Discurso durante a 149ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação pelo fim dos ataques militares dos Estados Unidos ao Afeganistão.

Autor
Paulo Hartung (PSB - Partido Socialista Brasileiro/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Manifestação pelo fim dos ataques militares dos Estados Unidos ao Afeganistão.
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/2001 - Página 27770
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • DEFESA, PARALISAÇÃO, BOMBARDEIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AFEGANISTÃO, MOTIVO, VITIMA, SOCIEDADE CIVIL, CRITICA, METODO, GOVERNO ESTRANGEIRO, COMBATE, TERRORISMO, DESEQUILIBRIO, RELAÇÕES INTERNACIONAIS.
  • SOLIDARIEDADE, POVO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), VITIMA, ATENTADO, TERRORISMO.
  • CRITICA, POLITICA EXTERNA, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PREJUIZO, PAZ, REDUÇÃO, APOIO, OPINIÃO PUBLICA.
  • CRITICA, POLITICA, DISCRIMINAÇÃO, MANIPULAÇÃO, MINORIA, GRUPO ETNICO, MULHER, PAIS ESTRANGEIRO, AFEGANISTÃO, AUSENCIA, JUSTIFICAÇÃO, GUERRA.
  • ANALISE, IMPORTANCIA, POLITICA EXTERNA, BRASIL, DEFESA, PAZ, APOIO, DISCURSO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PARLAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAULO HARTUNG (Bloco/PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a minha primeira manifestação é de agradecimento ao meu conterrâneo, Senador Ricardo Santos, pela permuta do seu tempo.

            O objetivo do meu pronunciamento de hoje é um só: clamar pelo fim dos ataques militares ao Afeganistão. A cada dia que passa, aumenta o número de vítimas inocentes e fica mais difícil distinguir quais os verdadeiros alvos dessa guerra. Em relação a um tema tão delicado, é preciso ser claro, sem medo de desagradar e sem ambigüidades. Não tenho dúvida de que a linha adotada pelos Estados Unidos, com o apoio de diversos países, para combater o terror deixará uma pesada hipoteca de instabilidade nas relações internacionais.

            Na minha opinião e penso que na de todos os democratas do mundo, nenhuma nação tem o direito ou a capacidade de decidir, de forma unilateral, os rumos da política mundial. O mundo, não só os Estados Unidos, está trilhando um atalho perigoso, sem objetivos nítidos e sem instrumentos para negociar e mediar soluções. O único caminho possível para a paz é o do entendimento multilateral para construir uma nova ordem que supere o enorme e monstruoso paradoxo que estamos vivendo no presente: um mundo cada vez mais conectado e cada vez mais desigual e desunido.

            Antes de continuar com outros argumentos, gostaria de reafirmar minha solidariedade com o povo norte-americano - vítima principal do brutal ato criminoso no último dia 11 de setembro, no qual também foram vitimados cidadãos brasileiros e de diversos países - e ressaltar a minha concordância com a urgência de uma ampla mobilização internacional, corretamente conclamada pelo governo norte-americano, contra o terrorismo e outras formas de crimes praticados contra a humanidade, bem como contra o banditismo em escala internacional.

            Discordo, porém, do caminho adotado pelo governo dos Estados Unidos, porque não acredito - e penso que poucas pessoas no mundo - que ele seja sustentável a longo prazo na luta contra o terrorismo. A lógica que prevaleceu na presente ação foi a da mobilização política e diplomática para assegurar passe livre ao uso indiscriminado da força, fato que ficou ainda mais explícito quando aquele governo comunicou à ONU que a presente cruzada contra o terror não se limitaria, obrigatoriamente, ao Afeganistão e a Bin Laden. O próprio Secretário de Segurança norte-americano já deu a entender que os ataques poderão estender-se a qualquer outro país suspeito de abrigar terroristas.

            Reduzem-se, assim, as chances de construção de uma duradoura aliança mundial que dê sustentação a um novo modelo de segurança internacional. A manutenção das ações militares norte-americanas no Afeganistão coloca todos os demais países no papel de meros coadjuvantes nas importantes decisões relativas ao destino do planeta.

            Minha discordância contra os ataques não decorre, pura e simplesmente, de uma defesa pelo princípio da soberania do atual governo do Afeganistão, governo este, é importante ressaltar desta tribuna, que não é reconhecido por quase nenhum país do mundo.

            Há elementos suficientes para justificar um amplo, um vigoroso repúdio ao regime dos talibãs. Do ponto de vista interno, houve até uma certa pacificação do cotidiano no território sob seu controle. Entretanto, essa “conquista” foi alcançada pela disseminação da xenofobia, da intolerância religiosa e do terror, do qual têm sido vítimas preferencialmente as mulheres, os crentes de outras religiões, assim como os muçulmanos de outras etnias ou linhas religiosas. Mas, não podemos aceitar que o radicalismo desses adversários da democracia e dos princípios que devem nortear as relações planetárias seja o argumento principal para justificar uma ação de guerra. As conseqüências para a paz mundial exigem mais reflexão de todos nós e de todos os países. Se o radical isolamento e intransigência dos talibãs facilitou o trânsito livre para a iniciativa militar, a manutenção de uma guerra sem objetivos criou um perigoso precedente nas relações internacionais - quero ressaltar essa parte do meu pronunciamento.

            Aproximamo-nos de um momento decisivo.

            Em primeiro lugar, porque a falta de resultados práticos e o passar dos dias reduz a força do discurso do governo americano.

            Em segundo, porque está em curso uma mudança na posição da opinião pública mundial e, mais, dos principais países envolvidos. O editorial da Folha de S.Paulo do último dia 31 de outubro, intitulado “Pausa para a paz” informa-nos que tanto nos Estados Unidos quanto na Grã-Bretanha diminuiu a confiança nas chances de êxito desta luta contra o terrorismo e contra o terror. Hoje, informa o editorial, apenas 18% dos americanos confiam na capacidade do governo em protegê-los de novos ataques terroristas. Há um mês, esse percentual era de 35%. Entre os ingleses, o apoio à guerra teria despencado em 12 pontos em 15 dias e mais da metade da população já deseja a suspensão dos ataques militares.

            Pressionados pelo tempo e pelo progressivo isolamento, os Estados Unidos parecem abandonar a estratégia dos chamados “ataques cirúrgicos” e caminham para uma ação de massa. Já há quem tema um novo genocídio, como aquele que a nossa geração assistiu no Vietnã. Corremos o risco de que a caçada ao novo terrorismo espalhe conflitos por várias regiões do planeta e propague um ambiente de tensão e militarização da sociedade mundial.

            Esses argumentos são, no entanto, pequenos, pequeninos, diante das razões humanitárias. Todos os dias somos informados dos sofrimentos da população civil, especialmente dos pobres e dos miseráveis daquela região. O Talibã anuncia - não temos certeza desse número - que mais de 1.500 civis já morreram. O que existe hoje no Afeganistão é morte, fome, terror, falta de serviços e bens básicos para a sobrevivência, desagregação familiar e desabrigo. A proximidade do inverno torna a situação ainda mais crítica e mais dramática.

            Assistimos, também, ao agravamento do conflito entre judeus e palestinos, à ampliação da instabilidade política no Paquistão e das tensões deste país com a Índia e ao aumento do número de refugiados afegãos nos acampamentos do Irã e do Paquistão.

            Torna-se urgente um entendimento comum de quais são os objetivos da luta antiterror na presente etapa que estamos vivendo no mundo. Para isso é necessário que cessem os ataques militares e sejam empreendidas negociações multilaterais para determinar a linha das ações conjuntas contra o terrorismo.

            O Brasil - eu já disse isso desta tribuna e quero repetir hoje - pode ter um importante papel no momento atual. Nosso País tem uma relação consolidada com diversos países de população muçulmana. Nossa diplomacia tem uma tradição de não alinhamento automático. Aqui, apesar de tantos problemas sociais que temos, existe um ambiente de tolerância religiosa e de convivência pacífica de imigrantes de distintas etnias.

            A repercussão do discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso na Assembléia Nacional da França corrobora a importância de uma atuação brasileira. Nele estão corretamente definidos os principais itens de uma agenda internacional: combate ao terrorismo, acompanhado de um esforço para enfrentar as causas profundas e imediatas da instabilidade que vivemos no mundo, inclusive a instabilidade econômica, de desequilíbrio e de desigualdades raciais, sociais e assim por diante; solução justa e duradoura para o conflito entre israelenses e palestinos; compromissos que satisfaçam, por meio de negociações comerciais multilaterais, em particular na rodada da OMC que se avizinha, os interesses de todos de forma eqüitativa, o que não acontece principalmente no mundo desenvolvido em relação aos países mais pobres e em desenvolvimento. É preciso, ainda, controlar a instabilidade e impor limites aos abusos dos fluxos financeiros internacionais; taxar a movimentação internacional de capitais - não há outro jeito, pois estamos vendo o que está acontecendo com o nosso próprio País, vivendo a quinta crise econômica por fatores internacionais em poucos anos -, de forma a gerar liquidez para as economias emergentes e reduzir a fome e a pobreza no mundo; redesenhar e democratizar as instituições de governança no plano internacional, a começar pelo Conselho de Segurança da ONU; ratificar os estatutos do Tribunal Penal Internacional e caminhar para um novo contrato jurídico; bem como pautar as relações internacionais pela solidariedade, pela ética, pela garantia dos direitos humanos e defesa do meio ambiente, garantindo a implementação do protocolo de Kyoto, cujo tema já defendi várias vezes nesta tribuna.

            Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, o papel do Brasil no momento atual seria ainda mais importante não fosse a vulnerabilidade externa da nossa economia. Essas dificuldades tendem a reduzir o alcance de nossas iniciativas e posicionamentos, bem como de nossa visão em relação aos problemas do planeta.

            A retração internacional e a falta de liquidez dos mercados encontraram-nos pouco prevenidos. O Governo desperdiçou as oportunidades de redefinir a inserção do Brasil na nova economia internacional de forma sustentável ao optar por financiar o crescimento pelo ingresso de recursos externos além de limites responsáveis. Estamos pagando um preço por isso e vamos continuar pagando nos próximos anos.

            Fala-se que essa é uma opinião isolada no Brasil. O irônico, no entanto, é que essa opinião que esposamos desta tribuna e que defendemos desde que chegamos ao Senado também é a opinião de alguns dos mais autênticos e iluminados defensores do livre mercado. Alain Greenspan, presidente do FED declarou recentemente que “o uso de empréstimos em moedas estrangeiras a curto prazo, que são usados para prover empréstimos de longo prazo a descoberto, em moeda corrente doméstica, são como combustível aguardando a explosão”. Vulneráveis como estamos, ficamos sujeitos a sobressaltos, e o Governo tende a uma política equivocada, tanto no plano interno como externo.

            Apesar das críticas de alguns ao discurso presidencial, o fato é que houve uma evolução afirmativa no posicionamento, inicialmente tímido e pouco claro, do Governo brasileiro sobre o mundo após 11 de setembro. Mas, avançou. Mostrou-se, também, o quanto é urgente entre nós a definição de uma política ativa de defesa dos interesses nacionais que, conforme disse o Prof. Luís Carlos Bresser Pereira, evite tanto o globalismo alienado quanto o nacionalismo retrógrado.

            É esse o posicionamento que queria apresentar nesta tarde, Sr. Presidente. Um posicionamento em defesa da paz, da democracia e em defesa de uma posição brasileira ativa em relação às questões importantes e decisivas que estamos vivendo nesse dramático contexto que vive o mundo.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo15/16/248:28



Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/2001 - Página 27770