Discurso durante a 151ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a necessidade urgente do Governo Federal efetivar uma política de segurança pública, contemplando o combate ao terrorismo. (como lider)

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre a necessidade urgente do Governo Federal efetivar uma política de segurança pública, contemplando o combate ao terrorismo. (como lider)
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/2001 - Página 28117
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ATENTADO, TERRORISMO, VITIMA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ANALISE, EFEITO, CONFLITO, MUNDO, AMBITO, ECONOMIA, QUESTIONAMENTO, FALTA, JUSTIÇA SOCIAL.
  • NECESSIDADE, ATUAÇÃO, PRIMEIRO MUNDO, COMBATE, MISERIA.
  • DEFESA, MELHORIA, ATUAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, COMBATE, VIOLENCIA, CRIME.
  • DEFESA, REGULAMENTAÇÃO, EXECUTIVO, LEGISLAÇÃO, DERRUBADA, AERONAVE, HOSTILIDADE, PROPOSTA, ORADOR, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), MODERNIZAÇÃO, PASSAPORTE, BRASIL, COMBATE, FALSIFICAÇÃO.
  • DEFESA, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, PROIBIÇÃO, VENDA, ARMA DE FOGO, DEFINIÇÃO, CRIME, INFORMATICA.

            O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Como Líder. Sem revisão do orador. ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil, felizmente, não é e em momento algum foi considerado um alvo potencial para as deploráveis ações terroristas como as que indignaram o Mundo, no dia 11 de setembro, contra várias cidades norte-americanas, exatamente por vitimarem civis inocentes, que não tinham ascendência sobre os rumos das políticas externas dos Estados Unidos.

Na memória de todos, Srªs e Srs. Senadores, ficaram eternas as cenas dignas do cinema catástrofe. Na consciência, a dura certeza de que ninguém está seguro, em nenhum quadrante do globo. Poucas datas assinalaram de maneira tão indelével a História da Humanidade com a marca amarga do sangue e do sofrimento de milhares de inocentes. São imagens, Sr. Presidente, que ainda hoje continuam assombrando o Mundo, com a conseqüente retaliação militar contra o Afeganistão.

O mundo mergulha, assombrado, numa zona sombria de apreensão, em virtude dos desdobramentos desse conflito. Na economia, Srs. Senadores, as sombrias projeções apontam para uma recessão mundial, baixíssimos índices de crescimento das nações e uma retração mundial no fluxo de investimentos internacionais. A instável economia mundial ganha, portanto, mais um elemento de crise e os fragilizados países do Terceiro e do Quarto Mundo irão sofrer, de maneira perversa, as piores conseqüências desse belicismo primitivo.

Em função desse conflito, o Mundo tomou conhecimento de uma das miseráveis zonas do Planeta, uma cruel realidade repetida em todos os países subdesenvolvidos, que os economistas preferem denominar, eufemisticamente, como nações em desenvolvimento - miséria vista aqui no Brasil que, de acordo com último levantamento da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, tem 37,5% da população vivendo abaixo da linha da pobreza.

Poderíamos até tomar como consolo a comparação desses índices com os do continente latino, onde 43,8% da população vivem com menos de US$2 por dia, ou seja, Sr. Presidente, absolutamente na miséria. Esse conceito não envolve apenas falta de acesso à renda, mas também ausência de educação, saúde, saneamento, água e eletricidade. Se ampliarmos a estatística para o mundo, constamos que 20% da população mundial sobrevivem com apenas um dólar ao dia, ou seja, indigência absoluta.

As nações desenvolvidas, paralelamente ao enérgico e continuado combate ao terrorismo, crime inominável, precisam com urgência fazer uma profunda reflexão sobre os desacertos e desigualdades na condução da economia mundial. Sem repensar esta atuação, sem programas e ações que visem eliminar a pobreza, reduzir a miséria e patrocinar uma solução para a inclusão social, as tensões, claro, sobreviverão e eclodirão em todo o mundo. Não que a pobreza legitime a violência, mas países arrasados economicamente são sítios permeáveis e generosos à instalação da intolerância. Após a resposta militar, o Primeiro Mundo precisa adquirir a consciência exata da miséria no planeta e que a dimensão do problema exige soluções rápidas, globais e múltiplas. A retração das nações desenvolvidas, em momento de crise, sem dúvida nenhuma, é um complicador neste cenário.

Mas o fato de não sermos alvos da barbárie terrorista não nos permite ficar alheios a recalcitrâncias deste conflito. Cada vez mais globalizado, independentemente da empatia que se tenha por essa ordem mundial, o mundo reclama por soluções integradas, sejam elas econômicas, políticas, administrativas, judiciárias ou sociais. Sem cooperação e ações multilaterais, todos os esforços em prol de uma vida mais próspera, feliz e segura serão vãos.

No campo interno, nós temos uma tarefa de casa a ser executada, sendo ou não o Brasil território potencial de ataques da intransigência terrorista. Nunca é demasiado rememorar a vizinha Argentina, que nunca esteve na mira dos terroristas e sofreu dois atentados em 1992, que objetivaram exatamente atingir organizações judias naquela país.

O Brasil tem, em várias esferas da Administração Pública, projetos, decretos, leis e ações aguardando deliberações ou regulamentações. Se até agora fomos extremamente tímidos na tentativa de diminuir nossas vergonhosas estatísticas de criminalidade, convém agora, sem dúvida nenhuma, mudarmos de postura. Precisamos ser mais agressivos, fazendo valer leis que auxiliariam no combate à violência e representariam uma significativa contribuição no combate ao terrorismo internacional.

            Sr. Presidente, o Governo tem, embolorando em suas gavetas, a lei já aprovada no Congresso Nacional disciplinando o abate de aeronaves hostis em espaço aéreo brasileiro. Falta o Executivo caracterizar detalhadamente em que momento um avião pode ser considerado hostil e se a autorização de destruí-lo será do Presidente da República ou delegada a alguma outra autoridade. Trata-se de instrumento, sem dúvida, fundamental no combate ao contrabando, narcotráfico, espionagem e a outras práticas delituosas. A lei foi publicada no Diário Oficial, em 06 de março de 1998. Uma regulamentação foi sugerida por mim, quando estava no Ministério da Justiça. Se ainda o Governo não a acatou, que apresente uma alternativa ou explique à Nação esse retardamento incompreensível.

            Sr. Presidente, ainda no Ministério da Justiça, iniciamos a modernização do passaporte brasileiro, apontado, no mundo todo, como um dos mais vulneráveis à falsificação e adulteração. A miscigenação do País permite que qualquer pessoa passe por brasileiro em qualquer lugar deste planeta. A vulnerabilidade e a mistura de raças tornam o passaporte brasileiro um dos documentos mais requisitados no mercado negro internacional. Alguns jornais chegaram mesmo a publicar que terroristas envolvidos nos atentados dos Estados Unidos utilizaram o documento brasileiro falsificado. Se há pendências jurídicas atrasando a modernização do passaporte - e há, porque uma empresa de saneamento de São Paulo ganhou a licitação para emitir os novos e seguros passaportes brasileiros e, depois de ganhar a licitação, pediu para indexar o contrato em dólar -, se há problemas jurídicos, que o Judiciário priorize essa decisão para que possamos modernizar e, mais do que modernizar, tornar seguro o passaporte que - repito - é o mais requisitado, o mais procurado no mercado da falsificação.

            No Congresso Nacional, Sr. Presidente, dois projetos importantes para o combate à criminalidade aguardam também apreciação. A proposta que proíbe a venda de armas no País e o projeto que tipifica penalmente e pune delitos cometidos através da informática, entre eles a difusão e prática do conhecido ciberterrorismo, que há muito tempo é motivo de preocupação de governantes de todo o planeta.

            O mundo todo tem uma legislação que tipifica os chamados crimes da informática. No Brasil, não. Este é um crime que ocorre em todos os países e, na medida em que não temos, no Brasil, uma legislação que o entenda como crime, conseqüentemente, barramos qualquer outra investigação de qualquer país que, por um motivo ou outro, depare-se no Brasil.

A idéia do registro único, inspirada pelo Senador Pedro Simon, importante no combate à falsificação de documentos, foi inexplicavelmente abandonada sem também a correta regulamentação. Igualmente foram esquecidas as promessas do Plano de Segurança de ampliar o efetivo da Polícia Federal, que responde, simultaneamente, como agente portuário, marítimo e judiciário. Para termos uma idéia do que isto significa, a Polícia Federal tem hoje em atividade 6 mil homens e mulheres. A Polícia Federal argentina, com atribuição constitucional semelhante, tem mais de 40 mil homens e mulheres. Os Estados Unidos, por exemplo, têm 13 Polícias Federais. Uma especializada praticamente para cada ramo do crime.

Mas, Sr. Presidente, se a violência interna não consegue tirar da paralisia estas propostas, espero sinceramente que a comoção mundial o faça.

Aguardo também que o já anunciado novo Ministro da Justiça, Deputado Aloysio Nunes Ferreira, que toma posse na próxima quarta-feira, se empenhe - e tenho certeza absoluta que se empenhará - para fazer com que essas idéias evoluam.

Finalmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço, desta tribuna, um apelo para que o Governo brasileiro adote as providências para que possa readquirir a ascendência no cenário mundial o tema segurança e não seja apenas um alvo de cobranças por parte dos dirigentes dos países desenvolvidos.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Renan Calheiros?

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Ouço o aparte, com muito prazer, de V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Renan Calheiros, V. Exª recordou hoje a tragédia do dia 11 de setembro, quando aviões se chocaram contra os edifícios do World Trade Center e o Pentágono, levando à morte quase 6 mil pessoas. O povo brasileiro e todos nós aqui, no Senado, solidarizamo-nos com o povo norte-americano diante da perda de vidas inocentes de maneira trágica. Mas, a propósito deste assunto, seria importante refletirmos sobre o fato de que, hoje, o Presidente Fernando Henrique Cardoso está na cidade de Washington, conversando com o Presidente George W. Bush, e, nesta mesma semana, ainda fará um pronunciamento perante a Assembléia Nacional das Nações Unidas. Há poucos dias, o Prêmio Nobel de Literatura, Gunter Grass, disse algo de extrema relevância ao afirmar o seguinte: “Se sou amigo de alguém, devo ser capaz de deter sua mão e contradizê-lo quando ele faz algo de errado. Algo diferente disso seria a solidariedade cega, que limita o poder do pensamento”. Senador Renan Calheiros, V. Exª como eu e toda a nossa geração não apenas ouvimos, mas também cantamos a bonita canção de Bob Dylan, que Joan Baez e outros cantores, dos melhores do mundo, cantaram. Refiro-me à canção Blowing in the Wind. À certa altura, os versos dizem: “Quantas vezes um homem deve olhar para cima antes de poder ver o céu? Quantos ouvidos um homem precisa ter antes de conseguir ouvir o choro das pessoas? Quantas mortes precisam ocorrer antes que ele perceba que muitas pessoas morreram? A resposta, meu amigo, está sendo trazida pelo vento (The answer, my friend, is blowing in the wind)”. Qual o significado dessas palavras, Senador Renan Calheiros? Quantas mortes de pessoas ali, no Afeganistão, deverão ainda ocorrer antes que se possa ver o céu? O que desejo lembrar, neste momento em que o Presidente Fernando Henrique se encontra nos Estados Unidos da América, é que, quem sabe, Sua Excelência possa dizer o mesmo que disse Gunter Grass, como amigo. Quem sabe possam os Estados Unidos aprender das lições de uma das pessoas que eles próprios resolveram homenagear, ao designar como um dos seus feriados a data em homenagem a Martin Luther King Junior, que lutou bravamente para convencer os seus concidadãos de que não era necessário a violência como forma de transformar ações, procedimentos, situações injustas. Que seria necessário se fazer de tudo da forma mais assertiva, jamais aceitando ações graduais, evitando-se a violência. O que espero - e digo isso dado o pronunciamento de V. Exª - é que possa o Presidente Fernando Henrique Cardoso falar no mesmo espírito das palavras que disse, há poucos dias, na Assembléia Nacional Francesa, quando afirmou sobre a importância de haver um Estado Palestino, assim como nós, brasileiros, apoiamos a criação do Estado de Israel, como uma das ações que se fazem necessárias para que haja paz no mundo. Mas também é preciso que os Estados Unidos compreendam as razões que levaram algumas pessoas, infelizmente, a agir com tanta violência, para reagir a alguma situação que precisa ser melhor conhecida. E seria importante que nós, aqui no Senado Federal, também estivéssemos dizendo ao nosso Presidente: procure dizer aquilo que é da alma, do coração e da nossa tradição de nunca procurar resolver pela guerra problemas que podem ser resolvidos, como mostrou Martin Luther King Junior, seguindo Mahatma Gandhi, de outra forma. Com respeito ainda à regulamentação da lei que V. Exª mencionou, quero observar que são muitos os pilotos brasileiros que temem alguma impropriedade na forma de regulamentar essa lei, porque eles se sentem ameaçados quanto à possibilidade de erro na hora de a Força Aérea ou qualquer força de defesa brasileira abater um avião. Se, porventura, for cometido um erro, uma vida inocente será abatida. Obrigado.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Agradeço o aparte do Senador Eduardo Suplicy. Sem dúvida nenhuma, somente a regulamentação criteriosa pode desfazer qualquer risco que houver com relação à hipótese, dentre outras coisas, de erro. Agradeço, sinceramente, a intervenção de V. Exª, sempre oportuna, poética, engajada e inteligente .

Apelo, finalmente, desta tribuna, para que o Governo brasileiro nos ajude a avançar nessas questões, porque, sem dúvida, isso ajudará a firmar o Brasil mundialmente e, com isso também, sairemos desta triste condição de sermos sempre cobrados por ações que já poderíamos ter concretizado, como aliás outros países já o fizeram.

Agradeço a todos e à Senadora Heloísa Helena, que preside a sessão neste momento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/2001 - Página 28117