Discurso durante a 151ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Realização, ontem, na Comissão de Assuntos Econômicos, de audiência pública de abertura do Ciclo Nacional de Debates sobre as Instituições Financeiras Multilaterais, intitulada "As estratégias das instituições financeiras multilaterais, as políticas de ajuste e o papel do parlamento no Brasil" .

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • Realização, ontem, na Comissão de Assuntos Econômicos, de audiência pública de abertura do Ciclo Nacional de Debates sobre as Instituições Financeiras Multilaterais, intitulada "As estratégias das instituições financeiras multilaterais, as políticas de ajuste e o papel do parlamento no Brasil" .
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/2001 - Página 28130
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, ABERTURA, DEBATE, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
  • REGISTRO, APRESENTAÇÃO, ORADOR, AUDIENCIA PUBLICA, ANALISE, DOCUMENTO, RELATORIO, BANCO MUNDIAL, ATUAÇÃO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, ECONOMIA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi realizada ontem, 7 de novembro, na Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa Legislativa, a audiência pública intitulada AS ESTRATÉGIAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS MULTILATERAIS, AS POLÍTICAS DE AJUSTE E O PAPEL DO PARLAMENTO NO BRASIL.

O referido debate estabeleceu a abertura do Ciclo Nacional de Debates sobre as Instituições Financeiras Multilaterais, uma realização da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal com o apoio da Rede Brasil e do Instituto de Estados Sócio-Econômicos - INESC.

Gostaria de trazer a este Plenário, comentários que apresentei àquele Ciclo, tratando de uma análise ao documento original “Building Institutions for Markets, editado como Relatório de Desenvolvimento Mundial para 2002, pelo Banco Mundial, onde procurou-se sumarizar a temática das instituições junto aos mercados de atividade econômica.

No entanto, mesmo a síntese aqui apresentada, demonstra ser o assunto abordado digno de maiores investigações e aprofundamentos, que são relevantes e conseqüentes para qualquer modelo de desenvolvimento que se procure criar e implementar.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.

 

CONSTRUINDO INSTITUIÇÕES PARA MERCADOS*1

Lúcio Alcântara*2*

            “As instituições estabelecem os limites e determinam a

forma de realização das atividades humanas.”

Walton Hamilton, Instituições, 1932.

            I - INTRODUÇÃO

Nos últimos dez anos, o Banco Mundial vem apresentando o seu Relatório de Desenvolvimento Mundial sobre temas considerados relevantes para a instituição, elaborados como resultado de estudos teóricos e observações práticas colhidas em diversos países do Mundo.

O Relatório de Desenvolvimento Mundial para 2002, denominado “Construindo Instituições para Mercados”, assume o complexo tema das instituições básicas necessárias ao correto funcionamento dos mercados. O relatório vai além de um simples exame da estrutura institucional e explora as funções das instituições.

Inicialmente, numa abordagem sintética e abrangente, o relatório analisa a forma como as instituições apóiam os mercados, como elas apóiam o crescimento e a redução de pobreza, e como devem ser construídas, para ser efetivas.

A seguir, são analisados os três grupamentos que compõem o cenário global das instituições: as empresas, o governo e a sociedade.

Quanto às empresas, são detalhadas questões relativas ao uso da terra, como a estrutura de registros agrários, de crédito agrícola e de acesso à inovação em tecnologia agrícola. Igualmente, são detalhadas as questões de apoio às pequenas e médias empresas, o cooperativismo, o associativismo classista e o mercado de capitais, bem como o sistema de intermediários formais, como os terceirizados, os auditores e outros. Finalmente, são analisados especificamente os sistemas financeiros, sua regulamentação e fiscalização, a forma de interação financeira internacional, o fenômeno das e-finanças e como universalizar o acesso a serviços financeiros.

Quanto ao governo, são detalhadas as instituições políticas e de governo, seus mecanismos de escolhas de políticas, a corrupção e a tributação dos mercados. São também analisados os principais modelos de sistemas judiciários, enfatizando os aspectos de rapidez e custo, ao lado dos objetivos de reformas judiciárias modernizadoras. Da mesma forma, são detalhadas questões relativas à concorrência, interna e externa, e dos seus sistemas de proteção e direito econômico. Finalmente, é abordada a questão da regulação da infra-estrutura, destinada a garantir sua competitividade e o acesso a seus principais serviços pelos mais pobres.

Quanto à sociedade, são detalhadas a tipologia e a finalidade das instituições não governamentais, formais ou informais, para influenciar os mercados. São exemplos as associações comunitárias, as igrejas e seus movimentos, e as instituições de finalidade temática específica, entre outras. Igualmente, é analisada a influência da disponibilidade da informação, tanto por meio da mídia convencional como da Internet.

            II - UMA VISÃO SINTÉTICA

A proposta-síntese do relatório é a formulação de algumas diretrizes gerais para aprimoramento de todas as instituições citadas na introdução, no sentido de sua atuação sobre os mercados de atividade econômica, e de induzir o comportamento dos agentes para resultados sociais mais positivos; sob a premissa de que a atuação dos mercados é o caminho fundamental para garantir o desenvolvimento social, gerando riqueza e empregos para melhorar a vida dos menos favorecidos, por sua atuação direta, pela atuação indireta do governo, com o resultado dos tributos, e pela atuação da sociedade, com os excedentes de riqueza e com a voluntariedade dos mais favorecidos.

Quando a pergunta é como as instituições se relacionam com os mercados, a resposta é simples: as instituições canalizam informação, definem e garantem direitos de propriedade de todos os bens e serviços, e aumentam ou previnem a competição. Entender quais as funções que as instituições atuais provêem e quais as que as substituições propostas a elas proveriam é o primeiro passo para o aprimoramento de tal relacionamento. O relatório propugna que, uma vez identificadas as funções institucionais que estão faltando ou não estão cumprindo o seu papel, você pode então construir instituições efetivas, seguindo alguns princípios básicos:

A - Complemente o que já existe, em termos de outras instituições de apoio, analisando as capacidades humanas e a tecnologia necessárias.

B - Inove para se adequar a normas e condições locais. Experimentar novas estruturas pode proporcionar a um país soluções criativas que funcionem.

C - Conecte as comunidades de participantes do mercado, com fluxos de informação abertos e comércio livre. Comércio livre e fluxos de informação criam demanda para instituições novas e melhoram o funcionamento de estruturas existentes.

D - Gere competição entre jurisdições, empresas e indivíduos. O aumento da competição cria demanda para instituições novas, na medida em que as velhas perdem sua efetividade. Também afeta o modo como as pessoas se comportam, melhorando a qualidade institucional.

Algumas questões tópicas são descritas a seguir, como exemplos de teses que são detalhadas no Relatório de Desenvolvimento Mundial para 2002 - “Construindo Instituições para Mercados”.

Ficou claro, nas pesquisas realizadas, que instituições fracas, leis ineficientes, tribunais corruptos, sistemas de crédito profundamente influenciados e requisitos muito burocratizados para registro empresarial prejudicam as pessoas pobres e postergam o desenvolvimento.

Países que sistematicamente lidam com tais problemas e criam instituições novas servindo a necessidades locais podem aumentar dramaticamente a renda e reduzir a pobreza. Estas instituições variam de costumes e tradições não escritos a códigos legais complexos que regulam o comércio internacional.

“Sem instituições efetivas, são excluídas as pessoas pobres e os países pobres dos benefícios de mercados”, diz o economista Nicholas Stern, vice-presidente sênior do Banco Mundial, que revisou o relatório. “Este relatório oferece princípios para reformas, baseados na experiência das pessoas ao redor do mundo que estão lutando com o desafio de construir instituições mais efetivas.”

Instituições complexas e ineficientes são um problema comum, especialmente para pessoas pobres em países pobres. Em Moçambique, por exemplo, registrar um negócio novo requer dezenove passos e cinco meses, e custa mais do que a renda anual per capita. Em contraste, registrar um negócio novo na Austrália requer só dois passos, dois dias, e dois por cento da renda anual per capita. Na Eslovênia, solucionar uma disputa relativa a um cheque devolvido pode levar quatro anos; em Cingapura leva apenas trinta e cinco dias.

“Regulamentos demasiadamente complexos são especialmente problemáticos em países pobres”, diz Roumeen Islam, diretor do Relatório de Desenvolvimento Mundial para 2002. “Em lugar de proteger os consumidores e negócios, esses regulamentos conduzem à mais alta corrupção, ao desperdício de energia e baixa a produtividade”.

A simplificação dos procedimentos judiciais pode aumentar a eficiência, sem sacrificar a justiça. Sistemas alternativos de resolução de conflitos, como esses baseados em normas sociais, também podem melhorar o acesso de pessoas pobres a serviços legais. Por exemplo, em Bangladesh, uma organização não governamental oferece, para as mulheres, serviços de mediação grátis que resolvem a maioria das disputas em uma aldeia em menos de dois meses, comparados a três anos para um caso semelhante no tribunal.

“Para resolver disputas que ultrapassam as transações normais de negócio, as pessoas precisam de acesso a tribunais eficientes e a juízes que sejam confiáveis”, diz Islam.

O relatório apresenta um arcabouço analítico baseado na análise cuidadosa de detalhes do contexto institucional, em seu nível micro. Esses detalhes incluíram novas pesquisas de sistemas jurídicos, regulamentos empresariais e propriedade da mídia em cerca de 100 países. Baseado nessa pesquisa, afirma o relatório que as instituições que apóiam os mercados executam uma ou mais de três funções: elas aliviam ou restringem o fluxo de informação; definem e limitam os direitos de propriedade e os contratos; e aumentam ou diminuem a competição. Reformas e inovações foram muito mais efetivas quando elas satisfizeram essas necessidades de modo compatível às condições do país e quando provocaram aumento de acesso às oportunidades para o pobre. 

Em muitos países, os sistemas jurídicos não servem às necessidades de pessoas pobres que não podem pagar honorários advocatícios ou ler documentos judiciais complexos. El Salvador, Tailândia e Uganda estabeleceram tribunais de pequenas causas que se baseiam em procedimentos simplificados, às vezes somente orais. Os procedimentos mais simples solucionam as disputas mais rapidamente e a mais baixo custo do que os tribunais regulares.

Procedimentos de titulação de terras são freqüentemente muito caros e complexos para o acesso pelo pobre. Com isso, sem um título firme para a sua terra, os fazendeiros pobres não podem oferecê-la como garantia e são desencorajados de investir em melhorias, como melhor drenagem ou irrigação. O México e o Peru simplificaram os procedimentos de inscrição de terras, de forma que até mesmo proprietários de pequenos lotes podem obter seus títulos, rápida e transparentemente.

Padrões e regulamentos de infra-estrutura excluem os pequenos empresários, aos quais faltam, tipicamente, o capital ou a tecnologia requeridos. No entanto, é precisamente para esses que é fundamental oferecer os mais baixos custos de serviços. O Brasil, a Bolívia e Senegal adotaram, recentemente, regulamentos mais flexíveis, para permitir serviços de baixo custo, como telefone e conexões de água, em favelas, permitindo o crescimento da atividade econômica nessas aglomerações.

O relatório mostra que para que uma instituição em particular seja apropriada a um país, deve-se avaliar suas instituições de apoio, a tecnologia e as habilidades disponíveis, o nível de corrupção e os custos de acessar e manter tal instituição em nível adequado ao cumprimento de suas finalidades.

Os autores também constataram que fluxos abertos de informação aumentaram a demanda pública por instituições mais efetivas, enquanto melhoraram a governabilidade, a participação social e os resultados econômicos. Uma análise das estruturas de propriedade dos meios de comunicação, em 97 países, concluiu que a mídia possuída pelo Estado tende a ser menos efetiva do que a mídia privada para monitorar o governo. Países cujos governos têm domínio nacional prevalente sobre a radiodifusão e a imprensa, tenderam a ter menos direitos políticos, corrupção mais alta, governabilidade econômica inferior, mercados financeiros menos desenvolvidos, e piores educação e saúde.

Países que reduziram a propriedade governamental da mídia experimentaram freqüentemente melhorias rápidas na quantidade e qualidade de cobertura. Por exemplo, a privatização parcial da radiodifusão no México, em 1989, deu origem a um aumento acentuado na cobertura de escândalos de corrupção de governo. Em Gana, a introdução de uma estação privada de televisão, em 1997, conduziu a mais informação difundida sobre as atividades do governo, como também uma avaliação mais aberta de seu desempenho.

O domínio particular altamente concentrado também pode restringir a liberdade da mídia. Durante eleição presidencial na Ucrânia, em 1999, por exemplo, companhias de mídia privadas com ligações com o Estado deram, para o candidato à reeleição, mais tempo no ar e cobertura mais favorável do que aos seis concorrentes opositores.

Analisar sucessos e fracassos das experiências de outros países em construir instituições pode significar uma valiosa orientação. No entanto, copiar modelos institucionais sem considerar se eles são necessários e adequados aos que supostamente deles precisam, além das capacidades de sua absorção por governos e cidadãos, pode desperdiçar recursos escassos e não produzir resultados.

Por exemplo, na primeira metade da década de 90, Gâmbia e Zâmbia tentaram estabelecer mercados de valores construindo bolsas de valores e treinando as pessoas para seu funcionamento. Porém, havia tão poucas companhias e tão pequeno comércio que as trocas não puderam gerar as taxas para tornar auto-sustentável o mercado de valores. Está claro que as condições não eram maduras para a criação de mercados de valores e o esforço teria sido melhor gasto em outras necessidades, como melhorar a contabilidade e os sistemas de informação.

“No negócio de desenvolvimento, há uma tendência a etiquetar abordagens que deram certo em um ou mais países e tentar transplantá-las a outros países”, diz Islam. “Quando se trata de instituições, um só modelo não se ajusta a tudo.”

            III - CONCLUSÃO

O presente trabalho representa tão somente um extrato do seu documento de origem, o Relatório de Desenvolvimento Mundial para 2002, denominado “Construindo Instituições para Mercados”, que se configura como um estudo profundo da influência das instituições de todas as espécies nos mercados de atividade econômica.

Sob as premissas de que os mercados podem representar uma alternativa para a melhoria da qualidade de vida dos mais pobres e que as instituições desempenham um relevante papel em tal cenário, canalizando recursos e protegendo direitos, o relatório aborda detalhadamente, em suas mais de duzentas páginas, a forma como devem ser construídas as instituições para garantia de sua eficiência.

Consideram os autores que pode ser debitada à ineficácia das instituições envolvidas a diferença de comportamento e incentivo aos pobres para desenvolver seu potencial de habilidades, para sua inserção econômica e social, uma vez que, em países distintos, métodos relativamente similares produziram resultados flagrantemente diferentes.

Concluindo, considero muito significativa a tese exposta no documento, cuja leitura integral representa um importante referencial para a atuação de qualquer cidadão no sentido de contribuir para a diminuição das desigualdades sociais e propiciar melhores oportunidades aos menos favorecidos.


1* Documento apresentado na Audiência Pública AS ESTRATÉGIAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS MULTILATERAIS, AS POLÍTICAS DE AJUSTE E O PAPEL DO PARLAMENTO NO BRASIL. Abertura do Ciclo Nacional de Debates sobre as Instituições Financeiras Multilaterais. Realização Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal. Apoio Rede Brasil, INESC. Sala Vilson Kleinübing, Senado Federal. Brasília (DF), 7 de novembro de 2001.


2** Eleito Senador da República (1995-2003). Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (2001-2003).



Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/2001 - Página 28130