Discurso durante a 150ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Repúdio à matéria publicada pela revista Época sobre as condições sócio-econômicas do Estado de Roraima.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. ESTADO DE RORAIMA (RR), GOVERNO ESTADUAL.:
  • Repúdio à matéria publicada pela revista Época sobre as condições sócio-econômicas do Estado de Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 08/11/2001 - Página 28023
Assunto
Outros > IMPRENSA. ESTADO DE RORAIMA (RR), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • LEITURA, CARTA, AUTORIA, NEUDO RIBEIRO CAMPOS, GOVERNADOR, ESTADO DE RORAIMA (RR), REPUDIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELIANE BRUM, JORNALISTA, MAURILIO CLARETO, FOTOGRAFO, COMPARAÇÃO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, AFEGANISTÃO, SITUAÇÃO, MISERIA, POPULAÇÃO, REGIÃO, VIOLENCIA, CONFLITO, INDIO.
  • SOLICITAÇÃO, PERIODICO, EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REPARAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA (UFRR), AUTONOMIA, ENERGIA ELETRICA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, INCLUSÃO, INDIO, POPULAÇÃO, ASFALTAMENTO, RODOVIA, AUMENTO, PRODUÇÃO AGRICOLA, PRODUÇÃO INDUSTRIAL, CALÇADO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já há alguns dias, venho preparando um pronunciamento para fazer uma abordagem sobre a Amazônia. Porque, sempre que ouvimos falar em Amazônia, logo vem à mente de todos os brasileiros - dada a forma como a grande mídia nacional aborda o tema - o quê? Matas, animais, índios, rios, e só.

Realmente, eu estava me preparando para fazer um pronunciamento para mostrar que a Amazônia é bem mais do que isso. A Amazônia é uma área - só para ficar nos Estados da Região Norte, são sete Estados - que possui universidades federais, escolas técnicas federais, cursos superiores particulares, enfim, um potencial industrial enorme. Existe ali um povo heróico, basicamente oriundo do povo nordestino, que se mesclou não só com os negros, mas também com os índios, e formou o que chamamos caboclo amazônida. A região possui hoje cerca de 21 milhões de habitantes.

Eu estava em Roraima quando a revista Época, que circulou na semana passada, trouxe uma matéria de capa intitulada “Roraima - Luta, Aventura e Glória na Fronteira”. Num primeiro momento, obviamente, com a fotografia de um índio, não podia ser diferente. É esse o estigma, é esse o jargão que se coloca sobre a Amazônia: somente mata, rio, índio, animal. Apresentam também o homem amazônico como o migrante nordestino que vai para lá como um desesperado da sorte em busca de alguma coisa.

Logo folheando a revista, empolguei-me até ao ver que o meu Estado, que é um Estado pequeno da Região Norte, o menos populoso, o menos rico do ponto de vista financeiro, mereceu 12 páginas fartamente ilustradas dessa importante revista nacional. Comecei a me empolgar até com o título da matéria, pelo menos com parte dele: “A Guerra do Começo do Mundo” - a palavra ‘guerra’ em letras vermelhas -, no momento em que o mundo todo está estressado com uma guerra em que as potências mundiais bombardeiam um país por causa do terrorismo. Mas, pelo menos, já se faz uma pequena justiça com a própria geografia, já que o mapa do Brasil não está de cabeça para baixo e Roraima não poderia estar no fim do mundo, como sempre apregoou a grande imprensa nacional. Tinha que estar pelo menos no início do Brasil, já que o mapa está de cabeça para cima, creio eu.

Ao ler a matéria, o que me causou tristeza e transtorno foi ver quanto preconceito, quanta maldade em cada linha escrita, em cada foto publicada. Não se viu, por exemplo, uma fotografia da Capital, Boa Vista, ou da Universidade Federal de Roraima; não se viu, por exemplo, uma fotografia das inúmeras escolas-padrão existentes no Estado e que são hoje referência internacional. Mas a matéria está fartamente ilustrada com fotografias de índios, de militares, de estradas esburacadas, de nossos irmãos nordestinos chegando a Roraima com uma sacolinha na mão, e uma foto de uma das praças principais da cidade de Boa Vista, onde, em alguns momentos, nos fins de semana, existe uma festa popular em que o povo dança inúmeras músicas, entre as quais a preferida é o forró. Aliás, música que não foi inventada em Roraima, é uma música que vem do Nordeste, com muita honra, e que o povo aprecia demais. Porém, em Roraima, o forró foi enfocado como uma música onde se pratica a fornicação. Quer dizer, não há uma frase sequer nessa matéria que possa fazer justiça à realidade do Estado de Roraima.

Sr. Presidente, eu reconheço e defendo muito a liberdade de imprensa, e penso mesmo que, sem ela, não há democracia. Penso, também, que a ética na liberdade de imprensa deveria presidir uma iniciativa dessa ordem.

Ora, um Estado como o meu, que precisa se desenvolver, que acabou de concluir o asfalto de suas estradas que ligam a capital do meu Estado à capital do Estado do Amazonas, que ligam a capital do meu Estado à Venezuela e à fronteira com a Guiana, ex-Guiana Inglesa; que concluiu pontes que pareciam impossíveis de serem concluídas, como a ponte sobre o rio Branco, como a Ponte Transnacional, que, quando concluída, ligará o Brasil à Guiana. Agora, no momento em que o País está vivendo a angústia do apagão, o nosso é um Estado que vive o momento da iluminação, porque foi inaugurada a linha de transmissão que traz a energia da Venezuela para o Estado de Roraima de maneira permanente, confiável. Portanto, nós não estamos nem pensando em racionamento; pelo contrário, temos energia em abundância. Mas nada disso foi dito nessa reportagem.

Sr. Presidente, são doze páginas - repito - em que acerto aqui só tem nos dados geográficos, felizmente ainda nos dados geográficos: quando diz que lá é o começo do mundo, talvez se refira ao começo do Brasil; quando fala da área territorial, está correta; do número de habitantes, está correto; está correto quando fala que em Roraima está localizado o extremo norte do País, que é no Monte Caburaí, e não no Oiapoque, como muito professor diz por aí.

Realmente penso que a revista Época está a dever ao Estado de Roraima. Nas vésperas em que o Estado se prepara para promover um grande evento, o Amazontec, em que os Governadores de toda a Amazônia, e até dos países limítrofes, amazônidas também, discutirão um saída tecnológica, comercial, que respeite todas as vertentes do meio ambiente, as culturas diversas da região, venha a tal revista fazer uma comparação que a minha terra seja alguma coisa parecida com o Afeganistão, em que os índios estão se preparando para uma guerra. E mais, fazendo ver ao Brasil todo que ali não existem cidadãos de primeira categoria, mas, sim, alguns bandos de miseráveis e insensíveis que fomentam essa situação vexatória, segundo a visão desses repórteres, com relação aos índios e aos nordestinos.

Quero, como roraimense, como homem que nasceu naquele Estado, de que muito me orgulho, filho de nordestinos, daqui da tribuna do Senado, Casa que representa os Estados, repudiar essa reportagem e dizer que os repórteres responsáveis por essa matéria, a Sr.ª Eliane Brum, responsável pelo texto, e o Sr. Maurilo Clareto, responsável pelas fotos, deveriam receber da Assembléia Legislativa do Estado de Roraima o título de persona non grata daquele Estado.

Repudio essa matéria e solicito à revista que faça a outra parte, que mostre os pontos positivos do Estado.

Sr. Presidente, para que conste nos Anais desta Casa, passo a ler a carta que o Governador do Estado de Roraima, Neudo Campos, enviou ao diretor da revista Época, e também para que os telespectadores da TV Senado e os ouvintes da Rádio Senado possam tomar conhecimento da indignação que tomou conta de todo o nosso Estado com tal matéria. Não consigo conceber que doze páginas de uma revista tão importante tenham se prestado a desservir a uma região brasileira, especificamente a um Estado pronto para se desenvolver.

Diz a carta do Governador:

Carta ao Diretor de Época.

Boa Vista - RR, 5 de novembro de 2001.

Ao Ilmo. Sr.

Jornalista Marcos Dvoskin

Diretor-Geral da Revista Época.

Senhor Diretor,

Nunca, na história de Roraima, fomos tão insultados quanto nas doze páginas da Época, na sua edição de 29/10/2001. Lembro que há alguns anos, em Manaus, assisti a competente repórter da rede Globo, Sônia Bridi, afirmar que o Brasil aparece no noticiário internacional, na grande maioria das vezes, ligado às notícias ruins. Se é certo que isso é injusto com o nosso País, porque repetir o tratamento com a Amazônia, e neste caso com Roraima? Por que permitir que se diga um exagero desmedido, como o que o município de Uiramutã é um Oriente Médio? Que toda a nossa população vive em vigília permanente, com medo dos americanos que espionam a Amazônia? Que Roraima está em guerra? Por que não dizer a verdade como é esperado da parte das Organizações Globo?

Esta verdade deveria ser dita não somente à repórter Eliane Brum, mas a todos os brasileiros. Ao contrário do que consta na matéria, recebemos aqui a visita de FHC, por quatro vezes, muito mais do que em outros estados.

            Disse a repórter, na matéria, que Roraima era tão insignificante que nunca um presidente ou um candidato a presidente lá teria pisado.

Aqui já estiveram Ciro Gomes, Lula, JK, Ademar de Barros e o Marechal Lott, que nos visitaram como candidatos à Presidência. Também deveria ser dito que nós somos o estado brasileiro que mais investe em educação por aluno/ano; que gastamos 14% do nosso Orçamento, em Saúde; que fomos premiados pela Secretaria de Assistência Social da Presidência da República, junto com mais nove estados, como praticantes de uma melhor política social; que temos potencialidade na área de alimentos e grãos, com uma produtividade comprovadamente maior do que no Centro-Oeste; que temos a característica de sermos polo de produção na indústria de calçados, de móveis, no Ecoturismo, tão fantásticas que o Uiramutã recebeu o Selo da Mais Alta Qualidade em Turismo, concedido pela Embratur, colocando aquele município entre os principais redutos ecológicos, com capacidade de turismo nacional e internacional? Por que não falar das estradas, dizendo que são um grande passo para o nosso desenvolvimento, já que nos ligam à Venezuela, Manaus e Guiana? Por que não falar da energia elétrica, firme e confiável para as indústrias, que está assegurada pelos próximos vinte anos, e sem o fantasma do racionamento que ronda o resto do País? Que temos uma posição geográfica privilegiada por estarmos perto do Caribe, Venezuela e Guiana, com menores distâncias para aqueles que querem produzir e exportar para os Estados Unidos ou para o Mercado Comum Europeu? Que lutamos por isso a cada dia, recebendo empresários, fazendo palestras no Brasil e no exterior para que o nosso estado se desenvolva e assim melhore a vida do nosso povo e a dos migrantes que vêm para cá. Que estas pessoas têm uma assistência muito maior do que em qualquer capital do Sul do país, apesar de toda a dificuldade que temos em equalizar os nossos recursos para atendermos a tanta gente?

Com relação à política deste governo para a comunidade indígena, porque não esclarecer que todas as comunidades têm escolas iguais às da Capital e atendimento à Saúde nas próprias malocas e que a Educação Indígena é feita em duas línguas, no português e nos dialetos de cada tribo? Que os índios aqui em Roraima perfazem hoje oito mil votos e que eles têm poder de decisão? Os índios aqui são prefeitos, como é o caso de Florany Motta, do Uiramutá, líderes políticos, secretários de estado, vereadores, deputados e o nosso Líder do Governo na Assembléia Legislativa também é índio.

Resumindo, entendo que falta à revista Época mostrar ao nosso País o verdadeiro Hemisfério Norte, o verdadeiro Roraima, e como vão ter que andar muito por este Brasil para encontrar uma cidade tão linda como Boa Vista e com pessoas tão receptivas, gentis e amigas. (sic)

Assina o Governador Neudo Ribeiro Campos, Governador Macuxi do Estado de Roraima.

Deixo, então, Sr. Presidente, a resposta do Governador, junto com a minha indignação, solicitando à revista Época um reparo à dignidade do povo roraimense.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/11/2001 - Página 28023