Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

IMPORTANCIA DE REPENSAR A ATUAL ORGANIZAÇÃO MUNDIAL, A PROPOSITO DOS CONFLITOS RACIAIS, ETNICOS E RELIGIOSOS, BEM COMO DAS DESIGUALDADES SOCIO-ECONOMICAS ENTRE AS NAÇÕES.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • IMPORTANCIA DE REPENSAR A ATUAL ORGANIZAÇÃO MUNDIAL, A PROPOSITO DOS CONFLITOS RACIAIS, ETNICOS E RELIGIOSOS, BEM COMO DAS DESIGUALDADES SOCIO-ECONOMICAS ENTRE AS NAÇÕES.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/2001 - Página 27523
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, CONTINUAÇÃO, OCORRENCIA, GUERRA, HISTORIA, AMBITO INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, CONFLITO, TERRORISMO, PAIS ESTRANGEIRO, AFEGANISTÃO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • ANALISE, AUSENCIA, JUSTIÇA SOCIAL, MUNDO, PROBLEMA, FRONTEIRA, TERRITORIO, DESRESPEITO, CULTURA, HISTORIA, POVO, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, ORDEM ECONOMICA E SOCIAL, PRIORIDADE, SOLIDARIEDADE.

  SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio não haver na história da humanidade qualquer lapso de tempo, por menor que seja, em que inexista algum tipo de conflito armado, interno a um país ou internacional. Mesmo nos antigos tempos de fronteiras confusas e incertas, os grupos, tribos ou embriões de nações guerreavam. E por quê, para quê?

            Nos primórdios da era humana, talvez se possa vislumbrar algum tipo de justificativa calcada no ainda exacerbado instinto de sobrevivência e espírito caçador do homem que surgia. Posteriormente, contudo, tal espírito foi se transformando em ambição por domínio e prepotência de uns povos sobre outros. Assim se construíram grandes impérios territoriais e econômicos.

            E depois? Como justificar que ainda hoje pipoquem tantos e tão perigosos confrontos? Às mentes e espíritos mais lúcidos da humanidade pode parecer algo aberrante a permanência desse estado beligerante entre os seres humanos. Todavia, ele existe e não é fruto apenas da paranóia ou do desequilíbrio psicológico de alguns fanáticos ou lunáticos. E, então, qual sua explicação?

            De modo mais concreto, como explicar o atual conflito entre os EUA e o Afeganistão, ou melhor com seu segmento Talibã?

            Não há como negar, como eu mesmo já afirmei desta tribuna, que os atentados de que foram vítimas milhares de pacíficas pessoas nos edifícios em Nova Iorque e Washington colocaram novos parâmetros nas relações internacionais. E não somente em nível de relações entre Estados, mas, também, nas relações entre culturas, religiões e grupos étnicos. Creio que ficou a nu a fragilidade da atual divisão geopolítica, criada de modo artificial na primeira metade do século XX.

            Continentes ou regiões como a África, a Europa central e balcânica, o Oriente Médio e a Ásia a oeste da China são barris de pólvora cujos estopins estão acesos. Divisões territoriais que não respeitaram as origens dos povos e seus domínios históricos, suas unidades ou diversidades culturais, suas crenças religiosas, forjaram câmaras de pressão crescente que podem se tornar explosivas a qualquer momento.

            Se agregarmos a este quadro - pintado por potências hegemônicas do século passado, cuja visão foi imediatista e voltada apenas para seus próprios interesses, como sói acontecer ao longo da história da humanidade - o fato de que a miséria e a desesperança são crescentes na maior parte das regiões que acabo de citar, temos o cenário montado para a explosão de conflitos locais, regionais e potencialmente mundiais a qualquer tempo e a qualquer hora.

            Seria por demais primário atribuir aos atentados nos Estados Unidos uma razão religiosa. Sem dúvida, eles estão eivados de uma visão fundada em certa cultura religiosa. Mas não atribuamos só à religião sua motivação primeira. Seria menosprezar a inteligência e a esperteza de seus autores.

            Razões de ordem econômica as mais variadas se imiscuem nesse complexo problema. Interesses da indústria de armamentos nunca podem ser desprezados. É uma das mais fortes do mundo e uma das que mais gera renda para os países produtores.

            Mas, Sr. Presidente, mesmo que deixemos de lado os interesses mesquinhos que subjazem na origem do atual conflito, algumas lições já são visíveis e devem ser aproveitadas antes que seja tarde para aprendê-las.

            A primeira delas é que nenhum país, por mais forte que seja, está livre de ter sua integridade territorial afetada por, até mesmo, pequenos grupos decididos e audazes. Não existem mais as fronteiras intransponíveis.

            A segunda é que nenhum país ou grupo pode se dar ao luxo de se fechar em clube exclusivo, ignorando o restante da humanidade e alijando-a dos benefícios das riquezas produzidas no planeta. A globalização não pode servir apenas a alguns, pois esses correm o risco de terem suas casas, digo, territórios, invadidos pelos miseráveis que reivindicarão pela força o que lhes é tomado pela opressão.

            A terceira é que hegemônica que seja a posição dos Estados Unidos da América, ela não mais pode ser exercida de modo isolado, desconectada da solidariedade e do apoio dos outros atores mundiais. E aí o papel do Brasil cresce, não só no contexto latino-americano, como no mundial.

            A quarta é que uma nova ordem mundial deve nascer, com base nos eventos do último dia 11 de setembro. Ignorar que as desigualdades e assimetrias existentes no mundo possam ser neutralizadas com pequenos programas assistenciais, a partir de sobras orçamentárias dos países desenvolvidos, é apostar no quanto pior melhor.

            Nós, no Brasil, temos a experiência viva do quanto a exclusão social pode custar caro a uma nação. Cidades como Rio de Janeiro e São Paulo pagam altíssimo preço pelas gigantescas diferenças de renda em suas populações. Os desafortunados, para os quais não restam esperanças no horizonte de suas próprias existências, abandonam qualquer tipo de compromisso com a ética e a moral da sociedade em que vivem, para buscarem recuperar, por meio da infração aos códigos vigentes, a dignidade que lhes é roubada pela injustiça social.

            Se isso se aplica a comunidades locais e regionais, com mais força se aplica às nacionais. E não pensemos nacionalidade como decorrência de divisão geopolítica imposta por colonizadores dos séculos XIX e XX, mas nacionalidade fruto de identidades culturais, étnicas, religiosas, tribais e outras que geram as unidades populacionais, para muito além de fronteiras demarcadas por critérios completamente estranhos aos usos e costumes das populações autóctones.

            Uma nova ordem mundial está sendo clamada de modo gritante pelos eventos recentes. Se desde os anos 70, vinha-se anunciando timidamente a necessidade de uma reorganização das relações de solidariedade no mundo, os fatos ocorridos na década de 1990 e neste ano inicial do século XXI demonstram, de modo inequívoco, que algo deve ser feito para retraçar os caminhos da humanidade.

            Se não for por motivos humanitários abraçados por todos, que seja por questões pragmáticas de sobrevivência, pelo menos para dar início ao processo. Se formos capazes de juntar idealistas e pragmáticos numa mesma jornada de revisão das relações entre os povos, quem sabe não conseguiremos, finalmente, caminhar na direção de maior eqüidade na distribuição das riquezas entre os homens.

            O Brasil vem se tornando um interlocutor cada vez mais respeitado no cenário mundial. Aproveitemos essa nossa posição para denunciarmos as distorções intoleráveis. A Organização Mundial do Comércio - OMC, a Organização das Nações Unidas - ONU, e todos os fóruns multilaterais são espaços onde podemos exercer nossa capacidade de influenciar.

            Os Estados Unidos, feridos em seu próprio interior, do mesmo modo que têm o direito de buscar reparação pela agressão de que foram vítimas, não devem poder agir sem balizamento da comunidade internacional, para que um ato de defesa e justiça não se transforme em pura vingança e retaliação descontrolada. A opção jamais poderá ser a guerra ou o terror. Como escolher entre duas formas de horror?

            Temos, apesar da dor sentida, uma oportunidade ímpar para repensar nossa organização mundial. Sabemos que é sempre nos momentos de crise que se produzem as verdadeiras transformações, pessoais ou comunitárias. Quem sabe não seria esse o momento azado para empreender essa transformação?

            Talvez possamos pensar um Sudão ou uma África subsaariana menos sofrida e miserável. Uma América Latina que finalmente encontre seus caminhos de desenvolvimento socialmente justo. Uma Europa, associando-se aos EUA e ao Japão, para iniciar um processo de pacificação planetária. Organismos internacionais multilaterais que de fato comandem um processo de redistribuição da renda global. E tantos outros mecanismos que poderiam ser ativados para recuperar a esperança da humanidade em si mesma. Não podemos aceitar que o planeta Terra tenha de continuar passando por guerras cíclicas para entender que a paz lhe é indispensável. Não creio que essa extensão do conceito malthusiano possa ser uma fatalidade.

            Seriam utopias? Mesmo que sejam, são elas que movem a humanidade para o progresso. Espero que assim aconteça.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


            Modelo18/16/245:15



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/2001 - Página 27523