Discurso durante a 151ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a ausência de uma política governamental destinada a sanar os problemas do setor agropecuário brasileiro.

Autor
Sérgio Machado (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/CE)
Nome completo: José Sérgio de Oliveira Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • Preocupação com a ausência de uma política governamental destinada a sanar os problemas do setor agropecuário brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/2001 - Página 28135
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, INSUFICIENCIA, PRODUTIVIDADE, ATIVIDADE AGROPECUARIA, SITUAÇÃO, POBREZA, MISERIA, TRABALHADOR, PRODUTOR, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO CEARA (CE).
  • ANALISE, DADOS, INFERIORIDADE, PRODUTIVIDADE, AGROPECUARIA, ESTADO DO CEARA (CE), MOTIVO, FALTA, ACESSO, PESQUISA, TECNOLOGIA, CRITICA, AUSENCIA, INICIATIVA, EMPRESARIO, ATENDIMENTO, DEMANDA, NECESSIDADE, EDUCAÇÃO, COMBATE, ANALFABETISMO, OBJETIVO, AUMENTO, PRODUÇÃO.
  • DEFESA, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA AGRICOLA, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO, AGROPECUARIA.

            O INADIÁVEL INVESTIMENTO NO MEIO RURAL

O SR. SERGIO MACHADO (PMDB - CE ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho manifestado, sempre que possível, minha preocupação com o quadro atual da atividade agropecuária no Estado. A realidade dos trabalhadores e dos produtores no meio rural cearense torna-se ainda mais angustiante, quando lembro que apenas o investimento prioritário no campo, no interior, promoverá o desenvolvimento e encurtará o caminho para a redução da pobreza e da indigência do Ceará.

Afinal, de acordo com o Banco Mundial, 56% de todos os pobres do Ceará vivem - ou melhor - sobrevivem em áreas rurais. O índice de pobreza nas áreas rurais, conforme essa mesma fonte, é de 77%, contra, por exemplo, 20% em Fortaleza - quase 4 vezes menos!

E há muita pobreza por uma razão muito simples: a produtividade da nossa agropecuária é baixíssima - 15,84% da produtividade média da economia como um todo ou 10% da produtividade industrial. Um trabalhador rural em nosso Estado só consegue produzir, em média, 6% do que seu colega paulista!

Para entender melhor as razões de tão baixa produtividade, cito o Censo Agropecuário de 1995/96. Dos estabelecimentos rurais: somente 1% usa trator e 12,5%, fertilizantes; 40% controlam pragas e doenças e 29,3%, doenças nos animais; apenas 3,8% recebem assistência técnica e 1,6% têm a assistência técnica governamental; 8,5% são irrigadas; 28,4% possuem energia e irrisórios 2% recorrem ao crédito.

Mesmo com a evolução ocorrida após o Censo, essa realidade não sofreu alterações significativas, apesar, por exemplo, de o Banco do Nordeste ter pulverizado o crédito, e o Projeto São José ter aumentado a rede de energia rural.

Tanto isso é verdade que o setor só tem perdido posição relativa no PIB estadual: de 15% em 1986, atualmente, não passa de 6%. De 1985 para cá, diminuiu a área das principais lavouras sem ser compensada pelo aumento de produtividade. O mesmo ocorreu com o efetivo dos plantéis mais importantes - bovinos, suínos, ovinos e caprinos. E o dramático é que esse pequeno PIB é gerado por 40% da população ocupada da economia !

Um dos melhores caminhos para se empreender uma mudança qualitativa na triste realidade que hoje vive o meio rural cearense é retirar das prateleiras das universidades e centros de pesquisa, para levar ao campo, o que existe de biotecnologia pronta para revolucionar a atividade agropecuária do Estado.

Diz Pólan Lask que “o subdesenvolvimento, mais que um problema de recursos, é um problema de insuficiência de conhecimentos”. O pior é que, sinceramente, não acredito que haja, hoje, falta de conhecimento na minha região. O que não está ocorrendo corretamente é a ponte entre a produção da pesquisa e o campo.

A nossa agropecuária, em suma, ao longo do tempo, sempre esteve marcada pela vulnerabilidade ao fenômeno climático, pela tecnologia rudimentar e pelo despreparo e fragilidade do produtor rural - e aqui me restrinjo aos poucos que vão além da subsistência.

Como se vê, a agropecuária cearense não cumpre nenhuma de suas funções clássicas: fornecer alimentos e matérias-primas; ampliar e disponibilizar divisas com as exportações; transferir mão-de-obra para os outros setores; produzir, via impostos e capital, recursos para investimentos em outros setores e, por fim, expandir o mercado interno.

Se não fossem as transferências - aposentadorias do Funrural, FPM, cotas do ICMS e emendas do orçamento público -, o interior, que depende muito da agropecuária, não se sustentaria. Daí, Gustavo Maia Gomes, diretor do IPEA, em “Novos sertões e velhas secas”, ter cunhado para essa situação absurda o termo “economia sem produção”, tão absurda como saco vazio se pôr em pé.

É claro que está faltando uma coisa imprescindível para isso: o espírito empreendedor!

Há grandes demandas sobre a agropecuária do Ceará - como é o caso de caprinos - que não são atendidas por falta justamente daquilo que Schumpeter considera a mola-mestra do processo de desenvolvimento: o empresário, a iniciativa empresarial para, sob uma tecnologia, juntar os fatores de produção e produzir na quantidade e na qualidade que o mercado pede.

Mas, como fazer isso, se 44% da população rural é analfabeta, contra 20,4% da população urbana e, ainda por cima, vive sob condições muito precárias de saúde e alimentação?

Como fazer isso com essa tecnologia da reza para curar bicheira e do cabo da enxada para plantar, sem qualquer defesa diante da seca?

No entanto, há mercado, há conhecimento, há talentos, há recursos e outras precondições. Até a capacidade empresarial existe! O que falta é integrar tudo isso. É combater a dispersão. Colocar em prática, nas ações de governo, a visão do conjunto, da cadeia produtiva.

O erro dos erros, sempre repetido, é querer resolver problemas novos com as antigas soluções...

Temos de partir de um zoneamento agrícola. E, com isso, definir pólos, considerando-se a pesquisa, a tecnologia, a capacitação técnica e gerencial, o crédito e a comercialização, buscando criar, para cada produto, o selo com a marca “Ceará”.

Deveriam constituir prioridades as atividades nobres de alto valor agregado. No campo das lavouras, o caju, o algodão, a mamona e o sorgo. Na pecuária, a aqüicultura - peixes e camarão -, a apicultura, a bovinocultura de leite e a ovinocaprinocultura.

Não devemos esquecer do turismo rural - os hotéis-fazendas, as fazendas-hotéis, as trilhas ecológicas e outras atividades não-agrícolas.

São todas atividades que já reúnem condições de mais rápido desenvolvimento, cabendo apenas, para lhes dar impulsão, um novo arranjo institucional, uma nova forma de organizar o sistema, dentro da visão de cadeia produtiva.

Vamos ver o caso da caprinocultura... Ela possui: mercado insatisfeito para carne, leite e pele; capacidade de gerar emprego e renda em curto espaço de tempo; tecnologias disponíveis; grande dimensão quanto a área e expressividade da produção; alta adaptabilidade das espécies e baixa produtividade dos rebanhos.

Pois bem, considerada prioritária, como agora desenvolvê-la? Identificando, de acordo com o zoneamento agrícola, um pólo este se formaria em torno de frigorífico e curtume.

Políticas dirigidas são imprescindíveis para dar sustentabilidade ao desenvolvimento agropecuário: preços mínimos, ações governamentais que incrementem o mercado interno - como a compra da produção regional para a merenda escolar -, formação de estoques reguladores para enfrentar abundâncias ou carências sazonais, criação de novas linhas de crédito e outras garantias voltadas para o mercado rural do estado.

Todos os projetos e ações deveriam obedecer, no campo econômico, a políticas e diretrizes que priorizem a renda local, como a redução dos altos e baixos da atividade econômica - efeitos sazonais e da seca; o fortalecimento das vantagens competitivas - incentivos reais como educação, infra-estrutura mais incentivos fiscais; ou a captação de investimentos externos, já que a nossa poupança é insuficiente e incentivar as exportações, principalmente as de produtos com maior valor agregado possível.

Mas não basta, apenas, dar atenção aos aspectos econômicos do desenvolvimento agropecuário. É preciso, também, investir em outras campos. Na área social, promovendo o trabalho e a renda, o desenvolvimento humano em áreas como saúde e educação, regionalizando o conteúdo do ensino, de modo que o aluno conheça o seu meio e como transformá-lo.

No âmbito político, deve-se estimular a cidadania de massas, a vacina decisiva contra o patrimonialismo e o clientelismo, que funciona em prejuízo da qualidade do gasto público.

No âmbito cultural, deve-se promover a mudança de mentalidade, tão necessária no caso da agropecuária, além, obviamente, do desenvolvimento da indústria cultural, do turismo rural, da preservação do patrimônio histórico e cultural, que deverá ser resignificado no tempo - uma casa de fazenda passa a hotel-fazenda e um convento, a um centro de treinamento, por exemplo.

No que diz respeito ao meio ambiente, deve-se preservar o capital natural, sem deixar de melhorá-lo e aperfeiçoá-lo com as conquistas da ciência, de maneira responsável.

Enfim, para realizar tudo isso e, principalmente, atacar a pobreza, como dizia Montaigne, “Não se deve estar acima dos homens, mas junto com eles”.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/2001 - Página 28135