Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS DIFICULDADES DOS PRODUTORES DE LEITE NO BRASIL.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PECUARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE AS DIFICULDADES DOS PRODUTORES DE LEITE NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/2001 - Página 27527
Assunto
Outros > PECUARIA.
Indexação
  • DENUNCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PRODUTOR, LEITE, INFERIORIDADE, PREÇO, RELAÇÃO, CUSTO DE PRODUÇÃO, CRITICA, AUSENCIA, POLITICA AGRICOLA, SETOR, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, OLIGOPOLIO, EMPRESA, LATICINIO, REDUÇÃO, PREÇO, FALENCIA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, MANIPULAÇÃO, COOPERATIVA.
  • REGISTRO, SITUAÇÃO, PECUARIA, GADO LEITEIRO, ESTADO DE RONDONIA (RO), SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o preço de um copo d’água, na lanchonete ou na padaria, pode variar de R$0,30 a R$0,50, dependendo de que esquina. O produtor de leite, em Rondônia, está recebendo, por litro, algo que se encaminha, ladeira abaixo, para os R$0,10. É essa a relação perversa: para produzir um litro de um dos mais importantes e necessários alimentos, o leite nosso de cada dia, o produtor recebe algo como dois ou três dedos de um copo d’água! Ou, para quem admira outros líquidos, são precisos 20 a 30 litros de leite para que o produtor rondoniense possa degustar uma única dose de cachaça em Brasília, dependendo de que boteco, na falta de esquinas. Nem se fale se precisar de algum remédio, mesmo que o mais genérico!

            Dizem os economistas que a estabilização é impossível sem coerência nos preços relativos. E que a formação desses mesmos preços tem de levar em conta, necessariamente, os custos de produção, acrescidos de uma margem de lucro que possibilite a sobrevivência do produtor e investimentos que lhe permitam acompanhar as exigências do mercado. Não é o que ocorre no Brasil, apesar da nossa “estabilização econômica” ser cantada em prosa e versos e em diversas línguas. Aqui, a tal estabilização se dá com preços totalmente desalinhados. Isso significa que alguns segmentos produtivos perdem, porque seus preços, muitas vezes, não são suficientes, nem mesmo, para cobrir os custos de produção.

            De maneira geral, é o que ocorre com os preços agrícolas pagos ao produtor. Discute-se, hoje, com veemência, a questão dos subsídios dados aos agricultores, pelos países mais desenvolvidos. Somente na Europa, algo como US$400 bilhões anuais. São sociedades que decidem transferir recursos para os seus produtores para que os preços dos alimentos sejam mais acessíveis e para que eles possam concorrer no mercado externo, com vantagens comparativas. São, portanto, recursos públicos, manipulados por governos e legitimados pela sociedade. Em última instância, lá, os subsídios ao produtor constituem-se numa política de governo. Pois bem, aqui ocorre exatamente o contrário: é o produtor rural quem subsidia o governo, transferindo para a sociedade parte de seu suor. Lá, os preços se mantêm porque o Governo transfere recursos para os produtores. Aqui, porque os produtores transferem para a sociedade, e o Governo faz prosa, os recursos necessários à sua sobrevivência e capitalização. Sem demérito à indústria, que também sofre os efeitos da falta de uma política industrial coerente, é a agricultura brasileira a grande responsável pela nosso programa de estabilização. É ela que gera os superávits da balança comercial, é ela que ainda gera empregos, é ela que mantém a inflação a níveis controlados.

            Poderia discorrer, aqui, sobre o arroz, o feijão, ou qualquer outro produto agrícola de alimentação básica. Mas, o leite parece ser, hoje, o melhor exemplo de uma situação impossível de perdurar, por mais tempo. Basta dizer que o assunto é motivo, atualmente, de comissões parlamentares de inquérito nos principais estados produtores brasileiros, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e São Paulo e, em fase de instalação, Mato Grosso e Rondônia.

            Não me canso de enfatizar que essa e outras questões tornaram-se mais agudas a partir do desmonte do Estado brasileiro e da conseqüente “tomada de poder” pelo mercado. Algo assim como um “golpe de mercado”, patrocinado por governos que se sucederam, principalmente na última década. Nas economias de mercado mais importantes, o Estado permanece forte. Aqui, ele foi desmontado, e a economia passou a ser regida por interesses exclusivos do lucro, nem sempre sob a batuta do pudor.

            O produtor de leite brasileiro é, na sua grande maioria, de pequena escala. Em Rondônia, na casa dos 50 litros por dia, em média. São, portanto, milhões de madrugadores, baldes em punho. Mas, os compradores são, cada vez mais, poucos. O mercado brasileiro foi regionalizado e cartelizado. Quem determina os preços não é um mercado competitivo. São grandes compradores, no mais das vezes, corporações internacionais bastante conhecidas, porque na casa de menos de uma dezena, e que colorem as prateleiras dos supermercados, também cartelizados, e patrocinam eventos e clubes esportivos.

            Essas grandes empresas de laticínio convivem com outras menores até o momento de sua melhor conveniência. Por exemplo, para barganhar benesses governamentais baseadas em planilhas de custos médios elevados, porque inflados pelos dados do pequeno empreendedor. Mas, elas não titubeiam quando os seus interesses apontam para a necessidade de aniquilar concorrentes menores, mas que lhes criem qualquer afronta. É o que está ocorrendo no Brasil hoje: o extermínio dos pequenos laticínios, pelas grades corporações. De cambulhada, a igual destruição de qualquer cooperação mútua que permita melhores preços ou a diversificação de produtos. É a grande corporação que passa a determinar o que produzir, onde comprar, quanto e a que preço. Somente em Minas Gerais, segundo a imprensa, a Parmalat comprou 30 pequenos laticínios no interior do Estado, e fechou todos eles para “reinar” soberana.

            A idéia da criação de cooperativas de produtores de leite é, evidentemente, das mais defensáveis. A cooperativa aumenta o poder de barganha dos produtores e permite a diversificação da produção de derivados, entre outros benefícios. Mas, estudos, pesquisas e teses sobre o assunto dão conta de que também as cooperativas passaram a ser manipuladas pelos grandes laticínios. Pior: muitas vezes, postas a seu serviço. O laticínio possui algo assim como uma espécie de “termostato” na sua relação com a cooperativa. Mantém-na num patamar que lhe é conveniente, principalmente na socialização de custos, como os de coleta. Se entram em crise, incentiva-lhes; se crescem além dos interesses e que possam lhe fazer barreiras, enquadra-lhes.

            Portanto, o problema do preço do leite ultrapassa as fronteiras de Rondônia. Mas lá, evidentemente, assume proporções maiores. É sabido que a produção leiteira caminhou, nos últimos tempos, rumo ao Centro-Oeste, porque o mercado encontra lá menores custos de mão-de-obra e menores preços de terras. Rondônia possui, hoje, 1,6 milhão de cabeças de gado leiteiro. De 1995 a 2000, dobrou a sua produção, de 200 para 400 milhões de litros. Mas, essa “marcha para o Centro-Oeste”, além da óbvia distância dos grandes centros consumidores, não foi acompanhada de infra-estrutura adequada para o escoamento da produção. Isso piora a situação do produtor local, principalmente pelo custo elevado de transporte, dada a precariedade das estradas locais.

            Até pouco tempo atrás, dizia-se que o produtor rondoniense era apenas um “extrator de leite”, porque o preço cobria, unicamente, os seus custos. Hoje, nem isso. Quem sabe ele seja, na verdade, um sacerdote. Exige-se-lhe vacinação cotada em dólar, os preços de seus principais insumos sobem insistentemente, como o do sal mineral, que aumentou, recentemente, em torno de 15%, enquanto é abalroado pelo que recebe por seu produto, que transita na contramão.

            Nesse sentido, a questão do leite em Rondônia passa, necessariamente, por duas instâncias de debates e de busca de soluções. Em nível nacional, porque o Governo tem de retomar o seu papel de viabilizador de políticas públicas voltadas para a maioria da sociedade. E o leite é um dos casos mais típicos. O Brasil consome 23 bilhões de litros por dia, e produz 20 bilhões. A escassez não pode ser medida pela simples aritmética da subtração. Não faltam 3 bilhões de litros, porque esse número escamoteia os milhões de brasileiros que já não consomem esse alimento de tamanha importância. Há todo um potencial e, mais do que isso, toda uma exigência de política pública, para que todos tenham o direito de consumir, pelo menos, o mínimo necessário estipulado pelas organizações mundiais de saúde. E o que faz o Governo? Em vez de incentivar a produção local, criando empregos e internalizando todos os demais benefícios, importa leite de outros países, a preços embutidos com subsídios que aqui ele nega, em nome da “estabilização” e do “ajuste fiscal” e sob ditames de acordos exigidos, contraditoriamente, pelos mesmos países exportadores.

            O Governo Federal tem que ter uma política de produção de alimentos. E ela tem, necessariamente, que conter um capítulo especial sobre o leite. A sociedade tem que discutir as suas prioridades. É ela quem tem que decidir se há, também, “risco sistêmico” na previsível falta de alimentos, pelo abandono total da produção, dado o limite do tal “sacerdócio”. O Governo não pode assistir, inerte, ao golpe do mercado, deixando à livre iniciativa de menos de meia dúzia de grandes corporações o arbítrio de quantidades, preços e, pior: quem pode ou quem não pode consumir, o que, em última instância, significa quem pode e quem não pode viver. Com a palavra, portanto, o Governo Federal.

            No que se refere a Rondônia, o Estado não se transformou em uma das principais bacias leiteiras do País pelo mero acaso. Também não o foi pela ação de políticas de governo. Mas, Rondônia pode sofrer o maior dos retrocessos pela falta delas. Se o mercado oligopolizado já está causando fatos determinantes de comissões de inquéritos em regiões premiadas com melhor infra-estrutura, imagine-se lá, onde o destemor não tem a contrapartida de políticas públicas. Portanto, com a palavra, também, o Governo Federal.

            Todas essas reflexões, eu já as externei, reiteradamente, neste plenário e, diretamente, ao Senhor Ministro da Agricultura. Reconheço que ele, também, é refém de um modelo que extrapola os limites de decisão de seu Ministério. Mas, ele também tem todos os elementos para, juntos, rediscutirmos esse mesmo modelo que, necessariamente, deverá passar pela remontagem do Estado brasileiro, que abriu mão de responsabilidades mínimas, entregues ao sabor do mercado.

            Temo que, se nada mudar, está próximo o dia em que o produtor de leite, principalmente o de Rondônia, vai “pedir água”. Ou, na falta de outro “remédio”, “tomar mais uma”, embora os preços relativos. Desgraçadamente, “para esquecer”.

            Era o que eu tinha a dizer.


            Modelo112/2/243:12



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/2001 - Página 27527