519
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • DEFESA, MODERNIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, REDUÇÃO, CUSTO, EMPREGADOR, AUMENTO, OFERTA, EMPREGO, REFORÇO, SINDICATO.
  • ANALISE, HISTORIA, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, BRASIL, MUNDO, COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, AUTORIA, ALMIR PAZZIANOTTO, MINISTRO, TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST), DEFESA, REFORMULAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), PREPARAÇÃO, CONCORRENCIA, GLOBALIZAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PSDB - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar de muitos reconhecerem a necessidade de revisão da legislação trabalhista, pouco tem sido feito a esse respeito. Ou melhor, o pouco que se tem procurado fazer tem esbarrado em intransponíveis barreiras, tanto à direita quanto à esquerda do espectro ideológico - tanto de sindicalistas representantes de trabalhadores, quanto de dirigentes das instâncias patronais.

            Muito já se falou aqui e na Câmara, nos jornais e nas televisões. Mas, infelizmente, pouco avançamos na efetiva mudança da legislação trabalhista. Com isso, estamos perdendo investimentos que viriam para o Brasil, mas que não vêm porque os investidores temem o custo “oculto” dos direitos trabalhistas.

            Mas os “conservacionistas” das leis trabalhistas - e uso esse termo porque parece que a CLT é um nicho ecológico a ser preservado a qualquer custo - não atentam para o paradoxo dessa não-mudança. Ao manter as relações trabalhistas rigorosamente engessadas, altamente caras para os empregadores, extremamente reguladas por leis, enfim, ao agirem de maneira tão conservadora, estão fazendo justamente o contrário do que apregoam. Não oferecem mais empregos, estão expulsando os empregadores; não estão protegendo o trabalhador; estão afastando o emprego dele.

            Aqueles que querem manter inflexíveis e altamente reguladas as relações trabalhistas não se dão conta de sua obsolescência. De fato, ao ser concebida e editada, na Ditadura de Getúlio Vargas, essas leis eram atuais, válidas e adequadas para o contexto. Em verdade, Getúlio, ao adotar o modelo da Carta del Lavoro, de Benito Mussolini, paradoxalmente, acertou. Criou institutos de proteção ao trabalhador num ambiente em que o Brasil entrava na era industrial e num patamar de desenvolvimento que rompia relações arcaicas. De país essencialmente rural - e até poucas décadas antes, escravagista - o Brasil se vê lançado no desafio de se industrializar, de aumentar o mercado consumidor, de gerar energia elétrica, de construir estradas, enfim, de se tornar um País “moderno”, de ter um “mercado de trabalho”.

            Mas, passada a Segunda Guerra, todos os países industrializados reformularam suas relações de trabalho, até mesmo aqueles que serviram de modelo para nossa então inovadora legislação trabalhista. Ou seja, houve um compasso entre desenvolvimento industrial e de serviços e as garantias trabalhistas correspondentes. Muitos países da Europa Ocidental, como por exemplo Alemanha, Inglaterra e França, construíram modelos de “Estado do Bem-Estar Social”. Sob tal inspiração, realmente, concederam inúmeras benesses às classes trabalhadoras, garantiram salários, educação, lazer, saúde, moradia, etc. aos operários alemães, ingleses, franceses.

            Mas tais modelos precisaram ser revistos e o foram, quando “as coisas apertaram”, e as legislações foram revistas, justamente para acompanhar as demandas do mercado.

            Por incrível que pareça, no Brasil, as leis do trabalho se mantiveram inalteradas nas últimas seis décadas, resistindo a diversos governos, de diferentes inspirações. E a grande raiz desse sucesso da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é uma só: ela concede ao Estado - principalmente ao Judiciário, mas também ao Executivo - um enorme poder sobre o trabalhador. E, ao tutelá-lo, ao considerá-lo “hipossuficiente” perante os empregadores e a Justiça Trabalhista, evita, justamente, que o trabalhador desenvolva o seu verdadeiro poder; impede que as organizações sindicais autênticas floresçam e se imponham; poda a criatividade das relações trabalhistas; impede a livre negociação entre patrões e empregados. Ao manter o imposto sindical, por exemplo, cria sindicatos anêmicos, que não precisam provar sua força para angariar associados que o custeiem.

            Revela-se igualmente obsoleta ao não permitir que o “recibo de quitação” seja reconhecido. Com isso, gera medo nos empresários empregadores. Ou seja, mesmo que o trabalhador assine um recibo ao término do contrato de trabalho, persiste uma ameaça velada, pois, por um bom período, o trabalhador poderá recorrer à Justiça. E o juiz tem poderes para reconhecer direitos que não faziam parte da relação de trabalho explícita.

            Tomemos um evento próprio do mundo globalizado, pós-moderno, transnacional: uma empresa estrangeira, para se instalar no País, demanda, por exemplo, o desenvolvimento de aplicativos tecnológicos para seus serviços (softwares). É um tipo de serviço pontual: demanda o desenvolvimento e a manutenção, apenas. Não implica que a empresa tenha que manter um quadro de empregados somente para essa função. Mas ela não pode “terceirizar” essa demanda, porque está sempre ameaçada de que a Justiça do Trabalho reconheça uma relação empregatícia e determine o pagamento de indenizações e custas para os quais a empresa não estava preparada, não desejava e julgava não precisar. Resultado desse temor: a empresa importa os aplicativos de que necessita e, com isso, deixa de criar postos de trabalho no Brasil; deixa de fortalecer a tecnologia (ainda precária) em desenvolvimento no Brasil.

            Pois diante desse quadro de inadequação, diante da falta de um espírito mudancista levanta-se uma voz: a do Ministro Almir Pazzianotto, do Tribunal Superior do Trabalho. Com um currículo respeitável, todo ele construído como advogado trabalhista e como dirigente público da área do trabalho, Pazzianoto é insuspeito para denunciar a obsolescência das leis trabalhistas. E o faz de maneira primorosa na publicação O Trabalho no Brasil: Novas relações versus Leis Obsoletas. Trata-se de uma iniciativa do Centro Integrado Empresa-Escola (CIEE). Nessa pequena porém significativa publicação, o Ministro Pazzianotto discorre sobre estas questões de que tratei até aqui com um brilhantismo e uma coragem pouco comuns. Mesmo se declarando um admirador da CLT (ao tempo em que foi concebida), que classifica como uma legislação “esférica”; mesmo reconhecendo que, ao ser concebida, constituía uma política social completa, Pazzianotto reclama a mudança de muitos de seus instrumentos. Entre eles o do “recibo de quitação”, ou seja, da validade desse instrumento, dando por encerradas as relações trabalhistas, sem perigo de demandas futuras para o empregado, amparado pelas leis obsoletas.

            E ele é muito claro nessa reclamação de mudança: ou o Brasil muda esse perfil de proteção (que, na verdade, desprotege), ou estará fora do mercado, da competitividade, da produção de bens a serem vendidos aqui ou alhures. Em outras palavras: com a velocidade das comunicações e com a agilidade dos transportes, qualquer “produtor” escolherá os países que mais lhe favoreçam para desenvolver e manufaturar seus bens. E depois venderá para qualquer lugar do globo. Resta saber se o Brasil se candidata a ser um desses países produtores ou não. Se passará a valorizar o “poder de fogo” dos trabalhadores perante seus empregadores ou se insistirá em mecanismos de proteção que afastam o empregador.

            Creio que aqui no Senado ainda não nos debruçamos com a devida atenção sobre esses pontos. Mas creio ser necessário que o façamos, sob pena de estarmos nos condenando à exclusão e, com isso, deixando de gerar milhões de empregos; com isso, deixando de cumprir com nossa função institucional, que é proteger a cidadania. Pois para que haja cidadania, é necessário que haja produção, que haja empregos, que haja mercado. Sem isso, o que sobra são as palavras. E por mais belas ou mais protetoras que elas sejam (como as da CLT ou da Constituição), não serão capazes de mudar a dinâmica da economia.

            Parabéns ao Ministro Almir Pazzianotto, pela coragem de expor tão abertamente suas posições, mesmo sob o risco de ser bombardeado por empregadores e trabalhadores. Parabéns ao CIEE pela iniciativa. É desse debate franco, honesto, direto que nascerá o novo Brasil.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


            Modelo15/3/245:38



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/2001 - Página 27519